Capa da publicação Código Penal X Código Penal Militar: confronto à luz da Lei 13.491/17
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Código Penal e Código Penal Militar: Uma comparação sob a égide da Lei n. 13.491/17

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01/08/2019 às 16:00
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A alteração legal recente fez com que o rol dos crimes militares se expandisse de maneira exponencial, forçando os aplicadores do direito penal militar a agregarem mais conhecimento jurídico para se adequarem à análise técnica dos casos concretos.

Sumário:1. INTRODUÇÃO. 2. ANÁLISE DA PARTE GERAL: CP X CPM. 2.1 Infrações penais comuns e crimes militares. 2.2 A inovação do art. 9º do CPM. 2.3 Teoria do crime e sua estrutura jurídica. 2.4 Arrependimento no Direito Penal e no Direito Penal Militar. 2.5 Obediência hierárquica nas esferas comum e militar. 2.6 Excludentes de ilicitude, excesso e o projeto de lei anticrime. 2.6.1 Das excludentes. 2.6.2 Do excesso. 2.6.3 O Projeto de Lei Anticrime. 2.7 Erro no Direito Penal e no Direito Penal Militar. 2.8 Descriminantes putativas.  3. ANÁLISE DAS PENAS APLICÁVEIS E BENEFÍCIOS. 3.1 Das penas. 3.2 Da suspensão condicional da pena (sursis). 3.3 Da fiança.3.4 Do livramento condicional. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 5. REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS.


 

1. INTRODUÇÃO

Desde a edição e vigência dos códigos penais comum e militar, algumas modernizações foram introduzidas, com muito mais ênfase ao primeiro. Com o advento da Lei 13.491 de 13 de outubro de 2017, que ampliou substancialmente o rol dos crime militares, o operador do direito militar passou a ter que se debruçar em toda a legislação penal comum, incluindo as leis extravagantes, que passaram a incluir condutas antes não tipificadas como crime militar, desde de que praticadas nas circunstâncias do art. 9º do CPM.

Em razão disso, há alguns temas da parte geral dos códigos, que, apesar de semelhantes, no caso concreto, merecem um olhar mais primoroso, a fim de que haja a aplicação correta da legislação, evitando erros da administração militar. É necessário, então, abordar as questões mais relevantes, que possam causar algum equívoco ao agente militar em sua função de identificar e aplicar o dispositivo legal com eficiência.

 


2. ANÁLISE DA PARTE GERAL: CP X CPM

2.1 Infrações penais comuns e crimes militares

 

 A definição legal de crime no Brasil está prevista na Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-lei n. 3.914/41) com a seguinte redação:

 

LICP - Decreto Lei nº 3.914 de 09 de dezembro de 1941

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.

 

Diante disso, ainda não considerando o conceito analítico de crime, passamos a diferenciar as infrações penais comuns das militares.

Um crime somente será militar quando estiver adicionalmente dois requisitos:

 

a) Que o crime esteja tipificado na Parte Especial do Código Penal Militar ou na legislação penal comum (inovação da Lei nº 13.491, de 2017)

 

b) Que o crime seja praticado em alguma das circunstâncias previstas no art. 9º ou no art. 10 do CPM:

 

Estando o delito perpetrado inserido nessas circunstâncias, é inquestionável o reconhecimento da conduta como crime militar, qualquer que seja o agente: civil, militar federal, militar estadual, da ativa ou de reserva. O militar estrangeiro está sujeito à lei penal militar brasileira apenas se estiver em comissão ou estágio nas forças armadas, salvo o disposto em tratados ou convenções internacionais, como prevê o art. 11 do CPM.

Cabe salientar que não há um terceiro requisito, como posicionam alguns autores e também algumas autoridades civis, que seria requisito o processual. Como aduz Alves Marreiros (2015, p. 176), “exigir que o autor possa ser processado na justiça militar é um equívoco que mistura Direito Penal e processual, mistura natureza penal com competência. Esse equivoco é bastante recorrente quando se trata do crime doloso contra a vida de civil praticado por militar estadual em serviço, uma vez que a competência definida na Constituição Federal de 1988, inteligência do § 4º do art. 125, é do tribunal do júri, atualmente, na justiça comum.

