Capa da publicação Caso Robinho me faz querer largar o Direito
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O caso Robinho é tão peculiar ao ponto de me fazer querer abandonar os estudos do Direito

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Pedido de extraterritorialidade de sentença criminal depende de tratado ou acordo de reciprocidade; STF pode deferir com condição.

1. DELIMITANDO O ESTUDO

Estudo de Direito Internacional, de Direito Constitucional e Direito Criminal. Este último ramo do Direito orientou os meus estudos desde o primeiro contato, quando iniciei a Escola de Formação de Oficiais na Academia Policial Militar do Guatupê (ano de 1987). Aliás, antes, tinha iniciado o curso de Direito no Centro Universitário de Brasília (ano de 1986), abandonado para ingressar na Escola de Especialistas de Aeronáutica, também abandonado (ano de 1986).

Trato do notório caso Robinho, o qual tramita no processo de Homologação de Decisão Estrangeira (HDE) n. 7.986, no qual o requerido é Robson de Souza, o Robinho.

Robinho foi acusado de estupro coletivo e condenado por tal crime, tudo no território italiano, cujos detalhes devem ser omitidos, isso por determinação do art. 234-B do Código Penal.

Em iminente trânsito em julgado da sua condenação, Robinho é anunciado como reforço ao Santos.2 Ele, após condenação em segunda instância, teve o pedido de cumprimento da pena no Brasil, parecendo continuar vida regular no Brasil. Veja-se:

O ex-jogador de futebol Robinho, condenado a nove anos de prisão por estupro na Itália, participou na manhã deste sábado (21) de um campeonato de futevôlei na praia de Santos, no litoral de São Paulo. Robinho é alvo de um pedido de extradição feito pelo Ministério da Justiça italiano. Porém, enquanto o processo não é concluído, o ex-atacante vai à praia e participa de eventos esportivos.

O crime de violência sexual em grupo aconteceu em 2013, quando Robinho era um dos principais jogadores do Milan. Nove anos após o caso, a justiça italiana condenou em última instância o ex-jogador e um amigo dele a cumprir nove anos de prisão pelo crime de violência sexual.

Condenado por estupro, o ex-jogador participou da 2ª Copa WON de futevôlei, que aconteceu na Praia do Boqueirão. O campeonato está dividido em três categorias: iniciante, open e estrelas. A iniciante e a estrelas serão disputadas no sábado e a open no domingo.3

Ao meu sentir, ele está certo em tentar continuando vida normal, embora a ameaça estressora esteja presente. De todo modo, é necessário, e espero, que o Direito seja tratado como ciência, não apenas um instrumento da política.


2. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL DO EXEQUATUR DESSA PENA

Anteriormente, na redação originária da Constituição Federal vigente, a matéria era discutida em sede do Supremo Tribunal Federal (STF), visto que está afeta diretamente à soberania estatal (CF, art. 102, inc. I, alínea "h"). No entanto, o utilitarismo exagerado, o desejo de redução de processos no STF, alterou a CF, transferindo a competência para o STJ (CF, art. 105, inc. I, alínea i - incluída pela EC n. 45, de 30.12.2004).

A Itália pediu o exequatur da pena imposta ao ex-jogador. Mas, não é o caso, mesmo estando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) processando o pedido. Já poderia ter obstado in lime o processamento do pedido e tende ao erro.

O Código Penal é claro sobre a matéria, in verbis:

Eficácia de sentença estrangeira

Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para:

I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

II - sujeitá-lo a medida de segurança.

Parágrafo único - A homologação depende:

a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;

b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

O Ministro da Justiça fez a necessária requisição, só que abusando do poder, visto que pede a execução da pena, quando a lei só autoriza parcialmente a execução dos efeitos civis da condenação. Pior, o MPF opinou favoravelmente à execução da pena no Brasil.4

A Homologação de Decisão Estrangeira n. 7.986-IT, autuada em 22.2.2023, está fundamentada no art. 100. da Lei de Migração (Lei n. 13.445, de 24.5.2017), conforme consta do relatório da Presidente do STJ, Ministra Maria Thereza de Assis Moura.5


3. OPORTUNIDADE PARA JULGAMENTO DOS FATOS NO BRASIL

Já escrevi, volto a afirmar que a soberania é a principal característica da soberania. Não é elemento do Estado, este é composto por povo, território e governo. Mas, um Estado soberano exige uma Constituição e um Código Penal.

A solução no caso, em respeito à soberania, seria o acordo para o cumprimento de pena. Não existindo, qualquer solução que defira o pedido de exequatur será teratológica.

Academicamente, acerca do cumprimento da pena em outro Estado, já me debrucei e escrevi:

A remoção de uma pessoa presa para outro Estado soberano se dará, via de regra, por meio da extradição. Esta “é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, à justiça do outro, que o reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo”.6

Outra medida que possibilita a retirada do estrangeiro de nosso país é a expulsão. Esta “é uma medida tomada pelo Estado, que consiste em retirar forçosamente de seu território um estrangeiro, que nele entrou ou permanece irregularmente, ou, ainda, que praticou atentados à ordem jurídica do país que se encontra”.7 A expulsão não é considerada como pena, mas apenas uma medida preventiva de polícia.8 Assim, sendo apenas a retirada do estrangeiro do país, este ficará impune em seu país de origem, salvo se a lei penal daquele país o atingir pelo referido crime.

