Capa da publicação Honorários advocatícios sucumbenciais são acessórios da execução principal?
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A (in)efetividade dos arts. 23 e 24, § 1º do Estatuto da Advocacia - Honorários advocatícios sucumbenciais no limbo

31/07/2023 às 19:35
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Enquanto a impugnação ao cumprimento de sentença tramita, o juízo pode extinguir o cumprimento dos honorários do advogado por iliquidez? O direito do advogado seria acessório do direito da parte?

O antigo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 4.215/63) era um tanto tímido a respeito da autonomia da execução dos honorários advocatícios sucumbenciais, pois constava em parágrafo (§ 1º) de dispositivo (art. 99) cuja cabeça tratava da possibilidade de destaque de honorários contratuais em precatório. A imprecisão técnica é notória.

Sabidamente, em regra, os parágrafos trazem restrições, particularidades ou exceções à norma geral, regra ou princípio estabelecido.

Então, de saída, a partir da técnica legislativa utilizada, é possível perceber que o regramento anterior, relativo ao tema ora desenvolvido, não era satisfatório.

Contudo, já era possível perceber o despontar da autonomia que vimos positivada nos arts. 23 e 24, § 1º da Lei nº 8.906/94, ora reforçados e coroados pelo art. 85, §§ 14 e 18 do CPC/15, ambos calcados em uma Constituição Federal que constitucionalizou a atividade advocatícia, privada e pública, elevando-as à categoria de “indispensável à administração a justiça” (art. 133), ao lado (nem acima e nem abaixo) do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Historicamente, tem sido difícil obter o reconhecimento da força normativa da Constituição (ao modo Konrad Hesse), sem que haja uma legislação infraconstitucional adequada. Observe o que decidiu a Quarta Turma do STJ, em 17/12/2013:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO NO PERÍODO DA VIGÊNCIA DA LEI N. 4.215/1963 (ART. 99, § 1º) E DO ART. 20 DO CPC. VERBAS PERTENCENTES À PARTE. DIREITO SUBJETIVO DO ADVOGADO SUBMETIDO À CONVENÇÃO COM A PARTE. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. NÃO CONFIGURADA.

1. O grau de autonomia da execução dos honorários sucumbenciais pelos advogados, sob a égide do antigo Estatuto e após o advento do CPC, submetia-se à prevalência do direito subjetivo da parte vencedora.

2. A função uniformizadora desta Corte, especialmente o entendimento emanado da Corte Especial, conduz à conclusão de que os honorários de sucumbência antes do advento do novo Estatuto da Advocacia, aprovado pela Lei n. 8.906/1994, pertenciam à parte vencedora, a qual não se confunde com o procurador judicial (art. 20 do CPC). A autonomia para a execução dos referidos honorários pressupõe a existência de previsão contratual ou a ausência de remuneração do procurador judicial (art. 99, caput, parte final, Lei n. 4.215/1963).

3. No caso concreto, consoante se colhe do acórdão recorrido, tanto a outorga da procuração (fl. 19) quanto o julgamento definitivo da causa em segunda instância são anteriores à Lei n. 8.906/1994 (fl. 109) e as partes nada convencionaram acerca do direito subjetivo autônomo às verbas sucumbenciais, razão pela qual é inaplicável o reconhecimento desse direito, com fundamento em legislação superveniente.

4. A competência do Ministro relator para julgar monocraticamente recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou contrário a Súmula do Tribunal está prevista nos arts. 544 e 557 do CPC e 254 e 34, XVIII, do RISTJ.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp n. 701.705/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 17/12/2013, DJe de 4/2/2014.)

Aliás, essa inquietante decisão, datada de 2013, tomada por órgão fracionário, foi mero fruto de polêmica decisão anterior da Corte Especial, emitida em 01/06/2011, por meio de voto de minerva. Trata-se do confuso EAg nº 884.487/SP, que teve três proclamações de resultado.

A primeira proclamação se deu em 15/12/2010, relatada pelo Min. Fux, com a seguinte ementa:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. NULIDADE DA QUESTÃO DE ORDEM APRESENTADA. MANUTENÇÃO DO JULGAMENTO ENCERRADO PELA PRIMEIRA PROCLAMAÇÃO (PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REGIME ANTERIOR À LEI N. 8.906/94. LEI N. 4.215/63. EXECUÇÃO. DIREITO AUTÔNOMO DO ADVOGADO DA PARTE).

1. A Corte Especial, ao apreciar os embargos de declaração de fls. 1488-1513, anulou, por error in procedendo, o julgamento dos embargos de divergência concluído na sessão do dia 1º de junho de 2011, assentando a impossibilidade de alteração do resultado após a sua proclamação pelo Presidente do Colegiado por força do exaurimento da prestação jurisdicional.

2. Dessa sorte, prevalece o julgamento concluído na sessão do dia 15 de dezembro de 2010, em que a maioria da Corte Especial seguiu o entendimento do relator originário, assim sintetizado: [...] PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REGIME ANTERIOR À LEI 8.906/94. LEI 4.215/63. EXECUÇÃO. DIREITO AUTÔNOMO DO ADVOGADO DA PARTE.

1. O direito autônomo do advogado de executar a sentença na parte relativa à fixação dos honorários advocatícios já era assegurado mesmo no período anterior à Lei 8.906/94. Precedentes: REsp 541.308/RS, 3ª. Turma, Rel. p/ acórdão Min. Castro Filho, DJ de 08.03.2004; REsp 702162/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 24/04/2006; REsp 51157/SP, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 03/11/2004; REsp .nº 233600 e 33601/MG, Ministro Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 01/08/2000; REsp. n.º 135087/RS, relator Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 10/08/1998;

REsp. n.º 119862/SP, relator Ministro Milton Luiz Pereira, DJ de 17/11/1997; REsp. n.º 81806/SP, relator Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 08/09/1997; REsp. n.º 90118/DF, relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 11/11/1996.

