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SUMÁRIO
1. ASPECTOS CONCEITUAIS
1.2 – Histórico das Operações de Choque
1.3 – Conceito de Operações de Choque
1.3 Breve histórico e conceito de atirador designado
1.3.1 – Histórico
1.3.2 – Aplicações conhecidas do “tiro de precisão” no combate individual
a) Franco-atirador
b) Caçador
c) Sniper
d) Atirador designado
2. ASPECTOS LEGAIS
2.1 - Disciplina sobre o uso de “lunetas”
2.2 - Teoria do erro aplicada ao confronto policial
2.2.1 – Erro essencial
2.2.2 – Descriminantes putativas
2.2.3 – Erro acidental 50
2.2.4 – Teoria do erro e o “tiro de precisão”
3. ASPECTOS OPERACIONAIS
3.1 Características essenciais do atirador designado
3.2 Dos conhecimentos fundamentais da função
a) Fundamentos do tiro de longa distância
b) Noções de balística
c) Aspectos operacionais da missão
d) Aspectos operacionais do terreno
e) Conhecimento técnico de armamento e equipamentos óticos e optrônicos
f) Ser um bom atirador não é tudo, mas apenas o começo!
Treinamento e aperfeiçoamento constante
3.3 Experiência operacional no ramo de sua expertise
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Este trabalho visa constituir uma parcela de contribuição, de forma bem didática, na atualização e no fortalecimento doutrinário do emprego cada vez mais complexo das forças policiais no contexto das Operações de Choque, estabelecendo parâmetros técnicos, legais e operacionais, assim como atribuindo ou corroborando alguns conceitos referentes ao “tiro de precisão” e seu modo de atuação inserido em uma Tropa de Choque.
O elemento ou ferramenta operacional atirador designado, em que pese não ser algo novo no campo do combate individual, especialmente nas guerras regulares e irregulares pelo mundo, na segurança pública vem ganhando contornos modernos e adequações à realidade policial, sobretudo nas tropas que constituem Forças Especiais do Estado no combate à criminalidade.
De forma sucinta, uma Tropa de Choque está inserida no contexto da segurança pública como uma fração de Forças Especiais, que via de regra, pela sua essência, tem seu emprego como “ultima ratio”, ou seja, após o esgotamento de todo o aparato estatal no enfretamento ao acervo mais violento e caótico em uma sociedade, e diante disso deve possuir todo tipo de ferramenta disponível para atingir seu objetivo, pois, em razão de constituir a última barreira entre a desordem e a paz social, sua falha pode representar a falência das instituições democráticas no âmbito estadual.
O emprego do elemento atirador designado vem para preencher uma lacuna que há tempos vem causando prejuízos irreparáveis para policiais, civis inocentes e para a sociedade como um todo. Trata-se da limitação do operador de observar e atingir alvos à médias ou longas distâncias com precisão, sem causar danos colaterais e sem correr maiores riscos do que a própria atividade já impõe. Além disso, existe a capacidade de sobrepujar o agressor apenas pela dissuasão, sem ao menos entrar em confronto direto, pois o simples conhecimento de que uma força policial possui um atirador treinado e equipado para revidar o uso da força “letal”, certamente causará temor no agressor, reduzindo seu ânimo de combater.
Portanto, como objetivo principal deste trabalho, será fornecer informações de cunho conceitual, legal e operacional para a inserção mais adequada do atirador designado no contexto das Operações de Choque, em especial, considerando a realidade criminosa do Estado do Rio de Janeiro.
Ademais, em que pese o foco deste artigo seja voltado para o emprego do atirador designado por uma Força Especial, isso não descarta a possibilidade da sua utilização por tropas policiais convencionais, desde que haja alinhamento da sua finalidade com o tipo de policiamento a ser executado, bem como haja por parte do operador o domínio dos fundamentos de tiro de longa distância, conhecimento sobre balística, conhecimento dos equipamentos a serem empregados, em especial o binômio arma-aparelho de pontaria, conhecimento dos aspectos operacionais do terreno de atuação e da missão, e o principal: preparo técnico, físico e psicológico inerente à atividade, os quais são adquiridos ou aperfeiçoados nos cursos e treinamentos específicos da atividade policial. Tais peculiaridades serão objeto de análise neste trabalho.
1. ASPECTOS CONCEITUAIS
1.2 – Histórico das Operações de Choque
O jargão no meio militar que caracteriza um Batalhão de Choque como a “verdadeira infantaria” faz jus à sua essência e origem, que historicamente coincide com a origem da arma de infantaria militar, que por sua vez, é quase tão antiga quanto a própria história das guerras.
O legado de gregos e romanos para as Tropas de Choque
Durante a Idade Antiga e a Idade Média em situações de conflito, os exércitos se enfrentavam empregando o embate corpo a corpo e alguns armamentos, como espadas, lanças e bastões, além de terem a proteção de escudos e armaduras, que se categorizavam como infantaria pesada e infantaria leve. A infantaria foi largamente utilizada no período clássico (séculos V e IV a.C.), tendo como exemplos mais conhecidos os hoplitas da Grécia Antiga e as legiões da Roma Imperial. Os gregos empregavam uma formação retangular e compacta chamada de falange, se utilizando de escudos e lanças. A legião romana, por sua vez, era ainda mais avançada na arte da guerra, e impressionavam pela sua capacidade de organização diante do conflito, pois subdividiam suas tropas em subgrupos, com estratégia e inteligência. Ambas as táticas lançavam mão de disciplina e coesão, impondo sua força e poder de combate.
É notório que essas estratégias, táticas e técnicas de combate influenciaram exércitos e forças policiais do mundo inteiro, sobretudo nas formações para operações de controle de distúrbios das Tropas de Choque atuais.
Surgimento das infantarias especializadas
No período moderno, com o surgimento e evolução das armas de fogo, adveio uma nova tática de formação militar, chamada de infantaria de linha, que estava armada com mosquetes de cano liso com baionetas. Em meio ao século XVIII, a infantaria leve ganha uma nova roupagem, lançando mão de uma técnica de combate que ficou conhecida como escaramuça. Era uma força militar que protegia o corpo principal da infantaria e tornou-se tão importante para qualquer exército no campo que foi desenvolvida por toda a Europa. Os soldados de infantaria leve eram implantados como vanguarda, guarda de flanco ou retaguarda para proteger uma posição tática ou um corpo maior de tropas amigas de avanços inimigos. Essa tática empregada parece ter sido o primeiro resquício do que consideraríamos nos dias atuais uma infantaria especializada, ou seja, com uma função específica e dotada de treinamento diferenciado, que como falaremos mais adiante, é uma característica, dentre outras, das Tropas de Choque da atualidade.
Infantarias especializadas pela mobilidade e poder de combate
Até a era moderna, as tropas de infantaria eram mobilizadas para o “front” de batalha a pé, de trem ou de navio, sendo essa última tropa de infantaria denominada, por algumas nações, de corpo de fuzileiros navais, que realizavam desembarque anfíbios. No período contemporâneo, o grande salto na revolução da mobilidade de tropa começou na década de 1920 com o uso de veículos motorizados, resultando na infantaria motorizada. Posteriormente, na Segunda Guerra Mundial, urge a necessidade de proteger os combatentes durante a locomoção, bem como avançar com rapidez e força nas linhas inimigas, surgindo então a infantaria mecanizada, que faz o uso de veículos blindados sobe rodas para transporte de tropa. Essa doutrina futuramente deu origem também à infantaria blindada, cujo emprego é de veículos blindados sobre lagartas para transporte de militares e para o combate. Também na Segunda Grande Guerra, é que foi implementado em larga escala o emprego de tropas de infantaria paraquedista, combatentes que saltavam de aeronaves militares em voo para se infiltrar profundamente à retaguarda das linhas inimigas e combater sob condições extremamente adversas, e assim desempenharam papéis fundamentais no decorrer dos conflitos, havendo grande destaque para um grupo de militares do 506º Regimento de Infantaria Paraquedista dos EUA: a famosa Easy Company, que obtiveram grande êxito combatendo na França (Operação Overlord – O dia D); na floresta das Ardenas, na Bélgica (Batalha do Bulge); e atuação no maior assalto aeroterrestre da história, na Holanda (Operação Market Garden), dentre outras atuações entre 1944 e 1945.
Ainda no período contemporâneo, tendo como marco a Guerra do Vietnã, houve o pioneirismo do uso de helicópteros pelos EUA, pois o terreno exigia uma nova forma de mobilidade das tropas em combate, ficando assim caracterizada a infantaria aeromóvel.
Essas são algumas modalidades de infantaria especializada que até hoje seguem constituindo os exércitos no Brasil e no mundo, legado da era moderna e que terão relevante influência na constituição e nas táticas das Tropas de Choque da era contemporânea.
As Tropas de Choque na era contemporânea
Na concepção do autor David C. Knight, na obra Shock Troops: The History Of Elite Corps and Special Forces, que em uma tradução livre significa Tropas de Choque: A História do Corpo de Elite e das Forças Especiais, atualmente quase todo exército avançado tem suas Tropas de Choque, que são forças militares mais treinadas, mais aptas e resistentes em comparação a uma tropa de infantaria comum ou convencional, e as tarefas árduas e perigosas são normalmente reservadas a elas. O autor cita o U.S. Marines (Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA) como uma das mais antigas formações sobreviventes de soldados de elite, tendo sua formação desde a Guerra da Independência norte americana (1776 - 1783) até seus feitos na Guerra do Vietnã (1955 - 1975). Destaca também a French Foreig Legion (Legião Estrangeira Francesa) como um corpo de elite há tempos estabelecido (1831), sendo uma das primeiras organizações modernas de Tropas de Choque, esses legionários colecionam ilustres batalhas que vão das selvas da África Ocidental até as regiões áridas do Saara, entre outros feitos em regiões da Espanha, Criméia, Itália, México, Extremo Oriente e Madascacar, que os fizeram ganhar uma mística de invencibilidade e bravura imprudente. Ele categoriza também como Tropas de Choque: o British SAS - Special Air Service (Serviço Aéreo Especial Britânico) com atuação brilhante no resgate de reféns na embaixada do Irã em Londres (Operação Nimrod, abril a maio de 1980); certas unidades das Waffen-SS alemã, que possivelmente herdaram o legado das táticas dos Stosstruppen e SS-Stoßtrupp na Primeira Grande Guerra; unidades de Commandos e dos Rangers norte americanos, além de outras Tropas de Choque de destaque pelo mundo ao longo da história que cita em sua obra.
A partir da Primeira Grande Guerra, em que pese a origem muito mais antiga, é que várias dessas tropas de elite começaram a ganhar notoriedade e o termo Tropa de Choque começou a possuir significado e importância nas missões dos exércitos.
Na Alemanha por exemplo, as Tropas de Choque, uma tradução livre da palavra alemã “Stosstruppen”, “Stoßtrupp”, “Stoßtruppen” (também chamadas de tropas de assalto), foram as formações criadas para liderar um ataque. Com o advento da Primeira Guerra Mundial, urge a necessidade de encontrar uma maneira de ganhar terreno no novo campo de batalha, que evidenciava a conhecida “guerra de trincheiras”. Forças militares do mundo lutavam com um conceito de guerra ainda não experimentado na escala em que foi introduzido. Quando a dinâmica do campo de batalha mudou com a Grande Guerra, trouxe consigo medidas para mitigar o impasse da “guerra de trincheiras”. Nesse contexto então, constituindo uma modalidade de infantaria especializada, as Tropas de Choque são projetadas para liderar um ataque pela frente com o objetivo de infligir pesadas baixas inimigas e danificar severamente as defesas.
São algumas Tropas de Choque de destaque na Primeira Guerra Mundial:
O Arditi
A Itália constituiu uma força que se chamava “O Arditi” e seus componentes eram conhecidos como “The Daring Ones” (os mais ousados), sendo a resposta militar a um inimigo profundamente entrincheirado. Sua principal estratégia era avançar sob a cobertura de uma barragem de artilharia precisa e, uma vez levantada, inundariam as trincheiras para apunhalar o inimigo no rosto. Sua missão não era apenas atacar suas posições com o objetivo de ganhar terreno, mas invadi-los e destruí-los. Muitos usavam como arma principal um punhal, daí o símbolo de sua bandeira: uma caveira com uma adaga apertada entre os dentes e seu lema era “O la vittoria, o tutti accoppati”, que se traduz aproximadamente como “Ou vencemos, ou todos morremos”.
Stosstruppen alemães
A Alemanha tem facilmente a mais famosa das Tropas de Choque da Primeira Guerra Mundial, e por uma boa razão. Os “Sturmbattalions” (batalhões de assalto da sua Tropa de Choque) ficaram conhecidos por seu estilo de luta agressivo e comando descentralizado. Essas unidades facilitaram para o exército alemão romper as defesas inimigas. Durante o decorrer da Primeira Guerra Mundial, foram implementadas as Tropas de Choque e desenvolvidas táticas de assalto para atacar pontos fracos nas linhas inimigas e romper a resistência dos combates nas trincheiras.
As conhecidas táticas de Von Hutier (táticas de infiltração) exigiam que unidades especiais de assalto de infantaria fossem destacadas das linhas principais e enviadas para se infiltrar nas linhas inimigas, visando tanto a frente quanto a retaguarda do inimigo, ignorando e evitando quais pontos fortes inimigos eles podiam, e se engajando em sua melhor vantagem quando e onde eram forçados, deixando o combate decisivo contra unidades contornadas para seguir a infantaria mais pesada. O que caracterizava essa força militar especial como uma infantaria leve. O objetivo principal dessas unidades destacadas era se infiltrar nas linhas inimigas e quebrar sua coesão o máximo possível. Essas formações ficaram conhecidas como Stosstruppen, ou Tropas de Choque, e as táticas que foram pioneiras lançariam a base das táticas de infantaria pós-Primeira Guerra Mundial, como o desenvolvimento de equipes de fogo.
São algumas Tropas de Choque de destaque na Segunda Guerra Mundial:
Os Rangers e os Marines americanos
As operações anfíbias e o desenvolvimento de técnicas de abastecimento aéreo deram às forças dos Estados na Segunda Guerra Mundial oportunidades de explorar as qualidades particulares das tropas de elite em terrenos tão diversos como o norte da África, as ilhas do Pacífico e a selva birmanesa. Inspirados principalmente pelas façanhas dos Comandos Britânicos e, em parte, pelos sucessos das WaffenSS de Himmler no início da guerra, alguns militares americanos começaram a considerar a viabilidades de formar pequenos grupos de ataque para compor unidades de assalto. Estas seriam unidades totalmente voluntárias e receberiam treinamento especial em táticas de ataque e retirada rápida. Usando seus próprios recursos sempre que possível, sua missão seria confundir, aterrorizar e desmoralizar o inimigo, desequilibrando-o, e sobreviver para fazer o mesmo outro dia. Atualmente os Rangers são um dos principais grupos de elite do exército americano, tendo participado de grandes operações de combate pelo mundo, como a Guerra do Iraque (2003 – 2011), um conflito em grande escala que aconteceu no contexto da Guerra ao terror, no Afeganistão (2001 – 2021).
O emprego dessas Tropas de Choque foi tão relevante e tão eficaz que elas não foram usadas apenas durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. O mesmo tipo de doutrina tática foi amplamente defendida por diversas outras tropas de elite pelo mundo, podendo citar os Jagdkommandos austro-húngaros.
Cada exército no mundo concebeu suas Tropas de Choque para um determinado tipo de missão de acordo com a situação vivida na época, a necessidade operacional, a força do inimigo, etc., mas todas elas têm algo em comum que são características básicas encontradas até os dias atuais:
Especialização;
Elevado grau de adestramento;
Sentimento de cumprimento do dever;
Alto índice de êxitos nos combates;
Designada para as missões mais complexas e árduas, com o fim de dar um outro rumo à guerra ou mesmo criar vantagens para que as tropas convencionais possam sobrepujar o inimigo, com o aproveitamento do êxito nos combates.
Tropas de Choque na atuação em operações de controle de distúrbios
Cabe inicialmente salientar que operações de controle de distúrbios, sigla OCD (em algumas forças é chamado de controle de distúrbios civis, sigla CDC), não se confunde com o conceito de Operações de Choque. Na era contemporânea, aos moldes das Forças Armadas, as Forças Singulares (militares estaduais) estabeleceram suas Tropas de Choque de forma bem peculiar, criando unidades ou grande unidades (comandos intermediários) especializadas em Operações de Choque: os Batalhões de Polícia de Choque – BPChq ou Comandos de Policiamento de Choque – CP Choque (que contempla várias unidades com essa expertise em um único comando intermediário). Essas unidades foram concebidas para se imbuir de árduas missões no contexto da segurança pública, agregando todas as características das Tropas de Choque pioneiras pelo mundo.
A título de exemplo de constituição de uma dessas unidades, tem-se o BPChq do Rio de Janeiro, que teve como origem o Pelotão Motorizado, criado em 13 de fevereiro de 1941. Em 13 de setembro de 1941, se tornou a Companhia de Metralhadora Motorizada. Em 16 de julho de 1963, foi denominado Batalhão Motorizado. Em 24 de Julho de 1968, passou a se denominar Batalhão de Choque. Em 05 de outubro de 1971, foi criado o Regimento de Choque, resultante da fusão do 1º Regimento de Cavalaria com o Batalhão de Choque. Em 15 de março de 1975 os estados do Rio de Janeiro e da Guanabara se fundem e passam a formar o Estado do Rio de Janeiro. Com esta fusão a PMRJ e PMEG se unificaram formando a PMERJ, e a unidade passou a ser dedignada como Batalhão de Polícia de Choque. Por meio do Decreto-Lei nº 92, de 06 de maio de 1975, se estabeleceu no art. 36, § 2º - “O Comandante-Geral da Polícia Militar terá como força de reação, no mínimo, um Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) especialmente instruído e treinado para as missões de contraguerrilha urbana e rural, o qual será usado, também, em outras missões de policiamento.” Nos anos de 1982 até o final da década de 1980, o BPChq sedeou e teve subordinado administrativamente o Núcleo da Companhia de Operações Especiais (NuCOE), fazendo parte orgânica da Unidade. O NuCOE recebeu a partir de então a designação de Companhia de Operações Especiais (COE), que se tornaria em 1991 uma unidade independente (BOPE) e instalada fora das dependências do BPChq. O Batalhão de Polícia de Choque da PMERJ fica sedeado no Regimento Marechal Caetano de Faria, no Centro do Estado.
Os exércitos e as forças estaduais de segurança pública passaram a dotar seus agentes de treinamento e equipamento para atuar em situações de grave perturbação da ordem pública geradas por movimentos populares violentos formados por turbas. Essas turbas eram em grande parte compostas por agitadores, radicais políticos e até por guerrilheiros, que em campo aberto, infligiam o embate civil com as forças do Estado, e por essa razão, alguns chamavam esses eventos de distúrbios civis, hoje o termo CDC (controle de distúrbios civis) é considerado tecnicamente equivocado, pois uma Tropa de Choque não atua somente em distúrbios civis, e sim em distúrbios de qualquer natureza, que inclusive podem ser militares (crimes relacionados à motim). Atualmente, muitos desse embates com as forças policiais são orquestrados por grupos organizados para esse tipo de confronto, empregando uma tática que ficou conhecida como “Black Bloc”.