A título de ilustração, é possível citar o Estado do Rio de Janeiro, onde delegados de polícia investigam, praticamente sem questionamento, esse crime militar, encaminhado o procedimento diretamente ao Ministério Público (MPERJ), sem passar pelo crivo da Auditoria de Justiça Militar (AJMERJ), usurpando a função constituída em lei à polícia judiciária militar (comandantes, chefes e diretores das unidades militares). Somado a isso, o policial militar, quando processado, é feito à luz do Código Penal comum (CP, art. 121) e do Código de Processo Penal (CPP), também comum, em detrimento do que é instituído na legislação processual penal militar (CPPM): Art. 1º O processo penal militar reger-se-á pelas normas contidas neste Código, assim em tempo de paz como em tempo de guerra, salvo legislação especial que lhe for estritamente aplicável.

 O que na prática deveria ocorrer é bem simples: investigação pela Polícia Militar, encaminhamento do procedimento, o Inquérito Policial Militar (IPM), à AJMERJ, e em caso de ratificação do crime doloso, pois o fato pode caracterizar crime culposo ou uma excludente de ilicitude (sendo julgado nesta vara especial ou arquivado pela mesma, no segundo caso), encaminhamento ao MPERJ. Por fim, processo no tribunal do júri, aplicando-se os institutos do CPM e CPPM.

Fora das duas hipóteses supracitadas ocorrerão outras espécies de crimes, que podem ser, de maneira global, chamados de crimes comuns, previstos no Código Penal (Decreto Lei nº 2.848, de 1940), e nas legislações especiais, a exemplo dos os crimes eleitorais (Lei nº 4.737, de 1965), crimes ambientais (Lei nº 9.605, de 1998), crimes de abuso de autoridade (Lei nº 4.898 de 65). Há também os chamados crimes de responsabilidade que não são tecnicamente crimes, uma vez que não se amoldam à definição de crime trazida à baila, art. 1º da LICP.

 

2.2 A inovação do art. 9º do CPM

Continuando o raciocínio construído, é valido ressaltar que, se um crime eleitoral, por exemplo, for praticado nas circunstâncias do art. 9º do CPM, será crime militar. Isso ocorre em razão da alteração trazida pela Lei nº 13.491 de 13 de outubro 2017. Com a edição da Lei 13.491/17 o rol dos crimes militares aumentou substancialmente e redefiniu o crime militar em tempo de paz, simplificando demasiadamente sua configuração, principalmente, diante da hipótese de crimes comuns sendo praticados simultaneamente àqueles.

Nota-se que os crimes militares tipificados de maneira idêntica no Código Penal Militar e na legislação vão seguir a mesma lógica de antes para configuração, entretanto houve a adição de todos os tipos penais constantes da legislação penal comum e que não possuem previsão idêntica no Código Penal Militar, e que se enquadrados em uma das alíneas do inciso II do art. 9º, serão crimes militares. Como já abordado por este autor em artigo anterior[1], é possível inferir:

 

A nova lei insere ao Direito Militar três eixos de modificação ao art. 9º do Código Penal Militar, que são:

1. A redefinição do crime militar, inciso II do art. 9º do CPM, abrangendo agora os crimes previstos na legislação penal comum;

2. A retificação de competência para os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares estaduais contra civis, § 1º do art. 9º do CPM;

3. A ratificação de competência da Justiça Militar da União para os crimes dolosos contra a vida de civil praticados por militares das Forças Armadas, § 2º do art. 9º do CPM;

 

Com a finalidade de dar respaldo e segurança jurídica às ações militares de Garantira da Lei e da Ordem (GLO) das Forças Armadas e de modernização à legislação militar, garantindo autoridade e o exercício da atividade do comandante da instituição militar, foi proposto e aprovado o projeto de lei nº 5.768 de 2016 na Câmara dos Deputados e nº 44 de 2016 no Senado Federal, trazendo as inovações relevantes no art. 9º do Código Penal Militar, que define os crimes militares em tempo de paz, alterando o inciso II e criando dois parágrafos, nos termos abaixo:

 

a) Alteração do inciso II do art. 9º, do Código Penal Militar:

 

Redação anterior:

II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

Redação atual:

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017) (grifo nosso)

b) Inclusão dos artigos 1º e 2º e modificação do parágrafo único do art. 9º do Código Penal Militar:

 

Redação anterior:

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica. (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011)

Redação atual:

§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri. (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017) (grifo nosso)

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por

 

militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica;

b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar;e

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.

 

 

O art. 9º (crimes militares em tempo de paz) e 10º (crimes militares em tempo de guerra) do CPM são a espinha dorsal da legislação militar e, sem dúvida, os mais importantes da parte geral. O Código Penal comum não dispõe de semelhante dispositivo de análoga relevância.