2. A doutrina do tema não discrepa do referido entendimento, verbis:

"Assim: Por se cuidar de verba honorária advocatícia fixada na condenação, poder-se-ia, pelos motivos abaixo deduzidos, aplicar o que estabelece o art. 99, §1º, da Lei 4.215/63. Esse dispositivo não foi revogado pelo art.20 do CPC. Antes, ambos se harmonizam. Diz o último que os honorários da sucumbência pertencem à parte vencedora enquanto o primeiro estatui o direito autônomo do advogado de executar a sentença, nessa parte, podendo até requerer o correlato precatório. De um lado, os honorários são da parte vencedora, como meio de compensá-la dos gastos havidos com o processo, d'outro, permite a lei que o advogado, existindo condenação específica nessa parte, com trânsito em julgado, se satisfaça diretamente, às custas da parte vencida. O que se passa entre a parte vencedora e seu procurador, id est, o que ambos contrataram a esse título, é matéria que só a elas interessa, não interferindo na execução.

Desacertos eventuais, que brotarem dessa relação cliente-advogado, deverão ser compostos extrajudicialmente ou em ação própria. Em outras palavras, o advogado da parte vencedora tem direito de executar a sentença. Se o que foi por esta estabelecido for diferente do que foi contratado, o que faltar ou sobejar é matéria estranha à liquidação. Esse encontro de contas, por assim dizer, deve ser feito entre o cliente e seu advogado. Este, contudo, não está privado de reclamar diretamente a correspectiva verba da sucumbência, por pertencer à parte. Essa verba a essa pertence, o que, contudo, não colide com o direito de seu procurador de obtê-la diretamente. Essa verba pertence à parte, não a título de domínio absoluto e com exclusão do direito do advogado, uma vez que se cuida de verba indenizatória, na medida em que existe para compensar a parte vencedora dos gastos despendidos com a remuneração de seu procurador." (Honorários Advocatícios, 3ª ed., São Paulo, Ed.

Revista dos Tribunais, 1997, págs. 703/792).

3. Deveras, a disposição do art. 99, §1º, da Lei 4.215/63, revogada, harmoniza-se com as inovações estipuladas pelo art. 20 do CPC, uma vez que, a despeito de a lei processual civil indicar os honorários da sucumbência como pertencente à parte vencedora, não excluía o direito autônomo do advogado de executá-los, o que era lícito fazê-lo no antigo estatuto da advocacia, salvo estipulação em contrário estabelecido pelas partes.

4. É que dispunha o referido diploma, verbis:

§ 1º "Tratando-se de honorários fixados na condenação, tem o advogado direito autônomo para executar a sentença nessa parte, podendo requerer que o precatório, quando este for necessário, seja expedido em seu favor";

§ 2º "Salvo aquiescência do advogado, o acordo feito pelo seu cliente e a parte contrária não lhe prejudica os honorários, quer os convencionais, quer os concedidos pela sentença". [...] (fls. 1398-1399)

3. Embargos de divergência conhecidos e não providos.

(EAg n. 884.487/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 15/12/2010, DJe de 21/11/2013.)

Como se vê, a decisão foi fruto de deliberação em 2010, mas só foi publicada em 2013. É que ela foi anulada em 2011. O acatamento de uma questão de ordem provocou novo julgamento da causa.

A 4ª Turma parece ter sofrido a influência dessa outra decisão, proferida em 01/06/2011 (publicada em 17/06/2011), cuja ementa é a seguinte:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO NO PERÍODO DA VIGÊNCIA DA LEI N. 4.215/1963 (ART. 99, § 1º) E DO ART. 20 DO CPC. VERBAS PERTENCENTES À PARTE. SUBMETIDO O DIREITO SUBJETIVO DO ADVOGADO À CONVENÇÃO EXISTENTE COM A PARTE.

1. O cerne da divergência é a definição da extensão do direito subjetivo dos advogados às verbas de sucumbência, estatuído no revogado art. 99, § 1º, da Lei n. 4.215/1963, em relação ao direito da parte vencedora, tal como definido pelo art. 20 do Código de Processo Civil. Está fora de questão a incidência da Lei n. 8.906/1994, diploma legal superveniente em relação à definição do direito em questão.

2. Certo que não houve revogação do art. 99, § 1º, da Lei n. 4.215/1963, ocorreu a necessidade de uma nova interpretação sistemática que visasse dar prevalência, no tocante ao manejo das verbas sucumbenciais, ao direito subjetivo do advogado ou da parte vencedora. Seria pouco razoável considerar que o advento do art. 20 do Código de Processo Civil não trouxe nenhuma alteração ao panorama normativo pátrio, suposta tese que seria esposada se definida a prevalência do art. 99, § 1º, do antigo estatuto.

3. A análise da legislação enseja a conclusão de que a modificação do panorama normativo foi efetivada do modo mais legítimo existente para o ordenamento: por meio de produção de uma nova lei. Não reconhecer isso seria considerar que o legislador produziu nova lei de forma inócua, já que ela não serviria para alterar o ambiente normativo existente.

4. O estudo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça demonstra que existe a divergência suscitada, com ênfase em julgados das Primeira, Segunda e Quarta Turmas. Definiu-se o contorno da quaestio juris na Terceira Turma a partir de acórdãos recentes.

5. Hão de ser consideradas a evolução legislativa e a fixação do direito previsto no ordenamento pátrio, com respeito ao tempo de cada lei em relação à sua incidência. Assim, interpretar o direito também requer ter analisada a situação temporal de cada momento factual da constituição da relação jurídica.

