1. RELEVÂNCIA DO PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
É crucial destacar que o planejamento não é uma novidade no ordenamento jurídico, já que é um dos princípios fundamentais da Administração Federal desde 1967, conforme dispõe o art. 6º, inciso I do Decreto-lei nº 200, daquele ano, in verbis:
Art. 6º As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais:
I - Planejamento.
II - Coordenação.
III - Descentralização.
IV - Delegação de Competência.
V - Contrôle.
O planejamento é um vocábulo comum e nos remete à ideia de que as atividades humanas devem ser pensadas e preparadas com antecedência e não feitas de improviso[1]. Friederick Wislow Taylor, quando concebeu este princípio sob a ótica da organização industrial, no intuito de potencializar as atividades dos operários nas fábricas[2], certamente não teria noção de que o conteúdo jurídico deste princípio não fugiria muito desta compreensão.
À vista disso, em que pese ter sido elevado ao status de princípio jurídico apenas pela Nova Lei de Licitações e Contratos, Lei nº 14.133/2021, desde 1967 o planejamento já era um dos princípios fundamentais da Administração Pública.
Conforme Barral, “o planejamento cria uma visão global da situação e das alternativas existentes, possibilitando a gestão consciente dos recursos disponíveis e o afastamento dos riscos, mediante a elaboração de estratégias que otimizem os procedimentos e facilitem os resultados”[3].
Por conseguinte, ao contrário da praxe administrativa observada empiricamente, o planejamento não deve ser uma preocupação apenas da equipe que atua na fase preparatória do procedimento licitatório. Ao contrário! A fiscalização, enquanto dever da Administração, pode produzir efeitos preventivos e colaborar sobremaneira no planejamento das futuras contratações.
2. MOVIMENTO PACTO CONTRA A FOME
No dia 23 de maio de 2023, em São Paulo, ocorreu o lançamento oficial do Pacto Contra a Fome, que é um movimento suprapartidário e multissetorial que busca combater a fome e reduzir o desperdício de alimentos no Brasil.
Inconformados com a fome em nosso país, por meio da articulação e da inteligência, construindo sinergias entre o governo, o setor privado e a sociedade civil, o movimento almeja realizar uma mudança estrutural e permanente com o fito de chegar em 2030 sem nenhuma pessoa com fome no país e, em 2040, com toda a população bem alimentada.
Consoante informações levantadas pelo movimento, o Brasil produz cerca de 161 milhões de toneladas de alimentos por ano e 55 milhões de toneladas são desperdiçados anualmente. Isso significa que o país desperdiça oito vezes a quantidade necessária para alimentar os 33 milhões de pessoas que passam fome[4].
O Tribunal de Contas da União, através do ministro Bruno Dantas, participou da mesa de debate sobre políticas públicas. Em sua fala, o Ministro evidenciou que
Garantir a entrega de políticas públicas efetivas para o combate estrutural e permanente da fome requer, primeiramente, que o Estado assuma o compromisso de que o tema seja tratado como prioridade e que utilizemos o orçamento público de forma a direcionar os nossos recursos escassos para as pessoas que realmente precisam[5].
Para o Ministro Bruno Dantas, é preciso adotar uma estratégia abrangente, com o envolvimento de diferentes atores e aspectos relacionados à segurança alimentar. Entretanto, destacou que:
Para que as políticas públicas sejam efetivas, é necessária abordagem equilibrada, com ações governamentais que promovam o crescimento econômico e levem em consideração a responsabilidade fiscal e orçamentária, a estabilidade monetária e a qualidade do gasto público. Também é crucial que as políticas sejam bem formuladas e baseadas em dados confiáveis e tempestivos, além de serem adequadamente implementadas e avaliadas para que erros sejam corrigidos e evitar que as falhas se perpetuem. Nesse contexto, a atuação dos órgãos de controle, entre eles o TCU, desempenha papel essencial[6].
De fato, percebemos que a mais alta Corte de Contas do nosso país vem se engajando cada vez mais na análise das políticas públicas, compartilhando informações, fiscalizações e levantamentos relacionados a áreas como saúde, educação, cultura, agricultura e segurança, inclusive com a criação do Laboratório de Inovação e Coparticipação[7].
Nesse sentido, observa-se que o TCU tem envidado esforços para contribuir com o Pacto Contra a Fome no levantamento de dados para a construção de um mapa da fome, em especial no que se refere às políticas públicas.
Diante de tal contexto, vislumbra-se que, em todos os órgãos e entes da Administração Pública, o planejamento das contratações públicas, construído em conjunto com a gestão e fiscalização contratual, é um importante instrumento para o combate estrutural e permanente da fome, tendo em vista que uma contratação bem planejada tende a apresentar um resultado eficiente, evitando assim, desperdício de tempo, de recursos físicos e financeiros e, principalmente, lesão ao erário.
3. O PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES COMO INSTRUMENTO DE COMBATE ESTRUTURAL E PERMANENTE DA FOME
Em que pese não ser uma novidade na Administração Pública, o status de princípio concedido ao planejamento, reforça a ideia de uma Administração Gerencial que busca a eficiência nas contratações públicas e deve ser fator primordial na condução dos processos de contratação.
Deveras, durante a etapa de planejamento da contratação, a Administração deverá realizar uma série de atos, como Plano de Contratação Anual, Pesquisa de Preços, Estudo Técnico Preliminar, Mapa de Riscos, Termo de Referência, entre outros. Tudo no intuito de que o interesse público seja realmente satisfeito.