No âmbito da segurança pública no Brasil, bem como em vários países no mundo, a tropa de elite designada para atuar nesse tipo de evento foi a Tropa de Choque, que eram forças militares especiais orgânicas dos BPChq ou CP Choque, e que diante desse novo tipo de conflito, se valendo de toda doutrina e legado de sua origem como infantaria, desde as legiões romanas e as falanges gregas, bem como de outros exércitos da era medieval, fez surgir um conjunto de táticas militares chamado de operações de controle de distúrbios. Nele prevalece a característica de infantaria pesada em razão do equipamento de proteção, quantidade de armamento empregado e veículos pesados especiais, sendo atualmente a maioria deles blindados.
O emprego das novas táticas de controle de distúrbios pelas Tropas de Choque se mostrou tão eficaz, que essa função se tornou a essência das unidades de choque no Brasil e no mundo, e as forças militares do país, em sua maioria, incluindo as Forças Armadas, adotam a simbologia (heráldica militar) do elmo coríntio e elmo medieval dos cavaleiros de exércitos das antigas legiões para identificar o “guerreiro choqueano”. Atualmente as OCD são consideradas uma função específica dos Batalhões de Choque ou dos Comandos de Policiamento de Choque, mas nesse caso, por ser o aparato mais caro do Estado para esse tipo de conflito, dentre outras questões de cunho técnico e legal, atua somente como “ultima ratio regis”, havendo sempre uma primeira resposta ao conflito ou possibilidade de conflito por parte de unidades policiais convencionais.
Por fim, semelhante ao que ocorreu na história das Operações de Choque pelo mundo, em que cada exército concebeu sua Tropa de Choque para determinada finalidade, a polícias militares criaram suas Tropas de Choque para missões especiais a depender do contexto histórico na segurança pública, da criminalidade enfrentada, bem como da própria geografia do estado. É comum no imaginário popular, e até de militares, associar uma Tropa de Choque exclusivamente a controle de distúrbios.
Nem toda unidade de choque foi criada para atuar em OCD, muito pelo contrário, as Operações de Choque pelo mundo são muito mais antigas que as operações de controle de distúrbios. Mesmo no Brasil, a exemplo do BPChq do Rio de Janeiro, que foi criado como Pelotão Motorizado em 1941, e sua designação atual datada de 1975, no contexto do regime militar, não foi concebido para operações controle de distúrbios, e sim para atuar como missão precípua na contraguerrilha urbana e rural. Apenas com o decorrer dos anos, provavelmente com o fim do regime militar, é que a Unidade assumiu o protagonismo, outrora das Forças Armadas, em operações de controle de distúrbios na segurança pública.
Infantaria de Choque
Desde o início da história das guerras e da própria infantaria, o que se mantém até os dias atuais, os exércitos no mundo fazem uma divisão genérica da infantaria em sendo leve e pesada, além da divisão em espécies, que são as infantarias especializadas (exemplos: motorizada, mecanizada, blindada, paraquedista, de selva, aeromóvel etc.).
Na atualidade, inserida no conceito moderno Operações de Choque e de acordo com suas missões peculiares, uma Tropa de Choque exerce funções com ambas as características. De infantaria leve, por exemplo, quando a missão é assalto ou infiltração em terreno hostil, retomada e intervenção de territórios conflagrados etc. De infantaria pesada, por exemplo, quando a missão é de restabelecimento da ordem em distúrbios civis ou militares de grande proporção.
Logo, em especial no contexto da segurança pública, não se pode classificar uma Tropa de Choque da atualidade como sendo de infantaria leve ou pesada, pois em razão das peculiaridades das suas missões, tem característica híbrida. De certo que o mais adequado é categoriza-la com uma infantaria especializada, assim como as supracitadas, pois tem funções peculiares, sendo sua designação como infantaria de choque.
1.3 – Conceito de Operações de Choque
Após um breve histórico da origem das Tropas de Choque pelo mundo, partiremos para o estudo do conceito moderno de Operações de Choque.
Operações de Choque (Op Chq) são ações militares que estão inseridas em um contexto de Operações Especiais (Op Esp), cuja finalidade é restabelecer a ordem severamente comprometida, atuando em missões complexas, de alto valor operacional ou que superem a capacidade técnica da tropa de polícia convencional. O cerne das Tropas de Choque é a superioridade relativa.
Para compreender a necessidade do seu campo de atuação, tomamos por base o conceito desta última consignado no Manual de Campanha EB70-MC-10.212 Operações Especiais, do Exército Brasileiro (EB), in verbis:
Operações Especiais
Operações conduzidas por forças militares especialmente organizadas, treinadas e equipadas, em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis, visando a atingir objetivos militares, políticos, psicossociais e/ou econômicos, empregando capacitações militares específicas não encontradas nas forças convencionais. Podem ser conduzidas de forma singular, conjunta ou combinada, normalmente em ambiente interagências, em qualquer parte do espectro dos conflitos.
No Exército Brasileiro essas forças são designadas no citado manual como frações de Forças Especiais, Comandos e seus apoios. Continuando a definir o que são Forças de Operações Especiais, o manual assevera:
As F Op Esp, em termos gerais, podem ser caracterizadas por serem tropas de altíssimo desempenho que realizam missões especiais baseadas em suas capacidades específicas.
Também são consideradas F Op Esp as tropas especiais análogas das demais Forças Singulares. (grifei)
Forças Singulares ou coirmãs das forças armadas são as polícias militares dos Estados, que também possuem tropas com essas características dentro de suas missões constituídas. Conforme coaduna o Manual Técnico de Operações de Choque do BPChq da PMERJ, Op Chq compõem-se nas atividades com as características de Op Esp acima elencadas e com atribuição definida em sua esfera de especialização, no âmbito da segurança pública, qual seja:
o Operações de controle de distúrbios (OCD);
o Patrulhamento Tático Motorizado ou Blindado de Alto Risco (Ptr Mtz A.R./ Ptr Bld A.R.);
o Operação de Reintegração de Posse em Ambiente Rural e Urbano (Op Re P);
o Intervenção Tática em Recinto Carcerário;
o Segurança de Instalações Sensíveis;
o Retomada de Instalações Invadidas;
o Resolução e Gestão de Incidentes Críticos em Grandes Eventos e Praças Desportivas;
o Intervenção em Áreas Conflagradas;
Em razão das peculiaridades das missões de Op Chq, o BPChq do Rio de Janeiro está subordinado ao Comando de Operações Especiais (COE): Comando Intermediário, do qual também fazem parte outras 04 Unidades Especiais da PMERJ (BOPE, GAM, BAC e CIEsPP), cada uma com suas missões específicas no âmbito de suas especializações. Outras polícias militares pelo Brasil também adotam organização semelhante, bem como em alguns Estados a coordenação das Operações Especiais é feita por intermédio de um Comando de Policiamento de Choque (CP Choque), e subordinada a este estão as outras Unidades Especiais.
O Manual de Operações de Choque da PMES traça um paralelo das operações especiais com a polícia de choque trazendo à baila um conceito de superioridade relativa, usada constantemente nas operações desencadeadas pela Tropa de Choque: “Basicamente a superioridade relativa é uma condição que se instala quando uma força de ataque, geralmente em menor número do que a defesa, obtém uma vantagem decisiva sobre um inimigo mais bem posicionado na defensiva.”
Nas ações militares desenvolvidas por qualquer F Op Esp, especialmente por uma unidade de choque, quase sempre haverá superioridade absoluta de oponentes, sejam eles criminosos em territórios conflagrados, rebelados em presídios ou turbas em distúrbios de qualquer natureza, em relação ao número de policiais. Com isso, é de extrema relevância trabalhar bem esse conceito e aplicá-lo na prática. A Legião Estrangeira Francesa, como supramencionado, uma das mais bem sucedidas Tropas de Choque do mundo, angariou sua mística de invencibilidade causando temor nos inimigos, algumas vezes os dissuadindo do combate, mesmo estando em menor número que exércitos comuns, isso é um exemplo de superioridade relativa. “Quando se vence um inimigo sem precisar lutar, é que se atinge a suprema arte da guerra” (Sun Tzu).
Uma Tropa de Choque, mesmo em condições extremamente adversas, mesmo em menor número, e mesmo em condições climáticas ou em terrenos desfavoráveis, devem ser capazes de dissuadir seus oponentes para atingir o êxito na missão.
O ambiente operacional que está inserido o elemento de Op Chq é volátil, complexo e de alto risco. Nesse cenário, coadunando com o citado Manual de Operações Especiais do EB, “muitas situações de conflito são caracterizadas por sua longa duração, natureza crônica, baixa intensidade e impacto difuso”.
No Rio de Janeiro, como determina o dispositivo legal do art. 36, § 2º do Decreto-Lei nº 92/75, o BPChq é uma força de reação, e por isso deve atuar precipuamente em caráter repressivo, e em caráter preventivo apenas em quando a capacidade técnica das unidades convencionais for superada:
“O Comandante-Geral da Polícia Militar terá como força de reação, no mínimo, um Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) especialmente instruído e treinado para as missões de contraguerrilha urbana e rural, o qual será usado, também, em outras missões de policiamento”.
Em termos práticos, significa atuar em ambientes hostis, negados e/ou politicamente sensíveis, dentre outras características para atuação de uma fração de Forças Especiais.
Como afirmado anteriormente, as Operações de Choque como tropa de infantaria especializada, tem característica híbrida no campo da segurança pública. Em sua vertente predominante: a de infantaria leve, é possível encontrar similaridade de suas ações em doutrina militar de força coirmã. Como preconiza o Manual do EB IP-7-35 (Infantaria Leve), no capítulo que trata das Operações Especiais, em generalidades:
Por sua própria natureza e destinação, as unidades de infantaria leve deverão estar aptas a cumprir missões que, por suas características, por exigirem emprego de material, armamento e equipamento especiais e, ainda, por serem desenvolvidas em áreas que requeiram o emprego de técnicas de combate peculiares às mesmas, são consideradas especiais, tais como:
(1) operações aeromóveis (principalmente o assalto aeromóvel);
(2) ataque noturno;
(3) infiltração;
(4) incursão;
(5) montagem de emboscadas;
(6) contraguerrilha;
(7) isolamento de uma localidade;
(8) ataque com transposição de curso de água;
(9) substituição;
(10) operações desenvolvidas em áreas urbanas;
(11) defesa de uma localidade.
O citado manual elenca um rol exemplificativo de missões com natureza de Op Esp, alicerce das tropas de infantaria leve, pois a tropa de infantaria leve não atua somente nesse sentido, mas encontra nas operações com características especiais o seu campo de atuação mais fértil, sendo a emboscada, a infiltração e a incursão atividades correntes e familiares a cada um de seus integrantes. Ademais, o ambiente noturno deve ser sua aliada e um fator determinante para o êxito de suas ações.
Diante disso tudo, ¬¬o policial cursado em Operações de Choque deve estar alinhado com as doutrinas supramencionadas, muitas que remetem à suas origens, devendo ser treinado e especializado como elemento de infantaria leve para atuação em todos os ambientes do seu Estado, nas ações de:
Contraguerrilha urbana e rural;
Helitransporte e infiltração aérea;
Tiro de longa distância - atirador designado;
Incursão e estabilização em ambiente confinado;
Maneabilidade em ambiente aquático;
Operações em altura;
Choque Rápido no interior de área conflagrada (choque armado)
Defesa contra emboscada, armadilhas em geral, alto explosivos e baixo explosivos.
Como elemento de infantaria pesada, o cursado em Operações de Choque deve dominar as ações de:
Choque Pesado (Emprego de VLA, VBTP, outros veículos especiais de controle de distúrbios, exoesqueleto, EPI e EPB específico, toda Tecnologia de Menor Potencial Ofensivo - TMPO);
Operações, patrulhamento e maneabilidade com veículos blindados (VBTP e VBC).
Com esse tipo de treinamento o elemento de Op Chq estará apto a enfrentar as adversidades e o cenário mais caótico da segurança pública quando necessário, entregando uma resposta qualificada para o restabelecimento da ordem em qualquer ambiente do Estado. Na PMERJ o cursado em Operações de Choque (COPC) é designado como Castelo.
O elmo remete ao tradicional símbolo dos cavaleiros da era medieval, na posição frontal significa que o guerreiro avançará na luta, independente do inimigo, sem recuar; o escudo remete a uma defesa intransponível; a espada representa a justiça buscada no combate, além da referência a uma das principais armas dos cavaleiros medievais; as garruchas cruzadas remetem à uma tropa de infantaria policial militar; as quatro torres representam o castelo, sua defesa na era medieval podia ser considerada o último recurso do rei (ultima ratio regis); e os louros representam a vitória.
Assim como ocorreu no Rio de Janeiro na década de 1980, em vários estados pelo Brasil as unidades de polícia de choque (BPChq ou CP Choque) foram embrionárias de unidades de operações especiais, que em alguns casos se tornaram batalhões independentes. Na PMCE, na década de 1980, sua Tropa de Choque possuía companhias operacionais responsáveis pelas seguintes áreas de especialização: patrulhamento urbano, patrulhamento rural, gestão de multidões e operações especiais. Apenas em 2019, quando se tornou uma grande unidade (comando intermediário): o CP Choque, é que passou a possuir quatro batalhões oriundos das subunidades do antigo BPChq, sendo: Comando Tatico Motorizado – COTAM; Batalhão de Polícia de Choque – BPChq; Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e Batalhão Especializado em Policiamento no Interior – BEPI.
Outros exemplos de unidades de choque que foram embrionárias de operações especiais são: PMDF – na década de 1980 o Pelotão de Operações Especiais (PELOPES) era orgânico da Companhia de Polícia de Choque (CPChoque); PMSE – por uma Portaria do comando geral em 2008 criou o Batalhão de Polícia de Choque com a seguinte estrutura: 1ª Companhia de Polícia de Choque, responsável por operações de controle de distúrbios; 2ª Companhia de Polícia, responsável pelo Policiamento Tático Motorizado (Força Tática); 3ª Companhia de Polícia de Choque, responsável pelo policiamento de operações com cães (canil); e a 4ª Companhia de Operações Especiais, Cia orgânica do BPChq; PMSC – as atividades de Polícia de Choque possuem origens remotas, na década de 1970, com base no antigo Pelotão de Operações Especiais (PELOPES). Essas foram algumas das várias forças policiais pelo Brasil que tiveram ou ainda mantém as operações especiais sob a gestão ou coordenação, por meio de unidades de choque embrionárias ou comandos intermediários de choque.
1.3 Breve histórico e conceito de atirador designado
1.3.1 – Histórico
O emprego do atirador designado em combate ganhou notoriedade com a guerra ao terror (Afeganistão – 2001 a 2021), apesar da adaptação do emprego do sniper realizada nos combates de guerrilha no Vietnã (contexto da Guerra-fria -1959 e 1975) e na Operação Tempestade no Deserto, (Guerra do Golfo - Iraque -1990 a 1991).
A configuração do terreno no Afeganistão: região montanhosa, vale e campos abertos, resultou no aumento da distância no combate. Nesse cenário o soldado de infantaria norte americano, equipado com fuzil plataforma AR e aparelho de pontaria com 01x de zoom (mira holográfica) ou mesmo com 04x de zoom com auxílio de magnificador, conseguia ter eficácia nos confrontos até 300 jardas (274 metros), além dessa distância, eles ficavam limitados pelo alcance de suas visadas. Em seu apoio, era empregado o elemento de sniper, entretanto seu conjunto arma-aparelho de pontaria garantia eficácia a distâncias acima de 660yd (600m) até 1.300yd (1.200m), a depender do calibre utilizado, além disso, sua doutrina de emprego era de atuação isolada em busca de alvos de valor e não como elemento de infantaria inserido em um pelotão. Foi então que surgiu o DMR - designated marksman rifle (rifle de atirador designado) e se consolidou um novo conceito no combate contemporâneo. Com o objetivo de suprir essa lacuna no combate, soldados de infantaria foram especialmente treinados no “tiro de precisão” para garantir eficácia nos acertos em alvos entre 300m a 600m: a faixa intermediária entre um fuzil de assalto de infantaria e um rifle de sniper.
Assim, o atirador designado passou a compor o pelotão de infantaria, cobrindo seu avanço. Quando tropas do exército americano estavam a progredir nas montanhas e eram flagelados constantemente por membros da Al-Qaeda que se encontravam em posições bem preparadas, o emprego do atirador designado foi fundamental para apoiar os deslocamentos. Estes tinham como principal missão destruir posições de metralhadoras pesadas e de morteiros.
1.3.2 – Aplicações conhecidas do “tiro de precisão” no combate individual
“Tiro de precisão” existe?
Inicialmente, antes das conceituações que seguirão, cabe ressaltar que o termo “tiro de precisão”, hora empregado neste artigo entre aspas, com a devida vênia a outros estudiosos do campo, se deve ao fato de ser uma designação equivocada no meio militar e policial. Isso porque todo tiro deve ter precisão! Mesmo em situações bem específicas e pontuais nas quais técnicas de combate suscitam empregar “cortina de fogo” com armamento de emprego coletivo (normalmente metralhadoras), para garantir proteção ao avanço de tropas, deve-se buscar atingir, ao menos, os locais onde os inimigos estão homiziados. Via de regra, independentemente do calibre ou arma utilizados, seja no combate individual ou coletivo, emprego de fogos de artilharia ou bombardeio aeroterrestre, é necessário atingir o alvo com precisão, sendo, desta forma, mais adequado a utilização do termo tiro de longa distância.
Isso é claro, visando a maior de eficácia no combate (máximo de acertos no alvo com mínimo de desperdício de munição). Como se trata de um termo consolidado em diversas doutrinas, quando “tiro de precisão” for empregado neste trabalho será colocado entre aspas, caracterizando que é um termo equivocado, e pela mesma razão não será empregado aqui o termo “fuzil de precisão”, também usado erroneamente no meio policial. A precisão do tiro é alcançada com a união de diversos fatores, não importando se é fuzil, pistola ou metralhadora, fatores os quais serão abordados neste trabalho.
Disparo x tiro
Outro ponto nevrálgico é a diferenciação entre disparo e tiro. Bastante comum essa confusão, até por estudiosos da segurança pública, muito em razão da disseminação equivocada dos meios midiáticos.
Disparo É o acionamento do mecanismo de disparo da arma de fogo, basicamente composto por: gatilho, tirante do gatilho, martelo ou cão, armadilha, percussor, alavanca de disparo, molas (podendo variar de acordo com a arma). Mesmo uma arma sem munição pode ser disparada “a seco”. Em uma arma carregada, quando o percussor atinge a espoleta do cartucho e este detona, ocorre um disparo eficaz.
Tiro Após um disparo eficaz, quando o projétil é expelido do cano da arma pela expansão dos gases é que ocorre o tiro. Logo, todo tiro é oriundo de um disparo, mas nem todo disparo irá ocasionar um tiro. Se o projétil permanece no cano da arma por qualquer motivo (exemplo de incidente de tiro), ainda não haverá um tiro.
Diante disso, é cientificamente impossível alguém ser alvo de disparos de arma de fogo (no jargão policial se diz alvo de “D.A.F.”), o que é possível, no entanto, é ser alvo de P.A.F. (projétil de arma de fogo). Da mesma forma, não podemos falar em buscar “precisão dos disparos”, “perder disparos”, “alcance dos disparos”, “atingido por disparos”, “agrupamento dos disparos”, todos termos tecnicamente equivocados.
