I – INTRODUÇÃO
Discorreremos, no presente trabalho, acerca de um tema de relevância não só doutrinária, mas também prática: as receitas públicas. Compreender sua natureza contribui, de forma cabal e indelével, para a formação acadêmica dos estudantes de Direito no que se refere à disciplina de Direito Financeiro. Além disso, este assunto tem sua importância para aqueles que, como cidadãos, têm o interesse de compreender melhor o funcionamento da máquina estatal, a fim de exercer, com coerência e seriedade, as prerrogativas de sua cidadania, sobretudo a de fiscalizar seus representantes políticos.
Inicialmente, conceituaremos as receitas públicas, analisando-as em sentido amplo e restrito. Num segundo momento, trataremos das fases de sua evolução histórica, desde a Idade Antiga até os dias hodiernos. A seguir, abordaremos algumas classificações segundo três critérios, a saber: o da regularidade, o da origem e o legal. Posteriormente, de maneira pormenorizada, analisaremos as noções e modalidades das receitas originárias e derivadas. A natureza e a instituição legal da compensação financeira, afinal, constituirão o último objeto de estudo deste singelo e objetivo trabalho, que não tem o escopo, obviamente, de exaurir o tema, e sim de constituir um auxílio de fácil manuseio para os acadêmicos e para os operadores de Direito.
II – CONCEITO
A entidade estatal, para atender às suas finalidades, necessita de dinheiro. O ingresso deste aos cofres públicos caracteriza o que se denomina de entrada, contudo esta não corresponde obrigatoriamente à receita pública.
De fato, algumas entradas provisórias devem ser, oportunamente, devolvidas, a exemplo das cauções, das fianças, dos depósitos recolhidos ao Tesouro etc. Já a receita pública, conforme lição precisa de Aliomar Baleeiro, "é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo" [01]. A entrada, destarte, é o gênero de que a receita pública é uma espécie.
Em conformidade com o entendimento acima explicitado, Dejalma de Campos assevera que a receita pública pode ser considerada em sentido amplo ou restrito. No primeiro, "corresponde a meras entradas ou ingressos de dinheiro nos cofres do Estado" [02], havendo o risco de devolução. No segundo, não há um compromisso de devolução posterior.
III – EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior [03] traz-nos cinco fases por que as receitas públicas passaram em sua evolução histórica.
No mundo antigo, houve o estágio parasitário, em que a obtenção de tais receitas ocorria através de extorsão, pilhagem, saque e exploração do povo vencido.
Na Idade Medieval, predominou a fase dominial, segundo a qual a receita pública advinha da exploração, pelo Estado, de bens de seu patrimônio, tendo o imposto um caráter excepcional.
A fase regaliana caracteriza-se pela cobrança de determinadas contribuições (regalias) de terceiros, para que estes explorem determinados serviços, como o pedágio cobrado pela passagem em pontes ou estradas reais.
No estágio denominado tributário, o Estado passou a obter seus recursos mediante a coação dos indivíduos ao pagamento de tributos que se tornaram a principal fonte de receita.
A última fase é a social, em que a entidade estatal usa o tributo também com uma finalidade extra fiscal.
IV – CLASSIFICAÇÃO
A classificação das receitas públicas pode ser feita a partir de alguns critérios, a saber: o de regularidade, o da origem e o legal.
1.Critério da regularidade
Quanto à regularidade, as receitas públicas podem ser ordinárias ou extraordinárias. As primeiras são aquelas que ingressam, com regularidade, no patrimônio público, por meio do normal desenvolvimento da atividade financeira do Estado. As segundas são auferidas em caráter excepcional e temporário, em função de determinada conjuntura. Exemplificativamente, podemos mencionar a previsão constitucional de decretação de impostos extraordinários na iminência ou no caso de guerra externa (CF: art. 154, II).
2.Critério da origem
Em relação à origem, classificam-se as receitas em originárias e derivadas. Estas são caracterizadas por constrangimento legal para sua arrecadação, como os tributos, as penas pecuniárias, entre outros. Aquelas advêm da exploração, pelo Estado, da atividade econômica.
3.Critério legal
O art. 11, §§ 1°, 2° e 4°, da Lei n° 4.320/64 permite a diferenciação entre as receitas públicas correntes e as de capital, de acordo com a fonte de que provêm.
