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A prescrição da pretensão punitiva da deserção militar

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15/05/2023 às 17:38

Resumo:


  • O crime de deserção é regulado pelo Código Penal Militar, prevendo pena de detenção para militares que se ausentam sem licença por mais de oito dias.

  • A prescrição da pretensão punitiva do crime de deserção é regulada por critérios etário e temporal, sendo aplicados de forma isolada: critério etário para trânsfugas e critério temporal para desertores capturados ou apresentados.

  • Existe divergência na doutrina e jurisprudência sobre a aplicação simultânea dos critérios etário e temporal, prevalecendo a interpretação de que esses critérios são aplicados de forma isolada, com o critério temporal tendo início na data da lavratura do termo de deserção para desertores com idade superior aos limites previstos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Há corrente que entende que, para o militar trânsfuga, aplica-se, na prescrição, o critério etário. Já o critério temporal diria que vale o momento da apresentação ou da captura do desertor.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a prescrição da pretensão punitiva do crime de deserção praticado pelo militar com idade superior àquela prevista no artigo 132 do Código Penal Militar (CPM). Para tanto, utilizou-se abordagem exploratória, de natureza bibliográfica e documental para investigar a hipótese em que o militar trânsfuga2, que cometeu o crime de deserção com idade superior aos limites previstos no artigo 132 do Código Penal Militar (CPM), terá a sua prescrição regulada apenas pelo critério temporal (art. 125, inciso VI, do CPM) com início da contagem do prazo na data da lavratura do termo de deserção.

Palavras-chave: prescrição; deserção; termo de deserção.


1 INTRODUÇÃO

O crime de deserção está previsto no artigo 187 do CPM, o qual prevê pena de detenção de seis meses a dois anos ao militar que “ausentar-se, sem licença, da unidade que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias”. (BRASIL, 1969a).

Por sua vez, o artigo 132 do CPM estabelece que a prescrição no crime de deserção ocorre apenas quando o militar, se praça3, atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial4, atinge a idade de 60 anos. De acordo com a doutrina, esse é o critério etário da prescrição do crime de deserção (BRASIL, 1969a).

Para além desse critério etário, aplica-se a deserção o critério temporal, previsto no artigo 125 do CPM, com base na pena in abstrato, que, em razão da pena máxima (dois anos), a prescrição se dá com quatro anos (inciso VI) (BRASIL, 1969a).

Cabe ressaltar que há discussão sobre a aplicação simultânea ou isolada desses critérios a depender do momento em que se encontrar o desertor. Há corrente que entende que para o trânsfuga aplica-se apenas o critério etário. Já o critério temporal é aplicado quando da apresentação ou da captura do militar desertor.

A questão que surge é no caso de o militar praticar a deserção com idade superior daquela prevista para a prescrição etária (art. 132 do CPM) e não se apresentar ou for capturado.

Para responder essa pergunta, formulou-se o seguinte objetivo geral: analisar, de forma aprofundada, qual o critério utilizado pelo Estado para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do militar que praticar o crime de deserção, possuindo idade superior daquela prevista no artigo 132 do CPM.

Na forma de objetivos específicos, buscou-se entender o conceito do crime de deserção, as espécies de prescrição da pretensão punitiva do Estado, a aplicação da prescrição da pretensão punitiva para o crime de deserção, quais os critérios utilizados, qual o posicionamento da doutrina e da jurisprudência quanto aos diversos casos e formas de aplicação da prescrição da pretensão punitiva no caso de prática do crime de deserção.

O trabalho se justifica pela necessidade de conhecer qual o posicionamento dominante na doutrina e na jurisprudência quanto ao critério utilizado para reconhecer a prescrição da deserção pelo militar que já possua a idade limite prevista no artigo 132 do CPM no momento da consumação do crime, ou seja, quarenta e cinco anos para os praças e sessenta anos para os oficiais.

