Namoro qualificado e suas consequências jurídicas

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12/04/2023 às 11:18

Resumo:


  • O namoro qualificado é uma relação afetiva sem a intenção de constituir família no presente, diferenciando-se da união estável pela ausência do elemento subjetivo affectio maritalis.

  • A união estável é reconhecida como entidade familiar pela legislação e gera efeitos jurídicos como partilha de bens e direito a alimentos, enquanto o namoro qualificado não possui respaldo jurídico específico.

  • Decisões judiciais, como a do STJ, têm utilizado o conceito de affectio maritalis para diferenciar união estável de namoro qualificado, focando na intenção do casal de constituir ou não uma família no momento atual.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O namoro como relacionamento afetivo, observando seu conceito e formação, bem como suas modalidades, e para uma melhor compreensão será pontuada a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que trouxe a denominação do instituto do namoro qualificado, que difere da união estável.

INTRODUÇÃO

A união entre duas pessoas é um ato que vem acontecendo desde os primórdios, repercutindo em várias áreas do viver individual, haja vista, que ambas as partes envolvidas na relação passam por uma série de mudanças, havendo trocas de experiências, ideologias, responsabilidades, etc., bem como, na vida coletiva, pois a união seria um pressuposto para a construção de uma família que é o instituto fundamental para o processo de amadurecimento e crescimento da pessoa, sendo por isto, objeto de amparo constitucional e infraconstitucional.

Verifica-se que no decorrer dos tempos, ocorreram constantes mudanças de costumes e valores na sociedade contemporânea brasileira, principalmente quando o assunto tem a ver com o modo dos casais se relacionarem, dessa forma, percebe-se que a modalidade de relacionamento afetivo, denominada namoro, cada vez mais vem se assemelhando à união estável, causando, assim, grande confusão quanto à diferenciação desses institutos na esfera social e jurídica.

Cabe ressaltar, que quando mencionada a palavra união, não está se fazendo relação ao casamento ou a união estável que estão positivados no Código Civil de 2002 e sim no verdadeiro teor da palavra. Posto isso, o presente artigo tem a finalidade de apresentar um novo instituto, conhecido como namoro qualificado, sendo esse, exarado em uma recente decisão do Superior Tribunal da Justiça (STJ).

Desse modo, temos o namoro qualificado, como um relacionamento em que o casal não tem a intenção de constituir família no presente, ainda que residam em uma mesma casa, compartilhando conta bancária, despesas, tenham vida social, ou seja, vivendo como “casados”.

Em suma, diversos efeitos jurídicos são desencadeados em decorrência das garantias constitucionais que detém a união estável. Pois atualmente, por haver imprecisão em se determinar o que é a união estável e o que é o namoro, é comum que muitos ex-namorados, quando finda a relação, procurem resguardo do Poder Judiciário com o intuito de obter vantagens, especialmente patrimoniais, socorrendo-se ao argumento de que experimentavam uma união estável. Imprescindível, desse modo, examinar se o namoro pode projetar os mesmos efeitos que uma união convivencial.


1. A ORIGEM DO NAMORO QUALIFICADO

Os namoros dos tempos modernos quando comparados aos costumes e tradições a que antes eram atrelados. É nítido que atualmente os casais podem dispor de intimidade extrema sem que haja reprovação da sociedade, prova disso é que a prática da relação sexual entre os casais antes do matrimônio tornou-se comum, bem como manter uma relação sem fidelidade, ter encontros apenas casuais, etc.

Ocorrendo tudo isso, em comum acordo. Dessa forma, percebe-se que o namoro adquiriu novos contornos. Sendo assim, pode-se namorar sem ter ao menos a intenção de algum dia elevar o relacionamento a um nível mais sério, como um noivado ou casamento.

Assim, para ratificar, cumpre destacar a visão do eminente Bauman (2000), expondo que existe uma sociedade líquida, com mutações sociais e relacionamentos fluidos. A crise das ideologias fortes, pesadas, sólidas, típicas da modernidade foi deixada de lado. Na pós-modernidade está presente um clima fluido, liquido, leve, caracterizado pela precariedade, incerteza e rapidez de movimento, com alterações constantes nas formas que o ser humano tem encontrado para se relacionar.

Dessa forma, anteriormente o namoro era um período em que o casal tinha como intuito planejar o casamento, sendo autorizado ao casal apenas breves encontros, com a supervisão atenta da família.