6. A legislação antiga (Lei n. 4.215/1963, anterior ao Código de Processo Civil de 1973) abrigou a atribuição de tal direito subjetivo aos causídicos, com poucas restrições. O legislador pátrio modificou este quadro normativo e reforçou as restrições, por meio da norma trazida pelo Código de Processo Civil.

7. Resta evidente que, sob a égide do antigo estatuto, e após o advento do CPC, o grau de autonomia da execução dos honorários sucumbenciais pelos advogados submetia-se à prevalência do direito subjetivo da parte vencedora.

8. No caso concreto, é necessário reconhecer que inexiste nos autos a demonstração de que houve avença entre a parte vencedora e seus advogados, para atribuição do direito subjetivo autônomo às verbas sucumbenciais; logo, não há falar em cessão do direito da parte aos advogados.

9. Ao se valorar o passado, é preciso ter em conta o ordenamento jurídico vigente àquela época, sob pena de regrá-lo com um direito que era inexistente, acrescido do risco de perda da segurança jurídica, já que seria impossível prever a avaliação jurídica que seria usada no futuro para julgar determinada relação.

10. Consigne-se que faz parte integrante da fundamentação do presente acórdão tanto o voto-vista, quanto o voto-desempate, proferidos, respectivamente, pelo Ministro Mauro Campbell Marques e pelo Ministro Felix Fischer.

Embargos de divergência providos.

(EAg n. 884.487/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 1/6/2011, DJe de 17/6/2011.)

Nota-se que a questão da autonomia do direito do advogado aos seus honorários sucumbenciais teve um nascedouro jurisprudencial intrincado.

Em um intervalo de seis meses (15/12/2010 - 01/06/2011) a Corte Especial do STJ chegou a conclusões diametralmente opostas. Mediante votos de minerva, ressalte-se.

Em síntese, o primeiro julgamento foi resolvido pelo voto de desempate do Min. Ari Pargendler, que era favorável à autonomia do direito do advogado, mesmo antes da Lei 8.906/94. Este Magistrado, contudo, após a questão de ordem, foi excluído do julgamento. O voto de minerva passou a ser proferido pelo Min. Felix Fischer, que atribuía à parte a titularidade dos honorários sucumbenciais determinado à luz da legislação anterior ao Estatuto da Advocacia de 1994. O resultado, então, mudou completamente.

O dissídio jurisprudencial tinha como pano de fundo saber se, sob a égide da Lei nº 4.215/63, os honorários sucumbenciais pertenciam à parte vencedora ou ao respectivo advogado. Esse debate tinha ligação direta com a questão, desde então tormentosa, relativa à definição da legitimidade para executar os honorários sucumbenciais1. Enfim, o que estava na mesa era a (in)existência do direito dos advogados aos honorários sucumbenciais e, acaso existente, o grau dessa autonomia.

Duas correntes se formaram, uma capitaneada pelo Min. Luiz Fux e outra pelo Min. Humberto Martins.

Fux reconhecia o dissenso pretoriano, vez que parcela do STJ entendia que os advogados tinham direito autônomo à execução dos honorários, mesmo antes da Lei n.º 8.906/94, razão pela qual eram legitimados à cobrança. Outra parcela, todavia, perfilhava o entendimento no sentido de que, na égide da Lei n.º 4.215/63, os honorários advocatícios pertenciam à parte, que detinha a legitimidade de sua execução.

Verdade seja dita. Aqueles que defendiam que os honorários sucumbenciais pertenciam à parte não excluíam em absoluto a defesa dos sucumbenciais pelos causídicos, mas divergiam quanto ao grau dessa autonomia e quanto às condicionantes desse direito, notadamente subsidiário, ao olhar dessa ala.

Muitos adeptos dessa tese até reconheciam a legitimidade dos advogados, fundada no art. 99 do antigo estatuto da Advocacia, mas entendiam que esse direito teria sido modificado/restringido pelo art. 20 do CPC/73, com redação determinada pela Lei 6.355/76.

Na visão do Min. Luiz Fux, entretanto, prevalecia a corrente que “admitia a legitimidade do advogado para a execução autônoma dos honorários fixados na sentença, desde que o contrato não estipulasse o contrário”.

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Essa corrente se apoiava na doutrina de Yussef Said Cahali2, para quem a disposição do art. 99, §1º, da Lei 4.215/63, se harmonizava com as inovações estipuladas pelo art. 20 do CPC/73, uma vez que, a despeito de a lei processual civil indicar os honorários de sucumbência como pertencente à parte vencedora, não excluía o direito autônomo do advogado de executá-los, o que era lícito fazê-lo com fundamento no antigo Estatuto da Advocacia, salvo estipulação em contrário estabelecido pelas partes.

O Min. Humberto Martins argumentava que o direito subjetivo de os causídicos executarem as verbas sucumbenciais, sob o pálio da legislação anterior, estaria condicionado à juntada aos autos do contrato de honorários e à comprovação de que o outorgante não teria pago os valores originalmente ajustados.

Para essa corrente, que se tornou momentaneamente vencedora, após a aludida questão de ordem e o voto de minerva do Min. Fischer, antes da vigência do atual Estatuto da Advocacia os honorários sucumbenciais pertenciam à parte. Essa era a regra.

Toda essa polêmica se dava sob a tutela do antigo EOAB e do CPC/73, uma vez que na vigência da Lei 8.906/94 todos convergiam no sentido de que os advogados passaram a possuir legitimidade para executar os honorários sucumbenciais.