A extradição e a expulsão são disciplinadas no Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 19-8-1980), o qual define as hipóteses de cabimento de uma e de outra medida. Ressalte-se que a Constituição Federal não admite a extradição de brasileiro nato, e limita a extradição de brasileiro naturalizado. Também, veda a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião (art. 5o, incisos LI e LII).

Mereceu grande repercussão na imprensa o delito praticado contra o empresário Abílio dos Santos Diniz. Tal delito não teve natureza política,9 portanto, a priori, os condenados poderiam ser extraditados. No entanto, não estavam presentes as hipóteses materiais, nem os requisitos formais essenciais para a extradição.10 Aliás, a Lei n. 6.815/1980 dispõe: “Art. 89. Quando o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sido condenado, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, a extradição será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da pena, ressalvado, entretanto, o disposto no art. 67.11 Parágrafo único. A entrega do extraditando ficará igualmente adiada se a efetivação da medida puser em risco a sua vida por causa de enfermidade grave comprovada por laudo médico oficial.”

Por outro lado, não devemos nos olvidar de que as hipóteses que autorizam a extradição baseiam-se no interesse do Estado competente para julgar e punir o extraditando. Como não havia pedido de extradição formulado pelos países dos quais os condenados se originaram, nem de outros países, a hipótese não comportava a extradição. Assim, procurou-se outra saída, que foi a realização de tratados internacionais, visando possibilitar a transferência de presos. Feitos os acordos, o Poder Executivo encaminhou mensagens para o Congresso Nacional, para que fossem editados decretos legislativos autorizadores da implementação do acordo.

O processo para incorporação do acordo em nosso ordenamento jurídico interno envolve três fases, a saber: (a) celebração do ato pelo Presidente da República; (b) edição de decreto legislativo; e (c) decreto do Presidente da República, promulgando o ato ou tratado internacional ratificado pelo Congresso Nacional.12

Diante da complexidade do processo legislativo, dos condenados envolvidos no crime mencionado, a satisfação do interesse dos condenados não ocorreu imediatamente. Com efeito, anteriormente, o Brasil já havia firmado tratado com o Canadá e, diante dos fatos, envidou esforços para efetivar a transferência para a Argentina e para o Chile. Em 26-1-1999, foram publicados os Decretos Legislativos que ratificam os tratados firmados com o Chile e com a Argentina (Decretos Legislativos nos 5 e 6, respectivamente). Dessa forma, as pretendidas transferências podem ser implementadas, por via diplomática, com a efetiva participação do Ministério da Justiça.

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Concluindo, para que a transferência de condenado estrangeiro seja concretizada, mister é a existência de tratado sobre a matéria, firmado entre o Brasil e o Estado recebedor. Tal transferência, ratificamos, não significa exatamente uma extradição, nem se confunde com a expulsão.

Não era recente a pretensão de criar um tribunal internacional permanente para tratar dos fatos jurídico-criminais. O Estatuto de Roma, de 17-7-1998, instituiu a Corte Internacional Criminal (CIC), inovando com respeito à remoção de pessoas. Tal estatuto foi aprovado por meio do Decreto Legislativo no 112, de 6-6-2002, e promulgado pelo Decreto no 4.388, de 25-9-2002. Ele entrou em vigor na ordem internacional em 1o-7-2002. No Brasil, vigora desde 1o-9-2002.

O Brasil foi cândido em aderir ao referido ato internacional, eis que ele não parece tão bom assim. Exemplo disso é o fato de os Estados Unidos da América não terem aderido a ele e, mais ainda, seus soldados têm imunidade perante a CIC (Resolução no 1.422, de 12-7-2002, do Conselho de Segurança da ONU).

A CIC julgará os crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão. Segundo seu estatuto, os países lhe entregarão seus nacionais para julgamento (art. 89). Esse é mais um discurso baseado no eufemismo. A previsão institui inconstitucional previsão de extradição de brasileiros natos para julgamento perante a CIC, mas porque se diz que constitui apenas “entrega de presos”, pretende-se permitir violações aos direitos individuais fundamentais insertos na CF.13

Esse texto transcrito está desatualizado desde a sua publicação, visto que desde o advento da Emenda Constitucional n. 45, de 30.12.2004, modifiquei a minha posição, isso porque o art. 5º da Constituição Federal passou a dispor:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.

Entendo que o art. 5º pode ser modificado para restringir direitos fundamentais, desde que não os desnature porque o art. 60. da Constituição Federal dispõe:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

...

IV - os direitos e garantias individuais.

É cediço que as denominadas cláusulas pétreas não podem ser abolidas. No entanto, o aprimoramento da Constituição Federal pode se dar em alguns pontos até mesmo com a restrição de direitos individuais fundamentais.