Esse entendimento é de suma importância em momentos atuais, tendo em vista a vigência da Lei Federal nº 13.954/2019, a qual possibilitou o aumento de 30 para 35 anos para a transferência do militar das Forças Armadas, bem como das Polícias e Bombeiros Militares5, para a inatividade (BRASIL, 2019).

Nas Instituições Militares Estaduais essa questão se torna mais tormentosa, uma vez que, em regra, estabelecem como limite de ingresso na carreira a idade máxima de 30 anos, o que possibilita a permanência dos militares na situação de atividade por até 65 anos de idade.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 O crime de deserção

O tipo legal está previsto no artigo 187 do CPM nos seguintes termos: “Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias. Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada”. (BRASIL, 1969a).

O dispositivo legal tutela o serviço militar afetado pelo fato de o militar não estar presente para exercer sua missão constitucional, bem como o dever militar, consistente na vinculação do agente aos valores éticos e funcionais da caserna e de sua profissão.

O sujeito ativo do crime é o militar em situação de atividade, ou seja, para que o militar possa cometer esse crime deve ser incorporado as forças militares ou matriculado nos cursos de formação das Polícias Militares Estaduais ou Corpos de Bombeiros Militares Estaduais.

Há polêmica na doutrina quanto à possibilidade de o atirador, matriculado no Tiro de Guerra, praticar este crime. Segundo Assis (2017) não é possível a prática do crime de deserção pelo atirador do Tiro de Guerra, uma vez que ele não pode ser considerado militar, tendo em vista que sua dedicação não é exclusiva para o Exército Brasileiro, pois recebe instruções de segunda a sábado por duas horas diárias, conciliando instrução militar com estudo ou trabalho. Nesse sentido, o Exército Brasileiro não tem nenhum gasto com os atiradores, os quais não constam nos quadros de postos e graduações militares.

Contudo, para Neves (2022), o atirador do Tiro de Guerra pode ser considerado militar para fins da prática do crime de deserção. O art. 22 da Lei nº 4.375/64 é claro ao definir a matrícula, realizada pelo atirador do Tiro de Guerra, como ato de admissão do convocado ou voluntário em qualquer escola, centro, curso de formação militar da ativa, ou órgão de formação da reserva. Ademais o atirador não pode ser considerado civil, uma vez que utiliza fardamento militar, bem como armamentos das Forças Armadas.

Cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já considerou o atirador do Tiro de Guerra como militar da ativa para fins de aplicação do CPM, como se viu no conflito de competência nº 56.674/RJ, julgado pela terceira seção, em 28 de março de 2007.

Voltando ao crime de deserção, é considerado como crime de mão própria6, portanto somente admite participação, não admitindo a coautoria e, por conseguinte, o concurso de pessoas.

Quanto às questões processuais, de acordo com Neves (2022), ostentar o status de militar, apesar de posições contrárias como as de Lobão (2010), não é condição de prosseguibilidade trazida pela lei penal militar.

O que há para o oficial como condição de prosseguibilidade é a sua captura ou apresentação, uma vez que após a feitura do termo de deserção há o oferecimento da denúncia e a suspensão do processo. Ao passo que para a praça, há uma condição de procedibilidade na reversão ou reinclusão, ou seja, retorno ao serviço ativo, que deve ser realizado antes do oferecimento da denúncia. Dessa forma, qualquer um dos militares (oficial ou praça) que perder essa condição durante o processo pelo crime de deserção, continuará a ser processado, sob pena de criação de causa de extinção de punibilidade não prevista no CPM (NEVES, 2022).

Cabe destacar que a posição consolidada no Superior Tribunal Militar (STM)7 atualmente é de que a perda da condição de militar, uma vez já instaurado o processo de deserção, em nada obsta seu prosseguimento.

O delito prevê como elementar objetiva o prazo de mais de oito dias de afastamento, sem licença, do militar de sua unidade ou do lugar que deveria permanecer. Cabe frisar que durante esse período, o militar é considerado emansor8e não se configurará a deserção, apenas transgressão disciplinar no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar, questão regulada por cada Instituição Militar. Esse período de “carência” é denominado prazo de graça. Além disso, em razão do prazo para consumação (mais de oito dias), esse crime é conhecido como crime a prazo9.

