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Desafio organizacional na implantação da Lei Federal n. 14.133/2021

22/01/2024 às 16:57
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Os agentes públicos ordenadores de despesas, mesmo após dois anos de vigência da Lei Federal n. 14.133/2021, muito pouco fizeram para efetivamente implantar as “novas” regras de licitação e contratos administrativos.

Muito difundida na iniciativa privada, o conceito e a prática de uma cultura organizacional se instala como uma realidade da Administração Pública que, em observância a lei e com eficiência e probidade, exige de seus agentes públicos uma mudança cultural comportamental direcionada a práticas e politicas públicas planejadas na consecução do bem comum.

As decisões administrativas devem se dar em conformidade com a realidade da Administração Pública (possibilidade econômica, financeira, prioridades, etc.) e anseios da coletividade (realização de obras, implantação de serviços, necessidades, etc.), não havendo mais espaços para decisões meramente formais e burocráticas.

O administrador público, dentre outras medidas, deve traçar os objetivos, as estratégias, os métodos procedimentais e implantar meios tecnológicos na condução da coisa pública. Tudo em obediência a lei, resguardando a probidade administrativa e sendo eficiente em suas ações.

Os órgãos e agentes públicos devem atender o interesse público.

Devem agir em razão da lei (sujeição a mandamentos normativos), com eficiência (economicidade, presteza, perfeição na execução de serviços públicos) e resguardando a coisa pública de danos, enriquecimento ilícito e atos atentatórios a princípios e postulados administrativos (probidade administrativa).

Neste propósito o planejamento, a fiscalização, a transparência e a inserção de novos procedimentos administrativos se mostram essenciais na mudança cultural organizacional de agentes públicos.

Esta uma realidade posta, cogente.

Ocorre que, apesar dessa realidade coercitiva, os ordenadores de despesas brasileiros, notadamente agentes políticos detentores de mandatos eletivos (prefeitos, governadores, presidente, etc.), agem em contradição ao ideário da cultura organizacional administrativa, ou seja, as soluções para os mais diversificados problemas sociais são realizadas sem planejamento e alheios aos reais fatores que causam os obstáculos administrativos.

Age-se, ainda, com amadorismo, imediatismo e, não raramente, com objetivos escusos.

Aqui, a título de exemplo, traga-se a colação as sucessivas contratações temporárias de profissionais da área de educação e de saúde realizadas pelos entes federativos: inconcebível se mostra que um gestor público, após anos de contratações temporárias e salvo em burla ao concurso público e beneficiamento de terceiros, não tenha a exata compreensão do quantitativo que necessita na contratação de profissionais para atender suas demandas em anos subsequentes.

E o pior: os órgãos de controles (Tribunais de Contas, Ministério Público, Controladorias, Procuradorias, etc.), mesmo diante dessa ausência de planejamento administrativo, não inibem tais práticas, ou seja, corroboram e incentivam contratações temporárias duradouras, não impondo aos responsáveis qualquer penalidade, salvo multas irrisórias.

O exemplo demonstra o nível atual de governança dos gestores públicos.

Não há mais espaços para regras e comportamentos antiquados.

A cultura organizacional administrativa deve ser moderna.

Tentando romper com regras e comportamentos antiquados e ao mesmo tempo implantando uma nova cultura organizacional administrativa, surge no ordenamento jurídico brasileiro a Lei Federal n. 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

Ainda que de imposição e atuação específicas na seara licitatória, a Lei Federal n. 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) consagra uma cultura organizacional administrativa, rompendo com o modelo administrativo ultrapassado de gestão pública.

As novas regras de licitação e contratos são modernas e exige um atuar preventivo e repressivo de todos os destinatários da Lei Federal n. 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

O dever de licitar é ligado culturalmente com a história brasileira, encontrando-se as normatizações sobre licitações e contratos administrativos em constante evolução em razão da busca de uma gestão eficiente na consecução de atender os anseios da Administração Pública e, sobremodos, dos administrados.

Ainda sob a égide da Constituição Federal de 1824, o dever de licitar surgiu no ordenamento jurídico brasileiro com a edição do Decreto n. 2.926, de 14 de maio de 1862 e, após publicações de outras normas de mesma natureza (Decreto n. 4.536/1922, Decreto-Lei n. 200/1967, Lei n. 5.456/1968, Decreto n. 2.300/86), o tema licitação ganhou status de observância obrigatória.