De acordo com Oliveira (2011, p.256), o namoro faz parte de um dos processos de convivência estabelecidos entre um casal, podendo este, encaminhar-se para a construção de uma futura família:

Passo importante na escalada do afeto ocorre se o encontro inicial revela o início de uma efetiva relação amorosa. Dá-se então, o namoro, já agora um compromisso assumido entre homem e mulher que se entendem gostar um do outro. Pode ser paixão à primeira vista, embora nem sempre isso aconteça, pois, o amor vai se consolidando aos poucos, com os encontros e desencontros do casal embevecido. Do latim in amore, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo. Tende a se tornar de conhecimento da família, dos amigos, da sociedade. Surge entre os enamorados uma cumplicidade no envolvimento porque passam a ter interesses comuns e um objetivo ainda que longínquo de formarem uma vida a dois.

Nesse sentido, segundo Silveira (2015, p.181), a partir do momento em que o interprete tenta entender quando as partes possuem um namoro qualificado e quando desejam uma união estável, estará respeitando a autonomia da vontade dos envolvidos, preservando a dignidade da pessoa humana e sanando eventual conflito de direitos fundamentais; desta forma o intérprete além de respeitar a autonomia da vontade das partes, estará tutelando a dignidade da pessoa humana e evitando o enriquecimento sem causa.

Cabe frisar, que as diversas maneiras que o ser humano encontrou para se relacionar, tem dificultado a distinção de um namoro qualificado para uma união estável. A legislação pátria procurou estabelecer critérios para a configuração da família não fundada no casamento, entretanto, pelos motivos já expostos, cabe agora a affectio maritalis o papel de tábua da salvação, sendo utilizado como um meio de distinção.

Desse modo, traz-se à baila o que diz Ribeiro (2014), que o fato de inexistir no ordenamento jurídico a conceituação da relação de namoro, não há como classificá-lo como uma entidade familiar, mas sim como um envolvimento afetivo que apresenta a futura expectativa de formar uma família.

Para Cabral (2015), o namoro qualificado é uma relação contínua e sólida, aproximada à união estável por apresentar os mesmos pressupostos objetivos para sua caracterização: a ausência de impedimentos matrimoniais e a convivência duradoura, pública e contínua.

Em suma, não há equivalência entre o namoro qualificado ou vulgarmente chamado namoro sério, com a união estável, embora, os dois institutos assemelhem-se. Pois no namoro qualificado não há concretude do objetivo de constituir família, isto é, no momento em que tal relação perdura, o casal não assume a condição de conviventes, haja vista, que não planejam formar uma entidade familiar.

Nesse diapasão, embora, compartilhem de algumas semelhanças os dois institutos distinguem-se, pois na relação de namoro a prioridade do relacionamento está na satisfação de expectativas pessoais de cada parceiro que compõe o casal e não na construção de um projeto familiar comum.


2. NAMORO SIMPLES

Inicialmente, para que se possa ter um comparativo sobre os institutos abordados no presente artigo, deve-se definir o namoro (também chamado pela doutrina de “Namoro Simples”), pois é um instituto facilmente diferenciado dos demais, os quais serão melhores expostos no presente trabalho.

Por meio da capacidade do homem de se comunicar e socializar uns com os outros, surgem vários tipos de relacionamentos. Diante disso, quando há um envolvimento afetivo recíproco no relacionamento nasce o namoro. Dentre as inúmeras definições para esse status a que melhor define seria a “aproximação física e psíquica entre duas pessoas em um relacionamento, fundamentado na atração recíproca, que aspira continuidade para o futuro” (HOUAISS, 1999, p.1993).

Em um relacionamento existem várias etapas, construindo assim um processo de convivência para encaminhar a uma futura família. E podemos dizer que o namoro seria uma das etapas desse processo. Segundo Oliveira (2005, p.01), existem etapas antes mesmo do namoro e que com o passar do tempo vão ganhando nomenclaturas diferentes.

Variam os nomes do eterno jogo da conquista amorosa: rondar, flertar, paquerar, hoje em dia ‘ficar’. Na sequência, se e quando houver, dá-se a fase do ‘rolo’ e pode acontecer a evolução do afeto para namorar, noivar, viver junto e, até mesmo, casar pelos cânones legais como supremo ato de entrega e aceitação.

Para Tessari (2005), o namoro configura uma fase de aprendizado mútuo do casal, na qual se verificam as semelhanças e as diferenças que irão fortalecer o casal ou fazer com que eles rompem a relação. Por assim dizer, o objetivo do namoro é conhecer o parceiro com a finalidade de ter um relacionamento duradouro.