No tocante a aquisição de gêneros alimentícios para as mais diversas finalidades, como por exemplo, para a merenda escolar, após o planejamento a Administração buscará as condições de daquele fornecedor que apresente a proposta mais vantajosa, para aquisição desses alimentos.
Segundo estudo feito na Faculdade Laboro[8], geralmente o desperdício de alimentos pode estar ligado a quantidade da porção estabelecida para cada criança; cultura alimentar; influência alimentar de familiares; características sensoriais dos alimentos; tipo de cardápio; o horário da refeição; apetite do público consumidor; etc.
Consoante De Oliveira, o desperdício de alimentos pode ser evitado por meio de um planejamento adequado, para que excessos e consequentes sobras não aconteça na unidade. Nesse sentido, a identificação e a avaliação do desperdício são importantes para oferecer melhor qualidade de serviço e maior atenção nutricional[9].
Uma problemática surge neste ínterim, qual seja a aquisição de gêneros alimentícia de forma desordenada por falta de planejamento, o que, por óbvio, deve ser evitado.
Partindo-se da compreensão de que o objetivo maior do procedimento licitatório é a consecução do interesse público, aliada à observância dos primados princípios que regem a Administração, deve-se a adequar a necessidade à decisão para satisfazê-la, perfazendo assim um exame de razoabilidade, a fim de que seja evitado desperdícios.
Nesse ponto, cabe destacar que o reforço trazido pela Lei nº 14.133/2021 a uma ferramenta importantíssima, que o sistema de registro de preço, que se mostra um excelente instrumento auxiliar para a economia dos gastos públicos e para o cumprimento do princípio da economicidade nas licitações.
Notadamente, o sistema de registro de preços, ao desobrigar a Administração de adquirir o que não necessita, evitando que seja adquirido o alimento sem a devida demanda, o que, consequentemente, se mostra como uma ferramenta para o desperdício de alimentos, especialmente os perecíveis.
É necessário destacar este procedimento auxiliar em face do princípio da primazia do interesse público e da economia, pois uma contratação desnecessária, cujo bem não se possa utilizar ou da qual o serviço não possa ser prestado, significa a aplicação indevida de recursos públicos.
À vista disso, outra forma não há, senão desenvolver um bom planejamento da contratação de forma integrada com os setores de gestão e fiscalização de contratos, padronizando os processos de elaboração de rotinas e procedimentos técnicos operacionais, treinamento da equipe, utensílios utilizados no racionamento e monitoramento das atividades.
Isto é, a execução do contrato deve ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, de modo que este profissional (fiscal do contrato) na fase da concepção da contratação (planejamento) contribua com sua experiência e sugestões.
Nesse sentido o TCU no Acórdão nº 3.016/2015-Plenário recomendou que as considerações dos fiscais de contratos sejam devidamente apreciadas e aprimorem o instrumento contratual e editalício, pois:
(...), relativamente às suas aquisições, implemente controles internos no sentido de que o fiscal do contrato de determinada solução armazene dados da execução contratual, de modo que a equipe de planejamento da contratação encarregada de elaborar os artefatos da próxima licitação da mesma solução ou de solução similar conte com informações de contratos anteriores (séries históricas de contratos de serviços contínuos), o que pode facilitar a definição das quantidades e dos requisitos da nova contratação, semelhantemente ao previsto no art. 67, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 (item 9.3.3, TC-019.615/2015-9, Acórdão nº 3.016/2015-Plenário).
Portanto, uma das formas de evitar o desperdício de alimentos, é a designação do fiscal ainda na fase de preparo do certame, de modo que a sua experiência em contratações anteriores seja aproveitada na idealização da nova contratação, melhorando a redação do contrato e do edital, na correção da estimativa do objeto, nas rotinas de execução, bem como nos pontos que podem ser melhorados a partir das lições aprendidas pela observação da execução[10].
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, percebe-se que as gestões dos órgãos e entes públicos possuem, dentro dos limites estabelecidos nas normas gerais de licitações e contratos (Lei nº 8.666/93 e Lei 14.133/21), importantes instrumentos de auxílio às políticas públicas de combate à fome, notadamente, através de um bom planejamento da contratação e da gestão e fiscalização contratual.
Com efeito, por corolário lógico, se esta cautela for adotada pela Administração Pública, pode ser evitado o desperdício alimentar e, consequentemente, logra por combater a fome de forma considerável.
[1] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo – 5ª ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 111.
[2] TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. 8 ed. São Paulo: Atlas, 1990.
[3] Barral, Daniel de Andrade Oliveira Gestão e fiscalização de contratos administrativos / Daniel de Andrade Oliveira Barral. – Brasília: Enap, 2016.
[4] Pacto contra a Fome também busca reduzir o desperdício de alimentos | Agência Brasil (ebc.com.br)
[5] Ministro Bruno Dantas participa do lançamento do movimento social Pacto Contra a Fome | Portal TCU
[6] Ministro Bruno Dantas participa do lançamento do movimento social Pacto Contra a Fome | Portal TCU
[7] Laboratório de Inovação e Coparticipação do TCU
[8] Desperdício de alimentos em escolas públicas - Faculdade Laboro
[9] DE OLIVEIRA, T. et al. Porcionamento, consumo e desperdício em um restaurante escolar. Revista Univap, v. 18, n. 31, p. 71-77, 2012.
[10] Barral, Daniel de Andrade Oliveira Gestão e fiscalização de contratos administrativos / Daniel de Andrade Oliveira Barral. – Brasília: Enap, 2016.