A Constituição Federal (CF) de 1988, no artigo 146, inciso III, alínea "d", dispõe que lei complementar estabelecerá normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas (MEs) e para as empresas de pequeno porte (EPPs), enquanto que no seu artigo 170, inciso IX, considera princípio geral de atividade econômica o cumprimento desse propósito. Já o artigo 179 da CF/88 determina que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às MEs e EPPs tratamento diferenciado e favorecido, no intuito de incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Foi editada, então, em 2006, a Lei Complementar (LC) 123 - Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas -, estabelecendo tais normas gerais, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mormente quanto à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições desses Entes tributantes, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias. Essa norma revogou a Lei 9.841/99, que dispunha sobre o mesmo assunto.
Em matéria tributária, o artigo 12 da LC 123/06 criou, partir de 1º/07/07, o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas MEs e EPPs - Simples Nacional, conhecido ainda por Supersimples. O regime anterior, Simples Federal, instituído pela Lei 9.317/96, foi revogado pela referida lei complementar.
Impende se destacar o polêmico artigo 23 dessa LC 123/06, pois dispõe que as MEs e EPPs, optantes pelo Simples Nacional, "não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional".
Alguns contribuintes sujeitos ao PIS/COFINS não-cumulativo, regime instituído pelas Leis 10.637/02 e 10.833/03, entendem haver no referido dispositivo uma vedação à tomada de crédito sobre o valor das aquisições de bens e serviços feitas de pessoas jurídicas optantes pelo Supersimples. Na visão deles, os bens destináveis à revenda e os bens e serviços utilizáveis como insumos na prestação de serviços ou na industrialização de produtos destinados à venda, adquiridos de pessoa jurídica optante pelo Supersimples, não geram direito à apropriação de créditos aos contribuintes do PIS/COFINS não-cumulativo.
Para piorar as coisas, também numa infeliz interpretação, através da Solução de Consulta 360/07, a Superintendência Regional da Receita Federal da 8ª Região Fiscal, em decisão tomada em 25/07/07, manifestou-se contrária à possibilidade de o contribuinte do regime não-cumulativo do PIS/COFINS apropriar créditos, a partir de 1°/07/07, data da entrada em vigor do Simples Nacional, nas aquisições de bens e serviços de optantes desse regime.
Interessante ressaltar que essa resposta à consulta tributária confirma não havia restrição ao direito de crédito dessas contribuições sociais quanto às aquisições de bens e serviços realizadas no tempo em que vigorou o Simples Federal. Ou seja, entre dez/02 e jun/07, para o PIS, e entre fev/04 a jun/07, para a COFINS, o contribuinte do regime não-cumulativo dessas contribuições tinha o direito de tomar créditos, mesmo que o fornecedor fosse optante do Simples Federal.
Mais interessante é que o artigo 5º, § 5º, da Lei 9.317/96 prescrevia que a inscrição no Simples Federal vedava, para a ME ou EPP, a apropriação ou a transferência de créditos relativos ao IPI e ao ICMS. Entretanto, ficou excetuado, em relação ao ICMS, o caso de a Unidade Federada em que estava localizada a ME ou a EPP não ter aderido ao Simples Federal.
Analisando-se as Leis 10.637/02 e 10.833/03, instituidoras do regime não-cumulativo do PIS/COFINS, pode-se verificar a inexistência de óbices à recuperação de créditos calculados sobre o valor as aquisições feitas de optantes do Simples Federal, até jun/07, e do Simples Nacional, a partir de jul/07, quanto às mercadorias, bens e serviços já mencionados.
Ademais, é de se ressaltar, regra geral, que os créditos dessas contribuições sociais têm natureza jurídica de crédito presumido, porquanto são determinados pela mesma alíquota de apuração dos débitos sobre o faturamento.