O início da contagem desse prazo, conforme prevê o §1º do artigo 451 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), se dá às 00h do dia seguinte àquele que o militar deveria apresentar-se (BRASIL, 1969b). Há certo dissenso quanto ao início da contagem do prazo quando a previsão do emprego do militar se inicia em um dia e se encerra no dia posterior, a exemplo de um serviço de radiopatrulhamento com início às 18h do dia 10 de outubro, com término às 06h do dia seguinte, ou seja, 11 de outubro.

Para uma primeira corrente, capitaneada por Costa (2004), nesse exemplo acima, o início da contagem do prazo se daria às 00h do dia 11 de outubro, tendo como consumado o crime às 00h do dia 19 de outubro. Para o autor, o dia de constatação da falta ao serviço é aquele em que o militar deveria apresentar-se, conforme escala, e não o término do serviço propriamente dito.

Para uma segunda corrente, capitaneada por Neves (2022), a constatação da falta ao serviço se dá ao término do turno, no exemplo citado, a deserção teria início às 00h do dia 12 de outubro, tendo sua consumação às 00h do dia 20 de outubro. O autor entende que não há que se falar em falta sem que ocorra o término do serviço, uma vez que o militar poderá comparecer a qualquer momento, sendo o atraso punido no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar. Dessa forma, em prol do princípio do favor rei10, a falta deve ser constatada apenas com o término do serviço do militar.

Essa questão se mostra importante na contagem do prazo estabelecido no caso de prática de deserção pelo praça sem estabilidade ou pelo praça especial, uma vez que ao consumar a deserção, com a lavratura do termo de deserção ao final do prazo de mais de oito dias, os militares nas condições acima são excluídos das Forças Armadas, tornando-se civis e, como o crime de deserção se trata de crime propriamente militar11, o fato se tornará atípico. Dessa forma, se, no caso, a contagem for aquém, ou seja, até oito dias do início da contagem, não haverá a consumação do crime de deserção, pois o autor perde a condição de militar ainda no período de graça. Assim, já decidiram tanto o Supremo Tribunal Federal (STF)12, quanto o STM13.

Por outro lado, a questão de ser oficial ou praça estável não interfere na atipicidade do fato pela contagem aquém do prazo, uma vez que, ao praticarem deserção, os militares nas condições acima, não são excluídos dos quadros das Instituições Militares as quais pertencem, permanecendo na condição de militar até que sejam apresentados ou capturados. A única diferença é que o oficial é denunciado após a lavratura do termo de deserção, com a consequente suspensão do processo, enquanto a praça especial, após a lavratura do termo de deserção, é agregada14 ao quadro de praças. Portanto, como esses militares não são excluídos após a lavratura do termo de deserção, permite-se a correção de alguma irregularidade na lavratura desse termo.

Por fim, há divergência quanto à natureza do crime de deserção. Alguns entendem se tratar de crime instantâneo de efeitos permanentes15, outros entendem que seja crime permanente16. Prevalece, no entanto, que o crime de deserção é permanente, conforme entendimento da doutrina majoritária e do próprio STF17.

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2.2 Prescrição da Pretensão Punitiva do Estado

A prescrição é a “perda do jus puniendi18 (do jus punitionis, no caso de incidir sobre a pretensão executória da pena) do Estado em razão de sua inércia em satisfazê-la durante os prazos estipulados em lei” (NEVES, 2022, p. 785).

De acordo com Neves (2022), tem natureza jurídica de direito material, uma vez que configura um direito subjetivo do autor de não ser punido pela prática de um delito, após o prazo estipulado pela lei. Por tal razão, seus prazos têm natureza penal, conta-se o dia do começo sem possibilidade de prorrogação, suspensão ou interrupção, salvo aquelas previstas em lei. Além disso, é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício pelo magistrado ou por qualquer das partes a qualquer momento da persecução penal.

