RESUMO: O presente artigo traz uma análise crítica sobre a aplicação das penas e da medida de segurança como sanção penal no sistema jurídico brasileiro. Destacamos que, embora ambas tenham como objetivo proteger a sociedade, a pena e medida de segurança possuem finalidades distintas: enquanto a pena visa punir o autor do crime e reparar o dano causado à sociedade, a medida de segurança visa proteger a sociedade de possíveis riscos que o infrator possa apresentar no futuro. É fundamental que essas medidas sejam individualizadas e proporcionais à gravidade do delito cometido e à periculosidade do infrator, garantindo assim a eficácia e justiça no sistema de sanção penal.
Palavras-Chave: Pena; Medida de segurança; Sanção penal.
INTRODUÇÃO
A distinção entre pena e medida de segurança é um tema fundamental no âmbito do Direito Penal. Enquanto a pena é uma sanção aplicada ao autor de um delito com o objetivo de puni-lo e prevenir a prática de novos crimes, a medida de segurança é aplicada em casos de inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente, visando proteger a sociedade e tratar o autor de um ato considerado perigoso para si ou para os outros.
A aplicação correta de pena ou medida de segurança em cada caso é de extrema importância para garantir a justiça, a segurança e a ressocialização do agente, contribuindo para a harmonia e a estabilidade do sistema jurídico. Nessa perspectiva, a presente discussão tem como objetivo analisar a diferença essencial entre pena e medida de segurança, destacando suas finalidades, requisitos e características específicas. Com base nessa análise, será possível compreender melhor a aplicação correta de cada uma dessas sanções no âmbito do Direito Penal.
CONCEITO DE CRIME – CRITÉRIO ADOTADO PELO CÓDIGO PENAL
Para ser considerada criminosa, a ação humana precisa corresponder objetivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Nesse sentido, o delito é considerado como uma ação típica, antijurídica e culpável (LOPES, 2004, pág. 8). Ação típica é aquela conduta que se ajusta perfeitamente à descrição do crime feita pela lei, sendo considerada uma ação antijurídica, por ser contrária ao direito. E, culpável é o indivíduo que consciente ou inadvertidamente praticou uma ação vedada em lei, agindo com dolo no primeiro caso e culpa no segundo (LOPES, 2004, pág. 8).
A repulsa à prática de fato considerado como crime, ou como bem conceituado pela doutrina e legislação atualmente vigentes, fato típico antijurídico e culpável, pelo Estado, desde a organização dos seres humanos em sociedade, visa, acima de tudo, assegurar a convivência pacifica e harmônica entre todos. Dessa forma, é outorgado ao Estado o poder de interferir na esfera privada, restringindo do indivíduo, praticante de conduta considerada como delituosa, um dos seus bens mais preciosos, a liberdade.
DA SANÇÃO PENAL
Violado o preceito penal através de uma ação humana típica, antijurídica e culpável, surge para o Estado, garantidor da ordem pública, o “jus puniendi”, ou seja, o poder-dever de impor uma consequência ao sujeito que a praticou. Nesse sentido, surge a pena, que vem a ser um efeito e resultado do delito que origina a relação jurídico-punitiva entre o Estado e o cidadão. Aparecendo pela primeira vez com a denominação de pena, a sanção surgiu como sinônimo de expiação, tendo como fundamento o critério da retribuição (LOPES, 2004, pág.9).
Por intermédio da pena, a doutrina clássica do direito pretendeu satisfazer uma exigência de justiça, aplicando ao criminoso um mal em correspondência com o mal por ele praticado. Esse sentido de justa retribuição implica que a medida penal se apresente como pena pública, sanção determinada por um poder central suficientemente forte e consciente de sua finalidade de assegurar a continuidade e segurança da ordem social. (LOPES, 2004, pág.9)
A sanção penal comporta duas espécies: a pena e a medida de segurança. O conceito de pena se dá por uma sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade (CAPEZ, 2011, pág. 384).
CONCEITO DE INIMPUTABILIDADE PENAL – CRITÉRIO ADOTADO PELO CÓDIGO PENAL
O termo imputar, do latim “imputare”, em sentido amplo, significa atribuir a alguém a responsabilidade de algo. Do ponto de vista moral, a imputabilidade diz respeito à capacidade da pessoa em ter juízo crítico sobre o ato cometido ou, resumidamente, capacidade de ter consciência se uma ação foi boa ou má. E, finalmente, do ponto de vista jurídico, trata-se da capacidade que o indivíduo tem de entender o crime que praticou. Assim, quando se imputa um ato a um determinado sujeito, esse indivíduo pode tornar-se responsável pelo mesmo (LOPES, 2004, pág.11).
