A Teoria do Direito Penal do inimigo no Direito Penal brasileiro e o seu paradigma punitivista

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04/04/2023 às 11:16
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3. CONEXÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E O MOVIMENTO PUNITIVISTA

Após restar demonstrada a existência da teoria do alemão Günther Jakobs dentro do ordenamento jurídico penal brasileiro, bem como que a sua presença ofende aos princípios fundamentais que norteiam a vigente Carta Magna, consequentemente, esta não deveria absorver o seu conteúdo, ainda que de forma relativizada, como defendida pelo seu próprio idealizador (ZAFFARONI, 2007), pois, fere ao Estado Democrático de Direito, neste momento, cabe questionar agora se também há conexão com o Movimento Punitivista ou se são alinhamentos diferentes, porém, que defendem uma maior rigidez em relação aos criminosos.

Inicialmente, apesar da grande visibilidade que esse pensamento tão agressivo alcançou, visto que não lhe faltou campos férteis para desenvolver-se como política criminal, na verdade, o Direito Penal do inimigo encontra-se vinculado em sua existência ao chamado punitivismo expansionista, ou seja, tem isso como alicerce, e não o contrário, consequentemente, já dá para propor uma defesa a favor da ligação entre ambos. É exatamente o que o próprio mentor (JAKOBS, 2012, pg. 77) expõe na obra:

Em primeiro lugar, trata-se de esboçar uma imagem mais concreta desta evolução político-criminal atual. Desde a perspectiva aqui adotada, este desenvolvimento pode resumir-se em dois fenômenos: o chamado <<Direito Penal Simbólico>> (infra 2.2.1) e o que se pode denominar <<ressurgir do punitivismo>> (infra 2.2.2). Em todo caso, deve sublinhar-se, desde logo, que estes dois conceitos só identificam aspectos fenotípicos-setoriais da evolução global e não aparecem de modo clinicamente <<limpo>> na realidade legislativa (infra 2.2.3). Ambas as linhas de evolução, a <<simbólica>> e a <<punitivista>> – esta será a tese a expor aqui –, constituem a linhagem do Direito Penal do inimigo.

Desse modo, percebe-se que o Movimento Punitivista está muito além do período em que as primeiras ideias a respeito do Direito Penal do inimigo começaram a surgir, tanto é verdade que o tema é detalhado como um ressurgir do punitivismo dentro do desenrolar da teoria de Jakobs. Ademais, outro pensador (ZAFFARONI, 2007) descreve ainda vários momentos da história em que o Estado se utilizou de um poder mais opressor para manter-se soberano até chegar ao ponto do chamado autoritarismo cool, logo, isso traz a noção do quanto tempo o punitivismo está presente como instrumento de contenção.

Ainda dentro desse contexto, convém ressaltar que esse renascimento do punitivismo está fortemente atrelado ao chamado Direito Penal Simbólico, que nada mais é que a figura de uma norma extremamente rígida, que surge geralmente em um contexto de desespero da sociedade, mas que acaba por se tornar ineficaz na prática, o que leva a um fenômeno expansionista penal desnecessário, inchando cada vez mais o sistema com dispositivos inadequados. Para Manuel Cancio Meliá (JAKOBS, 2012, pg. 88), são essas manifestações unidas que dão origem ao Direito Penal do Inimigo:

Dito com toda brevidade: o Direito Penal simbólico não só identifica um determinado <<fato>>, mas também (ou sobretudo) um específico tipo de autor, que é definido não como igual, mas como outro. Isto é, a existência da norma penal – deixando de lado as estratégias técnico-mercantilistas, a curto prazo, dos agentes políticos – persegue a construção de uma determinada imagem da identidade social, mediante a definição dos autores como <<outros>>, não integrados nessa identidade, mediante a exclusão do <<outro>>. E parece claro, por outro lado, que para isso também são necessários os traços vigorosos de um punitivismo exacerbado, em escala, especialmente, quando a conduta em questão já está apenada. Portanto, o Direito Penal simbólico e o punitivismo mantêm uma relação fraternal. A seguir, pode ser examinado o que surge de sua união: o Direito Penal do inimigo.