No que diz respeito ao PIS/COFINS, elegeu-se o Método Indireto Subtrativo para a apuração dos seus créditos e débitos, diferentemente do Método do Crédito do Imposto que orienta a apuração do ICMS e do IPI. Para esses dois impostos, via de regra, o crédito é apropriado pelo valor real incidente na operação de aquisição, enquanto que, para o PIS/COFINS, a regra é calcular os créditos utilizando-se as alíquotas gerais dos débitos, 1,65% e 7,6%, respectivamente.
Para efeitos de apuração dos créditos de PIS/COFINS, não importa o montante do tributo incidente (cobrado) na operação anterior, bem como não é relevante se o fornecedor das mercadorias ou insumos é tributado pelo lucro real, presumido, arbitrado ou pelo Simples Nacional.
Não podemos ainda esquecer que as referências feitas à transferência de impostos, na legislação do ICMS e do IPI, levam em conta um valor de imposto que foi creditado (apropriado), mantido e que pode ser utilizado. Nas hipóteses em que a legislação desses impostos autoriza a transferência de créditos, foi quando esses créditos previamente puderam ser apropriados e mantidos na escrita fiscal. E mais, note-se que dentre as diversas formas de utilização desses impostos, essa legislação prevê a transferência a outros estabelecimentos do mesmo contribuinte ou, em certos casos, a transferência a terceiros, como forma de pagamento por mercadorias, matérias-primas, máquinas, equipamentos, etc.
Portanto, salvo melhor juízo, não há que se falar em vedação ao direito de crédito de PIS/COFINS pelos contribuintes do regime não-cumulativo, na hipótese de adquirirem bens e serviços de optantes do Supersimples, porque, efetivamente, inexiste transferência destes tributos. O que a legislação prescreve para as referidas contribuições sociais é a possibilidade de o contribuinte descontar créditos calculados sobre certos bens e serviços, mas sem qualquer vinculação direta ao que foi efetivamente "cobrado" pelo fornecedor.
Além disso, PIS/COFINS não são contribuições que repercutem a cada operação de venda, característica intrínseca do ICMS e do IPI, impostos plurifásicos, pois o fato gerador dessas contribuições sociais é o faturamento auferido, visto de forma isolada. O faturamento em si não guarda vinculação com outros fatos anteriores ou posteriores, ainda que possa ter algum tipo de relação com um bem qualquer.
Em reforço ao exposto, há que se considerar o Princípio Constitucional da Não-cumulatividade do PIS/COFINS, esculpido no § 12 do artigo 195 da CF/88, o qual não faz qualquer ressalva à tomada de créditos.
Logo, melhor interpretando o artigo 23 da LC 123/06, pode-se dizer que ele está apenas vedando a possibilidade de o optante do Simples Nacional recuperar (e manter) créditos fiscais de ICMS, IPI, ISS, PIS, COFINS, IRPJ, CSLL e INSS que são impostos e contribuições abrangidos por este regime tributário, e de transferi-los a terceiros, a qualquer título.
Vedar o direito de crédito de PIS/COFINS nas aquisições de bens e serviços de optantes pelo Simples Nacional resultará em enormes dificuldades de competitividade para as pessoas jurídicas que escolheram esse regime de tributação, pois as mesmas sofrerão fortes pressões para reduzirem suas margens de lucratividade, como forma de compensação pelos créditos vedados. O risco é de muitos optantes pelo Supersimples fugirem para a informalidade, resultando em perda de arrecadação tributária (e previdenciária), num claro prejuízo à economia e à sociedade.
Enfim, se o referido artigo 23 estivesse mitigando o direito de crédito ora analisado, estaria na contramão do objeto da própria LC 123/06, que é o de dar tratamento diferenciado e favorecido às MEs e EPPs. Se fosse o caso, poder-se-ia, inclusive, argüir judicialmente a inconstitucionalidade desse dispositivo, por afrontar os artigos 146, inciso III, alínea "d", 170, inciso IX, e 179 da CF/88. Por outro lado, se a posição da Receita Federal se consolidar no sentido de negar o direito de crédito ora comentado, há fortes argumentos para afastar essa absurda restrição, via judicial.