INTRODUÇÃO - DA DEFESA DAS PRERROGATIVAS E COMPETÊNCIAS DA AUDITORIA-FISCAL DO TRABALHO
O presente trabalho visa ao estudo da defesa das prerrogativas e competências da Auditoria-Fiscal do Trabalho.
Para buscarmos a plenitude das possibilidades de afirmação desta defesa, é preciso, inicialmente, considerarmos sobre a existência de fundamentos constitucionais sobre o tema. Tal perspectiva emprestará força às ponderações sobre a necessidade de manutenção e de reforço das atribuições do corpo de fiscalização estatal laboral.
Posteriormente, analisaremos as normas infraconstitucionais pertinentes, tais como a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto nº 95.461, de 11/12/87 (DOU de 14/12/87) e a Consolidação das Leis do Trabalho, tecendo comentários sobre a posição de relevância com que é tratada a atividade de Inspeção do Trabalho nestas esferas. Outrossim, tal patamar também será vislumbrado do ponto de vista social e econômico.
Serão abordadas, ainda, as tentativas de enfraquecimento das prerrogativas e competências da Auditoria-Fiscal do Trabalho através de medidas e omissões governamentais, que destoam de nossa própria ordem jurídica.
Concluindo, apontaremos a responsabilização estatal em infirmar sua própria destinação e a necessária reação social contra este panorama.
1. IDENTIFICAÇÃO DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO COMO FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO
Como lei máxima de um Estado, uma constituição, mormente quando rígida1, como é o caso da Constituição Federal Brasileira de 1988, há de ser compulsoriamente observada pelos indivíduos e pelos órgãos e entidades dos três Poderes.
Esta observância deve significar, sobretudo, que as normas constitucionais permeiem as ações dos legisladores, dos intérpretes da lei, de seus destinatários e das demais autoridades públicas incumbidas da representação democrática indireta2, estas últimas no desenvolvimento de políticas públicas e ações governamentais. Não se pode conceber atos de governo e atos executórios no âmbito da Administração Pública que colidam com preceitos constitucionais ou que não lhes tragam efetividade.
Neste sentido, eis o que a Constituição Federal de 1.988 enuncia em seu Preâmbulo:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL .” (grifo nosso)
Muitas vezes esquecido da maioria dos operadores das leis, o Preâmbulo Constitucional traduz-se em verdadeira síntese de intenções do diploma, repleta de princípios e de grandes objetivos e finalidades. Além disto, nas palavras de Alexandre de Moraes, “... por traçar diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição, será uma de suas linhas mestras interpretativas3”.
Deste modo, emerge da leitura do Preâmbulo Constitucional o destino do Estado Brasileiro, que tem os seguintes fundamentos e objetivos, insculpidos, respectivamente, nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
(...)
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (grifo nosso)
Na esteira desta perspectiva, encontramos, ainda, na Constituição Federal, um núcleo intangível que prima pela manutenção dos direitos e garantias individuais4 e várias normas programáticas5 contendo ações estatais voltadas para o desenvolvimento da nossa sociedade.6
Vislumbra-se, portanto, o fundamento existencial do Estado Brasileiro, que ultrapassa o posicionamento clássico das três funções estatais. Não são mais suficientes ao Estado Brasileiro os exercícios normatizador, solucionador de conflitos e administrador. Nossa Constituição Federal quer um Estado atuando como agente realizador do bem-estar social e, em última análise, dos direitos humanos.
A fim de promover o bem de todos, reduzindo as desigualdades, a pobreza e propiciando condições de existência digna para a população, a própria Constituição Federal aponta para os valores sociais do trabalho.
Ressaltando este ponto de vista, coloca, ainda, que a ordem econômica será “fundada na valorização do trabalho humano”7 e que a ordem social terá como base “o primado do trabalho”8, e como objetivo “o bem-estar e a justiça social.” 9
Percebe-se que com o desenvolvimento das possibilidades de atividades laborais dos brasileiros em sociedade a realização de direitos humanos e, portanto, de várias das finalidades estatais, restarão cumpridas.