 

2.3 Teoria do crime e sua estrutura jurídica

Além do conceito de crime eminentemente legal atribuído pela LICP, existe o conceito de crime atribuído pela doutrina. De forma bem sucinta, são três os mais difundidos: o conceito formal, o material e o analítico. Este último é o que devemos nos ater para a análise das diferenças na esfera penal comum e militar, pois este de fato, analisa as características ou elementos que compõem a infração penal.

Para a maioria dos doutrinadores, a existência do crime só é possível caso o agente tenha praticado uma ação típica, ilícita e culpável. Como assevera Greco (2014, p. 225), “A função do conceito analítico é a de analisar todos os elementos ou características que integram o conceito de infração penal sem que com isso se queira fragmentá-lo.”

Nesse ponto, tanto para estrutura jurídica do crime militar quanto para o crime comum, o delito é constituído por três pilares mestres: a tipicidade, a antijuridicidade (ou ilicitude) e a culpabilidade.

A questão divergente é encontrada quando analisamos a tipicidade e estudamos a teoria da conduta. O Código Penal comum, em 1984, superou a tradição da teoria causalista da ação, adotando a teoria finalista da ação. Alves Marreiros (2015, p.725) explica: 

Para a teoria finalista, a conduta ou ação em sentido amplo é uma atividade consciente e voluntária (ação em sentido estrito), ou uma consciente e voluntária abstenção de atividade (omissão), dirigida a uma finalidade, lícita ou não. Conduta (ação ou omissão) é uma atividade psíquica volitiva finalisticamente dirigida. É de se notar que a teoria finalista busca justamente explicar o elemento ontológico das atividades humanas: quando o homem age ou se omite, ele assim o faz com sua intenção dirigida a uma finalidade, seja ela qual for. Noutras palavras: o homem, salvo nos casos em que inexiste na sua mente consciência ou vontade, procura, com o seu fazer ou não fazer, chegar a certo fim colimado.

A reforma na parte geral 1984 no Código Penal comum, que trouxe a adoção das teorias finalista da conduta e normativa pura [2]da culpabilidade, não atingiu a Código Penal Militar. O autor explica ainda:

Para a teoria causalista, a conduta (ação ou omissão) é uma ação livre e voluntária que causa uma modificação no mundo exterior (exterior ao agente), sem que a teoria tome qualquer preocupação quanto à finalidade do agente no momento da sua ação ou omissão, tanto que o dolo e a culpa integram, não a conduta, senão a culpabilidade

 

Verifica-se a opção, alguns doutrinadores consideram má opção, do legislador castrense pela teoria causalista no art. 33 do CPM sob a epigrafe “Culpabilidade”, enquanto que o CP comum, em seu art. 18, na descrição do dolo e da culpa ( que na teoria finalista, estão na conduta, e esta na tipicidade) regula os mesmos como “Crime doloso” e “Crime culposo”. Da mesma forma, o CPM em seu art. 34, em sintonia com as teorias causalistas e psicológico-normativas, descreve a mesma situação da “Agravação pelo resultado” do art. 19 do CP comum como “Nenhuma pena sem culpabilidade”.

Cabe relevar a posição de Coimbra Neves (2014, p. 263), que sustenta que é perfeitamente possível a aplicação de dogmas finalistas ao Direito Penal Militar, ou de qualquer outro modelo que venha a ser mais bem considerado: 

Agora, tomando por premissa que o modelo mais acertado, embora não perfeito, é o modelo finalista, seria possível impor a um Direito Penal orientado por um Código causalista os dogmas trazidos pelo finalismo? A resposta é em sentido afirmativo e, embora as dificuldades não sejam poucas, pode ser formulada de maneira bastante simples, tendo por premissa, como já mencionado acima, o fato de a legislação penal não adotar expressamente um modelo nem, por consequência, definir crime. Em outros termos, o conceito analítico de crime não está atado à legislação penal, que pode surgir sob influência desse ou daquele modelo. É fruto, isso sim, de construção dogmática, transcendente à letra da lei, que deve esforçar-se para solucionar o maior número de casos possíveis, sob a orientação de determinada política criminal. (Grifei)

 

 

Essa questão não é tão pacífica, entretanto, malgrado a má escolha e insistência do CPM quanto à adesão às teorias causalista da conduta e psicológico normativa da culpabilidade, a jurisprudência do Superior Tribunal Militar (STM) vem conduzindo julgados no sentido da teoria finalista. Um exemplo disso é o julgado da Ap. 54- 74.2011.7.07.0007/PE, rel. Min. Cleonilson Nicácio Silva, j. 06.09.2012), no qual enfatiza a teoria finalista da ação ao analisar a conduta do agente.