Conceituado as funções mais aplicadas de atirador
Existe no universo da segurança pública e na atividade militar uma gama de especificidades na atividade de “tiro de precisão”, em razão das múltiplas funções de equipes táticas das diversas forças de segurança.
De uma forma geral, o atirador de “precisão” é um elemento normalmente (mas não é regra) de forças especiais (atividades militares) ou grupos táticos (atividades civis), que tem habilidades especiais, treinamento e equipamentos adequados para o cumprimento de suas missões. Tem como desígnio fornecer fogo discriminatório de longo alcance contra alvos estáticos ou em movimento, que se apresentem como elementos adversos (inimigos, criminosos, terroristas etc.) e que não podem ser engajados com sucesso com armamento e equipamento comuns devido ao alcance, tamanho do alvo, localização, natureza fugaz ou visibilidade. Passaremos a definir de forma básica as vertentes mais conhecidas do ramo desta atividade.
a) Franco-atirador
Aquele que compõe um corpo irregular de tropa, atua por algum objetivo sem pertencer a qualquer organização do poder público e normalmente opera de forma independente, buscando atingir alvos aleatórios.
b) Caçador
Conforme definido no IP 21-2 (Manual de Caçador do Exército Brasileiro), o caçador é um "sistema de armas" de extrema valia para as forças militares (federais e estaduais) e órgãos de segurança pública civis (policias civis), sendo de suma importância no atual cenário mundial eivado de conflitos regionais, terrorismo e violência urbana. No contexto do emprego da Força Terrestre (Exército) o caçador é um multiplicador de combate eficiente à disposição de um comandante. A filosofia para o emprego do caçador pode ser traduzida pela seguinte frase: "Um tiro, uma baixa".
Nas Forças Armadas esse atirador cria baixas entre as tropas inimigas, retarda o movimento inimigo, assusta os soldados inimigos, diminui o moral e adiciona confusão às suas operações. A missão secundária desse atirador é coletar e relatar informações do campo de batalha. Essa atividade requer o desenvolvimento de habilidades básicas de infantaria com um alto grau de perfeição. O treinamento de desse atirador incorpora uma ampla variedade de assuntos projetados para aumentar seu valor como multiplicador de força e garantir sua sobrevivência no campo de batalha. Requer também aprender e praticar repetidamente essas habilidades até dominá-las.
São especialistas na condução de procedimentos de infiltração/exfiltração, valendo-se da dissimulação para alcançar seus objetivos, cabe a esses atiradores a tarefa de minar a disposição de lutar do elemento adverso mediante eliminação de alvos específicos ou alvos de oportunidade que tenham relevância nos quadros operacionais da força oponente.
c) Sniper
A denominação sniper possivelmente é a mais conhecida no meio policial e midiático. Isso se deve ao fato da maior parte da doutrina sobre o assunto ser produzida nos EUA, onde a denominação oficial é utilizada. O sniper é o atirador policial ou militar conhecedor de técnicas individuais de combate, especializado em executar tiros seletivos de longa distância (acima de 600m) com a exatidão necessária para eliminar alvos escolhidos pela importância de suas funções e/ou pela dificuldade de serem engajados por outros meios. O sniper policial tem como uma das missões principais executar o “tiro de comprometimento” em ocorrências que envolvam reféns ou apoiar os grupos de assalto com cobertura de fogo, executando tiros em alvos específicos e mediante ordem. Via de regra atua de forma isolada do pelotão de infantaria ou grupo de combate. Embora alvos humanos sejam mais corriqueiros, não é incomum que os sniper recebam ordens para alvejar alvos materiais com o objetivo de destruí-los ou inutilizá-los. O sniper deve ser altamente treinado em tiro de longo alcance com rifle e possuir habilidades de artesanato de campo para garantir o máximo de combates eficazes com o mínimo de risco.
d) Atirador designado
O atirador designado é a função de atirador especial militar inserido em um pelotão ou grupamento de infantaria com a missão de complementar sua tropa, fornecendo fogo preciso de longa distância contra alvos a distâncias de até 600 metros (660 jardas). Esse atirador especial estará equipado com um fuzil ou uma carabina de plataforma semiautomática, e deve possuir a capacidade de realizar tiros de qualidade acima da média do desempenho dos atiradores comuns. Uma de suas principais características é a possibilidade de atuar no apoio de fogo com rápido engajamento de múltiplos alvos no combate individual, pois este combatente, via de regra, não deverá se preocupar com a “clicagem” ou ajuste do aparelho de pontaria (mira telescópica) e sim deve atuar obtendo o máximo de informações do retículo de sua mira com a finalidade de realizar a compensação dos tiros à longas distâncias, caso seja necessário.
Atirador Designado da Tropa de Choque
No contexto do emprego da Tropa de Choque nas operações em terreno hostil às forças de segurança pública, como as favelas do Estado do Rio de Janeiro ou em qualquer ambiente urbano ou rural, o Atirador Designado da Tropa de Choque é sobretudo um garantidor da segurança contra emboscadas ou inferioridade tática no combate, bem como um transmissor de informações eficientes à disposição de um comandante de operação, para o qual reporta todos os dados coletados. Aqui é importante traçar o que caracteriza um Atirador Designado da Tropa de Choque, que é a possibilidade de atuar de forma híbrida, sendo:
I) Atuação típica: atiradores são inseridos como uma equipe ou grupo de atiradores, que no BPChq/ RJ é chamado de Grupo de Observação e Segurança, em um pelotão de infantaria leve, atuando como satélite e apoio de fogo em terrenos hostis, nos quais prevalecem a conduta de patrulha para o avanço no objetivo e cumprimento da missão;
II) Atuação em OCD: nesse tipo de cenário, esse atirador especial, compondo um Grupo de Observação e Segurança, terá como função coletar e fornecer dados partindo de uma posição privilegiada no teatro do operações, ao comandante da operação e/ou ao gerente da crise, e, em última análise, empregar o atirador designando para atingir alvos, sob comando, que estejam atacando ou na iminência de atacar a Tropa de Choque com ameaças potencialmente letais como: armas de fogo, explosivos etc., sem, contudo, jamais atirar contra uma multidão, devendo apenas buscar alvos isolados, minimizando os riscos de danos colaterais. Essa forma de atuação será melhor abordada no subcapítulo sobre os aspectos operacionais da missão do atirador designado.
Cabe ratificar que um policial da Tropa de Choque, como elemento de infantaria, atua com característica hibrida (leve e pesada), e, portanto, esse atirador especial deverá se adequar às diversas formas de emprego no contexto das Operações de Choque. Ademais, por se tratar de emprego policial, qualquer utilização de arma de fogo por parte deste atirador especial deverá estar acobertada pelo manto de uma excludente de ilicitude. Este ponto será abordando em tópico específico.
Atirador especialista (PMESP)
A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), traçando um paralelo com o Exército Norte Americano, faz uma divisão em classes ou níveis de seus atiradores em: não habilitado; usuário; atirador especial; e especialista. Dentre as classificações citadas a que se enquadra dentro da perspectiva do Atirador Designado da Tropa de Choque é a de especialista, cuja conceituação é:
Atirador Especialista: atirador de “precisão”, de emprego urbano ou rural, executados respectivamente pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) e pelos Comandos e Operações Especiais (COE), ambas tropas que constituem o 4º Batalhão de Polícia de Choque da PMESP. No COE é chamado de observador avançado, e pode atuar em variados ambientes, desde que não exista a figura de uma pessoa como refém ou vítima, qual por norma é atribuição do GATE, com o emprego dos snipers.
O atirador especialista que atua no GATE e no COE do 4º BPChq da PMESP possuem funções, respectivamente, de sniper e de Atirador Designado da Tropa de Choque.
Na PMERJ a lógica é bem semelhante, pois o Atirador Designado da Tropa de Choque não deve exercer a função de sniper, ficando a cargo de outra Unidade Especial a missão de atuar em crises com reféns, em especial o emprego da alternativa tática chamada de “tiro de comprometimento”.
2. ASPECTOS LEGAIS
2.1 - Disciplina sobre o uso de “lunetas”
O combate individual por meio de tiros de longa distância já foi alvo de grandes discussões, apontamentos midiáticos e críticas. Quando a produção deste artigo fora iniciada (junho de 2022), os equipamentos de aprimoramento de pontaria não eram considerados Produtos Controlados pelo Exército (PCE), e antes de 2020 os mesmos equipamentos eram considerados PCE, vejamos agora a legislação atual e a revogada. Durante uma política de governo que adotava uma postura mais favorável à prática desportiva do tiro e o fortalecimento das forças de segurança (governo do Presidente Jair Bolsonaro) esses equipamentos foram expressamente retirados dessa categoria, conforme o Decreto nº 10.030, de 30 de setembro de 2019, in verbis:
ANEXO I
REGULAMENTO DE PRODUTOS CONTROLADOS
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
CAPÍTULO I
DA FISCALIZAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADOS
Art. 1º Este Regulamento dispõe sobre os princípios, as classificações, as definições e as normas para a fiscalização de produtos controlados pelo Comando do Exército, observado o disposto na Lei nº 10.826, 22 de dezembro de 2003.
Art. 2º Para fins do disposto neste Regulamento, Produto Controlado pelo Comando do Exército - PCE é aquele que:
§ 2º [...]
§ 3º Não são considerados PCE: (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021)
I - os projéteis de munição para armas de porte ou portáteis, até ao calibre nominal máximo com medida de 12,7 mm, exceto os químicos, perfurantes, traçantes e incendiários;
II - as máquinas e prensas, ambas não pneumáticas ou de produção industrial, para recarga de munições, seus acessórios e suas matrizes (dies), para calibres permitidos e restritos, para armas de porte ou portáteis;
III - as armas de fogo obsoletas, de antecarga e de retrocarga, cujos projetos sejam anteriores a 1900 e que utilizem pólvora negra;
IV - os carregadores destacáveis tipo cofre ou tipo tubular, metálicos ou plásticos, com qualquer capacidade de munição, cuja ausência não impeça o disparo da arma de fogo;
V - os quebra-chamas;
VI - as miras optrônicos, holográficas ou reflexivas; e
VII - as miras telescópicas, independentemente de aumento.
Isso denotava um grande avanço no entendimento da necessidade de aumentar a segurança das tropas policiais e militares no enfrentamento à violência urbana como um todo, bem como a redução do risco de danos colaterais à terceiros com o aumento da precisão nos tiros. Em termos práticos, essa alteração legal havia tornado muito mais simples (menos burocracia e mais agilidade) a aquisição e emprego desses equipamentos por qualquer agente público no ramo da segurança pública e até mesmo por particulares praticantes de tiro esportivo ou de caça.
Em torno dessa limitação legal, pairava uma premissa de que a finalidade da utilização desses equipamentos de aprimoramento de pontaria seria a do animus necandi, ou seja, a finalidade exclusivamente era de causar a morte do oponente. A superação dessa ideia limitada, que não considerava os diversos aspectos complexos do combate individual, da defesa da vida de inocentes e da garantia da ordem pública, dentre outros, também foi ratificada pela atualização legislativa trazida pelo Pacote Anticrime em 2019, quem inseriu no art. 25 do Código Penal (CP) a previsão expressa de legítima defesa no contexto de resgate de reféns, que a depender do cenário, tem como alternativa tática o tiro de comprometimento.
Código Penal
Legítima defesa
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (grifei)
Essas duas atualizações legais agregavam grande valor na eficiência do combate à violência urbana, quebrando diversos paradigmas em relação à ferramenta do atirador de “precisão”.
Em que pese isso, com a mudança de governo e seu viés político em relação às armas e seus acessórios (governo Lula), a parte que excluía as miras telescópicas e outros equipamentos óticos da relação de PCE foi revogada em 2023 do Decreto nº 10.030, de 30 de setembro de 2019, além de outras alterações que denotam um retrocesso dos pontos supramencionados. Ainda é possível adquirir os equipamentos de aprimoramento de pontaria como pessoa física ou jurídica, contudo com substancial aumento da burocracia e perda na agilidade.
2.2 - Teoria do erro aplicada ao confronto policial
Em maio de 2010, um policial militar durante uma operação policial realizada no Morro do Andaraí, atirou contra um morador após confundir uma furadeira manual com uma arma de fogo, causando a sua morte. O caso, que gerou grande repercussão e comoção na época, foi julgado na 3ª Vara Criminal do Rio de Janeiro (Processo nº: 0244942-82.2010.8.19.0001), tendo o policial sido absolvido sumariamente da acusação de homicídio. Segundo consta, o erro cometido pelo policial não decorreu de uma circunstância isolada e sim de várias, sendo uma delas a razoável distância para o alvo.
O magistrado aplicou ao caso concreto a teoria do erro para chegar à decisão pela absolvição. Na acepção legal e doutrinária, a teoria do erro no Direito Penal comum é composta pelo erro de tipo e o erro de proibição, além de suas subespécies de erro. No Direito Penal Militar as modalidades de erro previstas na Lei são: erro de fato, erro de direito, erro provocado, erro sobre a pessoa, erro na execução (aberratio ictus) e erro quanto ao bem jurídico (aberratio criminis). Na acepção doutrinária, Marreiros, 2015, pg. 988, entende que embora não haja previsão legal é possível também serem admitidas outas espécies de erro como: error in objeto, aberratio causae e o erro de proibição (nos moldes art. 21 do CP). Ambas ciências comportam ainda o erro de tipo permissivo (descriminantes putativas) e o crime putativo.
Urge salientar que existe uma discrepância entre a teoria do erro no Direito Penal comum e Militar, entretanto as decisões dos tribunais militares, inclusive do STM (Superior Tribunal Militar) e de outros tribunais comuns trilham o caminho de aplicar a teoria do erro do Direito Penal comum aos casos de crime militar, pois a primeira acompanhou a evolução normativa, e é, portanto, mais adequada. Diante disso, este artigo não pretende se dedicar às teorias do Direito Militar.
O erro de tipo ou de fato pode ser essencial ou acidental.
2.2.1 – Erro essencial
É o erro de tipo “por excelência”, de forma bem sucinta, o erro de tipo essencial ocorre quando o agente tem uma falsa percepção da realidade acerca das elementares, circunstâncias ou qualquer dado do tipo penal, ou seja, o agente não sabe o que faz. A pessoa não deseja e não sabe que está praticando um determinado crime. A previsão legal está no art. 20 do CP, in verbis:
Código Penal
Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
São exemplos clássicos de erro de tipo essencial:
1) Um caçador atira contra um arbusto, supondo que ali estava um animal. Contudo, ali estava outro caçador. O agente não sabia que sua conduta se amoldaria ao crime de homicídio (art. 121 do CP) porque desconhecia a presença de uma elementar ("matar alguém").
2) Um funcionário de lanchonete pega por engano o celular de uma colega do trabalho, supondo ser o seu, pois ambos tinham o mesmo modelo e cor de aparelho. O agente não sabia que sua conduta se amoldaria ao crime de furto (art. 155 do CP) porque desconhecia a presença de uma elementar ("coisa alheia").
Em ambos os casos os agentes não agem com dolo (vontade livre e consciente) quanto a uma elementar do tipo penal (matar alguém ou coisa alheia).
Essas hipóteses de erro de tipo, quando inevitáveis, excluem o dolo do agente, portanto a própria conduta, e dessa forma não há crime. Há também que se analisar o erro de tipo que recai sobre as excludentes de ilicitude: as descriminantes putativas.
2.2.2 – Descriminantes putativas
Descriminar significa transformar o fato em um irrelevante penal, retirar o caráter de crime. Putativo é algo imaginário, aquilo que só existe na mente do agente. Logo, as descriminantes putativas expressam situações em que o agente acredita erroneamente estar acobertado por uma excludente de ilicitude. As excludentes de ilicitudes estão previstas no art. 23 do Código Penal e no art. 42 do Código Penal Militar (CPM), e são elas:
a) Legítima defesa;
b) Estado de necessidade;
c) Estrito cumprimento de (do) dever legal; e
d) Exercício regular de direito.
Quando se trata de descriminantes putativas, significa dizer que o agente atuou supondo encontrar-se numa situação de legítima defesa, de estado de necessidade, de estrito cumprimento de(do) dever legal ou de exercício regular de direito. Nas descriminantes putativas quando o erro incide sobre:
1) Os pressupostos de fato de uma descriminante, é chamado de erro de tipo permissivo (ou erro de fato permissivo no Direito Penal Militar)
2) A existência ou os limites de uma descriminante, é chamado de erro de proibição indireto.
A previsão legal das descriminantes putativas está no art. 20, §1º e 21 do Código Penal e no art. 36 do Código Penal Militar.
Código Penal
Descriminantes putativas
Art. 20 [...]
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo
Erro sobre a ilicitude do fato
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência
Código Penal Militar
Erro de fato
Art. 36. É isento de pena quem, ao praticar o crime, supõe, por erro plenamente escusável, a inexistência de circunstância de fato que o constitui ou a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima.
São exemplos clássicos de erro de tipo permissivo e erro de fato permissivo:
1) A, que é policial civil, é ameaçado de morte por B, um conhecido traficante pela sua crueldade. Durante a madrugada, A encontra-se com B, que leva a mão à cintura, dando a impressão de que sacaria uma arma. A, imaginando que seria morto por B, saca a sua pistola e atira contra este último, matando-o. Na verdade, B não estava armado, e somente havia levado a mão à cintura com a finalidade de retirar um celular que se encontrava no bolso de sua calça.
A incidiu em erro de tipo permissivo porque desconhecia a situação fática. O erro foi invencível, justificado pelas circunstâncias de acordo com a prudência do "homem médio”. Não havia qualquer agressão injusta por parte de B que justificasse a repulsa de A. A situação de legítima defesa somente existia na cabeça do agente. Dessa forma, conclui-se pela legítima defesa putativa (art. 121 c/c art. 23, II, c/c art. 20, § 1º, tudo do Código Penal).
2) Carlos, policial militar em serviço, imaginando prender a pessoa contra a qual fora expedido um mandado de prisão preventiva, na verdade efetua a prisão de seu irmão gêmeo, incidindo assim, em erro de fato permissivo, que configura a hipótese de estrito cumprimento do dever legal putativo (art. 222, c/c art. 42, III, c/c art. 36, c/c art. 9º, II, c, tudo do Código Penal Militar)
Cumpre esclarecer que no Direito Penal Militar o erro de fato permissivo (art. 36 do CPM) é análogo ao erro de tipo permissivo (art. 20, § 1º do CP), possuindo idêntico conceito, causa e efeitos jurídicos.
Voltando à análise do caso citado no início desse tema, o policial que atirou no homem que estava com uma furadeira claramente incidiu em erro de fato permissivo (ou erro de tipo permissivo), que configura a hipótese de legítima defesa putativa (art. 205, c/c art. 42, II, c/c art. 36, c/c art. 9º, II, c, tudo do Código Penal Militar). Isso porque as circunstâncias do momento: em meio a uma operação policial em ambiente hostil; sob risco constante de morte; a necessidade de pensar e agir em pouquíssimo tempo; a baixa luminosidade e um fator que pode ser um dos primordiais: a distância, podem conduzir qualquer policial a incorrer no mesmo erro.
