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A verificação de procedência da informação. Aplicação prática e funcionalidade.

Artigo 5°, §3° do CPP

28/03/2023 às 18:10
Leia nesta página:

A verificação de procedência da informação é um filtro importante contra juízos precipitados e violação de direitos fundamentais.

A verificação de procedência da informação é um procedimento preliminar, anterior ao inquérito policial, que, diante de determinada notitia criminis sem indícios mínimos de autoria e materialidade, enseja a realização de diligências investigativas iniciais para confirmação ou não do fato.

A verificação de procedência da informação é muito utilizada na prática da investigação criminal levada a efeito pelas Polícias Civis e Federal e encontra previsão legal no artigo 5° §3° do CPP.

Eis o dispositivo legal:

Art. 5o  Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

§ 3o  Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. (grifo nosso).

Muito se discute sobre a legalidade de referido expediente e se estaríamos diante da ausência de controle externo e de possível arquivamento de investigações feitas diretamente pelo delegado de polícia, o que seria contrário ao texto legal, mais especificamente o artigo 17 do CPP “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.”

Na prática, as Polícias Civis e Federal utilizam desta peça cotidianamente e em muitos Estados existem regulamentações próprias, inclusive com prazo para sua conclusão.

A VPI, como é comumente conhecida, seria uma série de atos iniciais de investigação visando verificar a notícia de um fato que seja ilícito, se procede a informação e se há elementos mínimos aptos a justificar a instauração de inquérito policial.

Ademais, o citado instrumento ganhou mais importância com a edição da nova lei de abuso de autoridade (Lei 13869/19) que trouxe o artigo 27 com a seguinte redação:

Art. 27.  Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:           (Vide ADIN 6234)         (Vide ADIN 6240)

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

Neste prisma observamos que nem todo o fato que chega ao conhecimento da autoridade policial deve ser instaurado o respectivo inquérito policial e até mesmo outros procedimentos de investigação.

O artigo 5° do CPP deixa clara as situações que dão suporte a instauração de inquérito policial e em alguns casos exigem a manifestação da parte como nos crimes em que a ação penal seja pública condicionada a representação e nos crimes de ação privada.

A delegacia de polícia normalmente e na maioria esmagadora das ocasiões é a responsável por receber notícias de fatos que a princípio se amoldam a crimes ou contravenções penais, mas nem sempre existe de plano os elementos mínimos necessários para instauração de inquérito policial.

Podemos citar diversos exemplos como a notícia de um fato feita de forma anônima que não permite a instauração de inquérito policial e deflagração de outras medidas, inclusive junto ao Poder Judiciário, sob pena de nulidade.

Cumpre destacar em relação a denúncia anônima entendimento do STF:

RHC 117972; Órgão julgador: Primeira Turma; Relator(a): Min. LUIZ FUX; Julgamento: 18/02/2014; Publicação: 20/03/2014

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABAES CORPUS. CONTRABANDO OU DESCAMINHO E SONEGAÇÃO FISCAL. DENÚNCIA ANÔNIMA. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PARA APURAR OS FATOS NELA NOTICIADOS. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A denúncia anônima é apta à deflagração da persecução penal, desde seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração de inquérito policial. Precedentes: HC 108.147, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 1º.02.13; HC 105.484, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 16.04.13; HC 99.490, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 1º.02.11; HC 98.345, Primeira Turma, Redator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, DJe de 17.09.10; HC 95.244, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 30.04.10. 2. In casu, a Polícia Federal, a partir de denúncia anônima, deu início a investigações para apurar a eventual prática de crimes de contrabando e sonegação fiscal por sócios da empresa Transnardo Transporte Ltda., que estariam efetuando exportação fictícia de pneus para vendê-los no território nacional. No curso daquelas investigações, constatou-se a existência de grande organização criminosa, da qual participavam, inclusive, servidores da Receita Federal. Destarte, foram realizadas diligências a fim de apurar o envolvimento destes servidores – dentre os quais, as ora recorrentes (auditoras fiscais) – nos crimes de corrupção e facilitação ao contrabando/descaminho. 3. Deveras, a denúncia anônima constituiu apenas o “ponto de partida” para o início das investigações antes da instauração do inquérito policial. 4. Ademais, os autos não estão instruídos com documentos que comprovem que o procedimento penal foi instaurado tão somente com base na denúncia anônima. 5. Por outro lado, o juiz singular, constatando a existência de “indícios razoáveis da autoria ou participação” das recorrentes nos crimes de contrabando ou descaminho, bem como verificando que a prática criminosa vinha ocorrendo desde 1998, concluiu que “a interceptação telefônica e de dados mostra-se, neste momento, meio eficiente que deve ser disponibilizado à autoridade policial a fim de que ela possa concluir, com êxito, as investigações iniciadas”. 6. O prazo originalmente estabelecido para a interceptação telefônica pode ser prorrogado. As decisões posteriores que autorizarem a prorrogação sem acrescentar novos motivos “evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento”. Precedente: HC 100.172, Plenário, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 25.09.13. 7. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.

Nesta esteira importante colacionar precedente do STJ:

“A instauração de VPI (Verificação de Procedência das Informações) não constitui constrangimento ilegal, eis que tem por escopo investigar a origem de delatio criminis anônima, antes de dar causa à abertura de inquérito policial. (STJ, HC 103.566)

Muito comum na delegacia ocorrerem situações de receber ligações, mensagens em aplicativo de mensageria e ainda hoje, acreditem, papéis manuscritos com denúncias de supostos locais onde existe a traficância de drogas, maus tratos a crianças, violência doméstica, porte ilegal de armas de fogo e tantos outros exemplos do dia a dia.

Neste diapasão, a verificação de procedência da informação surge como um importante instrumento para servir com um filtro contra juízos precipitados e violação de direitos fundamentais.