Em Direito Penal, para que alguém seja considerado responsável por um determinado delito são necessárias três condições básicas: ter praticado o delito, ter entendimento do caráter criminoso de sua ação e ter liberdade, na época do fato, para escolher entre praticar ou não aquela ação. Em psiquiatria forense, dá-se o nome de capacidade de imputação jurídica ao estado psicológico que se fundamenta no entendimento que o indivíduo tem sobre o caráter criminoso do fato e na aptidão de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesse sentido, a capacidade de imputação jurídica depende da razão e do livre-arbítrio do agente à época do crime. (LOPES, 2004, pág.11)
Mas, além desses, há outro elemento do crime, a imputabilidade. Imputável é o indivíduo mentalmente são; capaz de entender o caráter criminoso de seu ato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Mas como punir a prática de conduta típica e antijurídica por aqueles considerados como inimputáveis, ou seja, aqueles que no momento da prática não possuíam a capacidade mental de distinguir a sua ilicitude. O Código Penal prevê aos inimputáveis, e aos semi imputáveis, a aplicação de medidas de segurança, que, obviamente, visam não somente assegurar o caráter punitivo – pedagógico da sanção, como também ressocializar o agente, visando a convivência em sociedade (MARTINS, 2013, pág. 4 e 5)
A partir da reforma penal de 1984 os condenados imputáveis não mais estão sujeitos a aplicação da medida de segurança, pois passaram a ser considerados como inimputáveis, ou isentos de pena, de acordo com o artigo 26 do Código Penal. Os inimputáveis são os agentes que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ao tempo da ação ou da omissão eram inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do ato ou, de determinar-se de acordo com esse entendimento (MARTINS, 2013, pág. 4 e 5).
Três são os critérios que buscam definir a inimputabilidade: o critério biológico; o critério psicológico; o critério biopsicológico ou misto. De acordo com o critério biológico, a inimputabilidade decorre da simples presença de causa mental deficiente. Não há qualquer indagação psicológica a respeito da capacidade de autodeterminação do agente. Estando presente uma das causas mentais deficientes (doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior), exclui-se a imputabilidade penal, ainda que o agente tenha se mostrado lúcido no momento da prática do crime.
Conforme o critério psicológico, a inimputabilidade só ocorre quando o agente, ao tempo do crime, encontra-se privado de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com este entendimento. Neste sistema, não há necessidade que a incapacidade de entender ou querer derive de uma causa mental preexistente. Finalmente para o critério biopsicológico, ou misto, adotado pelo Código Penal, a inimputabilidade decorre da junção dos dois critérios anteriores. Sendo inimputável o sujeito que ao tempo do crime, apresenta uma causa mental deficiente (MARTINS, 2013, pág. 5).
O Código Penal não fez previsão de forma taxativa sobre o prazo de duração das medidas, apenas assevera que estas persistirão enquanto não restar caracterizado, mediante perícia médica, que a periculosidade do agente cessou (MARTINS, 2013, pág. 3).
DA MEDIDAS DE SEGURANÇA
A punição para aqueles considerados inimputáveis, deixou de ser a pena e denominou-se medida de segurança. (LOPES, 2004, pág. 22). O conceito de medida de segurança se dá por uma sanção penal imposta pelo Estado, na execução de uma sentença, cuja finalidade é exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal que tenha demonstrado periculosidade volte a delinquir. Sua finalidade é exclusivamente preventiva, visando tratar o inimputável e o semi-imputável que demonstraram, pela prática delitiva, potencialidade para novas ações danosas. Nosso Código Penal adotou o sistema vicariante, sendo impossível a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança. Aos imputáveis, pena; aos inimputáveis, medida de segurança; aos semi-imputáveis, uma ou outra, conforme recomendação do perito (CAPEZ, 2011, pág. 467).
A nossa legislação adota, como regra, a medida de segurança pós-delitual, isto é, para que haja a sua aplicação é preciso que tenha havido necessariamente a prática de um fato criminoso. No entanto, não basta a prática de um ato descrito na norma como crime; é necessário que conjuntamente haja a periculosidade do autor. Nesse sentido, é reconhecida também a personalidade do agente, a sua vida, aliadas aos motivos e circunstâncias do fato, mostrando a probabilidade que o mesmo possui de tornar ou vir delinqüir. (LOPES, 2004, pág. 28).
