Palavras chaves: ITCMD. Bens localizados no exterior. Doação. Lei complementar
“O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 825 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux (Presidente) e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso. Na sequência, por maioria, modulou os efeitos da decisão, atribuindo-lhes eficácia ex nunc, a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual Estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que reajustou seu voto nesta assentada. Tudo nos termos do voto reajustado do Relator. Foi fixada a seguinte tese: "É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional". No tocante ao apelo direcionado ao legislador, o Tribunal, por maioria, entendeu não ser o caso e divergiu do voto do Relator. Ficaram vencidos nessa proposta os Ministros Dias Toffoli (Relator), Rosa Weber, Roberto Barroso e Nunes Marques.” Plenário, Sessão Virtual de 19.2.2021 a 26.2.2021.
Contra votos dos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Gilmar Mendes o plenário do STF, julgando o RE nº 851108 sob a sistemática de repercussão geral (Tema 825), fixou a tese de que “é vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem intervenção da lei complementar exigida no referido dispositivo constitucional”.
Em sede de embargos declaratórios foi decidido, por unanimidade de votos, para efeito de modulação que os itens 1 e 2 têm caráter alternativo e não cumulativo.
O dispositivo constitucional apontado na ementa do Acórdão refere-se à exigência da lei complementar quando o doador tiver domicílio no estrangeiro ou se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.
Estamos, pois, diante de conflitos entre dois preceitos constitucionais, aquele que confere competência impositiva do ITCMD ao Estado (art. 155, I da CF) e aquele que reclama a presença de lei complementar para exercer o poder de tributação (inciso III, do § 1º, do art. 155 da CF).
No confronto entre normas constitucionais e normas de legislação ordinária dirime-se o conflito pela aplicação do princípio da hierarquia, isto é, faz-se a interpretação de cima para baixo.
Em caso de conflitos entre princípio constitucional e norma constitucional deve prevalecer o princípio contra a norma constitucional.
Este parece ser o caso.
Enquanto o art. 155, I representa um princípio visando a autonomia política-administrativa e financeira do Estado membro (art. 18 da CF), o preceito do inciso III, do § 1º, do art. 155 da CF representa uma mera norma determinando a prévia regulamentação por lei complementar para o exercício da competência tributária nos casos aí mencionados.
Ora, o exercício da competência tributária conferida pela Carta Magna para assegurar a independência financeira do Estado, da qual dependem a sua independência política e administrativa, não pode ficar subordinada à boa vontade do legislador infraconstitucional que há mais de 35 anos vem se omitindo na tarefa legislativa, apesar de inúmeros projetos de lei versando sobre o assunto.
Ainda que se considere que estamos diante de dois princípios constitucionais, apenas para argumentar, ainda assim é de se dar prevalência ao disposto no inciso I, do art. 155 da CF que confere competência tributária ao Estado para instituir e cobrar o ITCMD.
Pelo princípio da concordância prática, na interpretação de dois princípios constitucionais em confronto, não se pode atribuir eficácia a um deles de forma a esvaziar por completo a eficácia de outro princípio.
No caso decidido pelo STF a eficácia do inciso I, do art. 155 da CF resta totalmente esvaziada quando se tratar de tributação de bens situados no exterior ou de doador domiciliado no estrangeiro.
Em se tratando de dois princípios em confronto a técnica de interpretação constitucional cabível é a da unicidade da Constituição a impor, não a interpretação isolada do texto, mas sua interpretação dentro do sistema jurídico-constitucional como um todo.
Por essa técnica interpretativa verifica-se que, o art. 155, I da CF visa conferir efetividade ao princípio federativo (art. 1º da CF) que assegura autonomia político-administrativa aos Estados (art. 18 da CF) protegida em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I da CF).
Argumentou-se que sem a lei complementar regulando o disposto no inciso I, do art. 155 da CF haveria conflitos entre os Estados em função da eventual bitributação.
Só que para prevenir conflitos federativos não se pode inibir a competência tributária dos Estados que deriva diretamente do texto constitucional.
A questão do exercício simultâneo da competência impositiva por dois ou mais Estados, pretendendo cobrar o ITCMD em relação à transmissão causa mortis de bens situados no exterior, ou no caso de doador domiciliado no estrangeiro, é matéria para ser resolvida pelo STF se e quando isso ocorrer, a exemplo do que foi feito em relação ao IPVA, igualmente, sem previsão em lei complementar.
Nesse caso o STF, dirimindo conflito de competência tributária, decidiu que o IPVA deve ser pago no Estado em que o contribuinte mantém sua sede ou domicílio tributário (RE nº 1.016.605/RG-MG)
O STF dispensou tratamento diferenciado para IPVA e o ITCMD.
No primeiro caso o Estado pode tributar sem lei complementar; no segundo caso a cobrança depende de lei complementar.
Dir-se-á que no caso do ITCMD há uma previsão constitucional exigindo lei complementar.
Ora, essa exigência existe para todos os impostos previstos na Constituição, o que abarca do IPVA, conforme expresso está no art. 146, III, a da CF.
Concluindo, o STF, por maioria de votos, não decidiu com o costumeiro acerto, inibindo indefinidamente a competência tributária dos Estados em relação ao ITCMD nas situações previstas no inciso III, do art. 155 da CF, implicando supressão parcial da competência tributária dos Estados.
Cabe aos Estados prejudicados ajuizarem ADO perante o STF. Decorrido prazo razoável e perdurando a omissão, os Estados ficam legitimados a cobrar o ITCMD conforme dispuser a legislação tributária de cada Estado, devendo eventual conflito ser dirimido pelo STF.