2. O PERIGO DAS VIOLAÇÕES AO VALOR SOCIAL DO TRABALHO
As relações de trabalho, em sua acepção mais tradicional, oriunda da divisão do trabalho, desenvolvem-se a partir da alienação do fator trabalho, equiparado a uma mercadoria pelo capitalismo.
Este quadro conduz à inevitável mais valia citada por Marx, pois ainda que o trabalhador seja satisfatoriamente remunerado pela prestação de seus serviços, haverá sempre uma desproporção entre tal contraprestação e o valor produzido pelo trabalho.
Esta “mais valia” é direcionada ao detentor do capital10, o que demonstra que o capitalismo baseia-se na exploração do trabalho:
“ (...) A mais-valia fica com o empregador - o dono dos meios de produção. É a fonte do lucro, dos juros, das rendas - as rendas das classes que são proprietárias. A mais-valia é também a medida da exploração do trabalhador no sistema capitalista. ” 11
Ocorre que na sede de aumentar este percentual de ganhos, os empregadores, não raro, utilizam-se do trabalho informal, da redução salarial, do aumento da jornada de trabalho sem a respectiva remuneração para o trabalhador, da supressão de intervalos para refeição e descanso, da não adoção de medidas mínimas de segurança e saúde para o trabalhador.
A inserção de tal quadro na realidade brasileira, aliada às taxas de desemprego, nos faz pensar na espoliação pela qual as pessoas em nossa sociedade estão passíveis, com submissão a quaisquer condições de trabalho para quem busca ocupação e subsistência, ao mesmo tempo que é excelente medida para os detentores do capital multiplicarem seus ganhos.
Por outro lado, há a situação em que, após investimentos sem retorno, a empreitada dos detentores dos meios de produção pode vir a sucumbir, trazendo consigo a não quitação dos direitos adquiridos pelos trabalhadores.
Destarte, emerge a necessidade de comandos estatais como forma de proteger a sociedade brasileira das situações que afrontam a dignidade humana e que impedem a devida realização do valor social do trabalho.
Afinal, que desenvolvimento social trará o trabalho realizado em condições adversas aos fatores físicos e psicológicos de uma pessoa? E o trabalho prestado com a promessa de pagamento não atendida?
3. A NECESSIDADE DE IMPEDIMENTO E CONTROLE ÀS VIOLAÇÕES AO VALOR SOCIAL DO TRABALHO
No intuito de serem preservadas as condições de dignidade das prestações laborais, a própria Constituição Federal abriga um rol de direitos dos trabalhadores, contido em seu artigo 7º, sem prejuízo da edição de outras normas sobre o tema, a serem balizadas pelo conteúdo constitucional.
Esta preocupação de nossa Lei Maior evidencia a grande importância da necessidade de preservação do valor social do trabalho como acima pretendido.
Contudo, a previsão abstrata de proteção e de direitos mínimos não se mostra suficiente para conter os abusos e desrespeitos às condições de trabalho, pois é flagrantemente descumprida por muitos. Somente com relação à contratação de assalariados sem carteira, uma das modalidades de informalidade, tem-se que “ ... em apenas dois anos (1.998/2.000) a participação dos trabalhadores sem carteira no total de ocupados cresceu de 23,5% para 25,5% (PME/IBGE)12”.
Exsurge, assim, a necessidade da fiscalização do Estado para fazer valer os direitos normativamente previstos. Tal afirmativa é corroborada pelos importantes resultados obtidos pela Fiscalização do Trabalho na regularização dos atributos trabalhistas:
“Em 2021, foram realizadas 41.133 ações fiscais de combate à sonegação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O valor recolhido ou notificado sob ação fiscal foi o maior da série histórica: R$ 6,8 bilhões. Nessas operações os auditores verificam empregadores que não estão recolhendo o FGTS de seus empregados.
(...)