Mas, atente-se para o fato de que o novo EOAB não teria trazido pacificação apenas no que tange à legitimidade. Ele teria trazido novos ares para o debate acerca da autonomia desse direito do advogado. Vejam as palavras do Min. Humberto Martins em dois trechos do voto-vista que proferiu:

“É ausente de dúvida que o novo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei n. 8.906, de 1994, reconheceu esse direito subjetivo aos advogados. Ele foi criado, portanto, pela via mais própria que existe: o processo legislativo. Foi a determinação do Poder Legislativo pátrio que definiu que os advogados teriam e poderiam exercer direito autônomo em relação aos seus patrocinados, no tocante às verbas sucumbenciais”.

“Há o reconhecimento na jurisprudência atual de que o direito autônomo dos advogados, sob a égide da Lei n. 8.906/1994, é realmente desvencilhado dos representados”.

Somente em 19/04/2017 o polêmico caso voltou a julgamento perante a Corte Especial, que restabeleceu a orientação do primeiro julgamento, que tinha sido anulado. Mas, como ficará evidenciado, não houve uma simples repristinação.

Nesse novo julgamento, a interpretação capitaneada por Fux voltou a prevalecer, constando na ementa o seguinte:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO. EXAME DO MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL NO ACÓRDÃO EMBARGADO. CABIMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA FIXADOS POR ACÓRDÃO DO STF EM 1985 - ANTES DA VIGÊNCIA DO ESTATUTO DA OAB DE 1994. DIREITO AUTÔNOMO DO ADVOGADO, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ART. 99 DA LEI N. 4.215/1963. PRECEDENTES HISTÓRICOS DA SUPREMA CORTE. DÍVIDA DA PARTE VENCIDA EM FACE DO ADVOGADO DA PARTE VENCEDORA. ART. 20, CAPUT, DO CPC DE 1973. ELEMENTOS QUALITATIVOS, QUE INFORMARÃO O VALOR DOS HONORÁRIOS, DERIVAM DA ATUAÇÃO DO CAUSÍDICO. ART. 20, § 3º, DO CPC DE 1973. RECENTE PRECEDENTE DO STF.

1. Os embargos de divergência opostos em face de acórdão proferido em agravo regimental em agravo de instrumento manejado contra decisão que inadmitiu recurso especial (art. 544 do CPC de 1973) são cabíveis, desde que tenha sido examinado o mérito do recurso especial. Precedentes.

2. Os honorários advocatícios de sucumbência fixados por sentença ou acórdão prolatado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e da Lei n. 4.215/1963 - anterior, portanto, à edição da Lei n. 8.906/1994 - possuem caráter autônomo e integram o patrimônio do advogado, o que lhe assegura o direito de promover, em proveito próprio, a execução.

3. Os precedentes históricos da Suprema Corte (RE 6.500/SP e RE 58.533/MG) - a qual possuía, antes da Constituição da República de 1988, a competência para interpretar a legislação infraconstitucional - acentuavam o entendimento de que os honorários advocatícios fixados na sentença não deveriam ser considerados como de titularidade da parte, ante a vedação de qualquer acordo entre os litigantes que interferisse no direito do advogado em receber tal verba diretamente da parte vencida. 4. Nesse sentido, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 6.500/SP, em 1943, o Supremo Tribunal Federal ressaltou que a vedação ao enriquecimento sem causa constituía óbice intransponível à tentativa de se direcionar a verba sucumbencial à parte vencedora, porquanto os honorários advocatícios fixados na sentença amiúde superam os honorários contratuais, constituindo, desse modo, parcela relevante da remuneração dos causídicos.

5. Mais recentemente, a Excelsa Corte, apreciando incidentalmente a mesma questão controvertida nestes embargos de divergência, reafirmou a sua jurisprudência histórica no sentido de que os honorários advocatícios de sucumbência, fixados antes da vigência do Estatuto da OAB em 1994, pertencem ao advogado, uma vez que: a) "segundo os levantamentos históricos da edição do Código de Processo Civil de 1973, em nenhum momento, pretendeu-se afastar o direito autônomo do advogado à verba honorária"; e b) "se a verba fosse destinada ao litigante, não haveria razão para fixar os honorários conforme os parâmetros revelados no § 3º do artigo 20 do referido diploma, a considerar o zelo, o tempo, a complexidade, enfim, fatores relacionados à atuação do causídico no processo" (STF - Agravo Regimental na Execução na Ação Cível Originária n. 381/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 13/5/2014, publicado em 27/5/2014).

6. Deveras, todos os elementos que são sopesados pelo juiz para a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, descritos no parágrafo 3º do art. 20 do CPC de 1973, estão diretamente relacionados à atuação do causídico no processo, tudo a indicar que tal verba é de titularidade do advogado da parte vencedora.

7. Ao enfrentar a questão sob a lente do caput do art. 20 do Código de Processo Civil de 1973, esta Corte Superior manifestou o entendimento de que os honorários advocatícios fixados na sentença constituem "dívida da parte vencida frente ao advogado da parte vencedora (...)" (RMS 24.010/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/9/2008, DJe de 26/9/2008).

8. Ademais, examinado o tema à luz do art. 96 da Lei n. 4.215/1963, observa-se que o antigo Estatuto da OAB, em nenhuma circunstância, vedava a cumulação dos honorários advocatícios contratuais e os de sucumbência. Assim, as disposições contidas no art. 99 desse diploma legal tinham por objetivo assegurar ao causídico o recebimento da verba honorária contratual com a reserva de valores a serem recebidos pelo seu constituinte, com base nas cláusulas avençadas no contrato (caput), facilitar a execução dos honorários de sucumbência fixados na sentença (§ 1º), bem como impedir a celebração de acordo entre a parte contrária e o cliente do advogado que pudesse lhe prejudicar os honorários advocatícios contratuais ou os concedidos pela sentença (§ 2º).

