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Embargos à execução com eficácia rescisória:

sentido e alcance do art. 741, parágrafo único, do CPC

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20/08/2007 às 00:00
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Trata-se de investigar o sentido e o alcance do disposto no art. 741, parágrafo único, do CPC, que trata da inexigibilidade do título judicial fundado em norma declarada inconstitucional pelo STF ou tida por incompatível com a Constituição.

Sumário: 1. O tema. 2. As diversas posições doutrinárias a respeito. 3. Exegese do dispositivo: constitucionalidade e alcance. 4. Especificidade das sentenças inconstitucionais sujeitas à rescisão por embargos. 5. Pressuposto indispensável: a existência de precedente do STF. 6. A questão do direito intertemporal: inaplicabilidade da norma às sentenças transitadas em julgado em data anterior à da sua vigência. 7. Aplicação subsidiária às ações executivas lato sensu. 8. Suma conclusiva.


1. O tema

Trata-se de investigar o sentido e o alcance do disposto no art. 741, parágrafo único do CPC, que assim dispõe: "Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição".


2. As diversas posições doutrinárias a respeito

Há polêmica a respeito dele na doutrina e na jurisprudência. Por um lado, há os que simplesmente o consideram inconstitucional por ofensa ao princípio da coisa julgada [1]. É posicionamento que tem como pressuposto lógico — expresso ou implícito — a sobrevalorização do princípio da coisa julgada, que estaria hierarquicamente acima de outros princípios constitucionais, inclusive o da supremacia da Constituição, o que não é verdadeiro. Se o fosse, ter-se-ia de negar a constitucionalidade da própria ação rescisória, instituto que evidencia claramente que a coisa julgada não tem caráter absoluto, comportando limitações, especialmente quando estabelecidas, como no caso, por via de legislação ordinária.

Há, por outro lado, corrente de pensamento situada no outro extremo, dando prevalência máxima ao princípio da supremacia da Constituição e, por isso mesmo, considerando insuscetível de execução qualquer sentença tida por inconstitucional, independentemente do modo como tal inconstitucionalidade se apresenta ou da existência de pronunciamento do STF a respeito, seja em controle difuso, seja em controle concentrado. Eis, sumariadas, as razões de Humberto Theodoro Jr., defensor dessa corrente:

A inconstitucionalidade não é fruto da declaração direta em ação constitutiva especial. Decorre da simples desconformidade do ato estatal com a Constituição.

O STF apenas reconhece abstratamente e com efeito erga omnes na ação direta especial. Sem esta declaração, contudo, a invalidade do ato já existe e se impõe a reconhecimento do judiciário a qualquer tempo e em qualquer processo onde se pretenda extrair-lhe os efeitos incompatíveis com a Carta Magna. A manter-se a restrição proposta, a coisa julgada, quando não for manejável a ação direta, estará posta em plano superior ao da própria Constituição, ou seja, a sentença dispondo contra o preceito magno afastará a soberania da Constituição e submeterá o litigante a um ato de autoridade cujo respaldo único é a res judicata, mesmo que em desacordo com o preceito constitucional pertinente. A ação direta junto ao STF jamais foi a única via para evitar os inconvenientes da inconstitucionalidade. No sistema de controle difuso vigorante no Brasil, todo o juiz, ao decidir qualquer processo, se vê investido no poder de controlar a constitucionalidade da norma ou ato cujo cumprimento se postula em juízo. No bojo dos embargos à execução, portanto, o juiz, mesmo sem prévio pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, está credenciado a recusar execução à sentença que contraria preceito constitucional, ainda que o trânsito em julgado já se tenha verificado [2].