 

2.4 Arrependimento no Direito Penal e no Direito Penal Militar

O instituto do arrependimento posterior (art. 16 do CP comum), não encontra equiparada previsão no CPM. Bem como, não guarda semelhança com o arrependimento eficaz, art. 31 do CPM. O primeiro permite que o autor, nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, repare o dano ou restitua a coisa antes do recebimento da denúncia ou da queixa. A consequência é a redução de um a dois terços da pena. Já o arrependimento eficaz, oportuniza ao agente que desista voluntariamente da execução ou que impeça a produção do resultado. Dessa forma, o autor responde apenas pelos atos já praticados.

Cabe salientar que o CPM prevê algumas regras específicas para o arrependimento posterior em determinados crimes militares, são exemplos: arts. 240, §§ 2.º e 7.º (furto), 250 (apropriação indébita), 253 (estelionato), 254, parágrafo único (receptação), e 303, §§ 3.º e 4.º (peculato culposo).

É notório que o instituto arrependimento posterior não ampara todos os crimes praticados sem violência ou grave ameaça, seguindo um padrão como ocorre com o CP comum, art. 16, como exemplo é possível citar o peculato doloso (art. 303 caput), os crimes de dano (arts. 259 a 266), a usura pecuniária (art. 267), o peculato mediante erro de outrem (art. 304), o desvio (art. 307), o cheque sem fundos (art. 313), a violação do dever funcional com o fim de lucro (art. 320).

Outrossim, há entendimentos doutrinários no sentido de que a inexistência dessa idêntica regra genérica (art. 16 do CP) não autoriza afirmar que o instituto em cotejo não possa ser aplicado aos crimes tipificados no diploma castrense. Esse embasamento é buscado na própria legislação, o art. 12 do CP comum: “Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. Entretanto, data vênia, não é possível corroborar, neste caso em específico. Isso porque o legislador do CPM, por ser um diploma especial e posterior ao CP comum, omitiu intencionalmente essa regra geral, trazendo apenas as regras específica, supracitadas, para alguns crimes praticados sem violência ou grave ameaça, deixando os demais fora do alcance do arrependimento posterior. Isso faz sentido, quando trazemos à baila a premissa que a legislação militar é muito mais rigorosa quando comparada à comum.

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Ademais, a legislação penal especial aludida no art. 12, é aquela legislação especial extravagante (Lei de Drogas - 11.343/2006; Lei de Abuso de autoridade - 4.898/1965). O CPM ficaria fora do alcance do art. 12, pois trata de crimes aplicados em situações específicas e, via de regra, a um público também específico. Assim não sendo possível a absorção de todo e qualquer dispositivo da legislação comum.

Alfim, há também entendimentos em ambos os sentidos no Superior Tribunal Militar e Supremo Tribunal Federal.

 

  2.5 Obediência hierárquica nas esferas comum e militar

Tanto no CP comum quanto no CPM existe a previsão da excludente de culpabilidade em razão da inexigibilidade de conduta diversa nos casos de crimes cometidos em obediência à ordem de superior hierárquico. Assim preconiza o art. 22 do CP e o art. 38, b, §2º c/c art. 41 do CPM:

 

Código Penal

 Coação irresistível e obediência hierárquica   

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

 

Código Penal Militar

Art. 38. Não é culpado quem comete o crime:

Obediência hierárquica

 b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços.

§ 2° Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior. (Grifei)

Atenuação de pena

Art. 41. Nos casos do art. 38, letras a e b, se era possível resistir à coação, ou se a ordem não era manifestamente ilegal; ou, no caso do art. 39, se era razoavelmente exigível o sacrifício do direito ameaçado, o juiz, tendo em vista as condições pessoais do réu, pode atenuar a pena. (Grifei)

 

 

A diferença sutil está no tratamento que é cedido à punição do subordinado que cumpre a ordem ilegal, praticando ato ilícito. No CP comum o agente responde criminalmente se obedece a uma ordem manifestamente ilegal, ou seja, de plano, o subordinado verificou a ilegalidade da ordem e, mesmo assim, a cumpriu, caso não a cumprisse ficaria impune. Já no CPM, ao cumprir uma ordem manifestamente ilegal o agente responderá, podendo ter sua pena atenuada pelo juiz, “tendo em vista as condições pessoais do réu”. Além disso, responderá também, caso obedeça a uma ordem manifestamente criminosa. Em suma, no CPM:

I.  Cumprindo a ordem manifestamente criminosa, o militar será responsabilizado criminalmente (art. 38, “b”, § 2º CPM).

II.  Cumprindo a ordem não manifestamente ilegal, o militar será responsabilizado criminalmente, podendo ter sua pena atenuada pelo juiz (art. 41 CPM).