Aprendizes e Pessoas com Deficiência
Em 2021, 112.396 jovens aprendizes foram inseridos no mercado de trabalho em razão das ações de fiscalização pelo MTP - um crescimento de mais de 160% em relação a 2020(quando houve 43.197 aprendizes inseridos). A fiscalização também inseriu 19.457 pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em 2021. O número supera as 13.194 inclusões de 2020. Para garantir a perenidade do preenchimento das vagas reservadas a pessoas com deficiência, essencial durante o período de pandemia, a Inspeção do Trabalho realizou 7.667 ações de verificação de rescisões de contrato de trabalho, com 22.008 rescisões verificadas.
Segurança e Saúde no Trabalho (SST) - Visando a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais e, consequentemente, a melhoria dos ambientes de trabalho e o crescimento econômico sustentável, a Inspeção do Trabalho realizou 33.617 ações fiscais estratégicas de SST e analisou 1.075 acidentes ou doenças relacionados ao trabalho. Também foram realizadas 3.888 ações fiscais específicas relacionadas ao cumprimento de normas de segurança e saúde no trabalho em que também foram verificadas as medidas de prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão do novo coronavírus (covid-19) nos ambientes de trabalho.
Trabalho análogo ao de escravo - Os Auditores-Fiscais do Trabalho resgataram, no ano passado, 1.937 trabalhadores que estavam em situação análoga à de escravo. Foram realizadas 443 ações fiscais de combate ao trabalho análogo ao escravo em todas as Unidades da Federação. É o maior número de ações da série histórica. E foi a primeira vez em que houve ações fiscais em todos os estados e no Distrito Federal em um mesmo exercício. Foram pagos mais de R$ 10 milhões em direitos trabalhistas às vítimas resgatadas durante essas ações. As informações sobre as ações podem ser consultadas no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, pelo link https://sit.trabalho.gov.br/radar.
(...)
Garantia de direitos – No ano passado, os trabalhadores resgatados de situações degradantes receberam um total de R$ 10,2 milhões em verbas salarias e rescisórias em razão do fim imediato dos contratos de trabalho irregulares (valor três vezes maior que os de 2020). Também foi promovida a formalização de 1.308 contratos de trabalho após a notificação dos auditores-fiscais. Em 196 das 443 ações realizadas em 2021 foi caracterizada a existência de trabalho análogo ao de escravo (45% do total).
(...)
Combate ao Trabalho Infantil - mais de 1.800 crianças e adolescentes foram constatados pela Inspeção do Trabalho em situação de trabalho infantil. Desses, aproximadamente 48% exerciam atividade elencada na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil – Lista TIP”13.
(...)
Ressalte-se, neste passo, que não se conjuga com os objetivos do Estado Brasileiro deixar a situação de descumprimento dos preceitos laborais ser levada ao Judiciário sem qualquer atividade do Poder Executivo de caráter preventivo e repressivo, com efeitos diretos e imediatos.
4. A FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal traz regra no sentido de competir à União manter a Inspeção do Trabalho14. Ressalte-se que, expressamente, alude apenas à Inspeção na área do trabalho, atribuindo destaque para o cumprimento dos objetivos do Estado Brasileiro.
Por outro lado, em seu artigo 247, incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98, preceitua a necessidade de adoção de regras especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que desenvolva atividades exclusivas de Estado15.