Também essa corrente merece críticas. Ela confere aos embargos à execução uma eficácia rescisória muito maior que a prevista no parágrafo único do art. 741 do CPC, eficácia essa que, para sustentar-se, haveria de buscar apoio, portanto, não nesse dispositivo infraconstitucional, mas diretamente na Constituição. Ademais, a se admitir a ineficácia das sentenças em tão amplos domínios, restaria eliminado, de modo completo, pelo menos em matéria constitucional, o princípio da coisa julgada, que também tem assento na Constituição. Além desse princípio, comprometer-se-ia um dos escopos primordiais do processo, o da pacificação social mediante eliminação da controvérsia, eis que se daria oportunidade à permanente renovação do questionamento judicial de lides já decididas. Ensejar-se-ia que qualquer juiz, simplesmente invocando a inconstitucionalidade, negasse execução a qualquer sentença, inclusive as proferidas por órgãos judiciários hierarquicamente superiores (tribunais de apelação e mesmo tribunais superiores). Em suma, propiciar-se-ia, em matéria constitucional, a perene instabilidade do julgado, dando razão à precisa crítica de Barbosa Moreira:

Suponhamos que um juiz convencido da incompatibilidade entre certa sentença e a Constituição, ou da existência, naquela, de injustiça intolerável, se considere autorizado a decidir em sentido contrário. Fatalmente sua própria sentença ficará sujeita à crítica da parte agora vencida, a qual não deixará de considerá-la, por sua vez, inconstitucional ou intoleravelmente injusta. Pergunta-se: que impedirá esse litigante de impugnar em juízo a segunda sentença, e outro juiz de achar possível submetê-la ao crivo de seu próprio entendimento? O óbice concebível seria o da coisa julgada; mas, se ele pode ser afastado em relação à primeira sentença, porque não poderá sê-lo em relação à segunda [3]? In medio virtus. Entre as duas citadas correntes (que, com suas posições extremadas, acabam por comprometer o núcleo essencial de princípios constitucionais, o da supremacia da Constituição ou o da coisa julgada) estão os doutrinadores que, reconhecendo a constitucionalidade do dispositivo, buscam dar-lhe o alcance compatível com o seu enunciado. Mesmo entre esses, todavia, há divergências. Há quem sustenta que a inexigibilidade do título executivo judicial seria invocável apenas nas restritas hipóteses em que (a) houver precedente do STF (b) em controle concentrado de constitucionalidade, (c) declarando (ainda que sem redução de texto) a inconstitucionalidade do preceito normativo aplicado pela sentença exeqüenda [4]. E há quem vê no texto normativo um domínio maior, abarcando não apenas as situações referidas, mas também (a) quando a sentença exeqüenda der aplicação a preceito normativo declarado inconstitucional pelo STF em controle difuso e suspenso por resolução do Senado (CF, art. 52, X); e também (b) quando a sentença exeqüenda nega aplicação a preceito normativo declarado constitucional pelo STF, em controle concentrado [5]. Ambas as correntes — e nisso merecem crítica — embasam suas conclusões apenas em função da eficácia subjetiva das decisões em controle de constitucionalidade, só admitindo o cabimento de embargos rescisórios nos casos em que o precedente do STF tenha eficácia erga omnes, direta (em ações de controle concentrado) ou indireta (por via de resolução do Senado).


3. Exegese do dispositivo: constitucionalidade e alcance

A constitucionalidade do parágrafo único do art. 741 do CPC decorre do seu significado e da sua função. Trata-se de preceito normativo que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, veio apenas agregar ao sistema um mecanismo processual com eficácia rescisória de certas sentenças inconstitucionais. Até o seu advento, o meio apropriado para rescindir tais sentenças era o da ação rescisória (art. 485, V). Agora, para hipóteses especialmente selecionadas pelo legislador conferiu-se força rescisória também aos embargos à execução. Não há inconstitucionalidade alguma nisso.

Para estabelecer, mediante exegese específica, o conteúdo e o alcance desse novo instrumento, duas premissas essenciais devem ser consideradas - (a) a de que ele não tem aplicação universal a todas as sentenças inconstitucionais, restringindo-se às fundadas num vício específico de inconstitucionalidade - e (b) a de que esse vício específico tem como nota característica a de ter sido reconhecido em precedente do STF.