As primeiras abarcam "as decorrentes do poder impositivo do Estado (tributos em geral), bem como da exploração de seu patrimônio e as resultantes de exploração de atividades econômicas" [04], compreendendo, portanto, as receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, agropecuárias, industriais, de serviços, as transferências correntes e outras receitas correntes.
As segundas englobam:
as provenientes de realização de recursos financeiros oriundos de constituição de dívidas; as oriundas de conversão em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos de outras pessoas de direito público e privado destinados a atender a despesas de capital e, ainda, o superávit do orçamento corrente. [05]
Levando-se em consideração o fato de que a classificação das receitas públicas segundo o critério de origem tem uma maior importância doutrinária, retomaremos, a seguir, as receitas originárias e derivadas, abordando aspectos relevantes para o tema em comento.
V – RECEITAS ORIGINÁRIAS
1.Noção
Conforme explicitado alhures, as receitas originárias resultam da atuação do Estado na exploração de atividade econômica, como uma empresa privada na busca do lucro. Embora o exercício de tal atividade ocorra sob o regime de direito privado, não há um total afastamento das normas de direito público. Na verdade, as empresas estatais não podem deixar de observar, no que a elas aplicar-se, os princípios gerais da atividade econômica dispostos no Capítulo I do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) da Constituição Federal, o qual abrange os arts. 170 a 181.
2.Modalidades
Há dois tipos de receitas originárias: as patrimoniais e as industriais. Estas são geradas pelo Estado no exercício da atividade empresarial - que é atípica e motivada por razões diversas, por exemplo, a impotência do setor privado no desenvolvimento de determinada atividade econômica, imperativos de segurança nacional, o desinteresse do particular em aplicar seu capital em setores de retorno demorado, dentre outras; aquelas se originam da exploração do patrimônio estatal, que, por sua vez, pode ser considerado mobiliário ou imobiliário.
O competente doutrinador Kiyoshi Harada ensina-nos que o "patrimônio mobiliário é composto de títulos representativos de crédito e de ‘ações’ que representam parte do capital de empresas. Esses valores mobiliários rendem juros ou dividendos" [06].
As rendas do patrimônio imobiliário, a seu turno, são representadas por foros de terreno de marinha, laudêmios, taxas de ocupação dos terrenos da marinha etc.
VI – RECEITAS DERIVADAS
A seguir, estudaremos separadamente três modalidades de receitas derivadas.
1.Tributos
a)Conceito
O Código Tributário Nacional, estabelecido pela Lei n° 5.172/66, conceitua, em seu art. 3°, o tributo: "... toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".
Os tributos constituem a mais importante fonte de receita do Estado, por isso, quanto a suas arrecadação e repartição, há previsão constitucional, conforme analisaremos no próximo item.
b)Repartição de receitas tributárias
A Constituição Federal – na Seção VI do Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional) do Título VI (Da Tributação e do Orçamento) – disciplina a repartição das receitas públicas, a qual se dá através de três modalidades: (a) participação direta dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na receita tributária da União e dos Estados [CF: arts. 157, I, e 158, I]; (b) participação no produto de impostos da receita partilhada [CF: arts. 157, II, 158, II, III, IV e 159, III]; participação em fundos [CF: art. 159].
Nas duas primeiras modalidades, as receitas pertencem às entidades contempladas, por isso o texto constitucional traz a expressão "pertencem aos", o que não se pode afirmar da terceira modalidade, em que o beneficiado tem apenas uma expectativa de receber o quantum que lhe cabe, e a expressão utilizada é "a União entregará".
A participação no produto de arrecadação de imposto alheio parece, inicialmente, favorecer as entidades políticas participantes que são eximidas dos custos de implantação, fiscalização e arrecadação. Uma análise profunda do tema, no entanto, esclarece que tais entidades têm sua autonomia tolhida, em virtude da dificuldade de recebimento oportuno das participações diante dos entraves burocráticos e das limitações e condicionamentos previstos na própria Lei Fundamental e na legislação infraconstitucional, impondo o direcionamento dos recursos transferidos. Exemplificativamente, mencionemos o parágrafo único do art. 160 da Carta Magna, o qual prescreve: "A vedação prevista neste artigo não impedem a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos".