Atualmente e em sede constitucional, a Constituição da República de 1988 arregimenta que, salvo os casos expressamente previstos em lei, as obras, as compras, os serviços e as alienações deverão ser contratados mediante processo de licitação pública (art. 37, XXI, CF/88), procedimento também a ser adotado em casos de concessão e de permissão de serviços públicos (art. 175, caput, CF/88):

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.  (...). (Omissões nossas).

 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.  (...). (Omissões nossas).

Em sede infraconstitucional, regulamentando os dispositivos constitucionais acima transcritos e em substituição as normatizações do Decreto n. 2.300/86, veio à tona a Lei Federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de licitações e contratos administrativos), tendo como finalidade precípua estagnar o direcionamento de licitações e a corrupção que assolava a república brasileira.

As regras sobre licitações e contratos administrativos, inauguradas com a vigência da Lei Federal n. 8.666/1993, surgiram como um mecanismo moderno à época, tornando-se, ao longo do tempo, suas prescrições ineficientes e onerosas.

Seus objetivos – estagnação de direcionamento de licitações e contenção da corrupção – foram superados, não sendo raras, infelizmente, as divulgações de inúmeras noticias de desvios de recursos públicos e de superfaturamento de contratos administrativos.

A mudança cultural, comportamental e organizacional se impunha.

O planejamento na contratação e a fiscalização do contrato se tornaram essenciais para a o alcance da seleção da proposta mais vantajosa, para a desburocratização, para a consecução do princípio da eficiência e para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

Surge a Lei Federal 14.133/2021 (Dispõe sobre licitações e contratos administrativos).

A Lei Federal n. 14.133/2021, além de prestigiar as disposições normativas preconizadas na  Lei Federal 14.129/21 (Dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital), surge como forma de desburocratização da Administração Pública e de consecução do princípio da eficiência (art. 37, caput, CF/88).

E quase dois anos após sua vigência, tema de grande discussão diz respeito aos desafios que serão enfrentados na implantação das regras de licitação e contratos administrativos arregimentados na da Lei Federal n. 14.133/2021.

Muitos, neste toar, assinalam ser necessário mais tempo para a implantação das “novas” regras licitatórias e contratuais, inauguradas (e com vigência exclusiva sobre a matéria a partir de 1º/4/2023) pela Lei Federal n. 14.133/2021 (Dispõe sobre licitações e contratos administrativos).

Com o devido respeito, o entendimento é desprovido de suporte fático e jurídico.

Em contradição a pensamentos contrários, as disposições do novel estatuto licitatório e de contratos administrativos não foram impostos de forma abrupta aos destinatários da Lei Federal n. 14.133/2021.

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Apesar de revogar expressamente, após sua publicação (art. 193, III) e entrar em vigor na data de sua publicação (art. 194), as leis disciplinadoras de licitações e contratos administrativos (Leis Federais n. 8.666/1993 e 10.520/2002 e os artigos 1º ao 47-A da Lei Federal n. 12.462/2011), a Lei Federal n. 14.133/2021 estabeleceu um regime de transição (art. 191, paragrafo único), conferindo a Administração Pública à possibilidade de licitar (e de celebrar contratos) em observância aos comandos legais nela contidos ou em conformidade com leis anteriores:

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.

Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência. (Grifos nossos).

Art. 193. Revogam-se:

I - os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;

II - a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei. (Grifos nossos).

Art. 194. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Grifos nossos).

A Administração Pública (direta, indireta, autárquica e fundacional), os membros dos Poderes Legislativo e Judiciário, os fundos especiais e entidades controladas pela Administração Pública – destinatários da norma - foram assegurados dois anos para adaptação e implantação das disposições da Lei Federal n. 14.133/2021.

O regime modificativo licitatório, além de conferir discricionariedade ao administrador público, tem por objetivo dotar a Administração Pública de conhecimento para a implantação das regras insertas na Lei Federal n. 14.133/2021, capacitando servidores e implantando estruturas físicas necessárias para tal intento.

As alterações previstas na Lei Federal n. 14.133/2021 não poderiam ser abruptas.

E não foram!

Contudo, ainda que em vigor desde sua publicação - ocorrida em 1º/4/2021 – DOU – Edição Extra F -, muito pouco se fez para a implantação efetiva das regras licitatórias e contratuais previstas na Lei Federal n. 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

A omissão e a inércia demonstram o apego a uma cultura administrativa arcaica.