Cabe salientar que há doutrinadores e especialistas que defendem a “teoria ou princípio da obediência cega” no sistema penal militar brasileiro. Essa teoria remete a uma obediência absoluta, não cabendo ao subordinado a análise da legalidade da ordem, o subordinado militar não pode nem deve analisar ou discutir se seu superior possui competência para emitir a ordem, nem se foi atendida a forma legal de sua emissão, sob pena de incorrer no crime de recusa de obediência (art. 163 do CPM). É o sistema de Direito Penal Militar acolhido por alguns países da Europa, como a França por exemplo. Em [1]artigo específico deste autor, a questão já foi evidenciada conforme trechos abaixo.

O principal argumento dos defensores da teoria da obediência cega no Direito Penal Militar brasileiro está justamente no § 2º da alínea b do art. 38 do CPM. Alegam que o referido dispositivo não permite o descumprimento de ordem ilegal, ressaltando a distinção do termo “ordem não manifestamente ilegal” do Código Penal comum. Afirmam, ainda, que o dispositivo deixa claro que a responsabilização criminal somente será possível se a ordem do superior tem como objetivo a prática de ato manifestamente criminoso. No trecho abaixo do artigo supracitado essa questão é enfrentada:

 

[...] Na verdade, é apenas isso que o § 2º da alínea b do art. 38 do CPM quis dizer, ou seja, redigindo com outras palavras ficaria assim: o inferior que cumprir ordem manifestamente criminosa ou agir com excesso também será responsabilizado.

Em que momento o dispositivo citado outorga a possibilidade cumprir ordens ilegais? O que ele afirma, reiterando, é, em havendo o cumprimento de ordem criminosa, o inferior também responderá criminalmente. O fato de o CPM punir o cumprimento de ordens de caráter criminoso, não implica, por exclusão, em considerar que fora dessa hipótese qualquer tipo de ordem possa ser emitida por superior e cumprida por subordinado. Nessa linha de raciocínio, o CPM estaria dando “carta branca” para o militar atuar a seu livre arbítrio, emitindo ordens para seus subordinados que não satisfaçam o fim da administração pública, caracterizando, como cita Coimbra Neves “um jogo dos absurdos”. 

Essa teoria deve ser refutada do Direito Penal Militar brasileiro. O principal foco de análise sobre a possibilidade do cumprimento de ordens ilegais, na esfera penal militar, deve ser o art. 163 do CPM, que trata do crime de recusa de obediência, e nele, estão os pressupostos da ordem que deve ser cumprida (assunto ou matéria de serviço, dever imposto em lei, regulamento ou instrução). Em segundo plano devem ser analisados os pressupostos do Direito Administrativo, mais especificamente, com relação ao princípio da legalidade.

 

2.6 Excludentes de ilicitude, excesso e o Projeto de Lei Anticrime 

 

    2.6.1 Das excludentes

 

Em relação às excludentes de antijuridicidade, no que tange ao Estado de Necessidade, o CP comum e o CPM adotaram teorias, e em consequência efeitos, diferentes. A lei penal comum consagra a teoria unitária ou monista cujo efeito é o justificante, conforme preconiza o art. 23, I, do CP. Coimbra Neves (2012, pg. 464) explica:

 

A teoria unitária ou monista sustenta que o estado de necessidade terá apenas a natureza justificante, independentemente da valoração dos bens a serem sacrificados, não levando em consideração a supremacia do bem protegido em relação ao sacrificado, e vice-versa.

 

No CPM contudo, vigora teoria diferenciadora do Estado de Necessidade, que prevê alternativa e simultaneamente os efeitos justificante e exculpante. A previsão legal do Estado de Necessidade exculpante está no art. 39 do CPM:

 

Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade

Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa.

 

 

Nos arts. 42 e 43 do referido código estão previstos o Estado de Necessidade justificante.

Estado de necessidade, como excludente do crime

 Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar   direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.