De acordo com Bitencourt (2012), os principais fundamentos políticos que sustentam a legitimidade da prescrição, são: a) o transcorrer do tempo leva ao esquecimento do fato, bem como a recuperação do criminoso e o enfraquecimento do conjunto probatório; e b) o Estado deve ser responsabilizado por sua inércia. Dessa forma, o tempo faz desaparecer o interesse social de punir o autor do delito.

Como regra, portanto, tem-se a prescrição da pretensão punitiva do Estado em prol da pacificação social e do princípio da segurança jurídica. No entanto, existem casos em que não há a prescrição, tratando-se de crimes imprescritíveis, como, por exemplo, o crime de racismo (art. 5º, inciso XLII, da CF/88) e o crime de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, inciso XLIV, da CF/88) (BRASIL, 1988). Trata-se de opção do constituinte originário, que não previu outros crimes como imprescritíveis, e, assim, deve ser respeitada.

Quanto à prescrição, existem duas espécies: a prescrição da pretensão punitiva, que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença, e a prescrição da pretensão executória, que ocorre após o trânsito em julgado.

Por sua vez, a prescrição da pretensão punitiva, objeto que interessa para este trabalho, se divide em: prescrição da punibilidade propriamente dita, prescrição da pretensão punitiva retroativa, prescrição da pretensão punitiva intercorrente e prescrição virtual da pretensão punitiva, conforme detalhado abaixo.

2.2.1 Prescrição da pretensão punitiva propriamente dita

Na prescrição da pretensão punitiva propriamente dita ou prescrição em abstrato o prazo prescricional é resultado da combinação da pena máxima prevista abstratamente no tipo imputado ao agente e a escala do art. 125 do CPM:

“Art. 125. A prescrição da ação penal, salvo o disposto no § 1º deste artigo, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I - em trinta anos, se a pena é de morte;

II - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

III - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito e não excede a doze;

 IV - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro e não excede a oito;

 V - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois e não excede a quatro;

 VI - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

 VII - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano”. (BRASIL, 1969a).

Ressalta-se que o §2º do artigo 125 do CPM dispõe que a prescrição começará a correr:

I) do dia em que o crime se consumou;

II) no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;

III) nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;

IV) nos crimes de falsidade, da data em que o fato se tornou conhecido (BRASIL, 1969a).

Por sua vez, as causas suspensivas19 da prescrição estão previstas no §4º do CPM:

a) enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;

b) enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro (BRASIL, 1969a).

Já as causas interruptivas20 da prescrição estão previstas no parágrafo 5º do art. 125 do CPM:

a) instauração do processo (recebimento da denúncia ou queixa), prevista no inciso I;

b) pela sentença condenatória recorrível (publicação da sentença ou acórdão condenatório recorrível), prevista no inciso II (BRASIL, 1969a).

Cabe frisar que nesta última hipótese o STF21 decidiu que o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, mesmo quando confirma a condenação em primeira instância.

Segundo Cunha (2016) para a contagem da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita leva-se em consideração o máximo da pena em abstrato, o que significa que devem ser consideradas as qualificadoras e as circunstâncias majorantes e minorantes (pela teoria da pior das hipóteses22) para alcançar a maior pena possível em abstrato para o caso.

O prazo limite para se verificar a prescrição da pretensão punitiva em abstrato é até o momento da fixação da condenação com trânsito em julgado para a acusação, após esse marco, aplica-se as outras espécies de prescrição da pretensão punitiva, levando em consideração o quantum da pena fixada em concreto, conforme se vê abaixo.

2.2.2 Prescrição da Pretensão Punitiva Retroativa

De acordo com Cunha (2016), apesar de reconhecida posteriormente, com o trânsito em julgado para a acusação (ou sendo o seu recurso improvido), ou seja, com o quantum da pena fixada em concreto, a prescrição da pretensão punitiva retroativa tem por termo data anterior à da publicação da sentença, do que advém o adjetivo “retroativa”.