No primeiro momento, vale destacar a característica de ser um fato inicial quando se fala em namoro, não tendo responsabilidades nas esferas jurídicas. Pelo fato de inexistir no ordenamento jurídico a conceituação da relação de namoro, não há como classificá-lo como uma entidade familiar, mas sim como um envolvimento afetivo que apresenta a futura expectativa de formar uma família (RIBEIRO, 2014).

O namoro, por si só, não tem consequências jurídicas. Não acarreta, partilha de bens ou qualquer aplicação de regime de bens, fixação de alimentos ou direito sucessório. Se um casal de namorados adquire juntos um veículo, por exemplo, com o fim do relacionamento este bem poderá ser dividido, se não houver contrato escrito entre eles, de acordo com as regras do direito obrigacional. Neste sentido, pode-se dizer, então, que é possível haver uma “sociedade de fato” dentro de um namoro, sem que isto caracterize uma entidade familiar. Assim, por não se tratar de entidade familiar, as questões jurídicas concernentes ao namoro, como danos causados à pessoa, são discutidas no campo do direito comercial ou obrigacional. (CUNHA, 2015).

Isto posto, por não ter um amparo legal no ordenamento jurídico pátrio, não há que se falar em requisitos legais para a sua existência e validade. Não mencionando os valores morais, que existem e que são impostos pela sociedade e pelos costumes locais.

Desse modo, a diferença basilar entre o namoro e a união estável reside na intenção de constituir uma família, pois enquanto a primeira não possui qualquer pretensão em relação a constituição familiar, não tendo também nenhum amparo jurídico, a segunda, por sua vez, possui o status de núcleo familiar, sendo reconhecido pela Constituição Federal.

3.2 NAMORO QUALIFICADO X UNIÃO ESTÁVEL

O Namoro qualificado, nomenclatura essa utilizada pelo STJ para caracterizar o namoro mais prolongado do que os demais (STJ – 3ª Turma, REsp. Nº 1.454,643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe. 10.03.2015). Instituto constantemente confundido com a união estável, pois se assemelham em suas características que são de cunho romântico-afetivo, os quais são externados publicamente para a sociedade e costumam ser duradouros, denotando estabilidade, compromisso e um forte vínculo entre os envolvidos.

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Dessa forma, o presente trabalho irá pontua-los esclarecendo a principal diferença entre os institutos, sendo o elemento subjetivo chamado, affectio maritalis (a intenção de constituir uma família no presente) e como mencionado, por se tratar de um elemento subjetivo existe divergência sobre o que seria tal intenção de constituir uma família e quando estaria configurada.

Outrossim, cumpre esclarecer que a União Estável, pois diferentemente do namoro, a mesma se encontra positivada no artigo 226, § 3º, Constituição Federal de 1988, nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil de 2002 e nas Leis Nº 8.971/94 e 9.278/96. Entende-se como uma situação de fato existente entre duas pessoas, sem casamento, desimpedidas para casar, que vivem juntas, como se casadas fossem (convivência more uxorio), o que define uma entidade familiar.

Vale ressaltar, que na legislação supracitada consta literalmente no texto legal que o reconhecimento da união estável será entre um homem e uma mulher, contudo esse entendimento já foi superado, não importando o sexo dos companheiros, e sim se ambos respeitam os requisitos para configurar o relacionamento como União Estável.

Existe jurisprudência pacífica, inclusive no STF a considerar a união estável de relacionamentos homoafetivos, como também, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei para alterar o Código Civil e reconhecer a União Estável entre pessoas do mesmo sexo. A elucidativa decisão do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade, com efeito vinculante, no ano de 2011 reconhecendo a possibilidade de uniões estáveis homoafetivas, Ementa in litteris:

UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”.

Superado o requisito da diversidade de sexo, analisaremos os demais pressupostos da união estável. Na doutrina existem várias definições sobre os requisitos, como ensina o ilustre professor Gonçalves (2010, p.588-589):

Divide entre elementos subjetivos e objetivos. Os elementos subjetivos são: a) convivência more uxório; e b) affectio maritalis: ânimo ou objetivo de constituir família. E, os objetivos: a) diversidade de sexos; b) notoriedade; c) estabilidade ou duração prolongada; d) continuidade; e) inexistência de impedimentos matrimoniais; e f) relação monogâmica.

Desta forma, a notoriedade seria a publicidade do relacionamento, não impondo um prazo temporal duradouro exato, não podendo, da mesma maneira, ser efêmera ou precária, mas sim, prolongado no tempo, sendo um relacionamento, portanto durável e contínuo. Também deverá ser uma relação sob-respeito mútuo e de fidelidade entre o casal. Na vertente dos elementos subjetivos, o vínculo deverá ser caracterizado pelo ânimo de constituir uma família (affectio maritalis) qual seja a firme intenção de viver como se casados fossem no presente. E a convivência more uxória (comum sob mesmo teto) entende o STF que esta não é indispensável para caracterização da união estável- Súmula 382 STF.