4. Especificidade das sentenças inconstitucionais sujeitas à rescisão por embargos

Realmente, o preceito normativo comentado não tem a força e nem o desiderato de solucionar, por inteiro, todos os possíveis conflitos entre os princípios da supremacia da Constituição e da coisa julgada. É que a sentença pode operar ofensa à Constituição em variadas situações, que vão além das que resultam do controle da constitucionalidade das normas. A sentença é inconstitucional não apenas (a) quando aplica norma inconstitucional (ou com um sentido ou uma situação tidos por inconstitucionais), mas também quando, por exemplo, (b) deixa de aplicar norma declarada constitucional, ou (c) aplica norma constitucional considerada não-auto-aplicável, ou (d) deixa de aplicar norma constitucional auto-aplicável, e assim por diante. Em suma, a inconstitucionalidade da sentença ocorre em qualquer caso de ofensa à supremacia da Constituição, e o controle dessa supremacia, pelo Supremo, é exercido em toda a amplitude da jurisdição constitucional, da qual a fiscalização da constitucionalidade das leis é parte importante, mas é apenas parte.

A solução oferecida pelo parágrafo único do art. 741 do CPC, repita-se, não é aplicável a todos os possíveis casos de sentença inconstitucional. Trata-se de solução para situações especiais, e, conseqüentemente, não afasta a necessidade de, eventualmente, trilhar outros caminhos (ordinários ou especiais) quando houver sentença com vícios de inconstitucionalidade não especificados naquele dispositivo. Não se esgota, portanto, o debate, hoje corrente sob o rótulo da Relativização da coisa julgada, com posições ardorosas em sentidos diferentes, uns admitindo a "relativização" [6] e outros negando-a peremptoriamente [7].

Admitindo-se, em casos graves em que isso seja inevitável, a necessidade de fazer prevalecer, sobre a coisa julgada, o princípio constitucional ofendido pela sentença, não se descarta a adoção, para tanto, do procedimento do art. 741, parágrafo único do CPC, mesmo que a hipótese extrapole dos limites nele estabelecidos. É que, para essas situações excepcionais, não há procedimento previsto em lei, devendo ser adotado - por imposição do princípio da instrumentalidade - o que melhor atende ao fim almejado, de defender a Constituição. Porém, não é essa a utilização a que, ordinariamente, se destina o referido mecanismo.

A força rescisória dos embargos à execução restringe-se, conforme expressa o texto normativo, a "(...) título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição". São apenas três, portanto, os vícios de inconstitucionalidade que permitem a utilização do novo mecanismo: (a) a aplicação de lei inconstitucional; ou (b) a aplicação da lei a situação considerada inconstitucional; ou, ainda (c) a aplicação da lei com um sentido (= uma interpretação) tido por inconstitucional.

Há um elemento comum às três hipóteses: o da inconstitucionalidade da norma aplicada pela sentença. O que as diferencia é, apenas, a técnica utilizada para o reconhecimento dessa inconstitucionalidade. No primeiro caso (aplicação de lei inconstitucional) supõe-se a declaração de inconstitucionalidade com redução de texto. No segundo (aplicação da lei em situação tida por inconstitucional), supõe-se a técnica da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. E no terceiro (aplicação de lei com um sentido inconstitucional), supõe-se a técnica da interpretação conforme a Constituição.

A ´´redução de texto´´ é o efeito natural mais comum da afirmação de inconstitucionalidade em sistemas, como o nosso, em que tal vício importa nulidade: se o preceito inconstitucional é nulo, impõe-se seja extirpado do ordenamento jurídico, o que leva à conseqüente ´´redução´´ do direito positivo.

