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A incidência do imposto de renda nas indenizações por dano moral

11/09/2007 às 00:00
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Em recente julgado (28.8.07), a Primeira Turma do STJ, dando provimento a recurso especial interposto pela Fazenda Nacional, entendeu ser tributável pelo Imposto de renda a indenização por danos morais.

O referido julgado (REsp 748.868/RS) foi veiculado no informativo de jurisprudência daquele tribunal (Informativo 329/STJ) com a seguinte redação: "Trata-se da incidência de imposto de renda sobre valor percebido a título de dano moral. No caso a indenização adveio de companhia de seguro em razão do ressarcimento de danos morais, tendo em vista que o veículo daquela empresa atropelou a genitora do recorrido. A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional, por entender que a verba indenizatória referente a dano moral gera um acréscimo patrimonial e, por isso, incide o imposto de renda". Acrescenta-se que o voto do relator originário, Min. Luiz Fux, foi superado pela divergência aberta pelo Min. Teori Albino Zavascki.

Trata-se da efetivação de um entendimento que o tribunal já vinha sinalizando há certo tempo. Quanto à incidência do imposto de renda sobre as indenizações, o STJ, obiter dictum, já vinha fazendo a distinção para fins de tributação entre (i) os danos patrimoniais configuradores de dano emergente – recomposição patrimonial que não configura fato tributável –, (ii) os danos materiais decorrentes de lucros cessantes – indenização pelo valor do trabalho que não foi laborado em decorrência do ilícito, tributável por ter a mesma natureza da contraprestação do trabalho – e (iii) os danos imateriais; como se extrai do enxerto: "[...] 2. Indenização é a prestação destinada a reparar ou recompensar o dano causado a um bem jurídico. Os bens jurídicos lesados podem ser (a) de natureza patrimonial (= integrantes do patrimônio material) ou (b) de natureza não-patrimonial (= integrantes do patrimônio imaterial ou moral), e, em qualquer das hipóteses, quando não recompostos in natura, obrigam o causador do dano a uma prestação substitutiva em dinheiro. 3. O pagamento de indenização pode ou não acarretar acréscimo patrimonial, dependendo da natureza do bem jurídico a que se refere. Quando se indeniza dano efetivamente verificado no patrimônio material (= dano emergente), o pagamento em dinheiro simplesmente reconstitui a perda patrimonial ocorrida em virtude da lesão, e, portanto, não acarreta qualquer aumento no patrimônio. Todavia, ocorre acréscimo patrimonial quando a indenização (a) ultrapassar o valor do dano material verificado (= dano emergente), ou (b) se destinar a compensar o ganho que deixou de ser auferido (= lucro cessante), ou (c) se referir a dano causado a bem do patrimônio imaterial (= dano que não importou redução do patrimônio material). 4. A indenização que acarreta acréscimo patrimonial configura fato gerador do imposto de renda e, como tal, ficará sujeita a tributação, a não ser que o crédito tributário esteja excluído por isenção legal, como é o caso das hipóteses dos incisos XVI, XVII, XIX, XX e XXIII do art. 39 do Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, aprovado pelo Decreto 3.000, de 31.03.99. [...]" (AgRg no REsp 638.389/SP Rel. Min. Teori Albino Zavascki DJ 01.08.2005)".

Trata-se de nova guinada na jurisprudência que deve maior atenção da classe jurídica por romper com certos standards do direito tributário.

Como é cediço, a Constituição estabelece normas limitadoras do poder estatal de tributar. Estas limitações se dão por meio de normas de conteúdo negativo e normas de conteúdo positivo. As normas de conteúdo negativo são claras quanto à impossibilidade do exercício pelo Estado do direito de cobrar tributos, são elas: as imunidades, os princípios gerais, os princípios especiais ou vedações e os princípios específicos de direito constitucional tributário.

Já nas normas de conteúdo positivo, a limitação ao poder de tributar se dá de forma mais sutil. Tais normas se traduzem nas designações das competências tributárias. A não observância das competências implica na cobrança de valores em casos de não-incidência. Essas limitações positivas ao poder de tributar são reconhecidas pelo prof. Humberto Ávila como limitações decorrentes de normas de competência, ou, no vernáculo germânico citado pelo professor, Beschränkung aus Kompetenzbestimmungen (in Sistema constitucional tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pp. 74 e ss.).

Na tributação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (CF 153 III), a competência outorgada pelo constituinte originário à União para exercer o poder estatal de tributar está balizada no conceito constitucional de renda.