9. Desse modo, à luz do estatuído no art. 99 e seus parágrafos da Lei n. 4.215/1963, do princípio acolhido no ordenamento jurídico pátrio que veda o enriquecimento sem causa, dos precedentes da Suprema Corte e deste Tribunal Superior, bem como da doutrina relativa ao tema, forçoso concluir que o art. 20 do CPC de 1973 não retirou a titularidade do causídico ao recebimento dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados na sentença, os quais constituem verba autônoma que integra o patrimônio do advogado.

10. Embargos de divergência conhecidos e não providos.

(EAg n. 884.487/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/4/2017, DJe de 4/8/2017.)

Essa ementa é de grande valia porque não significou a mera reprodução daquela decisão outrora lançada pelo Min. Fux, mas trouxe consigo notícias e lições do tratamento histórico dado ao tema pelo STF, desde o tempo em que aquela Excelsa Corte apreciava matéria de índole legal.

Em obiter dictum, porém, o STJ fez uma discussão muito importante para a conclusão a que se chegará adiante. Avaliou se o art. 99 do antigo EOAB e os arts. 23 e 24 do atual EOAB encerram normas de direito material ou processual.

O Min. Felix Fischer entendia que as normas do EOAB evoluíram em termos de direito material, para atribuir a titularidade do direito aos honorários sucumbenciais aos advogados.

Noutra direção estava o Min. Luis Felipe Salomão, para quem “o art. 23, da Lei 8906/94, não obstante conter algum conteúdo de direito material, na verdade, é regra de processo. Estabelece direito autônomo à execução”.

Nada obstante, essa matéria ficou melhor assentada no julgamento do REsp 1113.175/DF (Tema 175), onde prevaleceu o entendimento de que as regras atinentes aos honorários advocatícios pertencem a uma terceira categoria, não submetida à tradicional dicotomia material x processual. Seriam normas de direito processual material, conforme lições de Chiovenda (Istituzioni di Diritto Processuale Civile, vol. I, § 4º, n.º 23, p. 73).

Trecho do voto: Apesar de sua natureza eminentemente processual, por estarem inseridos na técnica do processo como decorrência de sua instauração e ter por objetivo tutelar de modo integral o direito reconhecido em juízo, os honorários conferem um direito subjetivo de crédito ao advogado perante a parte que deu causa ao processo. Trata-se, inegavelmente, de um efeito externo ao processo, de relevante repercussão na vida do advogado e da parte devedora, do que decorre seu enquadramento no âmbito do direito processual material. (LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho, Honorários Advocatícios no Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 9-10)

Aquele recurso tratava do cabimento de embargos infringentes para discutir honorários advocatícios sucumbenciais. Portanto, o que se queria saber era se essa verba compunha ou não o mérito da demanda. Mas, naquele contexto, também em obiter dictum, foi discutida a acessoriedade da sucumbência em relação ao mérito da demanda, ficando definido que os honorários advocatícios “formam um capítulo de mérito da sentença, embora acessório e dependente”.

O significado dessa acessoriedade, diante da positivação da autonomia do direito pelos arts. 23 e 24 do EOAB, é questão que toca ao centro da questão da presente análise.

Mas o fato é que, enquanto o STJ resolvia a situação relativa ao período anterior a 1994, já sob a égide do atual EOAB, algumas questões periféricas ao tema aqui versado iam sendo resolvidas, a exemplo da legitimidade para a execução dos honorários.

O conhecido REsp 191.378/MG, julgado em 29/08/2000, definiu que “A execução da sentença, na parte alusiva aos honorários resultantes da sucumbência, pode ser promovida tanto pela parte como pelo advogado”.

Esse precedente é válido, firme e uníssono até a presente data. De forma que não há, atualmente, maiores dificuldades quanto à legitimidade para a execução dos honorários sucumbenciais.

De mais a mais, o Enunciado nº 306 da Súmula do STJ foi finalizado com a ressalva de que a parte permanecia com legitimidade para tratar dos honorários sucumbenciais (“...sem excluir a legitimidade da própria parte”.)

Vê-se, contudo, que a autonomia apreciada pelo STJ desde o polêmico EAg n. 884.487/SP, concentrou-se no aspecto processual. Ou seja, os honorários poderiam ser executados em processo diverso e apartado da execução do cliente, à luz do que estabelece o § 1º do art. 24 da Lei 8.906/94.

Noutro quadrante, está claro que o direito autônomo do advogado surge com a definitividade da sucumbência, nem antes e nem depois. Enquanto a decisão judicial que fixa a sucumbência não transita em julgado não há o direito. Por outro lado, este direito não se condiciona pela transação das partes (REsp 1197063/DF) ou à satisfação do direito do cliente (REsp 437.522/MT).

Assim, o momento do nascimento do direito do advogado aos honorários advocatícios sucumbenciais é o trânsito em julgado da sentença que o fixou. Não há controvérsia quanto a isso. A propósito, mudar a definição feita em sentença, por ocasião da execução é violar a coisa julgada (AgRg no REsp 769189/RJ).

Mas, o quão autônomo é o direito à verba sucumbencial em relação ao direito da parte? Qual a relação entre o direito objeto da execução do cliente e o direito do advogado executado em processo autônomo? Há conexão entre essas ações? Qual o sentido e o alcance da autonomia prevista nos arts. 23 e 24 do EOAB?

Um exemplo prático ajudará na compreensão dos questionamentos. Imagine que em um dado processo, a parte obteve o direito à percepção de parcelas remuneratórias que, na data do julgamento, somadas e atualizadas, totalizava R$ 10.000,00. Considere ainda que o vencido foi condenado a pagar 20% sobre o valor da condenação, a título de honorários advocatícios sucumbenciais. Nessas condições, o advogado ajuizou dois cumprimentos de sentença. Um em nome do cliente, no valor de R$ 10.000,00 e outro em nome próprio, no valor de R$ 2.000,00.