A carreira da Fiscalização do Trabalho, doutrinariamente, inclui-se dentro das atividades típicas de Estado, possuindo atribuições indelegáveis, ao lado de outras atividades de fiscalização, arrecadação tributária e previdenciária, controle interno, segurança pública, diplomacia, defesa administrativo-judicial do Estado e defensoria pública16. Sobre as peculiaridades deste regime, eis a seguinte citação:
“ (...) Como é sabido que a definição das Carreiras Típicas de Estado também explicita a extensão e o papel a ser desempenhado pelo próprio Estado na sociedade, é natural deduzir que um "mínimo" de carreiras a constituírem o Núcleo Fundamental significa também outorgar uma dimensão "mínima" ao Estado que preconizamos como indutor das transformações sociais que tanto anseia o conjunto da sociedade. Das funções típicas do Estado decorrem, evidentemente, os objetivos fundamentais e as opções sociais formuladas por este Estado, as quais acabam por se inserir na sua estrutura administrativa.”17 (grifo nosso)
O projeto de lei nº 248/98, que disciplina a perda de cargo público por insuficiência de desempenho do servidor público estável, engendrou uma tentativa de enfraquecimento da posição das carreiras típicas de Estado, tendo excluído, inicialmente, desta relação, dentre outras, a carreira da Fiscalização do Trabalho. Contudo, foi aprovado substitutivo pelo plenário da Câmara dos Deputados corrigindo tal distorção, após o levante dos Auditores-Fiscais do Trabalho e de outras carreiras então desmerecidas pela Administração Pública.18 19
Deste modo, para o cumprimento da destinação do Estado Brasileiro, a Inspeção do Trabalho deve existir, e ser forte, operante, de acordo com o destaque que lhe dá a Constituição Federal, para fazer valer as metas e ideais sociais.
5. A FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO COMO NORMA INTERNACIONAL
A Fiscalização do Trabalho é regulada pela Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 24, de 29 de maio de 1.956, e
promulgada através do Decreto n.º 95.461, de 11/12/87 (DOU de 14/12/87).
Seus preceitos têm, atualmente, ao menos status supralegal (RE 466.343), consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Emergem da análise de tal diploma, realizada a seguir, as funções e as prerrogativas dos Auditores-Fiscais do Trabalho, cuja importância é alçada a vários países que ratificaram tal convenção, ante à fragilidade das relações capital x trabalho.
6. AS ATRIBUIÇÕES DA FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO
6.1. Panorama Geral
Pode-se colocar, inicialmente, conforme a Convenção 81, que cumpre à Inspeção do Trabalho “ (...) assegurar a aplicação das disposições legais relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício de sua profissão, tais como as disposições relativas à duração do trabalho, aos salários, à segurança, à higiene e ao bem-estar, ao emprego das crianças e dos adolescentes e a outras matérias conexas ..." 20
Na área de segurança e saúde, cabe à Auditoria-Fiscal do Trabalho providenciar medidas destinadas a eliminar defeitos encontrados em uma instalação, uma organização ou em métodos de trabalho que tenham motivos razoáveis para considerar como ameaça à saúde ou à segurança dos trabalhadores21, ordenando que sejam feitas nas instalações, dentro de um prazo fixo, as modificações necessárias a assegurar a aplicação estrita das disposições legais concernentes à saúde e segurança dos trabalhadores, e que sejam tomadas imediatamente medidas executivas no caso de perigo iminente para a saúde e a segurança dos trabalhadores22.
A Convenção é expressa, ainda, na possibilidade de instituição de novas funções23.
Tais ações culminam com as tarefas orientativas ou de aplicação de sanções apropriadas por violação dos dispositivos legais24.
Percebe-se o destaque dado pela Convenção 81 da OIT à função de fazer valer o fiel cumprimento da lei, com a característica marcante da necessária imediatidade da inspeção.
Se a lei estiver sendo descumprida e a inspeção vier tarde, o acidente de trabalho já poderá ter ocorrido; o sustento do trabalhador já estará comprometido com o não pagamento dos salários; a integridade física do trabalhador poderá ter sido abalada pela jornada excessiva ...
Tais atributos são característicos da atividade administrativa, que há de ser concreta, direta e realizadora de forma imediata dos fins desejados pelo Estado25. Os mencionados elementos distinguem-na da atividade legislativa do Estado, que é abstrata, disciplinando as situações em tese, e da atividade jurisdicional do mesmo, que é indireta26 e produtora de efeitos, no mais das vezes, em momentos bem posteriores às violações legais.