Nesse sentido, o período temporal que deve ser contato é da data do recebimento da denúncia ou queixa até a data da publicação da sentença condenatória. Cabe frisar que o termo inicial dessa contagem (recebimento da denúncia ou da queixa) foi acrescentado pela Lei nº 12.234/2010, que modificou a redação do Código Penal Comum, mas não alterou o Código Penal Militar, o que causou certa divergência quanto à aplicação da prescrição da pretensão punitiva retroativa na esfera do Direito Castrense (BRASIL, 2010). Isso porque antes da alteração descrita acima, os doutrinadores entendiam que, por ser mais benéfico ao réu, aplicava-se a prescrição retroativa no âmbito do Direito Castrense, por analogia, já que o CPM não prevê tal espécie de prescrição. Assim, era possível reconhecer como termo inicial da prescrição retroativa data anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

O entendimento acima ainda é aplicado no Direito Castrense com respaldo na doutrina majoritária, capitaneada por Neves (2022), com o entendimento de que não se aplica a analogia in malam partem no âmbito do Direito Penal, sendo assim, é preciso que se reconheça a prescrição retroativa no período compreendido entre a prática do crime e o recebimento da denúncia ou queixa, conforme era previsto no Código Penal Comum, antes da alteração trazida pela Lei nº 12.234/2010.

No entanto, a jurisprudência do STF23 tem assentado o entendimento de que a compreensão no Direito Castrense deve seguir aquela do Direito Penal Comum, não se admitindo a prescrição retroativa antes da data do recebimento da denúncia ou da queixa, após a vigência da Lei nº 12.234/2010.

2.2.3 Prescrição da Pretensão Punitiva Intercorrente ou Superveniente

A prescrição da pretensão punitiva intercorrente, assim como a prescrição retroativa, leva em consideração a pena fixada em concreto, no entanto com ela se diferencia pelo período de aplicação no processo.

Como visto, a pretensão da pretensão punitiva retroativa utiliza-se como marco para sua aplicação o período compreendido entre o recebimento da denúncia ou queixa e a data da publicação da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação. Já a prescrição da pretensão punitiva intercorrente, utiliza-se como marco para sua aplicação o período compreendido entre a data de publicação da sentença condenatória e a data do trânsito em julgado da sentença. Assim, nesse caso, deve haver uma sentença condenatória com trânsito em julgado para a condenação e recurso por parte da defesa. Note que surge um novo marco, a pena recorrível efetivamente aplicada, nesse caso não existe mais razão para o aumento no parâmetro do quantum da pena fixada na sentença, uma vez que não é possível o reformatio in pejus24, diante do recurso apresentado apenas pela defesa.

De acordo com Cunha (2016), a prescrição da pretensão punitiva intercorrente possui as seguintes características: a) pressupõe sentença ou acórdão penal condenatório; b) pressupõe trânsito em julgado para a acusação ou o recurso interposto improvido; c) tem como norte a pena concretizada na sentença; d) os prazos prescricionais são os mesmos do art. 109 do CP (art. 125 no CPM); e) o termo inicial conta-se da publicação da sentença ou acórdão penal condenatório até a data do trânsito em julgado final.

Cabe frisar que, assim como não há previsão da prescrição retroativa no CPM, também não há previsão da prescrição intercorrente, no entanto, utiliza-se a analogia in bonam partem da previsão no Código Penal Comum (art. 110, §1º, do CP) (ASSIS, 2017).

2.2.4 Prescrição Virtual da Pretensão Punitiva

A prescrição virtual é criação doutrinária, sem amparo na lei, que tem como objetivo a antecipação de uma prescrição retroativa com a suposição de uma futura condenação (CUNHA, 2016).

Seu fundamento se dá pela falta de interesse de agir do Estado, tenho em vista o gasto econômico e o tempo despendido em uma ação penal, que pelas circunstâncias do crime e condições pessoais do réu, redundará em uma pena prescrita.