O executado, por qualquer razão, resolve impugnar apenas o cumprimento da parte, conseguindo, ao final, reduzir o montante executado para R$ 9.000,00. Deixou transcorrer in albis o prazo para impugnar o cumprimento de sentença do advogado.

Enquanto a impugnação ao cumprimento de sentença tramitava, o Juízo poderia extinguir o cumprimento do advogado por iliquidez? O direito do advogado seria acessório do direito da parte? Até este ponto?

A resposta para as três indagações é negativa. E pode ser respondida com outra pergunta: se os honorários fossem embutidos no bojo da execução do cliente, esta parte da demanda seria extinta?

Certamente a resposta a esta última questão também é pela negativa. É simples perceber que a cogitada extinção da execução do advogado teria como causa o simples exercício autônomo do direito de ação. O julgamento sem resolução do mérito, na hipótese, seria frontal ataque aos arts. 23, 24, § 1º do EOAB, contrariedade reflexa do art. 133 da Carta Magna, e choque literal com o Enunciado 306 da Súmula do STJ, sem embargo da violação ao art. 85, §§ 14 e 18 do CPC.

Em continuidade propõe-se outra reflexão. Acaso a solução adotada não fosse a extinção do cumprimento ajuizado pelo advogado, o Juízo teria o poder/dever de suspender o cumprimento de sentença do advogado até solução definitiva do cumprimento de sentença da parte? Poderia/deveria reunir os processos por conexão?

A resposta também é negativa. Suspender o cumprimento de sentença do advogado até solução da impugnação interposta no processo executivo da parte seria transferir o parâmetro de aferição do direito do advogado. A referência deixaria de ser a decisão que fixou a sucumbência e seria transferida para a decisão que encerraria a fase de execução.

Mas o tema ainda suscita outras controvérsias e perplexidades que demandam a continuação do aprofundamento maiêutico.

Acaso, a resposta seja pelo prosseguimento do cumprimento do advogado, independentemente da tramitação do cumprimento de sentença do cliente, vez que o direito do advogado é autônomo, o valor executado pelo causídico deveria ser reduzido para R$ 1.800,00, sob o fundamento de que a condenação definitiva da parte, apurada no contraditório firmado em execução, fora de R$ 9.000,00? Ou, tendo a sentença, na fase de conhecimento, condenado a parte vencida a pagar 20% da condenação, que àquele tempo era de R$ 10.000,00, deve o advogado receber os R$ 2.000,00, em razão da autonomia de seu direito?

Pensar assim, seria esvaziar o conteúdo material do direito aos honorários e retirar-lhe, sob esse prisma, substantivo, a autonomia.

Os arts. 23 e 24, § 1º do EOAB estão assim redigidos:

Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

§ 1º A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.

Não foi possível localizar arestos que tenham solucionado a questão proposta mediante a extinção do cumprimento de sentença do advogado, para o fim de aguardar a satisfação do direito do cliente no processo executivo, ou para aguardar a definição do valor devido à parte, mediante o trânsito em julgado da sentença que tenha julgado a impugnação.

Porém, foi possível detectar julgados onde o cumprimento foi suspenso para aguardar o desfecho da execução do chamado “principal”.

APELAÇÃO CÍVEL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – EXECUÇÃO AUTÔNOMA DO VALOR REFERENTE AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – FACULDADE DO EXEQUENTE – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 24 § 1º DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL DESNECESSIDADE DE CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO. ILIQUIDEZ DO VALOR EXECUTADO QUE IMPÕE A SUSPENSÃO DA DEMANDA EXECUTIVA E NÃO A SUA EXTINÇÃO - SENTENÇA ANULADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O direito de cobrar honorários é autônomo em relação ao crédito principal, sendo faculdade do advogado a oposição de cumprimento de sentença apenas para a receber o valor correspondente aos honorários advocatícios. Não tem ele necessidade de requerer o cumprimento de sentença em peça única, junto com o credor do principal, reconhecido na sentença que condenou o devedor e impôs, também, o pagamento da verba honorária, a qual pode ser recebida independentemente do valor do principal e por peça autônoma. Todavia, se existe dúvida sobre a extensão do valor do principal, que reflete no valor final dos honorários advocatícios, a hipótese é de suspensão do procedimento de cumprimento da sentença, até que ocorra o trânsito em julgado da decisão que definitivamente o fixar. Recurso conhecido e parcialmente provido para anular a sentença que decretou a extinção do processo, com retorno à origem, onde deverá aguardar a definição do valor final devido.

(TJ-MS - AC: 08014062220198120010 MS 0801406-22.2019.8.12.0010, Relator: Des. Dorival Renato Pavan, Data de Julgamento: 13/08/2020, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 20/08/2020)

IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO RESCISÓRIA. CUMULAÇÃO DA COBRANÇA DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS ARBITRADOS NA AÇÃO RESCISÓRIA COM O CRÉDITO PRINCIPAL DEVIDO NO FEITO ORIGINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO ACOLHIDA. Cumprimento de sentença que se limita à cobrança dos honorários sucumbenciais arbitrados na decisão que julgou procedente a ação rescisória, e aos honorários executivos fixados neste âmbito. Acolhida a impugnação para excluir a cobrança do crédito principal devido na execução originária, pois não integra o objeto da ação rescisória. Honorários advocatícios que, fixados em percentuais sobre o proveito econômico, consubstanciado no valor atualizado da execução, dependem, para sua cobrança, da apuração dos cálculos na execução originária para, somente então, ser possível calcular os percentuais dos honorários sucumbenciais e executivos aqui devidos.Impugnação acolhida, com suspenção do cumprimento de sentença até a apuração, definitiva, do valor exequendo no processo originário.IMPUGNAÇÃO ACOLHIDA. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. UNÂNIME.