Ademais, apresenta-se como elemento imperativo, impondo-se a terceiros independentemente de sua concordância, exigindo-se destes o cumprimento das obrigações impostas, sem a necessidade da Administração Pública ir a juízo. Neste passo, eis a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“ (...) nas relações privadas, a sentença é que funciona como título exigível e a ordem judicial de execução é que funciona como título executório, enquanto no Direito Administrativo o próprio ato do Poder Público já dispõe do atributo de exigibilidade e do atributo executoriedade...” 27
Salta aos olhos a imprescindibilidade da atividade fiscalizatória do Estado no intuito de se atingir os mandamentos constitucionais de defesa da dignidade e dos direitos humanos.
Por outro lado, há ênfase na Convenção 81 da OIT, em seu artigo 27, à necessidade de vários tipos de normas a tutelarem as relações de trabalho – legais (constitucionais, infraconstitucionais primárias e secundárias), coletivas, oriundas de sentenças arbitrais – cujo cumprimento será atestado pela fiscalização:
“Na presente Convenção a expressão "disposições legais" compreende, além da legislação, as sentenças arbitrais e os contratos coletivos que têm força de lei, e cuja aplicação os inspetores do trabalho estão encarregados de assegurar. ”
As prerrogativas da Fiscalização do Trabalho são ressaltadas, outrossim, pela CLT, podendo-se mencionar as disposições que lhe atribuem a verificação do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho28; a lavratura de autuações às infrações trabalhistas, salvo em casos de dupla visita ou quando da instauração de procedimento especial para ação fiscal, objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso29.
O Regulamento da Inspeção do Trabalho (Decreto nº 4.552/2002), por sua vez, segue a mesma orientação:
Art. 18. Compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho, em todo o território nacional:
I - verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego, em especial:
a) os registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), visando à redução dos índices de informalidade;
b) o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), objetivando maximizar os índices de arrecadação;
c) o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho celebrados entre empregados e empregadores; e
d) o cumprimento dos acordos, tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil;
II - ministrar orientações e dar informações e conselhos técnicos aos trabalhadores e às pessoas sujeitas à inspeção do trabalho, atendidos os critérios administrativos de oportunidade e conveniência;
III - interrogar as pessoas sujeitas à inspeção do trabalho, seus prepostos ou representantes legais, bem como trabalhadores, sobre qualquer matéria relativa à aplicação das disposições legais e exigir-lhes documento de identificação;
IV - expedir notificação para apresentação de documentos;
V - examinar e extrair dados e cópias de livros, arquivos e outros documentos, que entenda necessários ao exercício de suas atribuições legais, inclusive quando mantidos em meio magnético ou eletrônico;
VI - proceder a levantamento e notificação de débitos;
VII - apreender, mediante termo, materiais, livros, papéis, arquivos e documentos, inclusive quando mantidos em meio magnético ou eletrônico, que constituam prova material de infração, ou, ainda, para exame ou instrução de processos;
VIII - inspecionar os locais de trabalho, o funcionamento de máquinas e a utilização de equipamentos e instalações;
IX - averiguar e analisar situações com risco potencial de gerar doenças ocupacionais e acidentes do trabalho, determinando as medidas preventivas necessárias;
X - notificar as pessoas sujeitas à inspeção do trabalho para o cumprimento de obrigações ou a correção de irregularidades e adoção de medidas que eliminem os riscos para a saúde e segurança dos trabalhadores, nas instalações ou métodos de trabalho;
XI - quando constatado grave e iminente risco para a saúde ou segurança dos trabalhadores, expedir a notificação a que se refere o inciso X deste artigo, determinando a adoção de medidas de imediata aplicação;