A Lei de Migração (Lei n. 13.445, de 24.5.2017) revogou o Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 19.8.1980). Este novo dispositivo legal autoriza a transferência da pena de um Estado para outro no Capítulo VIII (Das medidas de cooperação), Seção III (Da transferência da pessoa condenada), exigindo, como fundamento, tratado ou promessa de reciprocidade (art. 103).

Estabelece a Lei de Migração que a competência para execução da pena de preso transferido será da justiça federal. No caso vertente, não é o caso de transferência de pessoa condenada e sim de eficácia da sentença criminal estrangeira. Então, parece, a melhor hipótese seria a extraterritorialidade condicionada da lei criminal brasileira, com fulcro no princípio da nacionalidade (art. 7º, inc. II, alínea "b", do Código Penal), até porque estão preenchidos todos os requisitos do § 2º do artigo mencionado .

A regra é que, em face da soberania, a pessoa cumpra a pena segundo a jurisdição de onde cumprirá a pena. A transferência de preso para local próximo da família para cumprimento da pena tem relação com a proteção da sua dignidade. No caso vertente é o contrário, sendo objetivada a eficácia da sentença condenatória italiana no Brasil.

A Presidente do STJ invoca o regimento interno do tribunal para estabelecer a competência e o procedimento, regulado nos seus arts. 216-A usque art. 216-N. Ocorre que o exequatur para o cumprimento de pena contra a vontade do condenado não é amparado pela Lei de Migração, que exige "manifestação de vontade do condenado ou, quando for o caso, de seu representante" (art. 104, inc. V).


4. CONCLUSÃO

O procedimento do Regimento Interno do STJ é constitucional. Porém, ele não alcança o pedido de extraterritorialidade da sentença criminal condenatória para cumprimento da pena imposta contra a vontade do condenado, sem que exista, no mínimo, tratado ou acordo de reciprocidade.

O pedido que tramita no processo de HDE n. 7.986/IT pode ser deferido pelo STF, desde que a decisão fique condicionada, ao início da execução, perante a Justiça Federal, à existência de tratado ou acordo internacional de reciprocidade entre o Brasil e a Itália. Isso parece ser fácil porque é evidente a vontade dos dois Estados.


Notas

2 FERNANDEZ, Eduardo; VALIM, Eduardo. Santos anuncia a volta de Robinho: atacante, de 36 anos, fecha por cinco meses salário simbólico vinculado a bônus. Em 2017, ele foi condenado a nove anos de prisão por violência sexual na Itália. Globo: G1, 10.10.2020, às 19h56. Disponível em: <https://ge.globo.com/sp/santos-e-regiao/futebol/times/santos/noticia/santos-anuncia-a-volta-de-robinho.ghtml>.Acesso às 22h40.

3 RIOS, Érika. Condenado por estupro na Itália, ex-jogador Robinho participa de Copa de futvôlei no litoral de SP: ex-atacante foi à praia do Boqueirão, em Santos, neste sábado (22). G1, 22.10.2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2022/10/22/condenado-por-estupro-na-italia-ex-jogador-robinho-participa-de-copa-de-futevolei-no-litoral-de-sp.ghtml >. Acesso em: 5.3.2023, às 21h30.

4 4 RIOS, Érika. Condenado por estupro na Itália, ex-jogador Robinho participa de Copa de futvôlei no litoral de SP: ex-atacante foi à praia do Boqueirão, em Santos, neste sábado (22). G1, 22.10.2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2022/10/22/condenado-por-estupro-na-italia-ex-jogador-robinho-participa-de-copa-de-futevolei-no-litoral-de-sp.ghtml >. Acesso em: 5.3.2023, às 21h30.

4 CARTA CAPITAL. MPF concorda com execução da pena de Robinho no Brasil: antes, o STJ já havia indicado que a sentença atende os requisitos para ser reconhecida e cumprida no Brasil. 27.2.2023, às 15h52. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/justica/mpf-concorda-com-execucao-de-pena-de-robinho-no-brasil/ >, Acesso em: 5.3.2022.

5 STJ. Presidência. HDE n. 7.986-EX (2023/0050354-7). Min.ª Maria Thereza de Assis Moura. Decisão de 24.2.203. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=178742458&tipo_documento=documento&num_registro=202300503547&data=20230224&tipo=0&formato=PDF >. Acesso em: 6.3.2023, às 13h50.

6 ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 89.

7 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 109.

8 ACCIOLY, Hildebrando. Op. cit. p. 89.

9 STF – Pleno – RECR 160841/SP – Rel. Sepúlveda Pertence – DJ, Seção 1, de 22-9-1995, p. 30.610.

10 As hipóteses materiais constam do art. 5o, incisos LI e LII, da CF/1988, enquanto os requisitos formais constam das Leis n. 6.815/1980 e 6.964/1981 (v. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 243).

11 Lei n. 6.815/1980, art. 67: Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão de estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação.”

12 MORAES, Alexandre de. Direito... Op. cit. p. 517.

13 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Execução criminal: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 358-361.

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Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. O caso Robinho é tão peculiar ao ponto de me fazer querer abandonar os estudos do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7564, 17 mar. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102855. Acesso em: 27 abr. 2024.

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