2.Penalidades pecuniárias
As penalidades pecuniárias, previstas no art. 113 do Código Tributário Nacional – CTN, embora cobradas simultaneamente com o crédito tributário, guardam com este uma relação de acessoriedade.
3.Multas administrativas
Nos casos de infração ou de inobservância da ordem legal (disposições regulamentares e de organização de serviços e bens públicos), a Administração Pública pode aplicar, aos administrados em geral, uma sanção pecuniária: a multa administrativa.
VII – COMPENSAÇÃO FINANCEIRA
1.Instituição legal
A compensação financeira, que foi instituída pela Lei n° 7.990/89, teve sua primeira previsão constitucional consolidada no art. 20, §1° da Lei Fundamental de 1988:
É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
A Lei n° 8.001/90 definiu os seguintes percentuais de distribuição dessa compensação financeira: 6% sobre o valor da energia produzida a partir da utilização de recursos hídricos; 3% sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral; 5% sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás natural pagos pela Petrobrás aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios onde se fixar a lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural.
Os recursos provenientes da compensação financeira sofrem uma restrição em sua forma de utilização, uma vez que aos beneficiários é vedada a aplicação dos mesmos no pagamento de dívidas e no quadro permanente de pessoal.
O Decreto n° 1, de 11-1-1991, afinal, regulamenta o critério de pagamento da compensação financeira.
2.Natureza jurídica
Não obstante a divergência doutrinária a respeito, a compensação financeira é um tema de Direito Financeiro e classifica-se na categoria de receita corrente (receita patrimonial em relação aos órgãos da União), possuindo, quanto às entidades políticas não titulares dos recursos naturais, uma natureza contraprestacional.
Tais receitas, outrossim, foram criadas de forma parcialmente vinculada, porque: (a) os Estados devem transferira aos Municípios 25% da parcela que lhes cabe [art. 9° da Lei n° 7.990/89]; (b) as compensações financeiras recebidas por órgãos da Administração Direta da União devem ser aplicadas em finalidades específicas [arts. 1°, § 4°, e 2°, § 1°, III da Lei n° 8.001/90 e art. 18, IV e V do Decreto n° 1/91]; (c) Estados e Municípios deverão aplicar os resultados das compensações financeiras advindos da extração de petróleo, do xisto betuminoso e do gás natural exclusivamente em energia elétrica, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e em saneamento básico [art. 24 do Decreto n° 1/91].
VIII – CONCLUSÃO
O instituto das receitas públicas - que é de fundamental importância para que o Estado tenha os recursos devidos para executar suas finalidades - é o resultado de um longo processo evolutivo ligado às formas de governo predominantes em cada época. Sua primeira fase, ainda na Idade Antiga, foi a parasitária, caracterizada pelo ingresso de dinheiro nos cofres públicos mediante a utilização da força dos governantes. Cada vez mais, contudo, a entidade estatal passou a se submeter às próprias leis por ela produzidas, o que desembocou na fase moderna dos tributos, instituídos legalmente.
Nos Estados federativos, o estudo de tal instituto é ainda mais relevante, já que se torna necessária a existência de uma coesa e coerente forma de repartir o dinheiro arrecadado entre as entidades que os compõem: a União, os Estados-membros e os Municípios. A Constituição da República Federativa Brasileira dispõe sobre isso na Seção VI do Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional) do Título VI (Da Tributação e do Orçamento), prevendo, ainda, de forma inédita, a compensação financeira no seu art. 20, § 1°. Esta possui, quanto às entidades políticas não titulares dos recursos naturais, uma natureza contra prestacional.
IX – REFERÊNCIAS
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
BRASIL. Código Tributário Nacional e legislação tributária. 8. ed. Org. Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 2005.
______ Constituição da República Federativa do Brasil. 24. ed. Org. Alexandre de Morais. São Paulo: Atlas, 2005.
CAMPOS, Dejalma de. Direito financiero e orçamentário. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2005.
ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Manual de direito financeiro & direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
NOTAS
01 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 116.
02 CAMPOS, Dejalma de. Direito financiero e orçamentário. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 54.
03 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Manual de direito financeiro & direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. pp. 52 e 53.
04 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2005. p. 61.
05Idem. Ibidem. p. 61.
06Idem. Ibidem. p. 62.