É notória a preocupação na esfera jurídica sobre tal instituto, pois como verificado suas características se equipara ao casamento e assim devendo gerar efeitos e deveres. Em contrapartida, também não podem ser considerados quaisquer relacionamentos como união estável, pois prejudicariam aqueles que assumiriam responsabilidades como se casados fossem.

Diante disso, a semelhança com o instituto do namoro qualificado é aparente, pois ambos possuem praticamente todos os requisitos objetivos. Surgindo diversos entendimentos e definições para distinguir tais uniões.

No namoro qualificado, há uma relação contínua e sólida, assemelhe-se à união estável, entretanto, não é equivalente a essa. Isso porque no namoro qualificado não há a realidade do objetivo de constituir família, ou seja, no momento que mantém aquela relação, o casal não reconhece a condição de conviventes, pois não almejam formar uma entidade familiar. E deve ser evidenciado, que não é qualquer fato que configure o desejo de formar no presente uma entidade familiar.

O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda que haja coabitação. Isso porque essas circunstâncias não bastam à verificação da affectio maritalis, nem mesmo até o nascimento de um filho fruto de um namoro não se presume a união estável, portanto devendo ser analisado no caso concreto. Assim, também nos ensina o grande familiarista Rolf Madaleno (2013, p.1138), cujo trecho abaixo se transcreve:

Com efeito, a união estável exige pressupostos mais sólidos de configuração, não bastando o mero namoro, por mais estável ou qualificado que se apresente, porquanto apenas a convivência como casal estável, de comunhão plena e vontade de constituir família concretiza a relação estável, da qual o namoro é apenas um projeto que ainda não se desenvolveu e talvez sequer evolua como entidade familiar.

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A affectio maritalis retrata como um elemento diferenciador da união estável de outros institutos afins, por exemplo, o namoro qualificado e concubinato. Desta maneira, sendo a principal e única forma de diferenciar os regimes abordados no presente trabalho, e que será exposto de forma mais específica no tópico a seguir, através de jurisprudência que define o que seja a intenção de constituir uma família no caso real.

Conforme exposto, constata-se a necessidade de particularizar cada regime, devido aos diferentes direitos e deveres que decorrem de cada. Por não estar previsto em lei, o namoro qualificado não gera efeitos específicos, podendo ser alcançado somente às questões de direito já mencionadas do namoro simples, permanecendo na análise do direito obrigacional.

Todavia, na união estável decorrem variados efeitos jurídicos, que repercutem não apenas no campo pessoal, mas, igualmente, no econômico (alimentar, patrimoniais, sucessório, etc.). Como por exemplo, o direito de pleitear os alimentos de que necessite, conforme dispõe o artigo 1.694 do Código Civil de 2002: “podem os parentes, os cônjuges ou os companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.

Como também surgem outros efeitos, como: a possibilidade de estipular via contrato o regime que satisfizer os consortes, não o firmado, deverá obedecer ao artigo 1.725 do CC/2002 que determina a comunhão parcial de bens, o qual se estima que o bem adquirido por um dos companheiros é transmudado em propriedade comum, devendo ser partilhado por metade na hipótese de dissolução da união (DIAS, 2015, p.525). O que dispõe o artigo 5º da Lei n. 9.278 que discorre:

Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

Ademais, o instituto da união estável em confronto ao namoro, verifica-se um melhor amparo jurídico por parte da União Estável, proporcionando ao casal uma segurança legal. Do mesmo modo, poderá acarretar sequelas da interposição do status de união estável a um relacionamento no qual não houve uma declaração consistente em tratar o compromisso em um grau mais elevado que um namoro, gerando lesões em diversas esferas.


4. AFFECTIO MARITALIS

Como já evidenciado, a principal distinção entre a união estável e o chamado namoro qualificado reside no elemento subjetivo Affectio Maritalis, na circunstância de que na primeira existe uma família constituída no momento atual, enquanto, na segunda, é um relacionamento em que os namorados meramente alimentam uma expectativa de constituição de uma família no futuro.

Assim, em um caso concreto podemos ter um casal que more em um mesmo apartamento já há um ou dois anos e tenha uma conta poupança conjunta e, prontamente, classificar seu relacionamento como união estável.

Contrapartida, este casal pode estar tão somente acumulando recursos para um futuro casamento, ou para adquirir um imóvel próprio onde construirão sua vida juntos, podendo tal situação ser enquadrada na modalidade de namoro qualificado, se existir apenas um projeto futuro de família.