Com base nessas considerações, podemos dizer então que, a medida de segurança tem dois pressupostos básicos: a prática de fato previsto como crime e a periculosidade do agente, sendo que a lei considera perigosos os inimputáveis e semi-imputáveis (LOPES, 2004, pág. 30)
A DIFERENÇA ESSENCIAL ENTRE PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA
Com a comprovação de que a medida de segurança é um tipo de sanção penal, assim como a pena privativa de liberdade, é imprescindível examinarmos as diferenças entre essas duas espécies de sanção penal. (COSTA, 2013, pág. 60)
A pena é uma punição atribuída pelo Estado, por meio do ajuizamento de uma ação penal, dada ao indivíduo que praticou o delito. Possui um caráter retributivo-preventivo ao crime cometido, que ocasionou uma redução ou perda de um bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico, cujo objetivo é impedir que o indivíduo volte a praticar novos delitos. A pena também tem a finalidade de ressocializar o condenado, reinserindo paulatinamente o delinquente ao convívio da sociedade. Com isso, se conclui que a pena tem natureza jurídica retributiva, que seria uma forma de compensação do mal que foi praticado, sendo com base na culpabilidade, impondo ao julgado a exata apreciação do grau da culpa do agente delituoso; preventiva geral, que é contra indivíduos indeterminados, podendo ser preventiva geral negativa, uma forma de intimidação para que as pessoas não cometam delitos, e preventiva geral positiva, como um reforço da confiança da sociedade. E também, preventiva especial ou individual, contra indivíduos determinados, focada na atuação do criminoso, objetivando que o criminoso não volte a delinquir. Pode ser preventiva especial negativa, segregação ou neutralização do criminoso, como preventiva especial positiva, inserção social, ressocialização. É repressiva e punitiva, com o objetivo de inibir a prática dos delitos, sendo destinada a todos. (COSTA, 2013, pág. 61)
Já a medida de segurança tem natureza jurídica essencialmente preventiva, assistencial e terapêutica, possui um caráter preventivo especial ou individual, contra indivíduos determinados, aqueles que possuam periculosidade. Tem o objetivo de retirar o indivíduo, portador de transtorno mental que praticou algum delito e se mostre perigoso, do convívio social, e com isso evitar que este volte a praticar crimes. A medida de segurança é baseada na periculosidade ou perigosidade do indivíduo, sendo apenas aplicadas as pessoas consideras inimputáveis, com a possibilidade de também serem aplicadas aos semi-imputáveis, que podem receber uma pena ou uma medida de segurança, porém nunca é aplicada aos imputáveis. (COSTA, 2013, pág. 61)
Quanto ao limite temporal, a pena é limitada pela gravidade do delito e a culpabilidade do agente. De acordo com o artigo 75 do código penal, é previsto que o tempo máximo de prisão no Brasil é de 40 anos, portando é imposta por tempo determinado. A medida de segurança é balizada pelo grau de periculosidade e a sua permanência. A medida de segurança só se extingue com a cessação da periculosidade do agente, conforme o artigo 97 do código penal, a medida de segurança será por tempo indeterminado (COSTA, 2013, pág. 61).
Quanto ao sujeito passivo, a pena é aplicada aos indivíduos imputáveis e semi-imputáveis, enquanto a medida de segurança é aplicada aos inimputáveis e, de modo extraordinário, aos semi-imputáveis, caso estes indivíduos careçam de especial tratamento curativo, internação hospitalar ou tratamento ambulatorial (COSTA, 2013, pág. 62).
Quanto ao objeto, a pena tem a finalidade de reafirmação do ordenamento jurídico, e possui um caráter de prevenção geral e prevenção especial, e a medida de segurança possui um caráter unicamente de prevenção especial. E por fim, quanto a seu fundamento, a pena tem por base a culpabilidade do indivíduo, já a medida de segurança, exclusivamente a periculosidade do agente (COSTA, 2013, pág. 62).
Como visto, a principal diferença entre a pena e a medida de segurança é que aquela se dá em razão da culpabilidade do agente, e esta em razão da periculosidade. A presença da periculosidade e a ausência de discernimento é requisito para a utilização da medida de segurança (COSTA, 2013, pág. 65).
CONCLUSÃO
Em conclusão, a distinção entre pena e medida de segurança é essencial para o adequado funcionamento do sistema jurídico no âmbito do Direito Penal. A pena é aplicada ao autor de um delito com o objetivo de puni-lo e prevenir a prática de novos crimes, enquanto a medida de segurança é aplicada em casos de inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente, visando proteger a sociedade e tratar o autor de um ato considerado perigoso para si ou para os outros.
É fundamental que a aplicação correta da pena ou da medida de segurança seja realizada com base na avaliação das circunstâncias do crime e das condições pessoais do agente, para garantir a justiça e a eficácia das sanções aplicadas. Além disso, é importante que a medida de segurança seja revista periodicamente para avaliar a necessidade de sua continuidade ou cessação.
Portanto, é necessário que os profissionais da área jurídica, como advogados, promotores e juízes, compreendam a diferença entre pena e medida de segurança e saibam aplicá-las adequadamente, visando garantir a justiça, a segurança e a ressocialização do agente, além de contribuir para a harmonia e a estabilidade do sistema jurídico como um todo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, v. 1. 15ª ed. São Paulo:Saraiva, 2011.
COSTA, Carla C. P. Medida De Segurança: relação entre o prazo de duração e a cessação da periculosidade. UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. 2013. Disponível em https://core.ac.uk/download/pdf/187130437.pdf. Acesso em 15 de março de 2023.
LOPES, Cláudio H. A. Medidas De Segurança. UniFMU, 2004. Disponível em https://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/chdal.pdf Acesso em 15 de março de 2023.
MARTINS, Isabela M. A Inconstitucionalidade da aplicação das medidas de segurança por prazo indeterminado. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, 2013. Disponível em https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2013/trabalhos_12013/IsabelaMoreiraMartins.pdf Acesso em 15 de março de 2023.