Como efeito das descriminantes putativas quando o erro for considerado plenamente inevitável pelas circunstâncias, ou seja, o erro escusável/invencível, isenta o agente de pena (como ocorreu nesse caso concreto). Do contrário, quando for inescusável/evitável/vencível, embora o agente tenha agido com dolo, será ele responsabilizado como se tivesse praticado um delito culposo (culpa imprópria).
Existem ainda outros casos reportados pela mídia de erros semelhantes ao caso ilustrado, como é possível ver nessa matéria do site yahoo notícias:
A matéria retrata em tom de severas críticas, e até de ironia, diversos erros ao longo do tempo cometidos por autoridades policiais (tanto policiais civis quanto policiais militares) ao confundir variados objetos com armas de fogo e o desfecho trágico da ocorrência.
2.2.3 – Erro acidental
O erro acidental, ao contrário do essencial, não tem o condão de afastar a conduta do agente, não afasta a responsabilidade penal. O agente apenas se engana quanto a um elemento não essencial do fato ou erra no seu movimento de execução. A infração penal subsiste íntegra, pois o agente tem vontade e consciência (dolo) de praticar uma conduta típica, ainda que respaldado por uma excludente de ilicitude.
As hipóteses de erro de tipo acidental no Código Penal são:
a) erro na execução (aberratio ictus) – art. 73;
b) resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) – art. 74;
c) erro sobre a pessoa (error in persona) – art. 20, § 3º;
d) erro sobre o objeto (error in objecto);
e) aberratio causae.
As hipóteses de erro de fato acidental no Código Penal Militar são:
a) aberratio ictus – art. 37, caput, 1.ª parte, e § 2.º;
b) aberratio criminis – art. 37, §§ 1.º e 2.º;
c) erro sobre a pessoa (error in persona) – art. 37, caput;
d) erro sobre o objeto (error in objecto) – art. 37, §1.º
e) aberratio causae.
Em que peses todos esses fenômenos jurídicos citados possam ocorrer em operações policiais, a maior probabilidade e frequência de erro acidental no caso concreto envolve o erro na execução (aberratio ictus). É uma espécie de “erro de alvo” – A título de exemplo, na aberratio ictus, o agente querendo causar a morte de seu desafeto, atira contra ele e, por ter uma pontaria ruim, erra o alvo, fere ou mata outra pessoa que passava por aquele local. A previsão legal está no art. 73 do CP ou art. 37, caput, 1.ª parte, e § 2.º do CPM.
Código Penal
Erro na execução
Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.
Código Penal Militar
Erro sobre a pessoa
Art. 37. Quando o agente, por erro de percepção ou no uso dos meios de execução, ou outro acidente, atinge uma pessoa em vez de outra, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela que realmente pretendia atingir. Devem ter-se em conta não as condições e qualidades da vítima, mas as da outra pessoa, para configuração, qualificação ou exclusão do crime, e agravação ou atenuação da pena.
Erro quanto ao bem jurídico
Duplicidade do resultado
§ 1º [...]
§ 2º Se, no caso do artigo, é também atingida a pessoa visada, ou, no caso do parágrafo anterior, ocorre ainda o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 79.
Nesse caso, devemos fazer a substituição da pessoa que fora atingida por aquela que deveria sê-lo para fins de imputação do crime de homicídio.
Um caso concreto que podemos analisar ocorreu no dia 11 de abril de 2022, conforme consta na matéria do G1, um policial militar da PMESP, de folga ao reagir a uma tentativa de assalto baleou por acidente duas vítimas mulheres que passavam pelo local.
O que salta aos olhos na matéria é o grande equívoco (ou má condução da ocorrência pela Polícia Civil) em afirmar que houve prisão em flagrante do policial por homicídio culposo, vejamos os motivos:
- Em primeiro lugar, fica claro que houve no caso em análise um erro de tipo acidental na execução (aberratio ictus), pois o alvo do policial era a ameaça do criminoso e não as mulheres atingidas acidentalmente. Conforme ensina a doutrina, no erro de tipo acidental o agente sempre age com dolo, não havendo possibilidade de responsabilização na modalidade culposa. Suponhamos agora que o policial tivesse errado o criminoso e atingido apenas as vítimas inocentes, consoante o mandamento legal do art. 73 do CP, ele deveria responder como se tivesse atingido o criminoso, e quanto a esse, havia animus defendendi, ou seja, dolo de legítima defesa. Sim, as excludentes de ilicitudes são aplicáveis ao erro na execução. Nessa hipótese o policial não poderia ser preso e responsabilizado por homicídio culposo.
- Em segundo lugar, no caso real, ao atingir o criminoso e por erro na execução, atingir também as vítimas, temos uma situação de crime doloso contra o criminoso e culposo contra as vítimas. Nesse caso, o CP manda aplicar a regra do art. 70 (concurso formal de crimes) e o policial reponde apenas por um dos crimes, nesse caso, o mais grave com a pena majorada de um sexto até metade, mas sempre na modalidade dolosa, que reflete a realidade de sua conduta contra o criminoso (vontade e consciência de atirar para se defender). Entretanto, devemos salientar que ele está acobertado por uma excludente de ilicitude e logo o seu erro quanto ao criminoso se amolda também para as duas vítimas, logo não existe hipótese de responsabilização por homicídio culposo, há na realidade legitima defesa com erro na execução.
As demais hipóteses da teoria do erro não serão objeto de análise neste estudo.
2.2.4 – Teoria do erro e o “tiro de precisão”
Após essa breve abordagem, que de forma alguma tem a pretensão de esgotar o tema, é possível perceber que nessas duas circunstâncias do caso concreto analisadas, o erro policial está acobertado por dispositivos legais, e existe possibilidade de justificação e absolvição diante de um possível processo criminal.
Em que pese a possibilidade de justificação de um erro policial, seja por um tiro impreciso no alvo (erro de tipo acidental na execução) ou quando o policial se confunde na situação real e vislumbra um objeto que não é uma arma (erro de tipo permissivo), é inegável que uma vítima poderá sofrer danos irreparáveis, perdendo a sua vida em muitos casos, e causando também graves danos aos familiares que sofrerão indiretamente as consequências.
A maneira mais eficaz de reduzir a possibilidade de erro no confronto policial é inserir um elemento fundamental que é o atirador de “precisão”. No contexto das Operações de Choque, em que diversas intervenções ocorrem em terreno hostil, com grande possibilidade de resistência armada por parte de criminosos, e nesse meio, pessoas inocentes estarão imersas, é imprescindível que a progressão das patrulhas tenha cobertura de fogo por meio do Atirador Designado da Tropa de Choque, que terá melhores condições de identificar um elemento adverso, e se este oferece ou não perigo por estar armado, bem como a probabilidade de acerto no alvo é muito mais alta. Este elemento nessas ações imprime uma excelente eficácia nos resultados das operações, trazendo grandes benefícios para Segurança Pública.
Por último, cabe ressaltar que o atirador designado sempre empregará suas técnicas para proteção de vidas humanas, com base em dispositivos internacionais de uso da força, em especial o PBUFAF (Princípios Básicos Sobre o Uso da Força e Armas de Fogo Pelos Funcionários Responsáveis Pela Aplicação da Lei) e o CCFRAL (Código de Conduta Para os Funcionários Responsáveis Pela Aplicação da Lei), e nos códigos penais (comum e militar), em suma: o acerto no alvo buscará sempre o animus defendendi, o que se contrapõe em alguns aspectos da doutrina de caçador militar, que busca alvos de interesse e de oportunidade, os eliminando, mas o Atirador Designado da Tropa de Choque só atua em legítima defesa.
3. ASPECTOS OPERACIONAIS
3.1 Características essenciais do atirador designado
Ser um bom atirador é apenas uma das características importantes para um atirador designado, mas não é a única: planejamento, camuflagem, dissimulação, inteligência, resiliência, meticulosidade, conhecimento técnico, rusticidade, ser maduro, calmo, paciente e emocionalmente estável são atributos e habilidades extremamente relevantes no desempenho desta função na Tropa de Choque.
Esse militar poderá ter que se deslocar para o combate, reconhecimento ou em meio às suas missões de intervenção por longas distâncias por ambientes rurais (área de mata), sob condições climáticas adversas como sol escaldante ou tempo chuvoso e frio, deve estar ambientado ao desconforto do fardamento e equipamento molhados, do peso de seus armamentos e equipamentos e até períodos prolongados sem uma refeição convencional. Tudo isso sob o estresse do terreno hostil que oferece risco constante de morte diante de um confronto armado com elementos adversos, em especial no interior de áreas conflagradas sob o domínio de narcotraficantes cuja cultura é de domínio beligerante e enfretamento contra as forças de segurança do Estado.
3.2 Dos conhecimentos fundamentais da função
Para alcançar a habilitação e o êxito dessa função nas Operações de Choque o militar deverá reunir ao longo de cursos de especialização, qualificação, experiência nas funções operacionais que exerce, bem como da pesquisa e investimento intelectual próprios, no mínimo, os seguintes ramos de conhecimento técnico, que serão sucintamente comentados neste estudo:
a) Fundamentos do tiro de longa distância;
b) Noções de balística;
c) Aspectos operacionais da missão;
d) Aspectos operacionais do terreno;
e) Conhecimento técnico de armamento e dos equipamentos óticos e optrônicos;
f) Treinamento e aperfeiçoamento constante.
a) Fundamentos do tiro de longa distância
O objetivo aqui não é ensinar ou aprofundar em detalhes todos os fundamentos do tiro, pois a proposta deste artigo não é substituir um manual técnico, mas sim tecer comentários relevantes em especial para função de atirador designado. Será considerada as seguintes definições de distância neste trabalho e seus critérios de formação, considerando aspectos técnicos da disciplina, a experiência profissional e a média do atirador policial em situação real e treinamento, levando em consideração armas curtas e armas longas:
Até 10 metros – Curtíssima distância - nessa distância haverá grande probabilidade de acerto no alvo sem a dependência do aparelho de pontaria, seria um engajamento emergencial para fuzis ou um saque emergencial para pistola;
De 10 a 30 metros – Curta distância - nessa distância há necessidade de fazer visada pelo aparelho de pontaria, caso contrário a probabilidade de acerto no alvo reduz drasticamente;
De 30 a 100 metros – Média distância - nessa distância há extrema dependência do aparelho de pontaria para acerto no alvo.
Acima de 100 metros – Longa distância - mesmo com aparelhos de pontaria tradicionais (mira aberta e mira de abertura), há uma altíssima dificuldade de acerto no alvo, especialmente em situação de combate real, para um policial sem treinamento e equipamento adequado.
Voltando aos fundamentos de tiro, as doutrinas mais consolidadas e tradicionais vão mencionar 5 fundamentos de tiro sendo:
I) Posição
Esse fundamento busca a estabilidade e conforto do atirador, evitando ao máximo a oscilação da arma e consequentemente do aparelho de portaria, bem como garantir segurança ao reduzir sua silhueta exposta ao agressor. Uma boa posição de tiro pode ser determinante no acerto do alvo, pois sem esta, os outros fundamentos não serão bem executados. O atirador designado deve conhecer todas a posições aplicáveis, entretanto na realidade de combate em que estará imerso, sempre que o terreno e a dinâmica de combate possibilitarem, este deve buscar a posição deitado ou prona apoiada. Esta sem dúvida é a que oferece maior segurança e estabilidade, pois além de reduzir a silhueta do combatente, possibilita o apoio do armamento no chão por meio do bipé ou em outros apoios naturais ou improvisados. Também é interessante, desde que a situação no terreno permita, apoiar a mão livre junto à coronha da arma para gerar maior estabilização. Outras posições que ele pode aplicar são a de joelho, sentado e de pé, sempre buscando apoiar e estabilizar o armamento por meio de acessórios (bipé e “handgrip” tático).
I) Empunhadura
Fundamento que possibilita maior controle sobre a estabilidade do armamento para um tiro de “precisão”, facilitando a administração do recuo e a cadência de disparos durante a expansão dos gases. Para uma boa empunhadura em armas longas o ideal é que se utilize um hand grip tático, mais especificamente um front grip ou foregrip vertical. Apesar de existirem outros tipos desse acessório, como o front grip angular 45º e horizontal, esses não são ideais para tiros de longa distâncias, pois podem causar um cansaço precoce e desconforto no atirador, mas podem ser adequados para tiros mais rápidos e curtos.
III) Visada
Especial atenção deve ser dada a esse fundamento, devendo o atirador ser exímio conhecedor do aparelho de pontaria empregado na arma, pois isso irá interferir na acurácia dos tiros efetuados. É mais que óbvio que a visada com miras óticas (holográficas/reflexivas e telescópicas) se diferem em muito dos aparelhos de pontaria tradicionais (mira aberta e mira de abertura), pois não haverá o alinhamento do sistema de alça e massa de mira. O enquadramento de mira ideal para o atirador designado, dentre outros conhecidos, é o Combat Hold, também chamado de Enquadramento de Combate ou Mira de Combate, o qual visa em termos práticos, centralizar o DOT iluminado das miras holográficas/reflexivas e telescópicas (alguns modelos) na parte do corpo do oponente de maior probabilidade de acerto e de incapacitação imediata: a caixa torácica do agressor. Essa região do corpo humano contém uma Kill Zone, conceito que será melhor abordado no subcapitulo sobre aspectos operacionais da missão.
Isso deve ocorrer sempre que possível, mas caso essa região do agressor esteja coberta, abrigada ou protegida, deve se buscar uma outra área de grande probabilidade de acerto e incapacitação (ex.: as coxas, pois um dano na artéria femoral levará o agressor em poucos segundos a abandonar o combate). A grande vantagem desse tipo de enquadramento é a aplicabilidade em ambientes de baixa luminosidade, pois o DOT iluminado aumenta substancialmente a eficiência da visada. Além disso essa visada possibilita maior velocidade de enquadramento e a busca de alvos múltiplos com rápida transição de alvos.
Para tiros de longa distância o empenho do operador será em realizar uma boa visada com aparelhos de miras telescópicas. Em um equipamento zerado para determinada distância basta o atirador enquadrar o DOT ou centro de mira (cruzamento entre o eixo vertical e horizontal do retículo) no alvo: caixa torácica do agressor.
Em alguns cenários de combate o alvo pode estar a distâncias divergentes do zero de mira estabelecido pelo atirador em seu equipamento, para isso PODEM, e na realidade é altamente recomendado que se faça isso, utilizar as marcações gravadas na horizontal e na vertical do retículo para compensar, respectivamente: o deslocamento transversal do projétil, normalmente provocado pela ação dos ventos e a queda do projétil provocado pela ação da gravidade. Com o conhecimento da trajetória do projétil e da mira telescópica empregada, o atirador poderá, sempre que necessário, efetuar a compensação de seus tiros.
Isso significa que o atirador irá fazer sua visada colocando o DOT não mais diretamente no alvo, e sim mais para cima para compensar a queda do projétil e/ou para os lados para compensar a ação dos ventos sobre o mesmo. No subcapítulo sobre equipamentos será abordado um pouco mais sobre retículos das miras.
Essa mesma correção dos tiros em alvos que estão em distâncias divergentes do zero da mira pode ser efetuada por meio de ajustes nas torres do equipamento: elevação e lateralidade, fazendo com que o POI (point of impact ou ponto de impacto) de seus disparos coincida com o POA (point of aiming ou ponto de mira), formado em sua linha de visada. Nesse caso não haverá compensação de tiro e o DOT deve ser colocado diretamente sobre o alvo. Entretanto, é uma ação não desejável para um atirador designado, que deve buscar primordialmente o ajuste dos acertos por meio de compensação utilizando o próprio retículo. Isso porque esse militar, normalmente, estará inserido em um contexto mais dinâmico de combate em relação ao sniper policial, bem como, estará munido de um armamento de plataforma de assalto e semiautomática.
O ajuste por meio das torres do equipamento é um trabalho um pouco mais meticuloso e pode demandar tempo, portanto é empregado em geral para tiros muito longos e também quando atirador não esteja em perigo imediato. Logo urge a necessidade de maior velocidade e praticidade no manuseio do conjunto arma-aparelho de pontaria do atirador designado.
Cabe destacar que quanto menor for a magnificação (zoom) aplicada no equipamento no momento da visada, maior será a velocidade de enquadramento do alvo, possibilitando, se for o caso, a rápida transição de alvos no cenário de combate. Nesse sentido também, é possível o enquadramento do alvo com os dois olhos abertos (Bindon Aiming Concept), semelhante à visada com mira holográfica/reflexiva, devido a algumas características desejáveis de uma mira telescópica para missões dessa natureza (ex.: mira telescópica tática Leupold, MARK 3HD 1.5-4X20 SFP AR-BALLISTIC). Tema que será melhor abordado no subcapítulo sobre equipamentos. A magnificação muito elevada não permite esse tipo de visada.
Visada com co-witness (mira auxiliar ou mira de backup)
Co-witness é uma técnica utilizada por diversas forças especiais que emprega simultaneamente dois sistemas de mira em uma arma, sendo: o sistema de mira principal (primário), muito comumente com emprego concomitante de miras holográficas/reflexivas a um sistema redundante e complementar de mira emergencial (auxiliar) ou de backup.
Essa técnica é mais frequentemente associada ao uso de miras de ferro, ou iron sights (sistemas de mira de abertura, para armas longas) como backup para ajudar no zeramento da mira óptica ou ser empregada de forma secundária em determinadas situações.
Esse mesmo conceito pode ser aplicado com emprego de dispositivos de mira ATPIAL (Advanced Target Pointer Illuminator Aiming Laser), equipamentos avançados que possuem laser infravermelho (IR) e laser visível vermelho ou verde (LR ou LG), alguns modelos possuindo ainda iluminador LED branco (lanterna tática) ou ainda iluminador infravermelho. Em ambiente noturno, com nenhuma visibilidade ou muito reduzida, ao empregar uma mira óptica em conjunto com dispositivo ATPIAL de mira infravermelho, e aliado a um conjunto de óculos de visão noturna (OVN), aumenta em muito a capacidade de precisão de acertos no alvo. No caso de emprego de mira telescópica será necessário um intensificador de visão noturna em conjunto com a “luneta” no lugar do OVN para que o atirador possa fazer visada pelo retículo, porém caso não possua esse equipamento, ou ainda, se o tiro for de maior proximidade será empregada diretamente a mira auxiliar com laser infravermelho ou mesmo laser visível. Este tema que será melhor abordado no subcapítulo sobre equipamentos. Repare que o atirador não faz visada pelo retículo da “luneta” e emprega diretamente a mira auxiliar.
Da mesma forma, mesmo durante o dia, mas com luminosidade baixa e com o alvo a curtíssimas distâncias (até 10 metros), pode ser necessário o emprego de uma mira auxiliar com laser visível em conjunto com a mira telescópica. Isso porque, a depender do modelo do equipamento de mira telescópica, haverá uma distância mínima de emprego eficaz, em especial quando a magnificação inicia acima de x1, sendo assim, se torna inadequado fazer visada com o oponente muito próximo apenas com a mira telescópica. Isso pode ocorrer com relativa frequência, uma vez que o atirador designado estará equipado com armamento de plataforma de assalto e semiautomática, atuando em conjunto com sua patrulha.