 

A principal diferença entre eles está na supremacia ou não do bem sacrificado em relação àquele que se pretendia proteger. O supracitado autor ensina ainda:

 

[...] Em outras palavras, caracteriza-se o estado de necessidade quando alguém, para proteger um bem jurídico, acaba por sacrificar outro bem juridicamente tutelado, e a comparação entre o bem sacrificado e o protegido dará a classificação do fato como abrangido por estado de necessidade exculpante ou justificante [...]

 

[...] No caso em que o bem sacrificado for inferior ao protegido, estaremos diante não de uma excludente de culpabilidade, mas sim de antijuridicidade, consignando o Código que não haverá crime cometido.

 

 

Portanto, na legislação militar, diferentemente do que ocorre na comum, o Estado de Necessidade, dependendo do bem sacrificado, pode ser caracterizado como excludente da antijuridicidade ou de culpabilidade.

 

2.6.2 Do excesso

Tanto na esfera penal militar como na comum, existem as hipóteses do excesso praticado pelo agente que atua amparado por uma das excludentes de ilicitude. São elas:

a) Excesso doloso (art. 46 do CPM e art. 23, parágrafo único do CP). No caso em questão, o agente poderá ter sua pena atenuada pelo o juiz. O CPM desbobra as consequências para o excesso culposo e doloso, o que não acontece no CP comum, que trata de ambos da mesma forma;

b) Excesso culposo (art. 45 do CPM e art. 23, parágrafo único do CP). O agente é punido a título de culpa, caso haja a previsão dessa modalidade para o delito.

 

Além desses, o Direito Penal Militar prevê, sem igual correspondente na legislação penal comum, o excesso escusável (art. 45, parágrafo único do CPM). Ocorre em situações causadas por indubitável surpresa ou invencível perturbação do ânimo em face das circunstâncias de inexigibilidade de conduta diversa. Inteligência do supramencionado artigo: 

Art. 45. O agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se este é punível, a título de culpa.

Parágrafo único. Não é punível o excesso quando resulta de es­cusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação. (grifei)

Art. 46. O juiz pode atenuar a pena ainda quando punível o fato por excesso doloso.                     

O instituto em tela é cabível em qualquer hipótese na qual o agente atue sob o manto de uma das excludentes de ilicitude, quando há excesso culposo, sendo muito mais comum a ocorrência em situações de legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal, principalmente na atividade policial militar.  É possível citar como exemplo, um policial militar que dá voz de prisão a uma série de pessoas que praticavam destruição do patrimônio público na via e ao perceberem a inferioridade numérica da guarnição policial, vamos imaginar que são apenas dois policiais, resistem e atacam os policiais com pedradas. Quando um policial consegue se aproximar de um deles e imobilizar para efetuar a prisão, o agressor tenta pegar sua arma, o policial o impede, efetuando um golpe de bastão que fratura o braço do agressor. Na situação mencionada, além da surpresa, há uma inquestionável perturbação do ânimo. 

No que é alusivo à perturbação do ânimo do agente é prudente certificar que, em toda ação policial militar, em territórios conflagrados, a exemplo do que ocorre nas comunidades do Rio de Janeiro, dominadas por traficantes de drogas, os quais empregam armamentos de guerra contra as tropas policiais, será uma ação na qual o militar estará sob o pálio do art. 45, parágrafo único, e o excesso de sua ação, se culposo, estará isento de pena, e se doloso, poderá ter a pena atenuada. Isso porque, o militar, ao pisar nestes territórios, ficará na iminência constante de ser alvo de armamentos de grosso calibre ou explosivos utilizados por marginais da lei, podendo, a grosso modo, ter suas vísceras expostas, um de seus membros extirpados ou sua maça encefálica espalhada, tendo como consequência disso tudo, a morte ou a incapacitação permanente. Em que pese haver uma necessidade de seleção de pessoas qualificadas psicologicamente para esse tipo de ação, não existe mecanismo categórico que o faça. Portanto, se faz necessário, inquestionavelmente, o reconhecimento do dispositivo em questão nas ações policiais dessa natureza.

Esse é, possivelmente, o único dispositivo, em tese, mais benéfico ao agente previsto na legislação militar em comparação à comum. As características das atividades e operações militares, sem dúvidas impõem uma carga de estresse e perturbação do ânimo muito superior à que o cidadão comum está submetido no seu dia a dia. Assim, entendeu o legislador que a aplicação da lei penal deve ser mais ponderada quando se trata das excludentes de ilicitude, pois os militares estão sujeitos a essas situações com muito mais frequência e com alto grau de risco para a vida e integridade física.