Há situações, todavia, em que a pura e simples redução de texto não se mostra adequada ao princípio da preservação da Constituição e da sua força normativa. A técnica da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto é utilizada justamente em situações dessa natureza, em que a norma é válida (= constitucional) quando aplicada a certas situações, mas inválida (= inconstitucional) quando aplicada a outras [8]. O reconhecimento dessa dupla face do enunciado normativo impõe que a declaração de sua inconstitucionalidade parcial (= aplicação a certas situações) se dê sem a eliminação (= redução) do enunciado positivo, a fim de que fique preservada a sua aplicação na parte (= às situações) tida por constitucional.

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É assim também a técnica de interpretação conforme a Constituição, que consiste em "declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição" [9]. Trata-se de instituto hermenêutico "visando à otimização dos textos jurídicos, mediante agregação de sentidos, portanto, produção de sentido" [10], especialmente para preservar a constitucionalidade da interpretação "quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissêmicas ou plurisignificativas, deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição´ [11]. Também nessa técnica ocorre, em maior ou menor medida, declaração de inconstitucionalidade: ao afirmar que a norma somente é constitucional quando interpretada em determinado sentido, o que se diz, implícita mas necessariamente, é que a norma é inconstitucional quando interpretada era sentido diverso. Não fosse para reconhecer a existência e desde logo repelir interpretações inconstitucionais, não haveria necessidade de utilização dessa técnica. Bastaria que se declarasse, simplesmente, a constitucionalidade da norma, julgando improcedente (e não, como faz o STF, procedente em parte) a ação direta de inconstitucionalidade [12].

Isso fica bem claro quando se tem em conta que a norma nada mais é, afinal, do que o produto da interpretação. "A interpretação", escreveu Eros Grau, "é um processo intelectivo através do qual, partindo de ´´fórmulas lingüísticas´´ contidas nos ´´textos, enunciados, preceitos, disposições´´, alcançamos a determinação de um ´´conteúdo normativo´´. (...) Interpretar é atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar, portanto, é o ´´significado´´ atribuído ao ´´enunciado´´ ou ´´texto´´ (´´preceito´´, ´´disposição´´)" [13]. E observou, mais adiante: "A interpretação, destarte, é meio de expressão dos ´´conteúdos normativos´´ das ´´disposições´´, meio através do qual pesquisamos as normas contidas nas disposições. Do que diremos ser - a ´´interpretação - uma atividade ´´que se presta a transformar disposições´´ (´´textos, enunciados´´) em ´´normas´´. Observa Celso Antônio Bandeira de Mello (...) que "(...) é a interpretação que especifica o conteúdo da norma´´. Já houve quem dissesse, em frase admirável, que o que se aplica não é a norma, mas a interpretação que dela se faz. Talvez se pudesse dizer: o que se aplica, sim, é a própria norma, porque ´´o conteúdo dela é pura e simplesmente o que resulta da interpretação´´. De resto, Kelsen já ensinara que a norma é uma moldura. Deveras, quem outorga, afinal, o conteúdo específico é o intérprete, (...)". As ´´normas´´, portanto, resultam da interpretação. E o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, é ´´um conjunto de interpretações´´, isto é, ´´conjunto de normas´´. O conjunto das ´´disposições (textos, enunciados)´´ é apenas ´´ordenamento em potência´´, um ´´conjunto de possibilidades de interpretação´´, um ´´conjunto de normas potenciais´´. O ´´significado´´ (isto é, a ´´norma´´) é o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: ´´o significado da norma é produzido pelo intérprete´´. (...) As ´´disposições´´, os ´´enunciados´´, os ´´textos´´ nada dizem; somente passam a dizer algo quando efetivamente convertidos em ´´normas´´ (isto é, quando - através e mediante a ´´interpretação´´ - são transformados em ´´normas´´). Por isso ´´as normas resultam da interpretação´´, e podemos dizer que elas, ´´enquanto disposições´´, nada dizem - elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem (...)" [14]. A luz dessas considerações é que se tem como certo que a interpretação conforme a Constituição constitui também, em alguma medida, uma técnica de declaração de inconstitucionalidade: ao reconhecer a constitucionalidade de uma interpretação o que se faz é (a) afirmar a constitucionalidade de uma norma (= a que é produzida por interpretação segundo a Constituição) mas mesmo tempo e como conseqüência, (b) declarar a inconstitucionalidade de outra, ou de outras normas (= a que é produzida pela interpretação repelida) O que se busca evidenciar, em suma, é que as três hipóteses figuradas no art. 741, parágrafo único do CPC, supõem a aplicação de norma inconstitucional: ou na sua integralidade, ou para a situação em que foi aplicada, ou com o sentido adotado em sua aplicação.