Apesar do esforço e justificativas da doutrina em reconhecer a prescrição virtual, tanto o STJ25, quanto o STF26 entendem que o instituto não pode ser aplicado, tendo em vista a ausência de previsão legal, bem como ferir o princípio constitucional da presunção da não culpabilidade (art. 5º, LVII, CF/88).

2.3 Prescrição do crime de deserção

O legislador do Direito Castrense especificou dois critérios para a prescrição do crime de deserção: a) o critério temporal, com base na pena in abstrato, nos termos do art. 125, inciso VI, do CPM; e b) o critério etário, previsto no art. 132 do CPM, o qual estabelece a idade de quarenta e cinco anos para os praças e sessenta anos para os oficiais, para que ocorra a prescrição da punibilidade (BRASIL, 1969a).

De acordo com Assis (2017), o critério temporal se aplica ao militar desertor que se apresenta voluntariamente ou é capturado, enquanto o critério etário se aplica ao trânsfuga, ou seja, aquele militar que pratica a deserção e permanece nessa condição.

Assim, o critério temporal tem início com a captura ou a apresentação do militar desertor. A partir desta data começará a correr o prazo da prescrição previsto no art. 125, inciso VI, do CPM, nos exatos dizeres do art. 125, § 2º, letra “c”, do mesmo código (BRASIL, 1969a).

Cabe citar a posição de Roth (2004), o qual, utilizando-se de uma interpretação restritiva e do princípio do in dubio pro reo27, entende que no caso do trânsfuga aplica-se unicamente o critério etário, já se o agente sofre a ação penal, a contagem da prescrição leva em consideração os dois critérios de forma simultânea, devendo prevalecer o que ocorrer primeiro. Portanto, para o autor, o critério etário é aplicado de forma isolada, já o critério temporal aplica-se de forma cumulativa com o critério etário, prevalecendo o que ocorrer primeiro.

Já para Romeiro (1994) a ratio legis do artigo 132 do CPM é evitar a imprescritibilidade do crime de deserção, uma vez que é crime permanente, cessando sua flagrância apenas com a apresentação ou captura do militar desertor. Dessa forma, realizando uma interpretação teleológica da lei, se um militar cometer o crime de deserção próximo dos limites de completar a idade prevista no artigo 132 do CPM, aplica-se o critério temporal com o prazo previsto do artigo 125, inciso VI, do CPM. O autor cita como exemplo um soldado que deserta aos 43 anos de idade e continua nessa situação sem se apresentar ou ser capturado, nesse caso a prescrição somente ocorrerá quando o militar completar 47 anos. Percebe-se que, para o autor, a depender da circunstância (quando a deserção é praticada pelo militar que está prestes a completar a idade limite do critério etário), aplica-se apenas o critério temporal, independente se o militar completa a idade limite do critério etário, sendo ou não capturado ou apresentado voluntariamente em sua Instituição Militar.

Para Neves (2022), não é possível a aplicação simultânea dos critérios etário e temporal, uma vez que o CPM não demonstra a possibilidade da exclusão do critério temporal em razão, pura e simplesmente, da idade do infrator da lei penal militar. Para esse autor, os critérios são aplicados de forma isolada, ou seja, para o trânsfuga aplica-se apenas o critério etário, independente de quando ocorrer a data natalícia limite prevista no artigo 132 do CPM. Assim, se um Soldado cometer a deserção com 44 anos de idade, completando a data do 45º aniversário, ocorrerá a prescrição, desde que não seja capturado ou apresentado a Instituição Militar a que pertença. Já se ocorrer a apresentação ou a captura antes da idade limite do supracitado artigo, aplica-se apenas o critério temporal, previsto no art. 125, inciso VI, do CPM. Esse também é o entendimento do STM28 e do STF29