 

    2.6.3 O Projeto de Lei Anticrime

No dia 04 de fevereiro de 2019, o Exmo. Sr. Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Fernando Moro, anunciou o Projeto de Lei nº 882/2019 de codinome “ANTICRIME”, que estabelece medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa. Grande ponto de mudança e foco dos olhares atentos da sociedade e das autoridades estão os novos conceitos e circunstâncias trazidas para a legítima defesa. Diante disso, será analisado se alteração no art. 23 do Código Penal acarretará mudanças ou benefícios no contexto de uma ação policial militar.

 

As alterações no Código Penal comum estão previstas da seguinte maneira:

 

IV)

Mudanças no Código Penal:

"Art.23........................................................................

§ 1º O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

§ 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção." (NR)

 

O antigo parágrafo único seria revogado, passando a ser o parágrafo 1º, com mesmo teor, e acrescentaria o parágrafo 2º, a grande mudança desse artigo, que permite ao juiz reduzir ou deixar de aplicar a pena. A proposta vai ao encontro com o mesmo fundamento encontrado no Código Penal Militar. O promotor de Justiça [2]Anderson Batista de Souza, traz e seu artigo uma análise comparativa das distinções contidas no Projeto que podem ser pontuadas em relação ao Código Penal Militar, tais como:

 

a) o Projeto inclui o elemento anímico “medo”, não adotado pelo Código Penal Militar, por opção dada diante da incompatibilidade com a missão própria do militar;

b) a exculpante e a minorante previstas no Projeto são aplicáveis tanto no excesso culposo, quanto no excesso doloso, ao passo que a exculpante prevista na legislação militar só é aplicável ao excesso culposo e a atenuante ao excesso doloso;

c) o projeto traz uma causa geral de diminuição de pena e não uma atenuante genérica como faz o Código Penal Militar.

 

Além desses pontos destacados pelo citado autor, também é importante frisar isso:

 

  d) O Código Penal Militar estabelece que o excesso culposo nas circunstâncias do art. 45, parágrafo único, não é punível, e a nova proposta legislativa deixa a critério do juiz a não aplicação ou a redução da pena.

 

   O supracitado promotor aborda também que o projeto acolhe o que a “jurisprudência e a doutrina já vêm adotando, enquanto causas supralegais de exclusão da culpabilidade, no âmbito da inexigibilidade da conduta diversa, bem como, a solução legal prevista no Código Penal Militar, que indica que não trará maiores dificuldades aos operadores jurídicos, senão o reforço da segurança jurídica de sua aplicação, outrora inexistente.”

Então seria esse um “benefício” para o policial militar em serviço que incorre em um crime dolosos contra a vida de civil? A resposta é NÃO!

Na hipótese em que o policial militar, atuando em legítima defesa com excesso, matar alguém, não será beneficiado pelo novo dispositivo da Lei Anticrime, pois, em que pese sua semelhança com o art. 45, parágrafo único do CPM, este é mais benéfico, em razão de afirmar que o “agente não é punível” (mandamento legal), enquanto que na legislação comum, ficaria a critério do juiz (subjetivo). Em outras palavras, o juiz pode identificar as circunstâncias previstas na lei (medo, surpresa ou violenta emoção) e mesmo assim aplicar a pena, podemos concluir assim, que não haverá segurança jurídica para esses casos.

E no caso do policial militar de folga, há benefício? A resposta é DEPENDE!

Analisando agora uma situação na qual o policial militar esteja de folga, e tenha que se engajar em confronto armado para defender sua vida, é possível enxergar isso por dois vieses: Se entender que o policial atuou em razão da função, como há previsão na alínea c, inciso II, do art. 9º do CPM, ainda estará sob o pálio da legislação penal militar e se aplicaria o art. 45, parágrafo único do CPM.

De outra forma, ficará sob égide da legislação penal comum e com essa alteração do art. 23 do Código Penal, haveria a possibilidade de incorrer na escusa do excesso doloso ou culposo, pelas hipóteses previstas (medo, surpresa ou violenta emoção). Considerando ainda os mesmos comentários supramencionados com relação à situação emocional vivenciada pelo policial militar, que está em confronto armado, qual o juiz vai afirmar que em face da morte o policial não esteja com medo? Ou sob violenta emoção? Ainda que pouco provável, é possível, pois a lei permitiria, e como já afirmado, a pena poderia ser aplicada.

