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Extensão do prazo recursal em dobro ao Ministério Público em matéria criminal

(art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50)

21/08/2007 às 00:00
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É sabida e ressabida a consagração do entendimento, quase unânime, oriundo da interpretação literal da lei, de apenas a Defensoria Pública possuir a prerrogativa de ter o prazo de recurso em dobro em matéria criminal, excluindo-se o Ministério Público do âmbito de incidência da norma do § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060/50.

O dispositivo em comento prescreve, in verbis, que "Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos." (grifo nosso).

Pelo conteúdo dessa norma, é possível observar que a Defensoria Pública, sempre assoberbada de trabalho, possui tratamento diferenciado no que toca aos prazos processuais. Nada mais correto e isonômico, posto que, quantitativamente, o Defensor Público, o qual presta assistência judiciária, possui mais trabalho do que o advogado ou defensor particular. Neste aspecto, a lei nada mais fez do que normatizar o conteúdo aristotélico do princípio da igualdade: tratar os iguais com igualdade e com desigualdade os desiguais, na estrita medida em que se desigualam.

Ora, se o Defensor Público, quantitativamente, ex vi legis e não por opção, detém um maior ônus laboral, nada mais justo e igualitário que deter também prazos mais elásticos, até mesmo para desincumbir-se com correção do ônus que lhe foi legalmente atribuído.

As mesmas razões devem amoldar-se congruentemente ao Ministério Público.

Porém, antes de tudo, é necessário, porque imprescindível, determinar a exata medida da desigualdade, até mesmo para dar a perfeita compostura aristotélica do princípio da igualdade no tocante aos prazos processuais, restringindo-se especificamente esta breve argumentação ao aspecto atinente aos recursos.

A Lei nº 1.060/50 regula, indistintamente, apenas a atuação da Defensoria Pública, tanto nos processos cíveis quanto criminais.

Contudo, não é mais possível, hoje em dia, compactuar com a vetusta tese de que, apenas para a Defensoria Pública, todos os prazos devem ser computados em dobro. Mais do que nunca, atualmente, luta-se pela igualdade processual e substancial, devendo prevalecer a idéia de que o processo legal seja, realmente, devido para ambas as partes. Em outras palavras, o devido processo legal é devido a ambas as partes.

O questionamento que se faz neste momento é: caberia ao Ministério Público o prazo em dobro para recorrer na seara criminal? Adiantando a solução do problema, entendemos que a prerrogativa deve ser estendida, sim, ao Ministério Público quando se está diante de prazos recursais, os quais integram o devido processo legal.

Na lógica jurídica, nenhuma razão plausível justifica a mencionada prerrogativa, em sede penal, apenas e tão-somente à Defensoria Pública. Conforme ensinamentos do Procurador de Justiça de Minas Gerais, JOSÉ FERNANDO MARREIROS SARABANDO (publicado no site www.sindimp.com.br, em 22/10/2004), "nenhuma explicação dotada de mínima razoabilidade existe para privilégio que tal, máxime em nome do inarredável princípio da equivalência de armas, ou da isonomia processual das partes, em que tanto à Acusação como à Defesa são conferidos os mesmos direitos, os mesmos deveres e as mesmas prerrogativas, sempre em função do necessário equilíbrio dos contendores, no processo".

O Procurador mineiro, entretanto, entende que o privilégio atribuído apenas à Defensoria Pública deve ser extirpado como norma, no que tange ao prazo em dobro para recorrer em juízo penal. Ou seja, interpreta restritivamente o conteúdo do § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060/50, reduzindo a sua abrangência de atuação, chegando à exegese de que somente na seara cível possui a Defensoria Pública prazo em dobro para recorrer, porquanto só no juízo cível o Ministério Público também tem seu prazo recursal dobrado. Para igualizar, desnuda-se um santo para vestir outro.

Data venia, tal interpretação não pode ser admitida. É que a norma que outorga à Defensoria Pública prazo diferenciado para recorrer integra o próprio devido processo legal, expressado pela ampla defesa – isto é, com todos os recursos a ela inerentes –, de forma que a criação do dispositivo encontrou sua justificativa nas dobras do princípio da igualdade, como já ficou exposto, sucintamente, acima. Desta forma, o conteúdo do dispositivo sob comento, neste aspecto, é legítimo e constitucional, porque dá substância ao princípio da isonomia.

Realmente, a interpretação restritiva privilegiaria, ilegitimamente, o réu abonado, o qual consegue contratar excelentes advogados para prestar-lhe serviços comodamente e, não raras vezes, de forma exclusiva, em detrimento do acusado pobre – aliás, maioria no banco dos réus –, cujo defensor possui muitas outras causas igualmente relevantes e concomitantes.

Além disso, extirpar tal prerrogativa por meio de interpretação restritiva não é concebível quando se trata de matéria atinente aos direitos fundamentais, notadamente quando estão em jogo os interesses do réu em processo penal, no qual o direito à liberdade tem posição de destaque.

Todavia, se por meio de interpretação não é possível restringir tal direito da Defensoria Pública, é possível atribuir ao Ministério Público idêntica prerrogativa por intermédio da hermenêutica?

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Opinamos positivamente. É que odiosa restringenda, benigna amplianda.

Para explicarmo-nos melhor, é mister fazer, em primeiro lugar, uma interpretação histórica, a qual é sempre essencial para se chegar à teleologia da norma.

O § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060/50, o qual estabeleceu o privilégio para a Defensoria Pública, só foi acrescentado pela Lei nº 7.871 de 1989.

No processo civil, o Ministério Público tinha e ainda tem o prazo em dobro para recorrer (art. 188 do Código de Processo Civil). O parágrafo advindo com a Lei nº 7.871 foi acrescentado exatamente com o fito de igualar as armas dos contendores, pois desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973 até o ano de 1989, só o Ministério Público possuía um prazo mais elástico para recorrer, fazendo com que a Defensoria Pública sempre restasse prejudicada. Pois bem, a lei de 1989 veio apenas para suprir essa desigualdade processual, a qual perdurou por longos 16 anos!

No entretanto, a Lei nº 7.871 foi larga demais, não se limitando apenas ao processo civil. Com isso, após a entrada em vigor desta lei que deveria vir para acabar com a desigualdade na seara cível, surgiu a equivocada interpretação de que os prazos em dobro estender-se-iam, na seara penal, apenas para a Defensoria Pública, recriando uma inaceitável discriminação, desta vez no processo penal e em detrimento do Ministério Público, a qual já perdura nada mais nada menos que 18 anos!

Diante desta análise, observa-se, teleologicamente, que em nenhum momento o legislador pretendeu que as armas processuais entre as partes se desigualassem. Ao contrário, com a lei, pretendeu-se sanar a própria desigualdade com que sofria a Defensoria Pública, equiparando suas armas processuais com as do Ministério Público. Com isso, é possível chegar-se à conclusão de que a lei disse mais do que pretendeu (plus dixit quam voluit), autorizando a interpretação restritiva.

Todavia, em matéria de direitos fundamentais, não é compossível dar à norma regime de direito estrito. Assim sendo, se a lei não restringiu o alcance da norma não será dado ao intérprete restringi-lo. Deve ocorrer exatamente o contrário: o exegeta deve dar a máxima carga de efetividade à norma que trata de direitos fundamentais.

Em tal grau, quando se trata de direitos fundamentais, o intérprete, por via da hermenêutica, não pode diminuir o espectro de incidência da norma. Pode, todavia, elastecer o seu alcance, porque os direitos fundamentais devem ter a maior carga de efetividade possível, desde que em consonância com outro ou outros princípios fundamentais, como, no caso presente, o princípio da igualdade e do devido processo legal.

Assim, benigna amplianda, é perfeitamente concebível e, diante do império do princípio da igualdade, obrigatória a extensão ao Ministério Público do benefício do prazo em dobro para recorrer. A lei e o intérprete não devem favorecer a formação e a conservação das desigualdades, devendo, ao reverso, promover a simetrização.

Para chegar-se à solução da permissividade de o Ministério Público recorrer com prazo em dobro, aliás, não é mister que seja de lege ferenda. Decorre isso do próprio arcabouço jurídico, o qual deve ser sistematizado de maneira demiúrgica.

Deveras, o princípio da igualdade é cogente e impositivo. Quando se invoca um fundamento para diferenciar-se situações de desigualdade, todos os entes que se encontram sob o abrigo deste mesmo fundamento devem ter idêntico tratamento jurídico.

Se a Defensoria Pública recebeu tratamento diferenciado por se encontrar em situação de assoberbamento de trabalho, de modo que necessita deste tratamento para desincumbir-se com perfeição do seu ônus, a fortiori ao Ministério Público deve ser estendido, simetricamente, o mesmo tratamento, já que se encontra em idêntica situação de exabundante trabalho.

Desse modo, não é nem mesmo necessária a promulgação de lei para dar o suporte jurídico-normativo ao Ministério Público para ter o direito de recorrer tempestivamente utilizando-se do prazo dobrado.

A despeito de sabermos quão tradicional já se tornou essa interpretação emprestada ao § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060/50, isto é, de apenas a Defensoria Pública poder recorrer com o prazo dobrado, é imperioso haver a mutação interpretativa da norma, dando-se compostura fundamental e irrefragável ao princípio da igualdade.

Ressalte-se que pelo próprio conteúdo igualitário que da norma em comento advém, o qual possui evidente envergadura constitucional, pode-se concluir pela alteração semântica do seu significado sem precisar haver uma alteração sintática da redação.

Apesar da inexistência de norma expressa, conclui-se pela irrestrita possibilidade de o Ministério Público, no âmbito criminal, recorrer tempestivamente dentro do prazo considerado em dobro, estendendo-se-lhe o conteúdo do § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060/50, porquanto o próprio princípio constitucional da igualdade não permite que esta norma seja interpretada de outra forma, sob pena de esvaziar e empobrecer o significado dos direitos fundamentais.

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Sobre o autor
Glaucio Ney Shiroma Oshiro

Promotor de Justiça em Cruzeiro do Sul (AC). Pós-Graduando em Direito Penal e Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OSHIRO, Glaucio Ney Shiroma. Extensão do prazo recursal em dobro ao Ministério Público em matéria criminal: (art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1511, 21 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10308. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Apreciado como tese no XVII CONGRESSO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO realizado em Salvador/BA em setembro de 2007 e aprovado na Plenária de forma unânime, estando devidamente publicado nos anais do Congresso nas páginas 502/503

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