5. Pressuposto indispensável: a existência de precedente do STF

Por outro lado, a segunda característica qualificadora da inconstitucionalidade que dá ensejo à aplicação do art. 741, parágrafo único do CPC, é a de que ela tenha sido reconhecida pelo STF. Já se disse que o novo mecanismo de rescisão visa a solucionar, nos limites que estabelece, situações concretas de conflito entre o princípio da supremacia da Constituição e o da estabilidade das sentenças judiciais. E o fez mediante inserção, como elemento moderador do conflito, de um terceiro princípio: o da autoridade do Supremo Tribunal Federal. Assim, alargou-se o campo de rescindibilidade das sentenças, para estabelecer que, sendo elas, além de inconstitucionais, também contrárias a precedente da Corte Suprema, ficam sujeitas à rescisão por via de embargos, dispensada a ação rescisória própria. A existência de precedente do STF representa, portanto, o diferencial indispensável a essa peculiar forma de rescisão do julgado. Tem razão Eduardo Talamini, no particular, quando observa que o parágrafo do art. 741 contém, também na sua segunda parte, um enunciado implícito da existência de anterior pronunciamento do STF, devendo ser entendido, conseqüentemente, do seguinte modo: "(...) título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF ou em aplicação ou interpretação tidas, por aquela mesma Corte, como incompatíveis com a Constituição Federal" [15].

Aliás, a inserção desse elemento diferenciador não é novidade em nosso sistema. Ela representa mais uma das várias hipóteses de valorização dos precedentes já consagradas no direito positivo, acompanhando uma tendência evolutiva nesse sentido percebida e anotada pela doutrina [16]. Também na ação rescisória em matéria constitucional o princípio da supremacia da Constituição, aliado ao da existência de precedente do STF, constituem um referencial significativo conforme reconheceu o STJ em várias oportunidades, como, v.g., em precedente em que se destacou:

Na interpretação do art. 485, V, do Código de Processo Civil, que prevê a rescisão de sentença que ´´violar literal disposição de lei´´, a jurisprudência do STJ e do STF sempre foi no sentido de que não é toda e qualquer violação à lei que pode comprometer a coisa julgada, dando ensejo à ação rescisória, mas apenas aquela especialmente qualificada. (...) Ocorre, porém, que a lei constitucional não é uma lei qualquer, mas a lei fundamental do sistema, na qual todas as demais assentam suas bases de validade e de legitimidade, e cuja guarda é a missão primeira do órgão máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102). (...) Por essa razão, a jurisprudência do STF emprega tratamento diferenciado à violação da lei comum em relação à da norma constitucional, deixando de aplicar, relativamente a esta, o enunciado de sua Súmula 343, à consideração de que, em matéria constitucional, não há que se cogitar de interpretação apenas razoável, mas sim de interpretação juridicamente correta. (...) A orientação revela duas preocupações fundamentais da Corte Suprema: a primeira, a de preservar, em qualquer circunstância, a supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; a segunda, a de preservar a sua autoridade de guardião da Constituição. (...) Assim sendo, concorre decisivamente para um tratamento diferenciado do que seja ´´literal violação´´ a existência de precedente do STF, guardião da Constituição. Ele é que justifica, nas ações rescisórias, a substituição do parâmetro negativo da Súmula 343 por um parâmetro positivo, segundo o qual há violação à Constituição na sentença que, em matéria constitucional, é contrária a pronunciamento do STF [17].