XII - coletar materiais e substâncias nos locais de trabalho para fins de análise, bem como apreender equipamentos e outros itens relacionados com a segurança e saúde no trabalho, lavrando o respectivo termo de apreensão;
XIII - propor a interdição de estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou o embargo de obra, total ou parcial, quando constatar situação de grave e iminente risco à saúde ou à integridade física do trabalhador, por meio de emissão de laudo técnico que indique a situação de risco verificada e especifique as medidas corretivas que deverão ser adotadas pelas pessoas sujeitas à inspeção do trabalho, comunicando o fato de imediato à autoridade competente;
XIV - analisar e investigar as causas dos acidentes do trabalho e das doenças ocupacionais, bem como as situações com potencial para gerar tais eventos;
XV - realizar perícias e auditorias, no campo de suas atribuições e formação profissional, emitindo pareceres, laudos e relatórios;
XV - realizar auditorias e perícias e emitir laudos, pareceres e relatórios; (Redação dada pelo Decreto nº 4.870, de 30.10.2003)
XVI - solicitar, quando necessário ao desempenho de suas funções, o auxílio da autoridade policial;
XVII - lavrar termo de compromisso decorrente de procedimento especial de inspeção;
XVIII - lavrar autos de infração por inobservância de disposições legais;
XIX - analisar processos administrativos de auto de infração, notificações de débitos ou outros que lhes forem distribuídos;
XX - devolver, devidamente informados os processos e demais documentos que lhes forem distribuídos, nos prazos e formas previstos em instruções expedidas pela autoridade nacional competente em matéria de inspeção do trabalho;
XXI - elaborar relatórios de suas atividades, nos prazos e formas previstos em instruções expedidas pela autoridade nacional competente em matéria de inspeção do trabalho;
XXII - levar ao conhecimento da autoridade competente, por escrito, as deficiências ou abusos que não estejam especificamente compreendidos nas disposições legais;
XXIII - atuar em conformidade com as prioridades estabelecidas pelos planejamentos nacional e regional, nas respectivas áreas de especialização;
XXIII -atuar em conformidade com as prioridades estabelecidas pelos planejamentos nacional e regional. (Redação dada pelo Decreto nº 4.870, de 30.10.2003)
(...)
6.2. Enfraquecimento das atribuições
A prevalência do negociado sobre o legislado, prevista expressamente pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), que incluiu o art. 611-A, na CLT, redunda em enfraquecimento das atribuições da Auditoria-Fiscal do Trabalho.
Se com o atual arcabouço normativo já existente, tem-se as conhecidas violações aos direitos dos trabalhadores e à dignidade humana, onde se poderá chegar com a redução das normas aplicáveis às relações trabalhistas?
O argumento de que os custos do trabalho inviabilizariam a competição externa, colocando nosso país em desvantagem no mundo globalizado, e que a negociação coletiva com caráter flexibilizatório é a solução mais indicada há muito tempo é refutado até por entidades de representação laboral, como se percebe através da leitura deste texto da Central Única dos Trabalhadores:
“ (...) O baixo crescimento econômico e a pressão do desemprego colocaram os trabalhadores na defensiva ao celebrar acordos coletivos, resultando em redução de 10% do rendimento médio real dos trabalhadores ocupados entre 1.998 a 2.001 (PME/IBGE). Já a produtividade por hora paga subiu cerca de 65%, entre 1.995 e 2.000 (IPEA) ....
(...) Esse confronto estatístico entre perdas salariais e ganhos de produtividade comprova que o custo do trabalho no Brasil tem exibido uma trajetória decrescente. Além disso, a única pesquisa de referência internacional sobre o custo do trabalho realizada pela OIT em 1.998 indicava que enquanto o custo do trabalho (salários, 13°, férias, DSR, encargos sociais e demais formas indiretas de remuneração e verbas rescisórias) na indústria de transformação no Brasil era equivalente a US$ 2,5/hora, na Coréia do Sul era superior a US$ 7,5/hora e nos EUA e Alemanha correspondiam, respectivamente, a US$ 17,0/hora e US$ 22,0/hora.