Outras situações também podem demandar o uso imediato do sistema de mira auxiliar, como situação de risco iminente ao operador, mesmo que o sistema primário esteja apto para uso e em perfeitas condições. Imaginemos por exemplo um atirador que deve incursionar por meio de becos e vielas de uma comunidade conflagrada, ou mesmo em meio a ambientes rurais com áreas de mata fechada onde o engajamento constante do sistema primário (no caso, a mira telescópica) pode se tornar inviável. Além desse fator, grandes fontes luminosas advindas da direção oposta do atirador também poderão interferir na viabilidade da visada pela mira primária (ex.: potentes refletores ou projetores de luz, faróis de veículos etc.).
IV) Acionamento do gatilho
Fundamento de extrema relevância que se não for levado em consideração de nada adiantará todo treinamento e conhecimento do atirador, pois colocará a perder todos os outros fundamentos. Por isso alguns chamam de “fundamento dos fundamentos”. Independentemente do tipo e do peso do gatilho da arma empregada o acionamento sempre deve ser controlado para que a pressão exercida seja sempre constante e nunca se deve forçar de uma só vez o gatilho. Esse treinamento pode ser feito a seco (arma sem munição), para que em uma situação de emergência a ação automática do operador seja a correta e não perca os tiros.
Em situações reais de combate é muito natural que a ansiedade ou o nervosismo faça com que esse fundamento seja ignorado, mas com bastante condicionamento técnico e psicológico é possível obter bons resultados.
Boa parte desse condicionamento é adquirido nos cursos de operações, cursos de ações táticas e alguns treinamentos militares das Forças Armadas por meio de simulações com emprego de tiro real, o chamado “stress fire”. Os alunos são submetidos a altos níveis de estresse físico e psicológico e são exigidos a empregarem os seus conhecimentos em condições desfavoráveis. Para atingir os alvos a diversas distâncias, com variados tamanhos e em diversas posições de tiro, é essencial que o fundamento de acionamento de gatilho, bem como o fundamento do controle da respiração sejam bem trabalhados.
V) Controle da respiração
Importante fundamento que tem por objetivo reduzir ou mitigar os movimentos do corpo em razão das variações de volume do tórax por ocasião da respiração, afetando a postura e a estabilidade do atirador. Diante desse cenário o controle da respiração deverá ser coordenado com o acionamento do gatilho, realizando-se pausar respiratória e assim reduzindo as oscilações do corpo. Durante essa pausa, é que o gatilho deverá estar no fim de seu curso para o disparo.
Todo atirador deve periodicamente se familiarizar com esses fundamentos independentemente de sua experiência.
Alguns autores ainda consideram como fundamento de tiro o chamado “follow-through” ou acompanhamento, que de forma bem resumida, é um fundamento integrador de todos os outros fundamentos, serve como manutenção para que nenhum deixe de ser executado ao cada tiro efetuado. Aqui neste artigo não será considerado um fundamento, uma vez que apesar de ser é uma ação necessária, ocorre após o tiro, não sendo essencialmente importante para o êxito do atirador.
b) Noções de balística
Balística é a ciência responsável pelo estudo do comportamento dos projéteis do lançamento, passando pelo voo e finalmente seus efeitos sobre os corpos. Um processo que se inicia nas armas de fogo no disparo, em seguida a trajetória do projétil e seu impacto no alvo. Assim, esse estudo se divide em balística interna, balística externa e balística terminal. Há autores que defendem ainda a balística de transição ou intermediária, que não será considerada neste estudo.
Esses três ramos da balística devem ser de conhecimento do atirador designado, entretanto especial atenção deve ser direcionada para tópicos da balística externa, que estuda a curva balística ou trajetória dos projéteis, fundamental para que haja precisão nos tiros.
Muitos dados dessa disciplina são usados no dia a dia para a construção de uma tabela balística, a qual auxiliará o atirador num cenário de crise, em especial, quando esteja atuando isoladamente de sua patrulha na forma de grupo de observação e segurança (ex.: em OCD para neutralizar ameaça potencialmente letal de um agressor isolado da turba). Como já supramencionado, ideal que o atirador designado possa sempre corrigir seus tiros por meio da compensação e para isso, a depender da distância e do zeramento de sua mira, poderá se valer de uma tabela balística e/ou possuir um retículo em seu equipamento de mira do tipo BDC (bullet drop compensation). Este tipo de retículo contém marcações, ao longo de seu eixo vertical, com intervalos que representam o POA necessário para a compensação de tiros em determinadas distâncias, porém tem suas limitações.
Uma tabela balística pode ser construída de várias formas, a mais ideal e precisa é por meio de softwares de simulação computacional em razão da grande complexidade das equações diferenciais envolvidas nos cálculos de simulações balísticas. Outras formas de obtenção da tabela são a construção de forma empírica por meio de disparos em alvos a distâncias distintas e assim observando e registrando a trajetória do projétil para assim criar um gráfico da curva balística. É possível também fazer proveito de tabelas ou cartões balísticos fornecidos pelo fabricante da munição.
Em todos os casos a tabela deve ser composta por ao menos 2 variáveis: distância para o alvo e a trajetória do projétil.
Além da distância e da trajetória, o atirador deve conhecer o 1º e o 2º zero da mira e caso não tenha essa informação porque não zerou aquele equipamento, deverá inferir por aproximação. Com esses dados o atirador consegue minimamente ter segurança na compensação dos tiros. Outras variáveis tornarão essa compensação e o acerto ainda mais precisos, mas nem sempre o atirador poderá ter todos esses dados em mãos, como: velocidade do projétil na boca do cano, tempo de voo, calibre da munição, massa do projétil, coeficiente balístico, altura do aparelho de para o centro do cano, temperatura do ambiente, velocidade do vento, altitude em relação ao nível do mar.
Distância para o alvo Incumbe ao atirador ou a seu grupo ou equipe de atiradores, durante a missão, identificar a distância até o alvo com o fim de atingir a precisão esperada, lançando mão de uma tabela balística em caso de necessidade de compensação do tiro, ou por meio de um retículo de mira adequado para isso (ex.: retículo AR BDC-3).
A melhor forma de obter a distância com precisão é com uso de rangefinder laser ou telêmetro laser, que é um preciso aparelho eletrônico. Será melhor abordado no subcapítulo sobre equipamentos. Existem também retículos de mira que já são projetados para essa finalidade, como retículo rangefinder vertical ou horizontal (ex.: Mira telescópica Novosibirsk NPZ 4x24, retículo PSO-1, BDC).
Existe ainda a possibilidade de fazer um cálculo estimado com a altura do alvo ou objeto próximos a este se valendo de retículos de mira padrão MRAD/MIL (ou MIL-DOT) ou mesmo reticulo padrão MOA comuns, usando suas marcações. Essa técnica não é muito confiável pois dependerá do senso de aproximação do tamanho de um objeto ou do próprio alvo para realizar esse cálculo. De qualquer forma, em um cenário real de combate é contraproducente para a função de atirador designado. O ajuste de paralaxe das torres do equipamento também permite ao atirador inferir a distância, que depende da percepção de foco e nitidez, algo bem subjetivo, da mesma forma pouco preciso e contraproducente. Outra ferramenta, que é bem específica para emprego bélico, normalmente por forças armadas, é o range card, que se assemelha a uma planta baixa da zona de combate ou teatro de operações e contém um esboço de mata para alcance efetivo dos armamentos empregados, nada aplicável à função de aturador designado.
Trajetória do projétil Um bom atirador deve se preocupar que seu projétil seja capaz de manter uma trajetória estável até o alvo. Portanto ele deve dominar o conceito e a aplicabilidade do coeficiente balístico (CB). No estudo da balística externa, CB é um valor numérico que representa a capacidade de um projétil em vencer a resistência do ar. Esse conceito leva uma outra acepção quando o estudo é o da balística forense, que é um campo da criminalística que estuda os tópicos relacionados às armas de fogo, munições e os efeitos dos tiros desencadeados por elas. A balística forense tem enfoque no estudo da balística terminal, assunto que será tratado mais adiante neste artigo. Voltando à balística externa, em termos gerais, quanto maior for o coeficiente balístico, menor será a perda de velocidade do projétil durante o voo, bem como a interferência do vento sob sua trajetória.
Desta forma, o coeficiente balístico traduz-se como uma representação numérica que define a eficiência aerodinâmica do projétil. É um parâmetro fundamental para toda e qualquer simulação balística, inserida na estimativa da trajetória, e, consequente, obtenção de acurados valores para a construção de uma tabela de balística externa. Os fabricantes de munição disponibilizam alguns valores da eficiência daquele projétil, que serão úteis na construção da tabela, bem como para validação do coeficiente balístico informado e comparação de performance.
Segue abaixo exemplo de tabela informativa do fabricante CBC, de munição específica para tiros de longas distâncias.
Outro ponto nevrálgico na análise da trajetória é a estabilização do projétil. Estabilidade é a capacidade do projétil de se manter em sua trajetória, com a ogiva (ou ponta) direcionada para o alvo e ainda sua capacidade de retornar a essa condição caso seja perturbado.
Diversos fenômenos físicos podem comprometer a estabilização dos projéteis, impondo movimentos nocivos à sua trajetória e consequentemente, trazendo prejuízo para precisão e acurácia nos acertos. Esses movimentos irregulares são os seguintes ilustrados abaixo:
Desvio giroscópico ou spin drift, provoca o deslocamento horizontal da trajetória do projétil, sendo notado apenas em distâncias superiores a 600 jardas (≈549 metros). Para essas distâncias o atirador designado deverá compensar seu disparo de acordo com o sentido das raias do cano da arma: raiamento dextrogiro (giro para a direita), comuns para canos de armas longas, o fenômeno físico do spin drift afetará a trajetória do projétil deslocando-o para a direita, idem para o lado esquerdo (raiamento sinistrogiro). Normalmente em distâncias inferiores a essas esse fenômeno é desprezível e imperceptível.
É fenômeno do projétil em voo quando este deixa de apontar de forma retilínea e passa girar com desvios pela ponta ou pela base. Isso aumenta o arrasto aerodinâmico o que reduz o coeficiente balístico do projétil, alterando assim o POI esperado. Um dos fatores que podem causar essa alteração é a utilização de uma munição em uma arma que não possuir o twist rate (taxa de rotação) adequado, que é aferido pelo passo de raiamento do cano, ex.: o fabricante recomenda que sua munição seja empregada em um cano com passo de raiamento de 1/10 (uma volta a cada 10 polegadas) em contrapartida, sua arma possui um cano com o mesmo sendo de 1/12, ou seja, o projétil sairá com menor velocidade de rotação (spin), e consequentemente, menor estabilização, podendo sofrer o fenômeno da guinada ou movimento de yaw para tiros em longas distâncias.
O tombamento ou tumbling é o fenômeno físico no qual do projétil em voo, sofre uma rotação em seu eixo transversal. Essa alteração no movimento do projétil é decorrente do movimento de guinada, sendo considerado um estágio mais avançado de desestabilização. O arrasto aerodinâmico nesse caso se torna mais preponderante, reduzindo drasticamente a velocidade do projétil e seu coeficiente balístico, o que implica diretamente em prejuízo e alteração no POI esperado pelo atirador. Além de defeitos na arma e na munição, como no caso da guinada, um movimento de rotação ou spin insuficiente, gerado por exemplo, por um twist rate abaixo do previsto, pode ser o causador do problema e o atirador deve se atentar para o passo de raiamento do cano da arma. Esse fenômeno também pode ocorrer quando o projétil transfixa um obstáculo antes do alvo, ex.: para-brisa de um veículo, uma janela de madeira, garrafas de vidro etc.
O fenômeno da precessão é o movimento espiral do projétil em voo em torno de seu centro de massa. É comum que essa alteração no movimento do projétil seja decorrente da própria rotação do projétil em torno de seu eixo (movimento natural causado pelas raias do cano), que gera um movimento angular, não desejado e irregular, sendo bastante prejudicial ao tiro em longas distâncias, acima de 800 jardas, quando o projétil começa a ser intensamente afetado pelas forças físicas da natureza como a residência do ar, o vento e a gravidade. A precessão gera redução da velocidade do projétil e de seu coeficiente balístico, modificando o POI esperado pelo atirador. Essa falha no movimento do projétil, quando ocorre ainda nos primeiros metros de voo, tende a ser corrigida pela pressão aerodinâmica exercida pelo fluxo de ar. Munições ruins, inadequadas para tiros de longas distâncias, com defeito de fabricação, vencidas, com desgastes em seu corpo, projéteis com imperfeições podem causar esse fenômeno.
O fenômeno da nutação é a formação de pequenos movimentos circulares da ponta de um projétil em precessão, podendo ser originados por pequenas perturbações no voo ou pela aceleração desigual dos gases. Tal como ocorre com a precessão, durante o voo do projétil o fluxo de ar tende a diminuir o fenômeno fazendo-o alcançar a estabilização dinâmica.
Há ainda diversos outros fatores que poderão influenciar na estabilização do projétil, como a região transônica de voo, o vento, o efeito Coriolis, a umidade, a densidade do ar, a temperatura, a altitude, dentre outros, mas que no contexto do emprego do atirador designado: um combate mais dinâmico e flexível com tiros até 600 metros, mas que numa realidade urbana o comum é que essa distância fique entre 50 a 200 metros em média, esses últimos fatores não têm grande relevância na efetividade do voo do projétil, e consequente acerto no oponente.
Balística terminal e sua importância para o tiro de longa distância No estudo da balística forense, que em sua amplitude trafega pelos 3 ramos da balística, mas com enfoque na balística terminal, o conceito de Coeficiente Balístico está relacionado à capacidade do projétil de transfixar o alvo. É claro que podemos também inferir que se há maior probabilidade de transfixar o alvo, há também de penetrar no ar.
São fatores que influenciam no Coeficiente balístico:
1) Massa do projétil – quanto maior a massa do projétil, maior será seu coeficiente balístico. Projéteis mais pesados tendem a ter maior CB.
2) Fator de ponta – está relacionado com a espessura da ponta, e logo, com a aerodinâmica do projétil. Quanto menor for a ponta do projétil maior será seu CB, portanto, maior facilidade de penetrar no ar e transfixar o alvo.
3) Calibre – quanto menor o calibre real (área transversal do projétil), maior será o seu CB. Um projétil mais estreito tende a penetrar melhor no ar e transfixar o alvo.
Quando um projetil é disparado o início de seu voo é marcado por um período de muita turbulência, em razão dos gases que o impulsionaram e se expelem do cano abruptamente, o que dificulta sua capacidade de penetração, e consequentemente transfixação do alvo. Após alguns metros, em razão das forças que atuam no projétil, em especial a rotação gerada pelas raias do cano (movimento de spin), o P.A.F. ganha maior estabilidade, o que gera ganho na capacidade de penetração, ainda que a velocidade seja menor que a inicial.
Nesse contexto, é altamente recomendando que o atirador designado selecione uma munição que possua um coeficiente balístico ideal para sua missão, pois quanto maior for a distância útil alcançada por um P.A.F., maior será a probabilidade de incapacitar o agressor na faixa operacional de até 600 metros, gerando danos suficientes no oponente para tira-lo de combate o mais breve o possível.
É fácil concluir que o coeficiente balístico está diretamente ligado ao potencial de neutralização de um oponente em longas distância, em função dos danos que um P.A.F. causará no corpo humano. Levando em consideração a premissa de que o atirador designado está inserido em um contexto mais dinâmico de combate em relação ao sniper policial, e que sempre que possível poderá neutralizar múltiplos alvos em sequência, com o mínimo de disparos, resta observar quais os calibres ideais para essa missão.
Dentre os calibres mais empregados em armas longas pelas forças policiais estão o 5,56 x45mm NATO, o 7,62x51mm NATO e o .308 Winchester. Há autores que defendem o uso do calibre 5,56 x45mm para emprego do atirador designado em distâncias entre 150 a 300 metros, com a premissa que o P.A.F. desse calibre tende a impactar e permanecer no copo, mitigando os riscos de efeitos colaterais, dentre outros aspectos como facilidade de treinamento, projétil mais leve e capacidade de atingir alvos com mais agilidade. Ouso respeitosamente discordar, em razão do que foi exposto sobre os aspectos da balística, bem como da realidade do combate policial no Estado do Rio de Janeiro. A título de ilustração, o calibre 7,62x51mm apresenta um coeficiente balístico bastante superior e é capaz de alcançar o dobro da distância da munição 5,56x45mm.
Para impactos apenas contra alvos humanos, o calibre 7,62x51mm a longas distancias se apresentará mais eficiente, em relação ao 5,56 x45mm, apesar de necessitar de maiores distâncias para atingir a estabilidade e eficiência de penetração em proteções balísticas, barricadas, e outros obstáculos. Em alvos humanos essa penetração será suficiente para cumprir a finalidade de retirar o oponente de combate. Do contrário do que se pensa, o 7,62x51mm, justamente por esse motivo, não possui risco elevado de efeito colateral em ambiente urbano.
Segundo pesquisas, até 50 metros o projétil do 7.62x51mm se fragmenta ao impacto com muita facilidade em razão da altíssima energia e velocidade, não conseguindo penetrar sequer um saco de areia, e sobretudo em distâncias além dos 300 metros até 1km aproximadamente, uma distância ideal de penetração em obstáculos, o calibre 7.62x51mm será extremamente eficaz. Cabe ressaltar que qualquer alvo humano atingido nessa faixa (0 até 1km) quase que certamente será neutralizado, a depender do POI atingido. A munição de 5,56 x45mm, apesar de possuir um coeficiente balístico menor, é mais perfurante a distâncias abaixo de 300m em comparação ao 7.62x51mm, e, portanto, possui maior potencial de dano colateral. Outro fator importante é a perda de energia cinética do 5,56 x45mm, medida em joules declarada pelo fabricante CBC, que reduz quase pela metade (1.763 na boca para 776 a 300m, energia de uma arma curta), enquanto que o 7.62x51mm a queda é de 3.372 para 1.970 joules a 300m.
No geral, para a missão a que se destina o Atirador Designado da Tropa de Choque, o calibre 5,56x45mm não é o ideal.
Outro calibre comum para tiros de longa distância no Brasil é .308 Win, que possui suas variações para melhor desempenho balístico e aplicação em tiros de longa distância, como por exemplo o .308 Win Match HPBT (Hollow Point Boat Tail) da CBC.
Para os padrões nacionais apresenta uma balística interessante para tiros de longa distância. Possui quase o dobro do coeficiente balístico do calibre 5,56 x45mm (0,272), mantendo bastante energia cinética a 500m, sendo também mais potente e eficaz que o 7.62x51mm. Por ter um projétil com a ponta oca, tem um alto potencial de lesão em tecido humano, potencializando também sua capacidade de neutralização. Dentre os calibres mais empregados no Brasil, esse seria o mais adequado para o DMR do atirador designado.
O cartucho .338 Lapua Magnum também é bastante conhecido por atiradores e possui excelente desempenho balístico para tiros de longa distância, mas que infelizmente não é tão comum e acessível às tropas policiais brasileiras. Além disso, pelo alcance efetivo declarado pelo fabricante da CBC com nome comercial .338 Lapua Magnum HPBT Sniper 1 250GR, alcança efetivamente entre 1200 a 1800m, aplicabilidade desnecessária para a função de atirador designado, se enquadrando mais para as funções de sniper policial ou caçador militar.