Pouco importa, para os fins previstos no art. 741, parágrafo único do CPC, a época em que o precedente do STF foi editado, se antes ou depois do trânsito em julgado da sentença exeqüenda, distinção que a lei não estabelece. A tese de que somente se poderia considerar, para esse efeito, os precedem supervenientes à sentença exeqüenda não é compatível com o desiderato de valorizar a jurisprudência do Supremo. Se o precedente já existia à época da sentença, fica demonstrado, com mais evidência, o desrespeito à sua autoridade.

É indiferente, também, que o precedente tenha sido tomado em controle concentrado ou difuso, ou que, nesse último caso, haja resolução do Senado suspendendo a execução da norma. Também essa distinção não está contemplada no texto normativo, sendo de anotar que, de qualquer sorte não seria cabível resolução do Senado na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e na que decorre da interpretação conforme a Constituição. Além de não prevista na lei, a distinção restritiva não é compatível com a evidente intenção do legislador, já referida, de valorizar a autoridade dos precedentes emanados do órgão judiciário guardião da Constituição, que não pode ser hierarquizada em função do procedimento em que se manifesta. Sob esse enfoque, há idêntica força de autoridade nas decisões do STF em ação direta quanto nas proferidas em via recursal, estas também com natural vocação expansiva, conforme tivemos oportunidade de mostrar em sede doutrinária. A recomendação da doutrina clássica — de que a eficácia erga omnes das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade, ainda que incidentalmente, deveria ser considerado "efeito natural da sentença" [18], está ganhando campo no plano legislativo e jurisprudencial. É assim na ação rescisória em matéria constitucional, conforme já se referiu, onde os precedentes do STF atuam com idêntica força, pouco importando a natureza do processo do qual emanam. É assim também para os fins do art. 481, parágrafo único do CPC, que submete os demais Tribunais à eficácia vinculante das decisões do STF em controle de constitucionalidade [19], indiferentemente de terem sido tornadas em controle concentrado ou difuso.

Deve-se aplaudir essa aproximação, cada vez mais evidente, do sistema de controle difuso de constitucionalidade ao do concentrado, que se generaliza também em outros países [20] e que, entre nós está conduzindo, no plano do direito infraconstitucional, ao reconhecimento da idêntica força de autoridade às decisões do STF, em qualquer das circunstâncias processuais em que são proferidas. Não é por outra razão, aliás, que vozes importantes se levantam para sustentar o simples efeito de publicidade às resoluções do Senado previstas no art. 52, X, da Constituição. É o que defende, em doutrina, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem "não parece haver dúvida de que todas as construções que se vêm fazendo em torno do efeito transcendente das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso Nacional, com o apoio, em muitos casos, da jurisprudência da Corte, estão a indicar a necessidade de revisão da orientação dominante antes do advento da Constituição de 1988" [21].

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Sobre o autor
Teori Albino Zavascki

ministro do Superior Tribunal de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAVASCKI, Teori Albino. Embargos à execução com eficácia rescisória:: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único, do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1510, 20 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10296. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

<b>Texto originalmente publicado na Biblioteca Digital Jurídica (BDJur) do Superior Tribunal de Justiça (<a href="http://bdjur.stj.gov.br">http://bdjur.stj.gov.br</a>).</b><br>Distribuído sob <a href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/deed.pt">Licença 2.5 Brasil Creative Commons</a>. Reproduzido mediante permissão.<br> Publicado também na coletânea “Coisa julgada inconstitucional”. Org. Carlos Valde do Nascimento e José Augusto Delgado. Belo Horizonte: Fórum, 2006. P. 331-344.

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