(...) Os argumentos expostos acima (dotados de comprovação estatística) tornam evidente que a desregulamentação do trabalho não é o caminho para criar as condições da retomada do crescimento. Mas, no entanto, o executivo federal parece estar insistindo nesta tese, defendendo a posição de que as iniciativas de desregulamentação não produziram os efeitos esperados, pois a reforma trabalhista não foi concluída.” 30
Como já exposto neste estudo, em um mercado de trabalho em que prevalece, cada vez mais, a oferta de trabalho e o domínio dos interesses dos tomadores de serviços, a intervenção governamental é imperiosa, para minimizar a espoliação dos trabalhadores pelos empregadores, pelo que o Poder Público há de intervir no mercado de trabalho pela edição de leis de proteção, pelo fomento de políticas públicas de incentivo ao emprego, pela instituição de sistema de Inspeção do Trabalho.
As normas coletivas, neste passo, são insuficientes. Não se quer suprimir com tal afirmação a atividade sindical, mas, sobretudo, reforçá-la, pois a negociação coletiva continuaria amparada pela legislação protetiva, desempenhando papel importantíssimo de aproximação e entendimento das partes, como já o faz, em geral.
Ademais, a desregulamentação e a concorrência externa prejudicam a força dos sindicatos, uma das razões pelas quais o mundo do trabalho passou a adotar uma atitude restricionista e protecionista, deflagrando o desequilíbrio entre as partes numa negociação coletiva:
“ (...) a ampla flexibilização dos direitos do trabalhador previstos em normas infraconstitucionais, constitui um flagrante retrocesso, dado que a atual conjuntura das relações laborais vigente no Brasil, em que sindicatos e o poder econômico ainda não negociam em um plano de igualdade, não permite que se implemente a total equiparação entre empregador e empregado, de modo a suprimir a intervenção estatal e os obstáculos impostos por lei ao princípio da autonomia da vontade”. 31
Diminuindo a proteção legal, a flexibilização da CLT enfraquece, consequentemente, a atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho, que passa a agir apenas na verificação das disposições mínimas constitucionais e das disposições de segurança e de saúde, ao lado das disposições coletivas, já que as atividades cingem-se à lei, em razão do princípio da legalidade restrita que informa toda a Administração Pública32, através do qual só é lícito fazer o que a lei lhe permite ou autoriza.
Sob outro prisma, a verificação documental estaria prejudicada na área de legislação do trabalho, pois quais documentos o Auditor Fiscal do Trabalho iria verificar, já que, se há a possibilidade de elaboração das próprias normas, surge, em tese, a conseqüente possibilidade de acordo quanto aos documentos comprobatórios de atributos trabalhistas próprios para cada categoria.
O quadro delineado evidencia a tentativa de abolição não só das normas de legislação do trabalho da CLT e das demais regras a respeito, mas, também, da própria atividade fiscalizatória do Estado na área do trabalho.
7. ESTRUTURAÇÃO DA CARREIRA
Para o bom desempenho das atribuições supra, o corpo de fiscalização "(...) será composto de funcionários públicos cujo estatuto e condições de serviço lhes assegurem a estabilidade nos seus empregos e os tornem independentes de qualquer mudança de governo ou de qualquer influência externa indevida” 33, sendo recrutados unicamente sobre a base das aptidões para as funções e recebendo formação apropriada34.
Verifica-se que o tratamento da carreira há de constar de uma norma sólida, que possibilite o bom cumprimento das atribuições do Auditor Fiscal do Trabalho, e que desperte o interesse de bons profissionais para prestarem o concurso público de admissão.