Antes de encerrar o assunto, com o objetivo de deixar mais nítida a existência de um vínculo entre o Movimento Punitivista e o Direito Penal do inimigo, como dito anteriormente, em política criminal, há três grandes movimentos na atualidade, que são o abolicionismo, o minimalismo e o punitivismo, sendo que última corrente, de acordo com Flávio Gomes (GOMES, 2004), divide-se em outros cincos grupos da seara punitiva, os quais são enquadrados entre retribucionistas e prevencionistas.

De acordo com esse autor (GOMES, 2004), a teoria de Günther Jakobs estaria mais adequada a vincular-se à ala preponderantemente prevencionista, visto que utilizaria o Direito Penal como um recurso para dar maior estabilidade ao poder coercitivo das normas, por entender o autor que a pena possuiria um caráter de prevenção geral positiva, ou seja, ela seria utilizada para reforçar a confiança no próprio Estado perante o povo, além da conhecida mensagem coercitiva dada àquele que pratica algum delito.

À vista disso, pode-se concluir que a defesa por leis de índole mais repressivas não é a única coisa em comum que existe entre o Movimento Punitivista e o Direito Penal do inimigo, na realidade, aquela é considerada também umas dar armações essenciais do esqueleto teórico do desenvolvimento do pensamento de Jakobs, juntamente com o chamado Direito Penal simbólico, portanto, não há o que se discutir a respeito da existência ou não da conexão entre eles, haja vista que um é fonte indispensável do outro.


4. CONCLUSÃO

O referido estudo teve como objetivo primordial esclarecer a presença de traços do Direito Penal do inimigo dentro do ordenamento jurídico-penal brasileiro, ao mesmo tempo, no íntimo dessa possível relação, discutir se havia também algum nexo entre a tese de Günther Jakobs e o moderno movimento punitivista.

Nesse âmbito, entende-se ser importante fazer essa correlação, haja vista a constante mutação legislativa na criação de novos crimes e no endurecimento das penas daqueles já presentes no cotidiano da seara criminal, provavelmente, por decifrarem isso como a principal ferramenta política no combate à exacerbada violência, sem qualquer tipo de viés ressocializador para a figura dos infratores.

Após destrinchar teoricamente o assunto, em relação à primeira parte, pode-se concluir que a essência da controvérsia tese do Direito Penal do inimigo não só existe, como está em contínuo desenvolvimento normativo, seguindo a uma predisposição das ideias de Jakobs, ou seja, as leis brasileiras alimentam cada dia mais o fomento do transgressor como inimigo mortal do Estado, independentemente se isso ofende ao principal preceito constitucional, que é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Ademais, em face do movimento punitivista, conclui-se que o seu nexo com a concepção do autor alemão é muito mais profunda do que simplesmente reprimir o crime de forma enérgica, na verdade, aquele é um alicerce substancial, juntamente com o Direito Penal simbólico, para dar a sustentação necessária para a definição do que é a figura do inimigo, logo, a tese principal não terá vida sem a sua perspectiva punitiva.

Diante de tudo que foi exposto, o entrelaçamento teorético entre as concepções é cristalino, sem margem para equívocos, portanto, o movimento punitivista é um autêntico paradigma do Direito Penal do inimigo.


REFERÊNCIAS

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Abstract: The present scientific article worked with the controversial theme of the Criminal Law of the enemy, in a perspective of discovering its ideological influence, in a practical way, at the heart of the Brazilian legal-penal system. Moreover, in parallel with this investigation, we sought to clarify the existence of a theoretical relationship between the thesis and the current of the punitive movement, judging by the common search of both for stricter norms to the detriment of recidivist and highly dangerous offenders. Therefore, it was essential to focus entirely on understanding the theme, from the combination of the pieces that gave rise to the conception of the idea, going through other inexorable stages of the development of the theoretical debate, to the elementary circumstance that determined whether the objective of this essay would be achievable. In the end, it was possible to confirm the increasingly frequent presence of the matter, albeit in a flexible way, in the spirit of the laws of the country, which generates concern for the future of the Democratic State of Law.

Key words: Criminal law of the enemy. Brazilian legal system. Modern punitive movement. Dignity of human person.

Sobre o autor
Bruno Pereira Magalhães

Atualmente, exerço o cargo de Escrivão de Polícia Civil no Estado do Ceará, sendo que, anteriormente, fui policial militar na referida unidade federativa. Ademais, encontro-me estudando para concursos, em específico, para o cargo de Delegado de Polícia Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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