Continua grassando interminável discussão acerca da natureza jurídica do lançamento tributário.
Para alguns estudiosos, o lançamento é um procedimento administrativo. Para outros, porém, o lançamento é um ato jurídico-administrativo. Qual, afinal, a corrente correta?
Ambas as correntes, a nosso ver, procedem. Depende do enfoque a ser dado à palavra “lançamento”.
Como assinalamos na nossa obra, a palavra “lançamento não é unívoca, mas, multívoca[1]”
Enquanto ato de lançar, isto é, de constituir o crédito tributário, o lançamento é um procedimento, conforme prescrição do art. 142 do CTN:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”
O que o art. 142 do CTN define é o procedimento do lançamento. Daí a parcela ponderável da doutrina especializada defendendo a tese de procedimento administrativo, quando, na verdade, a norma legal não define o lançamento, mas apenas descreve o seu procedimento.
Procedimento dá a ideia de algo que se prolonga no tempo. Por isso, o lançamento pode ter início em determinado dia e terminar no mesmo dia, da mesma forma que pode terminar na semana seguinte, ou no mês seguinte, tudo dependendo da simplicidade ou da complexidade de cada caso concreto.
O lançamento pressupõe um agente administrativo competente (agente do fisco) para verificar a ocorrência do fato gerador, apurar o montante devido depois de identificar a matéria tributável.
O ato de lançamento é obrigatório e vinculado, isto é, não discricionário, sob pena de responsabilidade funcional do agente fiscal competente.
Uma vez apurado o montante devido e identificado o sujeito passivo o agente fiscal deve notificá-lo do ato do lançamento. Com essa notificação encerra-se o procedimento do lançamento.
Uma vez feita a notificação do lançamento tem-se por definitivamente constituído o crédito tributário, nos termos do art. 145 do CTN, correndo a partir de então o prazo para o contribuinte satisfazer o crédito tributário, ou apresentar impugnação administrativa. Apresentada a impugnação administrativa instaura-se, ipso facto, o processo administrativo tributário para dirimir a controvérsia.
É um grande equívoco considerar que a constituição definitiva do crédito tributário somente ocorre com a final manifestação no processo tributário, porque até lá o crédito poderá ser parcial ou totalmente alterado, como assinala a jurisprudência do STJ como forma de protelar o início do prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário. A jurisprudência equivocada do STJ permite sustentar que o crédito tributário só se aperfeiçoa com a final manifestação do Poder Judiciário, considerando que a decisão administrativa irreformável, igualmente, pode ser impugnada judicialmente.
Cria-se, dessa forma, a figura de lançamento provisória que não tem guarida na ordem jurídica vigente. É próprio do ato jurídico perfeito comportar alteração por via de impugnação administrativa ou judicial. O que não pode, nem se admite é a impugnação de algo que ainda está em constituição. Não se pode confundir o procedimento administrativo do lançamento, para constituir o crédito tributário com o processo administrativo tributário, como meio de solver o litígio.
A exteriorização do procedimento do lançamento em um documento suficiente para constituir o crédito tributário (auto de infração, notificação de lançamento fiscal etc.) constitui um ato jurídico-administrativo. É o lançamento propriamente dito, capaz de produzir efeitos jurídicos: torna líquida e certa a obrigação tributária preexistente.
Toda essa discussão sobre a natureza jurídica do lançamento reside no fato de considerar o “lançamento” como uma palavra unívoca, não se atentando para o seu duplo significado.
[1] Cf. nosso Lançamento tributário teoria e prática. Indaiatuba: Foco, 2019, p.15