Em recente decisão de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, a 3ª Turma do STJ empreendeu séria análise do instituto do namoro qualificado em face da união estável. Inclusive tornado tal julgado em informativo perante ao STJ, nº 0557 do perído de 5 a 18 de março de 2015.

Onde no caso retratado perante a Corte Superior versava sobre um casal que conviveu durante dois anos em um apartamento no exterior, antes de se casarem. Na época, o rapaz viajou para o exterior por ter aceitado uma proposta de emprego, no mesmo momento em que ela o seguiu com a intenção de fazer um curso de Inglês e acabou permanecendo mais tempo, devido ao seu ingresso num Mestrado. Ato contínuo, o casal noivou ainda no exterior e neste ínterim o rapaz com seus recursos pessoais adquiriu um apartamento que seria a sua residência familiar após o casamento.

Casaram-se em setembro de 2006 adotando como regime a comunhão parcial de bens, regime no qual somente há partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Em 2008, contudo, adveio o fim do relacionamento com o divórcio. Destarte, a ex-mulher ingressou em juízo pleiteando o reconhecimento e a dissolução de união estável que, segundo ela, existiu durante o período de dois anos anterior ao casamento. Sob esse argumento, visando o apartamento adquirido por ele à época, logo, deveria ser objeto de partilha entre eles.

Ao ser apreciado pelo judiciário, em primeira e segunda instância, a ex-mulher saiu vitoriosa. Não obstante, ao julgar o recurso interposto pelo ex-marido, o Ministro Bellizze no Superior Tribunal de Justiça teve entendimento diverso. Consoante com seu entendimento, não houve união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro, e não para o presente, o propósito de constituir entidade familiar”. Senão vejamos, referida decisão, REsp 1.454.643-RJ:

RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.(Grifo nosso)

Nesse diapasão, a controvérsia gira em torno de saber se o período de namoro com coabitação antes do casamento pode ser caracterizado como união estável para efeito de partilha de bem imóvel adquirido por um dos cônjuges neste período. O entendimento da 3ª Turma foi de que nessa hipótese não se caracteriza a união estável.

Eis o que nos diz o relator, o fundamental:

Permissa vênia, o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado «namoro qualificado» –, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vida, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.

[...]

Efetivamente, tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.

No caso em tela, os litigantes em um período anterior à celebração do seu casamento (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), vivenciaram um namoro qualificado, haja vista, o estreitamento da relação, projetando para o futuro e não para o presente, a intenção de constituir uma família. Sendo esse, um desejo somente realizado posteriormente, com a concretização do casamento.

De acordo, com as palavras do relator, sendo reconhecida nessa situação o instituto do namoro qualificado e não de união estável como bem pretendia a parte autora no litígio:

Nesse contexto, é de se reconhecer a configuração, na verdade, de um namoro qualificado, que tem, no mais das vezes, como único traço distintivo da união estável, a ausência da intenção presente de constituir uma família. Quando muito há, nessa espécie de relacionamento amoroso, o planejamento, a projeção de, no futuro, constituir um núcleo familiar. [...].

Prossegue ainda, asseverando a importância do Affectio Maritalis, conformação esta, não presente na situação exposta:

Na verdade, a celebração do casamento, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada, para constituir, efetivamente, um núcleo familiar. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento.

Aliás, se a entidade familiar já estava constituída, o desejo de formalização dessa união por meio do matrimônio deveria, expressamente, abranger esse período, por meio da conversão da união estável em casamento. Todavia, essa não foi a providência tomada livremente pelas partes. Não se trata de renúncia, como impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. Na espécie, todavia, o relacionamento vivenciado pelas partes em momento anterior ao casamento não apresentou, em sua plenitude, tais características, notadamente a referente à conformação da affectio maritalis, a obstar, por conseguinte, a verificação de verdadeira união estável.

Conforme o apresentado infere-se a importância do affectio maritalis tanto para configurar o que de fato é uma união estável, como para distinguir esta do instituto do namoro qualificado, sendo necessária essa diferenciação, tendo em vista as várias mudanças ocorridas na sociedade atual referente às relações amorosas. Demonstrando assim, que qualquer movimento e alteração que exista na sociedade há uma influência direta ou indireta no meio jurídico, ou seja, Direito e sociedade influenciam-se mutuamente.

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Sobre o autor
Dener Neres Caminha

Advogado. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Processual Civil – Faculdade Única de Ipatinga – FUNIP e Pós-Graduado Lato Sensu Planejamento Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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