Finalizando este tema, cabe ressaltar que características inadequadas relativas à balística interna (twist rate, comprimento do cano, calibre da munição, manutenção do armamento, etc.) podem limitar a performance declarada pelo fabricante da munição. No que tange à balística externa e terminal algumas características e acessórios também irão influenciar no desempenho do atirador, como: calibre real do cano; quantidade e forma das raias; freio de boca (muzzle break); quebra chamas (flash hider); supressor de som, entre outros.
Diante dessas questões que envolvem a balística do tiro de longa distância, que vai muito além do que foi sucintamente abordado neste estudo, há de se concluir que o atirador designado precisa lançar mão de seu conhecimento técnico para selecionar um bom conjunto arma-munição, dominar os principais conceitos físicos envolvidos, em especial o coeficiente balístico dos projéteis, bem como saber desenvolver e aplicar corretamente uma tabela balística, que atualmente é facilmente projetada por meio de softwares avançados de simulação balística, mas que o atirador não obterá êxito se não estiver familiarizado com a disciplina.
c) Aspectos operacionais da missão
Nas ações de Segurança Pública a força estatal deve preparar seus agentes para enfrentar os piores cenários no combate ao crime. Diante da multifacetada tarefa de garantir ou restabelecer a ordem pública no Estado do Rio Janeiro, as missões variam das mais simples às mais complexas, desde exercer um policiamento a pé ou com bicicletas em ruas de bairros em zonas de praia ou zonas do interior do Estado, consideradas de baixa criminalidade e de baixo risco de morte para o agente, até intervir em cenários de crise ou em áreas conflagradas de formas não convencionais, consideradas de alta criminalidade e alto risco de morte para o agente.
São duas extremidades da atividade policial, sendo uma se assemelhando mais a um policiamento comunitário, com receptividade e bastante contato com a população local de forma amigável, e no outro extremo, missões que são típicas de forças armadas em cenários de conflito bélico irregular e operações de contra guerrilha, havendo pouco ou nenhum contato com populares simpatizantes às ações policiais na localidade, a exemplo de comunidades dominadas pela facção Comando Vermelho, que de forma habitual, cooptam moradores para colaborarem direta ou indiretamente com suas ações criminosas, como olheiros, informantes, manifestantes, ou simplesmente não falando com policiais, e também não auxiliando o trabalho policial.
Nessa conjuntura, a função de atirador designado é uma ferramenta de combate e de alto custo (armamento e acessórios específicos, optrônicos, munição específica, cursos, treinamentos, exercícios, etc.), portanto o investimento e manutenção dos meios para exercê-la devem estar direcionadas pelo Estado para tropas policiais que atuem precipuamente em ações de caráter repressivo, no extremo da atividade policial de maior risco à vida humana e em missões mais complexas. Desta forma, com esse raciocínio, não é razoável esse investimento para equipar, por exemplo, uma guarnição de RP (radiopatrulha com dois policiais) que exerce policiamento ostensivo em vias expressas ou vias de grande fluxo de veículos e pessoas, até mesmo pelo risco aumentado de dano colateral com tiros de fuzil nesse ambiente. Entretanto se a missão é de patrulhamento de alto risco, sendo em locais com baixa circulação de veículos e pessoas, no interior ou nas adjacências de áreas conflagradas em horários específicos, com possibilidade de intervenção armada, o investimento já se torna mais plausível.
Mas quando se trata de uma Tropa de Choque, esse investimento constante é imprescindível, sendo considerada a ultima ratio em termos de resposta estatal a crises de grandes proporções na Segurança Pública, em especial no Estado do Rio de Janeiro, que possui a maior força militar estadual do Brasil e a Unidade mais completa no quesito operacionalidade: o Batalhão de Polícia de Choque da PMERJ.
Um Atirador Designado da Tropa de Choque, quando atua em áreas conflagradas: terrenos hostis às forças de segurança com domínio beligerante de narcotraficantes, terá como principal missão junto à sua patrulha neutralizar alvos que se apresentem como elemento adverso ou inimigo, em legítima defesa da vida ou da integridade física de policiais ou de populares vítimas da criminalidade, apoiando o deslocamento da patrulha até objetivo com fogo de “precisão” à longo alcance (até 600m). Para atingir esse objetivo e cumprir sua missão, o atirador depende de conhecimento, compreensão e aplicação de vários campos técnicos que lhe permitem: mover, esconder, observar e detectar alvos. O êxito na aplicação dessas habilidades pelo atirador designado irá afetar sua sobrevivência e de seus companheiros no cenário de combate.
Furtividade ou “stealth” É uma das habilidades básicas do combate. Pode significar a diferença entre uma missão bem-sucedida ou malsucedida, ou a diferença entre a vida e a morte. Durante seu deslocamento e principalmente quando opera a partir de uma posição de tiro, esse elemento ou sua equipe não pode se dar ao luxo de ser detectado. O conhecimento de camuflagem possibilita ao atirador evitar se tornar um alvo. Esse militar deve ser proficiente em compreender os indicadores de alvo: coisas que deve fazer ou deixar de fazer que possam resultar em uma detecção. Um atirador deve buscar mover-se sem ser detectado e detectar movimento do elemento adverso ou inimigo.
Os indicadores alvo são o som, o movimento, a camuflagem imprópria, a perturbação de vida selvagem e os odores. As armas dos atiradores preferencialmente devem estar equipadas com supressores de ruído.
De forma bem sucinta, basicamente o militar deve evitar produzir sons, brilho ou luminosidade desnecessariamente, mitigar seu contorno com o ambiente, fazendo o uso correto das cobertas/abrigos, e atenuar seu contraste com o fundo do terreno. A farda do elemento de Operações de Choque é o camuflado urbano digitalizado, o que já auxilia bastante nessa tarefa quando a missão é em áreas urbanizadas, pois tons de cinza geralmente funcionam melhor nesse ambiente, conforme preconiza o manual de treinamento de atirador do Exército Norte Americano (Sniper Training – FM 23-10). Cuidados adicionais devem ser tomados caso haja pontos de destaque na silhueta do operador, como por exemplo, uma capa de colete preta, que se destaca na camuflagem no fardamento, podendo o tornar um alvo ao ser identificado, em especial em ambiente noturno. O ideal é que todo equipamento seja no mesmo tom ou camuflado. Os três métodos básicos de camuflagem podem ser explorados isoladamente ou em combinação: “hiding”, “blending” e “deceiving” (ocultando, misturando e dissimulando).
Em alguns cenários de combate o ambiente pode ser rural ou área de mata, e nesse caso o operador de choque deverá explorar com exímia habilidade as técnicas de camuflagem, pois o seu fardamento por si só não será mais suficiente, podendo haver um contraste indesejável com o terreno. Para mitigar isso, uma boa saída é a utilização camuflagem artificial improvisada, ou, mais prático e talvez mais eficiente, o uso de um traje ghillie ou “ghillie suit”. Nesse caso também é interessante providenciar uma camuflagem para o armamento, tirando seu brilho, quebrando seu contorno e o fazendo ter aspectos de elementos da natureza. Em todos os casos, a vegetação natural do terreno deve ser adicionada à silhueta do operador e ao armamento para ajudar na mescla com o ambiente. Por fim, atiradores devem sempre procurar aproveitar toda a cobertura e abrigo que o terreno proporciona, ao combinar este hábito com técnicas de movimento, o atirador ou sua equipe podem se proteger do fogo inimigo.
Equipe de atiradores Sempre que a logística permitir, atiradores designados devem atuar em grupos ou equipes, com no mínimo uma dupla, sendo 01 atirador e 01 observador/segurança de área. Essa formação, apesar de permitir o cumprimento de várias missões, ainda torna a equipe um pouco vulnerável. Diante disso, ideal que um grupo possua capacidade mínima de um GC (Grupo de Combate), com 5 militares, nas seguintes funções:
- 02 atiradores;
- 02 observadores/segurança de área; e
- 01 motorista de Vtr leve, que também poderá exercer a função de segurança de área em determinadas missões. Ideal que essa Vtr leve seja blindada.
Isso porque, essa formação pode angariar várias vantagens táticas. É possível, por exemplo, cobrir uma maior área do terreno e até proteger mais de uma patrulha de combate, em diversas frentes de avanço. Possibilita também maior autonomia e segurança para que esse grupo se destaque de meios próprios das patrulhas, as quais são satélites, a fim de realizar um reconhecimento avançado, ou se destacar para auxiliar outra equipe encurralada ou sem munição. Além de possuir maior poder de fogo e ação de choque (força).
Caso haja necessidade de fracionamento, de forma temporária, teríamos então 02 equipes com 02 militares cada e 01 para auxilia-los em deslocamentos e na segurança de área. Essa equipe sempre deve designar pontos de encontro na área da missão, no itinerário de patrulhamento ou na área externa do terreno hostil por ocasião de uma possível separação de seus elementos ou de uma emboscada que não pode ser combatida e uma inesperada quebra das comunicações.
Em razão dessa peculiaridade e do alto risco que oferece essa atividade, tendo em vista a exposição e vulnerabilidade ao atuar de forma isolada ou distante de sua patrulha em alguns casos, para garantir seu avanço seguro, esse time deve ser composto pelos militares mais qualificados da unidade especial, que reúnam qualidades e habilidades para se imbuir de árduas missões e abdicar do conforto por longos períodos a fim de cumprir a missão.
A equipe de atiradores deve estar em sintonia e treinar Táticas de Ação Imediata para situações de:
- Contato visual sem ser visto e contato visual mútuo com o oponente;
- Emboscada (do seu grupo de atiradores, bem como de sua patrulha);
- Resgate de feridos (do seu grupo de atiradores, bem como de sua patrulha);
- OCD em áreas conflagradas (Choque Armado);
- Oponente homiziado em domicílio (“Close Quarters Battle” – CQB).
Além de outras situações que podem surgir de acordo com a missão e com a geografia do terreno. De certo que uma equipe completa de atiradores deve transportar pelo menos os seguintes equipamentos e suprimentos, além de seu armamento de dotação:
- 01 mochila de APH- Tático;
- 02 trajes ghillie e material para camuflagem;
- 02 bornais de granadas de M.P.O.;
- 01 lançador de M.P.O.;
- 01 espingarda cal. 12 com munição de M.P.O.;
- 01 dispositivo elétrico incapacitante com cartuchos;
- 01 mochila tática com material e ferramental para manutenção do armamento;
- 01 kit arrombamento;
- 1,5 litros de água por militar;
- 01 faca e 01 canivete por militar;
- 01 facão por equipe;
- 01 lanterna tática por componente;
Emprego nas operações de controle de distúrbios Conforme preconiza o Manual Técnico de Operações de Choque do BPChq/RJ, distúrbio se caracteriza da seguinte forma:
Manual Técnico de Operações de Choque, 1º Edição. 2020.
5.1.4 Distúrbio
É caracterizado pela evolução de um tumulto não gerido tecnicamente ou que tenha superado a capacidade de resposta de uma unidade operacional.
É uma multidão em desordem exponencial, qualificada por atos criminosos violentos, que emergiu e cresceu em razão da eclosão e persistência massiva de tumultos, cujos membros, sob o estímulo de intensa excitação ou agitação, perderam o senso da razão e o compromisso com o respeito às leis.
Os distúrbios são fenômenos praticados por turbas constituídas de indivíduos que anteriormente integravam uma multidão ou até mesmo uma aglomeração, que se unem a fim de empreender atos ilegais de maneira exponencialmente violenta. (grifei)
O manual norte americano FM 23-10 - Sniper Training, apesar de não destrinchar qual é o modo de atuação de um atirador nesses cenários, traz expressamente que um atirador será empregado em missões de controle de distúrbios.
Em uma OCD de alta complexidade, no primeiro momento, compete à equipe ou grupo de atiradores coletar e relatar informações ao comandante da Tropa de Choque ou ao gerente de uma crise. E, em segundo plano, como legítima defesa e contra alvos isolados, a missão será incapacitar um possível agressor por meio de arma de fogo, sempre sob comando.
Urge ressaltar que a utilização de arma de fogo, como preconiza o citado Manual de Operações de Choque, está classificado no ultimo nível de força a ser empregado por uma Tropa de Choque: o nível 5, sendo imprescindível apenas para rechaçar uma ameaça POTENCIALMENTE LETAL.
Cabe aqui salientar que o termo em caixa alta foi empregado de forma extremamente pertinente no manual, refutando os termos ameaça “letal”, outrora usado neste artigo estre aspas, ou ameaça “não letal”. Isso porque não se pode determinar nenhum tipo de arma ou artefato que seja definitivamente letal ou não letal, tudo vai depender de como se emprega o armamento ou tecnologia. Alguns podem afirmar que um fuzil, por exemplo, é uma arma letal, mas vamos analisar o seguinte: se intencionalmente o tiro for na ponta do dedão do pé de uma pessoa, a probabilidade matar será alta ou baixa? A resposta é quase zero. Por outro lado, também é possível sobrevier a um PAF na região craniana, apesar da baixa probabilidade, encontramos diversos relatos em matérias midiáticas, além da vivência policial que nos proporciona presenciar situações dessa natureza.
Da mesma forma, uma granada de emissão lacrimogênea, GL 203-L da Condor por exemplo (chamada de inferno azul), uma Tecnologia de Menor Potencial Ofensivo, que via de regra não oferece nenhum risco de morte, se empregada em ambiente fechado ou com pouca ventilação poderá levar à morte por asfixia, como ocorreu em uma ocorrência da Policia Rodoviária Federal em 2022. Isso serve para ratificar que não se pode determinar algo (objeto, arma ou tecnologia) que seja “não letal”. Em uma atuação policial desastrosa, a morte do suspeito, que não é a intenção do agente quando se emprega TMPO, poderá ocorrer.
Diante disso, ameaça potencialmente letal são armamentos ou artefatos que têm alta probabilidade de causar a morte de uma pessoa, como já citado anteriormente neste artigo, são exemplos: armas de fogo, armas brancas, como facas, artefatos explosivos improvisados, como coquetéis molotovs, etc.
Com fundamento nos tratados internacionais de direitos humanos, em especial o PBUFAF e o CCFRAL, nos códigos penal militar e comum, no que tange à legítima defesa, na Lei nº 13.060/14 e na doutrina de Operações de Choque, um gradiente de uso da força foi estabelecido pelo Batalhão de Polícia de Choque do Rio de Janeiro, que ampara sua Tropa de Choque para o emprego de uso da força no ultimo nível em qualquer situação operacional, inclusive as operações de controle de distúrbios (OCD), quando o policial for confrontado com uma ameaça potencialmente letal.
Em relação ao conceito de distúrbio acima mencionado, não é exagero afirmar que esses atos ilegais acontecem de maneira exponencialmente violenta, como veremos nos exemplos a seguir. No Estado do Rio de Janeiro, bem como ocorre com outras Tropas de Choque no Brasil e no mundo, não é incomum essas forças policiais serem alvos de ataques de criminosos por meio de coquetéis molotovs em meio aos distúrbios.
Fica muito claro olhando as imagens, e conhecendo os efeitos que um artefato dessa natureza causa no corpo humano, que se trata de uma ameaça com altíssimo potencial de letalidade, em alguns casos sendo até mais danoso para uma Tropa de Choque que uma arma de fogo. Logo, é fulcral que não haja dúvidas ao operador que, em havendo campo de tiro e sem risco de dano colateral, a resposta adequada é o emprego de arma de fogo, e nesse contexto é essencial o apoio de uma equipe preparada especialmente para isso, com armamento e preparo técnico para efetuar um tiro mais preciso o possível na ameaça.
Ademais, a Tropa de Choque no Rio de Janeiro também já foi alvejada por P.A.F. em 2017 oriundo de um policial civil que estava em uma manifestação. No caso em tela, não restam dúvidas que esse policial civil, no momento em que atirou contra outros policiais, se tornou um criminoso e uma ameaça a ser eliminada com arma de fogo pelo Atirador Designado da Tropa de Choque.
Kill zone e a eliminação de alvos Zona de morte (Kill zone), também chamada zona de neutralização ou região de incapacitação letal, é a área do corpo humano onde a entrada de um P.A.F. tem alta probabilidade de causar a morte instantaneamente ou em poucos segundos, conforme estatísticas de combate policial, bem como preceitua o estudo da balística interna. Segundo o autor Ulisses Condomitti, na sua obra Balística Aplicada ao Tiro de Precisão, existem três formas de incapacitação do ser humano: psicológica, neurológica e fisiológica.
Balística Aplicada ao Tiro de Precisão, 2º edição, 2021
Mecanismos de incapacitação
Incapacitação psicológica – nesse caso o medo de ser atingido por um tiro (algumas vezes mesmo que o indivíduo não tenha sido atingido) faz com que ocorra a incapacitação. Esse mecanismo é frequentemente visto em confrontos envolvendo armas de fogo, quando um dos combatentes desiste após ser atingido em regiões não vitais como mãos e pés. [...]
Como o próprio autor reconhece: “obviamente não é sábio confiar exclusivamente nesse mecanismo, pois agressores furiosos, ou sob efeito de psicotrópicos e drogas ilícitas, possivelmente continuarão avançando mesmo após levar um ou mais tiros.”
Balística Aplicada ao Tiro de Precisão, 2º edição, 2021
Mecanismos de incapacitação
Incapacitação neurológica – um projétil que atinja e lesione o Sistema Nervoso Central (SNC), atingindo o tronco encefálico ou a medula espinhal irá causar a incapacitação imediata do indivíduo por inconsciência, morte ou paralisia. [...]
A Incapacitação neurológica é o que se busca na alternativa tática conhecida como tiro de comprometimento, técnica empregada por órgãos policiais para a resolução de situações de crise. Este tiro se constitui em um único disparo realizado por policial especialmente treinado para este fim, sob comando do gerente da crise. Comumente aplicada em ocorrências com reféns, tem o objetivo neutralizar imediatamente o causador da crise, o que quase sempre significa sua morte instantânea.
Balística Aplicada ao Tiro de Precisão, 2º edição, 2021
Mecanismos de incapacitação
Incapacitação fisiológica – ocorre quando um projétil atinge um vaso sanguíneo calibroso ou o coração causando hemorragia interna. Com a perda de sangue por tempo suficiente, o indivíduo entrará em choque e perderá a consciência. [...]
Considerando essas premissas, facilmente podemos concluir que as duas principais kill zone do corpo humano são a cabeça ou tronco encefálico e a caixa torácica. O P.A.F. na cabeça causaria a incapacitação neurológica, enquanto que na caixa torácica causaria a incapacitação fisiológica.
Urge ressaltar que incapacitar não é a mesma coisa matar (neutralizar), a título de exemplo, um P.A.F. na medula espinhal levaria à incapacitação neurológica, e não necessariamente à morte de uma pessoa. Já o P.A.F. na caixa craniana levaria à incapacitação neurológica e muito provavelmente à morte (neutralização). Cabe salientar que kill zone se refere à morte provável ou quase certa da pessoa atingida.