Neves (2022) ainda apresenta a solução para a hipótese, ainda não explorada pela doutrina e pela jurisprudência, na qual o autor do crime de deserção já se encontra com idade superior aos limites trazidos pelo art. 132 do CPM. Por exemplo, um sargento que se encontra com a idade de 46 anos de idade e pratica o crime de deserção. De acordo com o autor, mesmo atingindo a prescrição etária, o militar não poderia ficar impune. Pensar diferente disso é permitir que um crime seja cometido sem a possibilidade de aplicação de qualquer sanção, isso incentivaria a impunidade, bem como feriria de morte o princípio da proporcionalidade em sua vertente positiva de vedação a proteção insuficiente. Por outro lado, deve ser fixado o termo inicial para que seja aplicado o critério temporal, sob pena de tornar o crime de deserção imprescritível. Nesse sentido, o autor sugere que o termo inicial para a contagem da prescrição temporal nesse caso é a data da lavratura do termo de deserção.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar o entendimento da doutrina majoritária no Direito Castrense, bem como da jurisprudência dos tribunais superiores (STF, STJ e STM), chega-se as seguintes conclusões sobre a prescrição da pretensão punitiva do crime de deserção.

Apesar de existirem dois critérios no CPM para a aplicação da prescrição da pretensão punitiva no crime de deserção, prevalece que esses dois critérios são aplicados de forma isolada.

Assim, aplica-se apenas o critério etário previsto no artigo 132 do CPM para o militar que se encontra em deserção e não seja capturado ou apresentado a Instituição Militar de origem, ou seja, militar na condição de trânsfuga.

Já para o militar desertor que seja capturado ou se apresenta de forma voluntário a sua Instituição Militar, tem-se a aplicação apenas do critério temporal, previsto no inciso VI do artigo 125 do CPM, independente de sua idade.

Por fim, caso o militar pratique o crime de deserção já com a idade superior aquela prevista para a aplicação da prescrição pelo critério etário (artigo 132), aplica-se o critério temporal com o diferencial do marco inicial ser a data da lavratura do termo de deserção.

Dessa forma, apenas para ilustrar a conclusão deste trabalho, apresentam-se abaixo cinco exemplos para melhor entendimento.

Exemplo 1 – Cabo da Polícia Militar, com 25 anos de idade, desertou e foi capturado quando possuía 47 anos. Como consequência deve ser reconhecida a prescrição pelo critério etário do artigo 132 do CPM.

Exemplo 2 – 3º Sargento da Polícia Militar, com 30 anos de idade, desertou, apresentando-se voluntariamente a sua Instituição Militar quando possuía 43 anos de idade. Como consequência aplicar-se-á apenas o critério temporal previsto no inciso VI do artigo 125 do CPM tendo como início da contagem do prazo de prescrição a data da lavratura do termo de deserção.

Exemplo 3 – 1º Sargento da Polícia Militar, com 44 anos de idade, desertou, sendo capturado quando possuía 46 anos. Como consequência deve ser reconhecida a prescrição pelo critério etário previsto no artigo 132 do CPM.

Exemplo 4 – Subtenente da Polícia Militar, com 47 anos de idade, desertou, apresentando-se, voluntariamente, a sua Instituição Militar quando possuía 50 anos de idade. O Estado terá o prazo de 01 ano para instaurar o processo em desfavor do desertor (art. 125, §5º, inciso I, do CPM), uma vez que se iniciou a contagem da prescrição pelo critério temporal (04 anos) desde a data de lavratura do termo de deserção.

Exemplo 5 – Subtenente da Polícia Militar, com 46 anos de idade, desertou, sendo capturado quando possuía 51 anos. Como consequência deve ser reconhecida a prescrição pelo critério temporal com início da contagem do tempo da data da lavratura do termo de deserção.

Sobre o autor
Robson Monteiro Rocha

Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais. Especialista em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar. Bacharel em Ciências Militares pela Academia de Polícia Militar. Bacharel em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul. Pós-graduação lato sensu em ciências jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Robson Monteiro. A prescrição da pretensão punitiva da deserção militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7257, 15 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104005. Acesso em: 18 dez. 2025.

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