(TJ-RS - Cumprimento de sentença: 70084812478 RS, Relator: Ricardo Pippi Schmidt, Data de Julgamento: 27/04/2021, Vigésima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 17/05/2021)

É de se concluir que, prevalecente a tese que sustenta os dois arestos acima transcritos, ao advogado é praticamente exigido esperar a finalização do cumprimento do crédito do cliente para iniciar o seu processo executivo.

Noutras palavras, por via transversa, força-se o advogado a não fazer uso de processo autônomo para executar seu crédito. Obviamente, o direito do advogado seria mais efetivo se incluísse a verba advocatícia sucumbencial no bojo do pleito executivo da parte.

Essa espécie de solução não fere o art. 23 do EOAB apenas no que diz respeito à titularidade do direito aos honorários sucumbenciais. A autonomia do direito foi gravemente violada. O direito abstrato de ação foi permitido, mas o direito material autônomo do advogado aos honorários sucumbenciais foi esvaziado em sua efetividade.

Apesar disso, também foi possível encontrar decisão em sentido diverso, considerando e respeitando a autonomia do direito do advogado, emprestando a máxima efetividade aos arts. 23 e 24, § 1º do EOAB. Vejam:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS – DIREITO AUTÔNOMO DO ADVOGADO – VERBA ALIMENTAR – CABIMENTO – INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE PRÓPRIO – I - Hipótese em que o MM. Juiz "a quo", em decisão anterior, determinou a instauração de incidente próprio para a execução em separado da verba honorária sucumbencial – Atendida a providência pelo advogado da parte vencedora, foi determinada a suspensão do incidente autônomo, até a satisfação do débito principal – Descabimento – II – Reconhecido que o advogado tem o direito autônomo de executar os seus honorários advocatícios sucumbenciais, de forma autônoma, podendo ser executada aludida verba nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, conforme a sua conveniência – Descabido o condicionamento da execução da verba honorária sucumbencial ao prévio pagamento do valor da condenação principal, ante a ausência de previsão legal neste sentido - Inteligência dos arts. 23 e 24, § 1º, da Lei nº 8.906/94, c.c. 85, § 14, do NCPC – Precedentes - Determinado o regular prosseguimento do incidente autônomo - Decisão reformada – Agravo provido".

(TJ-SP - AI: 22298231120178260000 SP 2229823-11.2017.8.26.0000, Relator: Salles Vieira, Data de Julgamento: 30/11/2018, 24ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/11/2018)

Resta aprofundar a análise sobre o dissenso pretoriano notado.

A Primeira Seção do STJ, apreciando o REsp 1.347.736/RS (Tema 608), aprofunda a questão da acessoriedade das verbas sucumbenciais nos seguintes termos:

1. No direito brasileiro, os honorários de qualquer espécie, inclusive os de sucumbência, pertencem ao advogado, e o contrato, a decisão e a sentença que os estabelecem são títulos executivos, que podem ser executados autonomamente, nos termos dos arts. 23 e 24, § 1º, da Lei 8.906/94, que fixa o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

2. A sentença definitiva, ou seja, em que apreciado o mérito da causa, constitui, basicamente, duas relações jurídicas: a do vencedor em face do vencido e a deste com o advogado da parte adversa. Na primeira relação, estará o vencido obrigado a dar, fazer ou deixar de fazer alguma coisa em favor do seu adversário processual. Na segunda, será imposto ao vencido o dever de arcar com os honorários sucumbenciais em favor dos advogados do vencedor.

3. Já na sentença terminativa, como o processo é extinto sem resolução de mérito, forma-se apenas a segunda relação, entre o advogado e a parte que deu causa ao processo, o que revela não haver acessoriedade necessária entre as duas relações. Assim, é possível que exista crédito de honorários independentemente da existência de crédito "principal" titularizado pela parte vencedora da demanda.

4. Os honorários, portanto, constituem direito autônomo do causídico, que inclusive poderá executá-los nos próprios autos ou em ação distinta.

5. Diz-se que os honorários são créditos acessórios porque não são o bem da vida imediatamente perseguido em juízo, mas não porque dependem, necessariamente, de um crédito dito "principal". Assim, não é correto afirmar que a natureza acessória dos honorários impede que se adote procedimento distinto do que for utilizado para o crédito "principal".

Esse precedente obrigatório foi beber em precedente persuasivo da Segunda Turma (AgRg no REsp 1.221.726/MA, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.5.2013), onde o Relator assevera que “Os honorários, contratuais e de sucumbência, constituem direito do autônomo do advogado, que não pode ser confundido com o direito da parte, tal como dispõe a Lei n. 8.906/94. Assim, não se pode considerar que a referida verba seja acessório da condenação”.

Noutra passagem, o Min. Humberto Martins afirma: “De fato os honorários, por força de lei, possuem natureza diversa do montante da condenação, ensejando em si força executiva própria, dando a seus titulares a prerrogativa de executá-los em nome próprio”.

O Min. Ari Pargendler, no REsp 1.335.366/RS, disse: “Os honorários sucumbenciais não são acessórios da condenação, formando capítulo à parte que tem força de título executivo judicial, apto a uma execução individualizada”.

Ao redigir o acórdão que definiu o Tema 608, o Min. Herman Benjamin assentou: “Sendo o advogado titular da verba de sucumbência, assumirá também a posição de credor da parte vencida, independentemente de haver crédito a ser recebido pelo seu constituinte, o que ocorre, por exemplo, nas ações declaratórias ou nos casos em que o processo é extinto sem resolução de mérito”.