A Convenção 81 da OIT enuncia, também, que “o número de inspetores do trabalho será o suficiente para permitir o exercício eficaz das funções de serviço de inspeção e será fixado tendo-se em conta: a) a importância das tarefas que os inspetores terão de executar, notadamente: I - o número, a natureza, a importância e a situação dos estabelecimentos sujeitos ao controle da inspeção; II - o número e a diversidade das categorias de trabalhadores ocupados nesses estabelecimentos; III - o número e a complexidade das disposições legais cuja aplicação deve ser assegurada; b) os meios materiais de execução postos à disposição dos inspetores; c) as condições práticas nas quais as visitas de inspeção deverão efetuar-se para ser eficazes”. 35
Sobre as condições de trabalho, aduz que “A autoridade competente tomará as medidas necessárias no sentido de fornecer aos inspetores do trabalho: a) escritórios locais e organizados de maneira apropriada às necessidades do serviço e acessíveis a todos os interessados; b) facilidades de transporte necessário ao exercício de suas funções quando não existir facilidade de transporte público apropriado”. 36
Todavia, em 2001 foi apurado o quantitativo de apenas 2.399 Auditores Fiscais do Trabalho em todo o país37, frente a um número de 75,458 milhões de trabalhadores levantado no mesmo ano.38
Em abril de 2023, o SINAIT – Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho apontou que “atualmente a carreira conta com 1.959 Auditores na ativa, registrando um total de 1.685 cargos vagos. Uma das principais razões desse déficit é que, por lei, a carreira com 3.644 cargos, registra em média, todos os anos, a aposentadoria de cerca de 130 Auditores. Somado a isso, desde 2013 não é realizado concurso público para preencher esses cargos vagos”.39
Destarte, o aumento do quadro se torna imperioso. O Estado não pode se preocupar somente com o número de servidores na área de arrecadação direta da fiscalização, mas, também, na área da Fiscalização do Trabalho, lembrando-se que a formalidade das relações de trabalho também gera, indiretamente, a arrecadação de tributos.
Tal situação deve vir acompanhada do implemento de melhores condições em termos de estrutura de trabalho para os Auditores-Fiscais do Trabalho, deficiente ainda em muitos lugares do país.
CONCLUSÃO
Na perspectiva aduzida no presente trabalho, emerge a responsabilidade do Estado na implementação de medidas voltadas para a consagração dos direitos dos trabalhadores em nosso país, direcionando a prestação de serviços e as ações públicas para esta esfera de proteção. Eis as palavras de Flávia Piovesan, acerca da imperatividade dos direitos e garantias fundamentais:
“ (...) inadmissível, por consequência, torna-se a inércia do Estado quanto à concretização de direito fundamental, posto que a omissão estatal viola a ordem constitucional, tendo em vista a exigência de ação, o dever de agir no sentido de garantir direito fundamental. Implanta-se um constitucionalismo concretizador dos direitos humanos. ”
(...) Da Constituição de 1.988 emerge uma ordem jurídica própria dos Estados intervencionistas, cuja dinâmica está condicionada à eficiência e competência na obtenção de resultados, que se subordinam à concretização de políticas públicas.” 40
Deste modo, infere-se que a omissão estatal na concretização dos direitos do trabalhador, incluídos no rol de direitos fundamentais na Constituição Federal de 1.988, importa na renegação à sua própria essência, gerando o direito de insurgência dos particulares prejudicados contra o Estado inerte.
Neste sentido, é possível englobar na ideia da Responsabilidade Civil do Estado por danos decorrentes de sua omissão todas as consequências da não implementação dos Direitos Humanos41.
Nossa sociedade há de ser pautada pelo respeito e pela efetivação dos direitos fundamentais, verdadeira responsabilidade do Estado, que a este cumpre tornar realidade e que a nós, administrados, cumpre nos levantarmos a cada arremedo de violação.
Ante a todos os pontos abordados, resta patente a importância da defesa das prerrogativas e competências da Auditoria-Fiscal do Trabalho.
Se o Estado não age neste sentido, cabe à categoria manter a mobilização e cabe à sociedade, aos sindicatos e aos trabalhadores compreenderem tal necessidade e lutarem pelas mesmas razões.
Quem conhece o trabalho da inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego sabe de sua importância junto à identificação precisa, direta e imediata dos problemas do dia-a-dia dos trabalhadores, e de sua atuação como voz de uma categoria a ser tutelada hoje e sempre.
Para a abertura dos horizontes do trabalho, para fazer frente à globalização, não se pode prescindir das atividades da Auditoria-Fiscal do Trabalho.
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