Muito se discute que, como não há a instauração de inquérito policial, não poderia ser feito um controle pelo Ministério Público, a quem constitucionalmente incumbe realizar o controle externo da atividade policial.

No entanto, referida premissa não corresponde a realidade, sendo certo que o procedimento de verificação preliminar, como todos os demais atos praticados pela Polícia Judiciária são registrados e documentados.

Os atos são materializados e ficam à disposição do Ministério Público caso queira consultar e fiscalizar o seu inteiro teor.

De igual forma, a Corregedoria da Polícia Civil tem livre e irrestrito acesso a todos as verificações de procedência da informação instauradas.

Cabe ressaltar que a VPI normalmente é materializada com um despacho da autoridade policial reconhecendo a necessidade de sua implementação, além de descrever as diligências a serem realizadas.

Normalmente são expedidas ordens de serviço/missão para a equipe de investigação confirmar a veracidade do fato trazido ao conhecimento, bem como elaborado o relatório policial sobre as diligências empreendidas, pesquisas em fontes abertas e fechadas e em alguns casos oitivas de pessoas.

Como o nome diz, são diligências preliminares e simples visando trazer maiores detalhes e esclarecimentos sobre o fato para proporcionar uma correta avaliação pela autoridade policial.

Convencida da existência de indícios de autoria e materialidade da prática de infração penal, a autoridade policial instaura o respectivo inquérito policial.

Da mesma sorte, se a autoridade policial ficar convencida de que não há indícios mínimos de autoria e materialidade, encerra a VPI por falta de justa causa.

De maneira nenhuma a instauração da VPI permite a utilização de medidas invasivas como a busca e apreensão, interceptação telefônica entre outros.

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Muito comum ser instaurada a VPI e ficar constatado que o fato é atípico, ou seja, não se reveste de nenhuma conduta prevista na legislação penal.

COUTRIM (2021) expõe a importância da VPI: “Sobre o procedimento de verificação preliminar de informações, tem-se a validade da investigação preliminar realizada antes da formalização do inquérito policial. Isso porque o delegado deve verificar a origem da notícia do crime procedendo, se for o caso, à adequada tipificação”

Conforme já mencionado alhures, em alguns Estados já existe a regulamentação para tais procedimentos com descrição de atos formais de instauração e prazo.

Para contribuir com a esclarecimento da importância da existência do citado procedimento, trago a luz um caso concreto que nos deparamos onde uma denúncia anônima informava da existência de um domicílio que seria utilizado para traficância de drogas.

De posse da informação, se iniciou uma VPI que culminou na coleta de elementos que possibilitaram a instauração do inquérito policial e ao fim culminou com a expedição de mandado de busca e apreensão, prisão em flagrante e apreensão de grande quantidade de drogas e armas.

Naquele momento a simples denúncia anônima tornava inviável a instauração do inquérito policial, o que após as diligências preliminares tornou-se possível e culminou com a apreensão de drogas e armas, um auto de prisão em flagrante convertido em prisão preventiva, uma denúncia e uma condenação pela prática de tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo.

Ademais, a VPI serve para evitar que seja iniciado um inquérito policial e todas as implicações decorrentes que surgem para a pessoa acusada de um ilícito sem que o seja, funcionando desta forma como um filtro para garantia dos direitos fundamentais.

HOFFMANN e SOUZA em seu artigo publicado no site Conjur em 2018 chegam a afirmar que a VPI: “é o filtro do filtro, podendo ser chamada de filtro ao quadrado. Cuida-se de direito do cidadão de não sofrer imputação açodada, seja a imputação em sentido amplo do inquérito, seja a imputação formal do processo”.

Noutro giro, a própria existência do procedimento preliminar atende ao princípio da eficiência ao evitar maiores gastos e movimentos da máquina pública de forma desnecessária.

Conclusão

Por todo exposto no presente trabalho, sustentamos a legalidade e pertinência de tão importante procedimento de investigação criminal, destacando sua utilidade como um filtro para evitar precipitados juízos e garantir os direitos fundamentais do cidadão.

Em outra vertente, a VPI materializa a aplicação dos princípios da legalidade, eficiência, devido processo legal, celeridade e economia.

A Polícia Judiciária técnica, imparcial e garantidora dos direitos fundamentais passa indissociavelmente pela utilização da VPI de forma pontual e criteriosa.


Referências bibliográficas:

BRASIL, Código de Processo Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em: 26 de mar 2023.

BRASIL, Lei 13869/2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13869.htm. Acesso em 26 de mar 2023.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/

STJ, HC 103.566, rel. min. Jane Silva, DP 1/12/2008; STJ, RHC 14.434, rel. min. Jorge Scartezzini, DJ 1º/4/2004.

SANINI, Francisco. Delegado de Polícia e o Direito Criminal. Leme, SP. Mizuno. 2021.

HOFFMANN e SOUZA, Henrique e Adriano Costa. A Verificação de Procedência das Informações é Filtro ao Quadrado. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-fev-06/academia-policia-verificacao-procedencia-informacoes-filtro-quadrado. Acesso em 26 de mar. 2023.

COUTRIM. Eujecio Lima Filho. Estudo de Direito Processual Penal. Londrina, PR. Thoth.2021.

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Sobre o autor
Felipe Gonçalves Martins

Delegado de Polícia do Estado do Paraná. Ex-Delegado de Polícia do Estado do Acre. Ex-inspetor de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Direito Penal e Criminal pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade Única (MG). Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Única (MG). Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Graduado em Teologia pela Universidade Unicesumar (PR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Felipe Gonçalves. A verificação de procedência da informação. Aplicação prática e funcionalidade.: Artigo 5°, §3° do CPP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7209, 28 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103232. Acesso em: 28 abr. 2024.

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