No RE 564.132/RS, o Min. Eros Grau propôs evolução no pensamento da Excelsa Corte asseverando que “A verba honorária consubstancia direito autônomo, podendo mesmo ser executada em separado. Não se confundindo com o crédito principal, que cabe à parte…”.

No mesmo extraordinário, o Min. Menezes Direito explanou que “(...)ficará contraditório nós admitirmos que a verba é autônoma, que é uma verba alimentícia, e não autorizarmos o fracionamento, na medida em que, destacadamente, o credor dos honorários advocatícios é diferente do credor do principal. O argumento de que seria acessório não vale, porque na realidade a acessoriedade só existe se houvesse a mesma titulação, e a titulação é diversa”.

Em suma, já ficou claro que houve uma evolução significativa entre o art. 99 da Lei nº 4.215/63 (antigo EOAB) e os arts. 23 e 24, § 1º da Lei 8.906/94, rumo à autonomia do direito do advogado aos honorários advocatícios.

Mas é igualmente significativo o fato de o debate ter sido feito com centramento nos textos das normas infraconstitucionais tuteladoras da específica atividade advocatícia, com certa indiferença à constitucionalização da advocacia, ocorrida no interregno.

No entanto, mesmo que en passant, no aludido e representativo RE, o Min. Lewandowski afiançou que “Sem esta autonomia da execução dos honorários – que corresponde na verdade alimentar, como já foi destacado aqui -, é impossível que o advogado exerça de forma autônoma, de forma altiva o munus que a Constituição lhe impõe”.

As passagens acima lembradas, extraídas de julgamentos dos Tribunais Superiores, demonstram claramente que os honorários advocatícios sucumbenciais, obviamente, dependem do desfecho de uma outra relação jurídica da qual o seu titular não faz parte.

Porém, a partir do seu nascedouro, cujo marco é o trânsito em julgado da decisão que o fixou, o seu titular, o advogado, possui direito autônomo, em relação ao direito da parte, não havendo qualquer condicionante advindo do cumprimento de sentença da parte, salvo o caso de rescisória. Nesses casos, contudo, quando afetado, o advogado deve ser parte, obrigatoriamente.

Por sua vez, o art. 85 do CPC/15 não deixa margem para discussão acerca da titularidade dos honorários advocatícios. O § 14º deste dispositivo também ajudou a resolver um dos temas que no passado já foi objeto de preocupação: se os honorários sucumbenciais tinham natureza remuneratória ou indenizatória. Enquanto isso, o § 18º deixa ainda mais límpido o direito a um processo autônomo para a execução.

Mesmo assim, ainda há Tribunais suspendendo execuções de honorários advocatícios em razão de discussão entre a parte exequente (cliente) e o executado (parte vencida) a respeito de juros e correção monetária, verbi gratia.

Qual a consequência da aludida suspensão? Notadamente, os parâmetros da fixação dos honorários sucumbenciais deixaram de ser a sentença que fixou os honorários executados. Esta decisão estará sendo substituída pela decisão que vem a julgar definitivamente a impugnação ao cumprimento de sentença.

O que isso significa? Não significa outra coisa, senão a redução da efetividade do direito estabelecido nos arts. 23 e 24, § 1º do EOAB.

Sem a devida aplicação e sem a necessária efetividade muitos honorários sucumbenciais estão no limbo.

E “para não dizer que não falei das flores”, este é mais um duro golpe na advocacia brasileira.


  1. Somente pacificada em 2004, com o julgamento do Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 139.343-RS (origem do Enunciado 306 da Súmula 306 do STJ.

  2. Honorários Advocatícios, 3ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, págs. 703/792.

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Sobre o autor
Adir Machado Bandeira

Advogado. Fundador do escritório Adir Machado advogados associados. Foi Diretor de Controle Externo de Obras e Serviços do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE/SE), é bacharel em Direito, graduado em 1999 pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), quando aos 23 anos de idade também se tornou advogado. Como advogado atuou na defesa de diversas Câmaras Municipais e Prefeituras. Na qualidade de consultor jurídico, prestou serviços para os Legislativos junto ao Congresso Nacional e escreveu diversos pareceres, respondendo consultas de órgãos públicos e corporações privadas. No período de junho de 2009 a 2015 assessorou o Conselheiro Clóvis Barbosa, coordenando as atividades da 5ª Coordenadoria de Controle e Inspeção do TCE/SE. Entre 2008 e maio de 2009, assessorou o Governo de Marcelo Déda exercendo a função de controle interno na Secretaria de Estado da Educação, durante a gestão do Prof. Dr. José Fernandes de Lima. Em 2007, passou pela Assembleia Legislativa como assessor parlamentar. Entre os anos de 2000 e início de 2007, chefiou a Procuradoria da Câmara Municipal de Aracaju, capital do Estado de Sergipe. Durante sua trajetória como jurista lecionou Hermenêutica Jurídica, Filosofia do Direito, Ética Geral e Profissional e Introdução ao Estudo do Direito na UFS. Foi ainda professor de Direito Civil da Faculdade de Sergipe e da Faculdade de Administração e Negócios do Estado de Sergipe, com destaque para a disciplina Responsabilidade Civil. Além disso publicou diversos artigos científicos em áreas como o Direito Constitucional, Administrativo, Financeiro, Civil e Processo Civil. Durante sua fase de formação jurídica, lecionou História Geral e do Brasil em escolas particulares.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BANDEIRA, Adir Machado. A (in)efetividade dos arts. 23 e 24, § 1º do Estatuto da Advocacia - Honorários advocatícios sucumbenciais no limbo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7334, 31 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104140. Acesso em: 22 nov. 2024.

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