Em relação ao P.A.F. na cabeça o autor faz uma ressalva importante quanto ao uso dessa forma de incapacitação: “[...] O tronco encefálico, no entanto, possui menor área que o tórax do indivíduo e está protegido pelo crânio, que, a depender da velocidade do projétil, pode causar sua deflexão a certas distâncias para certos calibres. [...]”. Em suma, é muito mais difícil acertar a cabeça do agressor em combate, especialmente à longa distância, além disso, o P.A.F. pode não atingir o objetivo que é incapacitar o agressor. Diante dessas considerações, as quais estou de acordo, além da missão a que se destina o Atirador Designado da Tropa de Choque, que não assemelha ao cenário de crise do para emprego do tiro de comprometimento, creio não ser essa a melhor forma de incapacitação a ser buscada.
Como preconizado no subcapítulo sobre os fundamentos do tiro de longa distância, o Atirador Designado da Tropa de Choque deve buscar o enquadramento conhecido como Combat Hold, também chamado de Enquadramento de Combate ou Mira de Combate, o qual visa em termos práticos, centralizar o DOT iluminado (alguns modelos) da sua mira telescópica na parte do corpo do oponente de maior probabilidade de acerto e de incapacitação imediata: a caixa torácica. Esse local de acerto contém uma Kill zone que levará à incapacitação fisiológica, pois essa área acomoda órgãos vitais e vasos sanguíneos principais, que, quando danificados pelo impacto de projéteis, em especial os de alta energia, podem levar a uma incapacitação rápida.
É o mecanismo de incapacitação mais comum nos combates, porém, apesar de ser rápido, pode não ser é imediato. É sabido que existem registros de pessoas atingidas por P.A.F. de fuzil em calibre 7,62x51 mm, em diversas partes do corpo, até mesmo no tórax, que correram centenas de metros antes de caírem. Em alguns casos, o agressor pode até continuar atacando até perder a consciência, mas em razão dos danos causados por um projétil supersônico, isso é extremamente raro.
Além disso, mesmo que o indivíduo corra após ser atingido, deixando de ser uma ameaça para a Tropa de Choque, o objetivo foi atingido, que é: cessar a injusta agressão e tirar o oponente de combate, aquela ameaça foi eliminada! Entretanto, reitero, apesar de possível, é muitíssimo raro um oponente esboçar reações agressivas após ser atingido por um projétil supersônico e de alta energia, como o do calibre 7,62 x51mm nesta região, a probabilidade mesmo é que esse elemento adverso atingido na caixa torácica seja neutralizado (morto) e por isso essa região é considerada uma kill zone.
Uma empresa norte americana chamada de Tactical Target Systems desenvolveu um sistema de treinamento com uma experiência peculiar e um tanto mais realista para a defesa pessoal, criando designs de alvos visualmente precisos e educativos. Os alvos combinam anatomia realista, ciência e psicologia para maximizar as habilidades de sobrevivência e habilidades de tiro.
No alvo de autodefesa houve uma significante melhoria em relação aos alvos de silhueta tradicionais utilizados em vários clubes de tiro e cursos de formação militar e policial. O design empregado foi criado por um médico e substitui o alvo de silhueta humana padrão por um design anatomicamente preciso contendo órgãos de tamanho real e áreas vitais de um homem. Este autor inseriu no desenho original a região em vermelho e o texto que simboliza o enquadramento Combat Hold. Ao contrário do sistema de pontuação numerada arbitrária encontrado em silhuetas padrão, eles dividem seus alvos em três “níveis de pontuação” abrangentes que consistem no seguinte:
NÍVEL 1- Catastrófico/Terminal
NÍVEL 2- Crítico/Grave
NÍVEL 3- Menor
Percebam que o desenho do alvo foi projetado pontuando com maior relevância as kill zone. Fazendo o comparativo com as considerações sobre o enquadramento Combat Hold para um Atirador Designado da Tropa de Choque, no centro da caixa torácica a pontuação é NÍVEL 1, e caso haja erro do atirador ou influência externa na trajetória do P.A.F., fazendo-o atingir alguns centímetros para o lado, ainda haveria possibilidade de eliminar a ameaça pelo acerto no NÍVEL 2. Com isso é possível ter uma clara visão de quais seriam os pontos alternativos para realizar um tiro, e que este fosse eficiente para eliminar uma ameaça. Enquanto que a parte do braço que contem vasos calibrosos, e, em especial a parte do pescoço por onde passam a laringe e a traqueia seriam praticamente irrelevantes para um atirador em alvo tradicional, na realidade são regiões que causam traumas severos para o ser humano. Uma área considerável da cabeça é classificada como Nível 2, ou seja, menor chance de incapacitar que o centro da caixa torácica na região de Nível 1.
Desta forma um indivíduo homiziado ou que esteja protegendo sua região peitoral ainda pode ser incapacitado com considerável eficiência ao ser atingido nos pontos marcados como Nível 2 ou até Nível 3 no alvo de anatomia de autodefesa, desde que seu conjunto de arma, munição e calibre proporcione uma energia suficiente para isso, levando em consideração o que foi abordado neste artigo sobre os aspectos da balística. Um tiro de pistola calibre 9x19mm Parabelum não surtirá o mesmo efeito em uma região Nível 02 ou Nível 03 que um P.A.F. de calibre 7,62 x51 mm ou .308 win, que são projéteis supersônicos e de alta energia. Abaixo seguem algumas imagens de como é feito o treinamento na Tactical Target Systems. Nesse treinamento a prioridade do atirador é atingir com arma longa os pontos de NÍVEL 1, que estão destacados por círculos escuros na cabeça e no tórax.
d) Aspectos operacionais do terreno
Seleção de posições de tiro Uma das tarefas mais importantes que uma equipe de atiradores deverá realizar durante a fase preliminar da missão, que compreende planejamento da operação, é a pré-seleção de locais para uma posição de tiro. Após a escolha de possíveis locais, a equipe deve brifar também junto à sua patrulha como se moverão na área para localizar e ocupar a posição definitiva, bem como se mover no terreno para ocupar posições alternativas.
Ao receber uma missão, a equipe de atiradores localiza o alvo/área de atuação e, em seguida, determina a melhor localização para uma tentativa de posição usando uma ou mais das seguintes fontes de informações: mapas topográficos digitais; imagens aéreas por meio de VANT; reconhecimento aéreo ou terrestre antes da missão; e informações obtidas de forças amigas e dados de inteligência.
A equipe de atiradores deve garantir que as posições de tiro no terreno forneçam um equilíbrio ideal entre as seguintes considerações:
1) Amplo campo de tiro e observação da área de atuação e de sua patrulha;
2) Ocultação da observação inimiga;
3) Rotas cobertas dentro e fora da posição;
4) Localizado a menos de 300m do alvo ou área de atuação de sua patrulha;
5) Um obstáculo natural ou artificial entre a posição e a área/alvo;
Ocupação das posições de tiro O manual norte americano (FM 23-10- Sniper Training) elenca uma série de locais que, apesar de parecer ideal à primeira vista, devem ser evitados para se proteger de contra-ataque ou emboscada do elemento adverso ou do inimigo, são eles:
X Em um ponto ou crista de características proeminentes do terreno;
X Perto de objetos isolados;
X Em curvas ou extremidades de estradas, trilhas ou fluxos;
X Em áreas povoadas, a menos que seja obrigatório.
Esse último ponto, em relação a área povoada, quando se trata de Operações de Choque em áreas conflagradas, a qual em grande parte possui em sua geografia áreas edificadas e povoadas, claramente é preciso entender que o cenário de conflito bélico não tem idêntico tratamento operacional em relação ao conflito urbano no contexto da segurança pública, ainda que haja neste último características de guerra irregular. Quase sempre as ações se darão nesses terrenos. Sendo assim, o operador de choque deverá levar em consideração os aspectos legais que envolvem a ocupação de imóveis habitados.
No decorrer de um assalto ou incursão por meio de áreas edificadas, em havendo resistência armada logo no início da operação, o que é bastante comum, a tomada das posições altas nas edificações como terraços e lajes serão amparadas pela excludente de ilicitude estado de necessidade, nesse caso não havendo crime de violação de domicílio ou abuso de autoridade praticado pelo operador, uma vez que dois bens jurídicos legítimos entrarão em conflito, sendo: a vida ou integridade física do policial e a intimidade ou privacidade do popular. Essas tomadas de posição devem ser feitas com o mínimo de dano ou transtorno para os possíveis ocupantes do imóvel, cabendo ressaltar que a vida e integridade física, além de outros direitos constitucionais dos populares também estarão sendo preservados contra as ações de criminosos da localidade.
Entretanto, quando do início da operação ainda não haja confronto armado e nem quebra de sigilo, o operador deve avaliar se deve ocupar partes altas de um imóvel habitado, ainda que tenha consentimento do ocupante, pois essa posição pode ser denunciada por medo de represália ou deliberada colaboração de populares com criminosos. Ideal nesse tipo de cenário é a procura por imóveis ou construções inabitadas, sendo comum locais assim em comunidades dominadas pelo narcotráfico que já foram dependências usadas pela organização criminosa local como base ou ponto de venda/endolação de drogas. Em muitos casos os criminosos abandonam esses pontos para fugir da Polícia e se homiziar em outros locais. Há também imóveis que são desocupados por ordem de criminosos para fazer outras construções que serão usadas para fins ilícitos ou simplesmente para que eles residam naquele local. Cabe salientar que qualquer local que seja reduto do crime, se for de conhecimento concreto da Polícia pode ser adentrado, em princípio por estar em situação de flagrante de crime permanente.
Essas considerações são aplicadas somente para ocupação de imóveis, que é apenas uma das várias possibilidades de tomada de posição e ocupação de área que um atirador designado deve explorar, em verdade a equipe de atiradores deve usar sua imaginação e engenhosidade na escolha de um bom local para o cumprimento da missão. Ademais, a dinâmica do combate nem sempre permitirá a ocupação de locais altos dos imóveis na área de operação sem quebra de sigilo da posição. A escolha de um local deve possibilitar que a equipe seja eficaz, bem como deve parecer ao elemento adverso ou inimigo como o lugar menos provável para uma posição de ataque, e para isso, sempre que possível devem lançar mão de suas habilidades de dissimulação e camuflagem. São alguns exemplos dessas posições:
- Vegetação rasteira em campo aberto;
- Sob toras em uma área morta;
- No declive de uma colina
- Pântanos;
- Sombras profundas.
- Homiziado em pilhas de entulho.
O Combate Tridimensional nas áreas edificadas Além do complicador de se inserir em um confronto armado com criminosos em meio à população civil, aos quais também se deve garantir a segurança, além da segurança da sua equipe, nas áreas edificadas verifica-se uma característica letal na geografia do terreno para o atirador designado e sua equipe: a tridimensionalidade do combate! Isso porque a ameaça pode surgir de qualquer lado, sentido ou direção nas dimensões no teatro de operações.
Os embates com as forças oponentes poderão ocorrer:
- Ao nível da rua: as ruas, avenidas, becos e vielas são os eixos de aproximação mais comuns na intervenção de uma Tropa de Choque nas áreas edificadas, onde os elementos de Operações de Choque serão canalizados para prosseguir aos objetivos. Nesse trajeto, haverá locais de manobra extremamente limitada para veículos e homens. Em situações de espaço muito reduzido a observação e campos de tiro serão limitados, dessa forma a eficiência do atirador designado será mitigada, praticamente o tornando um elemento de valor operacional no escalão de assalto de sua patrulha. Para que isso não ocorra, deve-se estabelecer um perímetro de segurança nos acessos restritos para que a equipe de atiradores permaneça à distância mantendo a segurança de área ou adotar uma posição elevada nas edificações (lajes e terraços) para proteger sua patrulha de emboscadas ou ataques repentinos de criminosos.
- Acima do solo: nas áreas edificadas é imprescindível ter atenção aos telhados, lajes e terraços, além das inúmeras janelas que existem, porque podem e serão usadas para observar e para preparar posições de tiro do oponente, devido a permitirem bons campos de tiro. Nesse cenário ocorre uma grande exposição a artefatos explosivos arremessados por criminosos, como granadas de uso bélico. Em algumas localidades o apoio aéreo se torna limitado pela visibilidade em razão do grande aglomerado de construções e a própria aeronave comumente é alvo de tiros de armas automáticas como fuzis e metralhadoras. A tomada de um ponto alto em um terreno não estabilizado vai auxiliar na proteção das equipes.
- Debaixo do solo: metrôs, túneis, esgotos, abrigos e a outras construções que podem estar abaixo do solo também poderão servir como eixos de aproximação, rota de fuga esconderijos de criminosos. A depender da ousadia dos criminosos, esses locais podem até ser usados para surpreender a tropa no terreno com ofensivas armadas.
As áreas edificadas por si só fornecem cobertas e abrigos aos criminosos constituindo, desde logo, uma vantagem contra a Tropa de Choque. Esta vantagem normalmente ainda é mais explorada quando esses elementos adversos preparam posições que confiram mais proteção à suas posições, como barricadas, cancelas, quebra-molas mais altos que o normal, etc....de modo que se consigam infringir mais baixas nas forças policiais enquanto tentam avançar, bem como fugir antes que cheguem próximos. Logo, um assalto ou incursão nesses territórios devem ser meticulosamente planejados, sempre levando em consideração o histórico de confrontos naquelas localidades, os dados de inteligência e a observação aérea.
e) Conhecimento técnico de armamento e equipamentos óticos e optrônicos
Parece mais que óbvio que o conhecimento técnico de armamento e equipamentos específicos para a boa execução da função de atirador designado é imprescindível. Portanto a proposta desse subcapítulo é apresentar e tecer considerações importantes sobre os principais armamentos, seus acessórios, optrônicos e equipamentos diversos mais adequados que irão nortear as Tropas de Choque para implementação e manutenção dessa função com a devida excelência.
Armamento para atirador designado (DMR)
A ideia de um armamento para a execução dessa função é uma plataforma de assalto e semiautomática, que tenha boa capacidade no carregador (20 a 30 cartuchos), com calibre e munição de energia suficientes para tiros de longo alcance com eficiência até 600 metros. Seu cano deve possuir no mínimo 16 polegadas, sendo ideal entre 18” e 20”, um bom twist rate, e a arma como um todo, sem os acessórios, deve ter o menor peso possível, sem comprometer a qualidade.
O armamento também deve possuir capacidade de anexar acessórios fundamentais no guarda mão (handguard) e na tampa da caixa da culatra (Upper– Receiver) com trilho Picatinny ou M-Lok, os mais conhecidos do mercado, e ainda uma coronha (stock) com diversas possibilidades de ajuste ou até amortecido.
No mercado existem vários fuzis de assalto que se enquadram nessas características, e dessa forma podem ser adaptados para esse tipo de missão, o tornando um designated marksman rifle (DMR) ou fuzil de atirador designado. Não obstante esse fato, o próprio mercado, observando e atendendo à necessidade das forças policiais e militares pelo brasil e pelo mundo, começaram a projetar armamentos específicos para atirador designado, os apresentando não mais como fuzis de assalto, e sim, como DMR.
Percebe-se nesses modelos de arma um protagonismo da consagrada plataforma AR, reproduzida por dezenas de fabricantes pelo mundo em razão de sua confiabilidade e padrão Mil Spec adotado por estes, o que garante resistência, durabilidade e intercambialidade entre armas de fabricantes distintos, além da facilidade de manutenção.
Equipamentos óticos para atirador designado
Os equipamentos óticos se dividem em:
(1) equipamentos ópticos de pontaria;
(2) equipamentos ópticos de observação; e
(3) equipamentos optrônicos.
(1) Equipamentos ópticos de pontaria
Mira telescópica (luneta) É o equipamento mais importante para um armamento padrão DMR. São características desejáveis para esse equipamento: a simplicidade no manuseio para ajustes; seja compatível com mira de visão noturna para missões específicas em ambientes com baixíssima luminosidade; a facilidade de enquadramento nos alvos, e nesse quesito, é fundamental um retículo iluminado e marcações que permitam aferir a distância e compensar os tiros no alvo de forma mais simples e rápida. Por se tratar o atirador designado de um elemento que atua junto à uma patrulha, o equipamento também deve permitir enquadramento rápido à curtas distâncias do alvo, logo o ideal que a faixa de magnificação se inicie no 1x (zero magnificação) e vá até 12x (doze vezes). Lógico que um equipamento com zoom superior também poderá ser empregado, mas para a realidade e função a que se destina o Atirador Designado da Tropa de Choque seria um investimento superior ao necessário, além do que o operador poderia perder uma característica e uma vantagem essencial que é a possibilidade de engajar alvos e efetuar tiros à curta distância, pois em alguns equipamentos com maior potência de aumento a magnificação não inicia no x1(zero magnificação).
Uma mira telescópica com retículo iluminado, no zoom de 1x (zero magnificação), funcionará com uma mira holográfica, dessa forma, obtendo dupla função e uma grande vantagem operacional, podendo enquadrar alvos múltiplos de forma rápida e em variadas distâncias.
Equipamentos com essas características são considerados LPVO (Low Power Variable Optics ou Magnificação Variável de Baixa Potência), e são conhecidos também como mira telescópica tática – CQB. Outras características que essa mira possui são a lente objetiva de 20 ou 24 mm de diâmetro; torres de ajuste protegidas por tampas rosqueáveis; não possui ajuste de correção de paralaxe, tendo correção fixa a uma distância determinada pelo fabricante; capacidade BAC (Bindon Aiming Concept ou Conceito de Mira Bindon), para visada e disparos com ambos olhos abertos; requer exclusivamente o ponto central do retículo iluminado, como uma mira tipo Red Dot (ou Green Dot); e retículo BDC (Bullet Drop Compensation).
Como exemplo de equipamento adequado que possui essas características temos a mira telescópica Vortex, modelo Strike Eagle, 1-8x24 (ou 1-6x24), que vem equipada com retículo AR-BDC3, iluminado com Red Dot. O nome do retículo (BDC3) é a Abreviação de Bullet Drop Compensation (Compensação de queda de bala) e a palavra AR (Assault Rifle) remete à plataforma de fuzil de assalto da família AR da fabricante Colt. Em regra, um retículo BDC é um retículo tático e ele é projetado para que o operador consiga compensar a queda do projétil com as informações ali gravadas, sem necessidade de ajustes nas torres do equipamento.
O Dot central e o anel externo vazado são iluminados, esse design de quebra no anel faz com que o foco do atirador vá para o ponto principal (Red Dot), o que garante em tiros curtos, e até médios, a possibilidade de fazer visada com os dois olhos abertos (capacidade BAC), como deve ser feito nos equipamentos de mira holográfica.
As linhas centrais na vertical, que são chamadas de Hash, correspondem às distâncias para compensação de queda do projétil por ação da gravidade, em intervalos que vão variar de acordo com o calibre empregado na arma. As marcações na horizontal correspondem à escala de vento, chamada de Crosswind, para uma compensação por ação dos ventos. A escala superior corresponde à uma tabela de distância, uma forma que o operador terá de estipular a melhor compensação de tiro. A escala deve ser sobreposta no alvo para se fazer uma leitura seu tamanho em relação à métrica no retículo. A linha da base deve ser colocada no quadril da silhueta do alvo e partir daí, de acordo com a altura do oponente, pode se estimar a sua distância. Em suma, esse equipamento foi projetado para a atirador ganhar velocidade e precisão, partindo da premissa que na sua missão deve ser priorizado o ajuste do tiro por meio de compensação e não de cliques nas torres da luneta.