É a velha cultura brasileira de “deixar tudo para ultima hora”.

A organização e o planejamento se impõem.

A ausência de uma cultura organizacional e planejada traz consequências sociais.

Muito mais agora: em razão das revogações de outros diplomas normativos licitatórios (art. 193, III), a partir de 1º de abril de 2023, somente estarão em vigor as regras de licitação e contratos administrativos regidos pela Lei Federal n. 14.133/2021.

Não há mais tempo para procrastinar, para adiar ou para prorrogar.

A Lei Federal n. 14.133/2021 deve ser observada por todos os seus destinatários.

Não se nega, longe disso, que as regulamentações previstas na lei, o manuseio do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), a profissionalização de agentes públicos e a estruturação interna de órgãos são alguns desafios que devem ser enfrentados pela Administração Pública para implantação e aplicação da Lei Federal n. 14.133/2021.

O desafio, contudo, é cultural, organizacional.

A Lei Federal n. 14.133/2021 exige uma mudança cultural, comportamental.

Ainda que a conceituação de licitação pouco tenha se alterado com a edição e vigência da Lei Federal n. 14.133/2021, a realização de qualquer procedimento administrativo licitatório exige do gestor público planejamento, profissionalização, prevenção, probidade no trato da coisa pública.

A governança, a profissionalização de recursos humanos, a tecnologia da informação e da comunicação e a prevenção de riscos são as bases da Lei Federal n. 14.133/2021 (Dispõe sobre licitações e contratos administrativos).

Estes pilares licitatórios têm por função atender os objetivos da Lei Federal n. 14.133/2021 (art. 11), ou seja, assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, evitar contratações com sobrepreço e incentivar a inovação e o desenvolvimento sustentável:

Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:

I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;

II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;

III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;

IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.

Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.

Pouco se fez na busca da consecução dos objetivos da Lei Federal n. 14.133/2021.

Os agentes públicos ordenadores de despesas públicas, mesmo após quase dois anos de vigência da Lei Federal n. 14.133/2021 e em vias de revogação de outras normas licitatórias (ocorrente em 1º/4/2023), muito pouco fizeram para efetivamente implantarem as “novas” regras de licitação de contratos administrativos.

Não buscaram conhecimentos mínimos sobre organização e sobre planejamento, não investiram na capacitação de seus servidores, na estruturação de seus órgãos e setores para receberem as normas licitatórias previstas na Lei Federal n. 14.133/2021.

Essa triste realidade põe em risco a governança, a profissionalização humana a tecnologias da informação, eixos essenciais da Lei Federal n. 14.133/2021 (Dispõe sobre licitações e contratos administrativos).

Todos os desafios do novo marco licitatório – Lei Federal n. 14.133/2021 - serão sanados com a implantação de uma cultura organizacional no âmbito da Administração Pública (e todos os destinatários das regras licitatórias) fundada na ideia de planejamento, fiscalização e legalidade nas contratações públicas.

Ideários, até então, desconhecidos pela maioria dos receptores das normas licitatórias.

A cultura procrastinatória não pode imperar, devendo ser substituída pelo pensamento cultural da organização, do planejamento e da descentralização administrativa na contratação de serviços e bens públicos.

A mudança também deve ser estendida aos órgãos de controle.

Devem os órgãos de controle interno e externo exercer papéis proativos, fiscalizando os procedimentos administrativos licitatórios, fiscalizando a execução de contratos, impingindo aos responsáveis por procedimentos ilegais sanções inibidoras de novas práticas lesivas aos cofres públicos.

 O desafio na implantação da Lei Federal n. 14.133/2021 é cultural, é comportamental.

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Sobre o autor
Francisco Valadares Neto

Graduado Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (ILES/ULBRA). Concluiu, em 2004, pós-graduação em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIP), obtendo o título de Pós-Graduado em Direito Constitucional. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, na cidade de Buenos Aires – Argentina (2016). Atualmente, além das atividades de advogado, exerce o cargo de Procurador Jurídico do Município de Brasiléia – Estado do Acre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALADARES NETO, Francisco. Desafio organizacional na implantação da Lei Federal n. 14.133/2021. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7509, 22 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102636. Acesso em: 5 mai. 2024.

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