Esse conceito constitucional de renda para fins de tributação, ou conceito constitucionalmente pressuposto de renda – como prefere o prof. José Arthur Lima Gonçalves (in Imposto sobre a renda. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. pp. 174 e ss.) –, se traduz no saldo positivo resultante do confronto entre certas entradas e saídas, ocorridas ao longo de um dado período (Gonçalves. Op. Cit. p. 179). "Para que haja renda, deve haver um acréscimo patrimonial – aqui entendido como incremento (material ou imaterial, representado por qualquer espécie de direitos ou bens, de qualquer natureza – o que importa é o valor em moeda do objeto desses direitos) – ao conjunto líquido de direitos de um dado sujeito" (Gonçalves. Op. Cit. p. 180). Tal conceito encontra-se em consonância com a regra do art. 43 do CTN.

Dessa forma, estaria fugindo à regra da competência constitucional de renda, e, portanto, configurando caso de não-incidência, qualquer cobrança exacional que não enseja acréscimo patrimonial ao conjunto líquido de direitos do sujeito passivo. É o que ocorre com o pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço (STJ/125), adesão ao plano de demissão voluntária (STJ/215), indenização desapropriatória (REsp 673.273/AL), abono pecuniário de férias e as ausências permitidas ao trabalho (REsp 341.321/AL), entre outros casos.

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O entendimento da Primeira Turma do STJ, encabeçado pelo Min. Teori Albino Zavascki, toma como parâmetro a interpretação literal do art. 43 do CTN para diferenciar danos morais, danos patrimoniais emergentes e danos materiais decorrentes de lucro cessantes. Para esta corrente, como já citado, somente estaria fora da tributação da renda os danos materiais emergentes – recomposição do patrimônio indevidamente danificado.

Porém, como dito, o conceito de renda é pressuposto diretamente pela Constituição, não ficando a cargo do legislador ou do aplicador do direito a delimitação da hipótese de incidência (RE 118.684/SP).

O conceito constitucionalmente pressuposto de renda do prof. José Arthur Lima Gonçalves pressupõe o saldo positivo resultante do confronto entre entradas e saídas durante certo período. Para ele, a fim de se "completar a referência ao saldo positivo, é necessário abordar a noção de prejuízos (saldos negativos) anteriormente sofridos pela sociedade empresária. [...] Deveras, prejuízos anteriores têm que ser deduzidos do saldo positivo, para que se possa contemplar acréscimo real e efetivamente obtido; do contrário, estará sendo tributado o próprio patrimônio da sociedade empresária. [...] E a tributação do patrimônio, no Brasil, não se confunde com a tributação da renda, sendo impossível tomar, validamente, uma competência impositiva pela outra" (Gonçalves. Op. Cit. p. 181). Dessa forma, a tributação sobre o patrimônio no Brasil é inconstitucional por violação à regra de competência (não-incidência).

Partindo-se do pressuposto de que todas as indenizações requerem como elemento integrante da responsabilização civil (objetiva ou subjetiva) um dano, sem dano não há o dever de indenizar. Ou seja: não há de se falar em indenização – material ou moral – sem dano (REsp 279.422/CE).

Ocorrendo indenização, haverá o dano. Havendo dano – nem que seja psíquico ao ofendido –, há o prejuízo que deverá ser recomposto pelo agente. Havendo prejuízo recomposto financeiramente, não há de se falar em saldo positivo configurador do acréscimo patrimonial para fins de tributação da renda.

Em se admitindo o contrário, estar-se-ia diante da possibilidade de acréscimo patrimonial do ofendido sem a realização de um prejuízo, o que ensejaria o enriquecimento sem causa. Para se ter indenização, de qualquer natureza, é imperativa a causa da recomposição patrimonial, sob pena de ilegalidade da própria verba indenizatória.

Na realidade, o que se impõe reconhecer é que a tributação sobre a renda no modelo constitucional de competências existente é incompatível com o regramento jurídico das indenizações (esse é o entendimento da Segunda Turma do STJ – REsp 402.035/RN).

Sendo devida a indenização, não há de se falar em enriquecimento sem causa e, caso se admita a tributação sobre tal verba, estaria se admitindo a tributação sobre o patrimônio, e não sobre a renda. Tal hipótese de incidência é constitucionalmente vedada pela limitação positiva ao poder de tributar decorrente do conceito constitucional de renda.

Assim, com todas as vênias devidas aos que pensam em sentido contrário – corrente encampada pela Primeira Turma do STJ –, não parece ser constitucionalmente autorizada a tributação do imposto de renda sobre as indenizações decorrentes de danos morais ou patrimoniais.

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Sobre o autor
Emmanuel Guedes Ferreira

Advogado em Brasília/DF, pós-graduado em Direito Tributário (IDP/DF), membro da Comissão de Assuntos Tributários e Reforma Tributária (OAB/DF), ex-Assessor jurídico da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), ex-Procurador-Geral Substituto do Município (Natal/RN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Emmanuel Guedes. A incidência do imposto de renda nas indenizações por dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1532, 11 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10396. Acesso em: 24 abr. 2024.

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