Existem outros equipamentos óticos de pontaria como as miras holográficas/ reflexivas e magnificadores de mira, mas que não são eficazes para emprego em tiros de longa distância na faixa desejável para um atirador designado.
(2) Equipamentos ópticos de observação
São equipamentos dessa categoria: as lunetas de espotagem, os binóculos e os telêmetros. Para todos esses itens são características desejáveis a facilidade de transporte e manuseio, rusticidade e durabilidade.
Luneta de espotagem Equipamento ótico de magnificação variável ideal superior a 40x. Empregado para uma observação mais detalhada do alvo, devido à sua grande potência de aumento. Comumente apoiada em tripé.
Binóculos Equipamento ótico de magnificação variável ideal entre 8x a 40x. Empregado para uma observação mais genérica do alvo e arredores. Comumente possui um aumento maior que a mira telescópica e menor que a luneta de espotagem, e consequentemente, permite um maior tempo de observação em relação à luneta de espotagem, pois esta pode provocar cansaço do globo ocular se for empregada por longo período de tempo.
Telêmetro (Randfinger) Equipamento ótico de magnificação ideal entre 7x e 10x. Utilizado para realizar medição de distância do alvo, fundamental para o ajuste da mira telescópica. Pode ser empregado como a função de binóculos (monóculo).
Existem modelos de telêmetro que podem ser acoplados ao handguard do armamento, dessa forma não pode ser empregado como função de binóculos, entretanto, garante uma grande vantagem operacional ao atirador, que rapidamente consegue aferir a distância do alvo com grande precisão.
(3) Equipamentos optrônicos
Equipamentos optrônicos surgem do casamento da eletrônica com a tecnologia das fibras óticas. São sistemas eletrônicos que fornecem, detectam e controlam a luz, incluindo suas formas invisíveis de radiação, como raios gama, raios X, ultravioleta e infravermelho, além da luz visível. São optrônicos necessários à função do atirador designado e sua patrulha: o Óculos de Visão Noturna e a Mira de Visão Noturna.
Óculos de Visão Noturna (OVN) Equipamento optrônico cuja finalidade é possibilitar ao operador e sua equipe combater e cumprir missões sob condições adversas de visibilidade, como em ambientes de baixíssima luminosidade.
São características desejáveis: tamanho reduzido, rusticidade e durabilidade, capacidade de ser acoplado no capacete balístico por meio de trilhos reguláveis, capacidade de submersão em ambiente aquático até 20 metros, controles digitais, intensificadores de imagem com fotocátodo de fósforo branco e que possua sistema de taxa de atualização, para proteger o operador de alterações bruscas de luminosidade, evitando que sofra algum dano na visão por conta de um super clareamento na mira.
A limitação deste equipamento para o atirador designado reside no fato de que não é possível fazer visada pelo retículo na mira telescópica enquanto emprega o OVN, logo ficará limitado à capacidade de visada de sua mira auxiliar. Em contrapartida, vai conferir a possibilidade de reduzir a distância de combate quando necessário em ambiente noturno, bem como atuar em ambiente confinado (CQB). A fim de superar essa limitação é necessário equipar de forma alternativa outro equipamento optrônico: a mira de visão noturna.
Mira de visão noturna Equipamento que pode ser acoplado e atuar em conjunto com a mira telescópica do atirador para combater e cumprir missões sob condições adversas de visibilidade. Diferentemente do OVN, esse optrônico permite ao atirador realizar a visada pelo retículo da mira telescópica e assim buscar alvos em ambiente noturno à longas distâncias. Isso garante grande vantagem tática sobre seu inimigo. Ideal que esse equipamento para uso combinado com a mira telescópica tenha ampliação fixa x1(zero magnificação).
Dispositivos de visão noturna detectam a radiação em um comprimento de onda que não é visível ao olho humano. Esses sistemas podem ser ativos ou passivos.
Os sistemas ativos emitem um de feixe de luz infravermelha, iluminando o alvo. Esta luz é captada por uma câmera que torna a imagem visível para visão humana. A desvantagem o deste sistema é possibilidade de ser captado por eventual oponente que também possua um equipamento de visão noturna por infravermelho, algo que não é comum em cenários de combate na segurança pública. Entretanto, vale ressaltar que o foco que emite a luz infravermelha do equipamento fica levemente de cor incandescente, dessa forma, podendo ser percebido em distâncias próximas em ambientes demasiadamente escuros por oponentes, mesmo a olho nu. O sistema de “Iluminador infravermelho ativo” é largamente utilizado nas câmeras de segurança patrimonial de uso doméstico, em que é necessária uma fonte externa de luz infravermelha para excitar o sensor infravermelho. A vantagem desse tipo de sistema é que o local ou alvo não necessita de ser iluminado com luz residual (lua, estrelas, dentre outras). Abaixo segue um exemplo de sistema ativo, também empregado no meio militar nas miras de visão noturna ou nos OVN’s.
Os sistemas passivos oferecem maior vantagem e se classificam em:
Intensificadores de imagem (ou intensificadores de visão noturna): captam a luz residual ambiente (lua, estrelas, dentre outras) que é refletida pelo alvo. É um sistema mais vantajoso, pois não emite nenhum tipo de luz, sendo imperceptível a eventual oponente. Para isso é necessário que haja uma quantidade mínima de iluminação do alvo, em ambiente com total ausência de luminosidade intensificadores de imagem não serão eficazes.
Miras térmicas (ou miras termais): enxergam o calor emitido por objetos naturais e artificiais. Tem grande vantagem em relação aos intensificadores de imagem, pois ao detectar o calor, conseguem captar a respiração ou a presença de um oponente mesmo atrás de uma densa cortina de fumaça ou nevoeiro. A mira térmica é eficaz mesmo com total ausência de luz. Outro ponto de relevante vantagem é a detecção de um alvo muito bem camuflado no ambiente, que pode passar despercebido por um intensificador de imagem, pois embora o ambiente como um todo fique bem mais iluminado, no intensificador não há distinção térmica dos objetos, o que ocorre com o uso das miras termais, que mesmo no escuro absoluto consegue captar qualquer alvo, ainda que perfeitamente camuflado. Claro que são equipamentos bem mais caros e deve se avaliar o custo benefício do emprego de um ou de outro equipamento optrônico.
A visão do alvo produzida pelo intensificador de imagem, à esquerda, ficou prejudicada pelo denso nevoeiro, o que não ocorreu com a visão do alvo produzida pela mira térmica, à direita.
A visão do alvo produzida pelo intensificador de imagem, à esquerda, não obteve êxito em revelar o oponente que está muito bem camuflado em meio à vegetação, o que não ocorreu com a visão do alvo produzida pela mira térmica, à direita, que o revelou nitidamente.
A inserção desse equipamento no armamento é bem simples, pois são dotados de sistema clip-on, um mecanismo de encaixe e soltura rápida com trava, alguns ainda podem acoplar um mount do tipo flip para deslocamento lateral. Entretanto, sua montagem e emprego devem ocorrer apenas para missões específicas ou quando situações se tornem complexas no decorrer de uma operação noturna, pois claramente agrega mais peso ao armamento.
Há ainda no mercado optrônicos que são miras telescópicas e noturnas simultaneamente, equipamentos bem mais caros, e levando em consideração o custo benefício, além da missão a que se destina o Atirador Designado da Tropa de Choque, seria um investimento superior ao necessário para boa execução de sua missão, sendo ideal e suficiente a utilização de intensificadores de imagem (visão noturna) ou uma mira térmica, sem ampliação, pois essa função será da mira telescópica.
Equipamentos de mira auxiliar e iluminação laser/infravermelho - ATPIAL
Visões noturnas que utilizam o princípio da radiação infravermelha não permitem que sejam empregadas miras telescópicas ou holográficas, com exceção do modelo de mira de visão noturna acoplada, que se estiver disponível ao atirador, deverá ser empregada em cenários bem específicos no ambiente noturno. Isso limita o poder de combate do operador que apenas poderá efetuar visada e tiros à longas distâncias a noite, o deixando sem um sistema de pontaria eficiente à curtas distâncias em condições adversas de luminosidade. Para mitigar essa barreira e consolidar a eficiência do atirador designado em qualquer situação de combate é possível lançar mão de equipamentos de mira auxiliar ATPIAL.
Um dispositivo ATPIAL (Advanced Target Pointer Illuminator Aiming Laser ou Iluminador de Apontador de Alvo Avançado com Mira a Laser), são equipamentos avançados que possuem laser infravermelho e laser visível, alguns modelos possuindo ainda iluminador LED branco (lanterna tática) ou ainda iluminador infravermelho. Como foi abordado neste artigo no subcapítulo sobre os fundamentos do tiro de longa distância, a visada Co-witness é uma técnica utilizada por diversas forças especiais que emprega simultaneamente dois sistemas de mira em uma arma. Nesse cenário se faz necessário o emprego da mira telescópica como principal e um dispositivo ATPIAL como mira de backup ou auxiliar. Será abordado a seguir as vantagens do emprego desses dispositivos.
Laser infravermelho (IR) A primeira e principal vantagem do uso do ATPIAL é o emprego de lasers de infravermelho, invisíveis ao oponente, mas plenamente visíveis ao atirador que esteja com um OVN. Como exemplo destes dispositivos, temos os aparelhos AN/PEQ 15, que são do tipo designador laser e possuem, dentre outras opções, o laser IR, sendo a combinação para visão noturna e uma mira precisa.
Esses dispositivos podem ser facilmente acoplados na arma e usados somente quando necessário, além de não agregar muito peso. O AN/PEQ 15 conta com outras funções, tais como, lanterna tática e laser visível, com variações de combinação e intensidade.
O manual de atirador designado norte americano (Field Manual – FM 3-22.9 Rifle Marksmanship), trata desses equipamentos em um capítulo dedicado aos acessórios, destrinchando aspecto técnicos como: montagem no armamento, funções e manuseio, etc., considerando, portanto, um componente indispensável no loadout do atirador dedignado militar.
Os dispositivos AN/PEQ foram projetados no início dos anos 90 após a Guerra do Golfo Pérsico e foram amplamente utilizados pelas forças armadas dos EUA durante a Guerra no Afeganistão e na Guerra do Iraque com o objetivo de aumentar sua vantagem em combate, em especial, sob condições adversas de luminosidade.
Iluminador Infravermelho Os dispositivos AN/PEQ passaram por evoluções e outros equipamentos ATPIAL surgiram com funções similares. O LA-5B/PEQ da empresa L3Harris é uma variante de alta potência da edição padrão AN/PEQ-15, além de possuir a função laser de mira visível e laser de mira infravermelho, possui também um Iluminador infravermelho. Outro dispositivo largamente comercializado é o MAWL-DA (Modular Advanced Weapon Laser - Direct Action ou Laser de Arma Avançado Modular - Ação Direta) da empresa B.E. Meyers, e suas variantes aprimoradas como o MAWL-C1+. Um iluminador infravermelho é capaz de clarear uma área ou um alvo no escuro, sendo invisível aos olhos humanos, possibilitando ao atirador cumprir missões noturnas sob condições adversas de visibilidade, mantendo o sigilo de sua posição ao oponente. É uma ferramenta perfeita para combinar com o emprego do OVN.
Como afirmado anteriormente, essas funções de laser IR e iluminador IR invisíveis a olho humano, são fundamentais para equipes que estão equipadas com Óculos de Visão Noturna.
Laser visível Essa função, presente em todos os equipamentos ATPIAL, sendo mais comum nas cores vermelho ou verde, tem dupla finalidade: a primeira é funcionar como um colimador a laser para zeramento e ajuste das miras holográficas/reflexivas e miras telescópicas; a segunda é funcionar como mira auxiliar ou de backup, mesmo durante o dia, para tiros a curtíssimas distâncias (até 10 metros), em especial, em ações de CQB ou em patrulhamento de becos e vielas de áreas conflagradas. Cabe salientar que esses equipamentos possuem várias modalidades de funcionamento e intensidade, e não necessitam ficar permanentemente ligados, podendo ser acionados ou desligados com a simples empunhadura da arma pelo handguard, sendo extremamente eficaz para um atirador treinado operar com este dispositivo. O cuidado que se deve ter é que uma mira visível pode denunciar sua posição se empregada inadequadamente, logo, se houver sigilo de sua posição, deve se evitar ao máximo o uso desmedido da mira a laser visível.
O zeramento do laser visível e do infravermelho podem ser feitos de forma independente, assim o atirador pode optar pela melhor distância para seu emprego. Em relação ao laser visível é recomendado que seja zerado para 20 jardas (18,2 metros), que é uma faixa de distância entre o que se espera do equipamento (combate à curtíssima distância), conforme mencionado acima neste subcapítulo, e uma faixa segura e eficiente de utilização, considerando a luz do dia.
Iluminador LED branco (lanterna tática) A lanterna é uma ferramenta imprescindível para qualquer operador de choque, não somente o atirador designado, sendo ideal que se possua pelo menos uma independente (não acoplada ao fuzil). O operador se torna mais proficiente quando seu armamento é capaz de combinar sistema de mira auxiliar com iluminação LED.
Por fim, diante das vantagens e do custo benéficos que os equipamentos ATPIAL apresentam, pela sua versatilidade e combinação de funções em alta tecnologia, tornam-se ferramentas essenciais para garantir vantagem operacional para o êxito de qualquer missão, em qualquer ambiente e sob qualquer condição de tempo.
f) Ser um bom atirador não é tudo, mas apenas o começo!
Treinamento e aperfeiçoamento constante
A atividade de tiro como um todo, não somente o de longa distância, requer do operador constância da prática e aperfeiçoamento dos fundamentos de tiro. Essa certamente é a maior barreira que encontramos no campo da segurança pública: a falta de investimento adequado na preparação e manutenção de profissionais da área policial. Por esse motivo, alguns profissionais mais dedicados, e que têm condições financeiras, arcam por conta própria a sua formação ou treinamento na atividade de tiro. O meio civil, apesar de não abarcar bagagem operacional para transmitir ao policial militar que atuará nas Operações de Choque, tem muito a oferecer em termos de ensinamento prático e apresentação de novas técnicas e tecnologias do tiro de longa distância, lhes carecendo nesse assunto, as táticas que são oriundas da expertise do elemento especializado em Operações de Choque.
Algumas empresas como a Base Armalite e a CBC oferecem cursos de atirador designado para aqueles que querem se aperfeiçoar ou simplesmente treinar a atividade de tiro de longa distância, uma das formas de investir por ocasião da omissão do Estado. Outra maneira de se manter atualizado e treinado, é obter registro de CAC (Atirador Desportivo) pelo Exército Brasileiro, e dessa forma, investir em armamento e munição próprias para treino com arma longa. No pior dos cenários, o militar poderá buscar clubes de tiro que disponibilizam armas longas para treinamento.
O conhecimento e a prática da atividade de tiro de longa distância, apesar de ser o alicerce fundamental para essa função, não são suficientes, pois como foi possível perceber ao longo deste artigo, há uma variedade de temas abordados. A missão de atirador designado é uma multifacetada tarefa de ramo interdisciplinar, constituída de um variado conjunto de conhecimentos teóricos e práticos das Ciências Policiais e Ciências Militares. Ser um bom atirador não é tudo, mas apenas o começo!
3.3 Experiência operacional no ramo de sua expertise
A experiência profissional, apesar de não representar o mesmo peso em comparação aos conhecimentos fundamentais estudados neste artigo, não deixa de ser importante para o cumprimento da missão de atirador designado. Isso porque, muito do que se apresenta atualmente como doutrina em manuais, artigos, livros e revistas sobre a atividade de combate e de tiro de longa distância, um dia fizeram parte apenas do campo empírico por meio da observação, da tentativa e erro, testes em “área verde” etc., em suma, até que haja uma consolidação de técnicas e táticas, a experiência em campo é o que norteia os operadores. Desta forma, os que “vieram antes”, com anos de atuação em sua área de expertise, e no caso deste tema, a expertise é Operações de Choque, a qual agrega, naturalmente, muitos ensinamentos de outras forças especiais no campo militar, terão bastante a acrescentar na formação ou na composição das equipes ou grupo de atiradores designados.
O Batalhão de Polícia de Choque do Rio de Janeiro em seus anos de operações policiais atuando nos territórios mais conflagrados do Estado e nas situações mais caóticas, possui em sua tropa muitos policiais experientes, especializados e capacitados para exercer a função de atirador designado. Uma matéria do site “medicinadecombate.com”, retrata a dura realidade do policial militar que combate no Estado do Rio de Janeiro, em comparação a outros conflitos bélicos pelo mundo.
O texto da matéria traz ainda a seguinte passagem: “Eu te pergunto: Você sairia de casa sabendo que existe 1 chance em 100 de tomar um tiro? Embarcaria em um avião que tem a mesma probabilidade de sofrer um acidente? O policial do Rio de Janeiro vai trabalhar diariamente com essas mesmas probabilidades. Ano passado foram mais de 600 policiais baleados, 150 fatalmente. No Afeganistão, foram 14 mortes de soldados americanos, um número mais de 10 vezes menor.
E ainda complementa: “Em zonas de guerra envolvendo os Estados Unidos, o número de fatalidades caiu de 22% (Segunda Guerra Mundial) para 9% nas guerras do Afeganistão e Iraque em casos de ferimentos que apresentavam um risco de morte. No Rio de Janeiro esse número é superior ao da Segunda Guerra, 25%.”
Isso denota o meio caótico e violento em que está imerso o operador de choque e a necessidade de se buscar cada vez mais ferramentas de combate, entre outros mecanismos (tecnologia, ações inteligência, cooperação interagências etc.) para vencer essa guerra contra a violência exponencial no Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A idealização deste trabalho é fruto de quase um ano dedicado à pesquisa científica, atualização profissional e aprofundamento nos temas relacionados às Operações de Choque e ao tiro de longa distância. Conta também com os conhecimentos adquiridos nos cursos civis e militares realizados ao longo de 16 anos de carreira militar, e dos 12 (doze) anos que foram dedicados à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, 7 (sete) anos foram servindo no Batalhão de Polícia de Choque, até a data de finalização do artigo.
Toda força policial atualmente deve possuir protocolos de atuação e manuais técnicos que irão nortear suas tropas, em especial, as Tropas de Choque, pela complexidade e diversidade de missões que lhes são atribuídas no campo da segurança pública. A atuação policial baseada em padronização de condutas com fundamento em pesquisa científica e vasto campo de experimentação no cenário real, proporciona segurança jurídica ao operador quando se fizer necessário o uso da força em determinada situação.
O caminho ideal para uma boa prestação de serviço à sociedade, bem como para preservação da vida e integridade física do policial, é por meio do conhecimento, independentemente da recorrente omissão do Estado em investir na valorização policial (viaturas, armamentos e equipamentos novos e adequados, salários dignos, cursos e treinamentos, instalações militares em perfeitas condições etc.), a busca por conhecimento, treinamento e aperfeiçoamento deve ser também individual e constante por cada um de nós operadores da segurança pública, principalmente militares especializados em Operações de Choque.
Por fim, compete aos operadores de segurança pública, com o objetivo precípuo de fortalecer a doutrina de Ciências Policiais e a doutrina de Operações de Choque, bem como de incentivar a produção de manuais ou procedimentos operacionais padronizados, compartilharem conhecimentos adquiridos ao longo de suas trajetórias, e assim, contribuírem na evolução técnica de suas forças policiais.
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