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Juízo das garantias: uma necessidade urgente para o processo penal brasileiro

05/04/2023 às 13:12

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal está enfrentando questões relevantes, como a constitucionalidade do juízo das garantias, que visa garantir a imparcialidade do magistrado.

  • Após três anos, a medida cautelar deferida pelo Ministro Luiz Fux ainda não foi apreciada pelo STF, gerando questionamentos sobre a observância da reserva de plenário.

  • A decisão monocrática que suspendeu a implementação do juízo das garantias é criticada por fundamentos inconsistentes, que não levam em consideração a importância da imparcialidade do juiz na fase processual.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Não parece razoável uma decisão monocrática deferindo uma medida cautelar em ação direta vigorar por mais de três anos, ainda mais sobre tema tão relevante.

O primeiro semestre do ano de 2023 provoca a reflexão da comunidade jurídica acerca de matérias que devem ser enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal. Como guarda da Constituição, a Corte Constitucional brasileira ganha protagonismo frente à notória crise institucional pela qual o país vem passando.

Os comentários discorridos nessas apartadas linhas têm conotação tão somente jurídica e não visa demonstrar apoio político-ideológico a qualquer partido ou grupo político. O que se procura é expor uma visão jurídica tendo como amparo o texto constitucional, com o intuito de concretizar direitos e garantias fundamentais.

Matéria relevante, cuja constitucionalidade está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal: o juízo das garantias, instituído pela Lei nº 13.964/2019, que deve ter uma urgente e especial atenção. O juízo das garantias é uma prática recorrente em diversos países e privilegia a imparcialidade do magistrado. O instituto fulmina com a prevenção do juiz que atuou da fase investigativa, deliberando sobre medidas invasivas voltadas à produção de provas, como quebras de sigilo, buscas e apreensão, etc.

Porém, a adoção do juízo das garantias foi objeto de quatro ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e partidos políticos com representatividade no Congresso Nacional. A relatoria das ações cabe ao Ministro Luiz Fux que, na qualidade de Presidente do STF, deferiu a medida cautelar, ad referendum do Plenário, em 22 de janeiro de 2020.

Passados três anos, o Supremo ainda não apreciou a medida cautelar, contrariando o que dispõe o Artigo 97 da Constituição que atribui aos tribunais (ou respectivos órgão especiais) a competência para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. É a observância da chamada reserva de plenário. Não parece razoável uma decisão monocrática deferindo uma medida cautelar em ação direta vigorar por mais de três anos. É algo exótico, para não dizer esdrúxulo. O Ministro Luiz Fux, à época vice-presidente do STF (no exercício da presidência), deferiu a cautelar em período de recesso forense, o que se mostra plausível, desde que a decisão monocrática fosse referendada (ou não) pelo Plenário da Suprema Corte.

Sob a ótica material, a decisão do relator passa por uma sucinta digressão sobre o que seriam normas processuais e normas de organização judiciária. Entende o relator que se trata de norma de natureza híbrida que aponta para a aplicação do Artigo 96, inciso II, da Constituição que impõe a iniciativa a órgãos do Poder Judiciário quanto a proposições que versem sobre organização judiciária. Tem-se, portanto, uma suposta inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa.

Tal fundamentação é carente, na medida em que o juízo das garantias estabelece mera regra de impedimento àquele magistrado que atuou na fase investigativa. Assim, este magistrado não poderia atuar na causa penal. Busca-se com o juiz das garantias a desejada imparcialidade do magistrado que travará contato com as provas produzidas no procedimento em contraditório, definindo de forma clara a função do juiz (equidistância das partes), do Ministério Público, promovendo a ação penal e da defesa.

Um argumento falacioso para fundamentar a decisão é a de que a nova lei criaria dois novos órgãos jurisdicionais distintos: o juízo das garantias e o juízo da instrução; causando uma verdadeira desordem no Judiciário. Ademais, não haveria a maturação legislativa suficiente para a adoção da medida. Não deve prosperar essa afirmação pois a lei visa, unicamente, garantir que todo cidadão submetido a uma persecução criminal tenha um juiz imparcial para apreciar as provas apresentadas e submetidas ao contraditório. Nada mais! Não há qualquer criação de órgão jurisdicional, mas, tão somente, o comando para o estabelecimento de regras de organização judiciária capazes de aplicar a regra de impedimento. Aliás, em tempos de ampla adoção de meio de tecnologia da informação, essa medida é simples. Ao argumento da falta de maturação legislativa, não cabe ao Poder Judiciário concluir sobre deficiências (que não é o caso) do processo legislativo. Se o devido processo legislativo foi observado, é o que basta para que a medida entre em vigor.

Também merece repulsa o argumento de que a adoção do juízo das garantias geraria um incremento orçamentário sem definição da fonte dos recursos. Igualmente descabido o argumento, pois insere-se uma mera regra de impedimento do órgão jurisdicional que travou contato com a prova produzida na fase de inquérito policial. Em contrapartida, aumentou-se o limite temporal da pena de prisão de 30 para 40 anos, o que gera um aumento do custeio das unidades prisionais, sem qualquer declaração de inconstitucionalidade.

Dentro de uma lógica garantista, o Direito Penal e o Processo Penal devem ter como finalidade principal limitar o poder punitivo estatal conferindo ao acusado garantias fundamentais, para que haja imparcialidade do magistrado e obediência aos ditames do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. É essencial para o sistema acusatório, nos dizeres de Luigi Ferrajoli, a separação das funções de acusar, defender e julgar. A atuação do Judiciário na fase pré-processual somente se revela admissível, com o propósito de proteger as garantias fundamentais dos investigados.1 Luis Geraldo Lanfredi segue a mesma linha ao asseverar que o juiz na fase pré-processual cabe dar efetividade às garantias processuais e à legalidade da atuação policial (ação investigativa) e do Ministério Público (ação de acusação).2 A imparcialidade do juiz “deriva não da relação do juiz com as partes, mas de sua prévia relação com o objeto do processo”.3

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Enfim, o que se vislumbra com a decisão é a manutenção de uma mentalidade inquisitorial que imperou durante os mais de oitenta anos de vigência do Código de Processo Penal. Há a urgente necessidade de adoção de um modelo acusatório de processo, mais alinhado ao Estado Democrático de Direito, paradigma constitucionalmente albergado desde 1988. Ademais, nunca é demais lembrar que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos que define, no seu Artigo 8º, como garantia de qualquer acusado o julgamento por um juiz imparcial.4 Portanto, um magistrado que interveio na fase investigativa não deve ser considerado apto para julgar uma controvérsia penal. Logo, é urgente que o Supremo julgue essas ações para firmar a garantia do cidadão ser julgado por um juiz imparcial.


  1. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: Teoría del Garantismo Penal. 3ª ed., Madrid: Trotta, 1998. p. 567.

  2. LANFREDI, Luís Geraldo S. Juez de garantías y sistema penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 204/206.

  3. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito ao julgamento por juiz imparcial: como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que não há a função do juiz de garantias.

  4. Disponível em <https://www.conjur.com.br/dl/pacto-san-jose-costa-rica.pdf>. Acesso em 4 abr. 2023.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rodrigo Medeiros. Juízo das garantias: uma necessidade urgente para o processo penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7217, 5 abr. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103377. Acesso em: 22 dez. 2024.

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