Cabe salientar que a segunda hipótese (tratamento dado pela legislação pena comum) é a mais recorrente, ou seja, o policial é processado e julgado na justiça comum. Aliás, mesmo quando em serviço, o policial se processado, será na justiça comum, o que pode dificultar a aplicação do art. 45 parágrafo único do CPM, pois não há promotores e juízes concursados para atuar  especificamente na justiça militar estadual (inexistente do Rio de Janeiro), como há em outros estados. Além do fato dos advogados em geral desconhecerem o Direito Militar.

 Alfim, há entendimentos doutrinários que consideram mais uma modalidade de excesso, o excesso acidental. A previsão legal seria o art. 34 do CPM e art. 19 do CP, com interpretação a contrario sensu. Seriam hipóteses em que o sujeito agindo sob a égide de uma das excludentes de ilicitude, sem a intenção, favorece com sua conduta um resultado mais grave. A agravação do resultado ocorre ao acaso, pelo caso fortuito ou força maior. Há também diversos julgados reconhecendo este instituto no Direito Penal comum. 

TJ-SC - Apelação Criminal APR 200708 SC 2005.020070-8 (TJ-SC)

Data de publicação: 16/08/2005

 

Ementa: JÚRI - HOMICÍDIO SIMPLES - ABSOLVIÇÃO - RECURSO MINISTERIAL - ALEGADA DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS EM VIRTUDE DO RECONHECIMENTO DO EXCESSO ACIDENTAL - AGENTE QUE DESFERE CONTRA A VÍTIMA ONZE FACADAS, SENDO SEIS DELAS NAS COSTAS - EXCESSO EXCULPANTE QUE NÃO TEM SUSTENTO SEQUER NA VERSÃO APRESENTADA PELO RÉU - DECISÃO MANIFESTAMENTE DIVORCIADA DO CONTEXTO PROBATÓRIO - ANULAÇÃO QUE SE IMPÕE - RECURSO PROVIDO

TJ-DF - APELAÇÃO CRIMINAL APR 1921298 DF (TJ-DF)

Data de publicação: 10/02/1999

Ementa: APELAÇÃO. JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA. EXCESSO ACIDENTAL. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. - NÃO É ACIDENTAL O EXCESSO DOS MEIOS EMPREGADOS NA LEGÍTIMA DEFESA QUANDO PROVENIENTE DE CAUSA ADVINDA DA VONTADE HUMANA OU DO SEU CONTROLE, PORQUE SÓ TAIS CAUSAS INFLUEM NA PREVISÃO OU NA POSSIBILIDADE DE SER PREVISTO O RESULTADO DA AÇÃO EXCESSIVA. APELAÇÃO. JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA. EXCESSO ACIDENTAL. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS.

 

 

A ocorrência de um caso fortuito ou da força maior constitui causa superveniente relativamente independente.

 

2.7 Erro no Direito Penal e no Direito Penal Militar

No Código Penal Militar existem o erro de direito (art. 35 do CPM); o erro de fato (art. 36, caput, do CPM); o erro provocado (art. 36, § 2º, do CPM) o erro sobre a pessoa (art. 37, caput, do CPM), a aberratio ictus (art. 37, caput, 1.ª parte, e § 2.º, do CPM) e a aberratio delicti/criminis. (art. 37, §§ 1.º e 2.º, do CPM).

Com o advento da reforma na parte geral do CP comum, referenciada alhures, o erro passou a receber um novo tratamento. As denominações erro de fato e erro de direito foram abolidas da legislação comum e mantidas na militar com a adoção da teoria finalista da ação. Não houve uma simples modificação de nomenclatura. O erro de fato não quer dizer o mesmo que erro de tipo bem como o erro de direito não traduz o mesmo que erro de proibição. O tratamento, na verdade, é que se modificou.

Bitencourt (2014, p. 431) acentua que o erro de tipo e o erro de proibição não representam uma simples renovação de normas, e sim, uma profunda modificação conceitual. Sendo assim, novas concepções, e com novas e maiores abrangências. O erro de tipo abrange situações que, alhures, eram classificadas ora como erro de fato, ora como erro de direito. Por outro lado, o erro de proibição, além de incluir novas situações (a exemplo dos limites ou a existência da legítima defesa), antes não consideradas, abrangendo diversas hipóteses outrora classificadas como erro de direito. 

O erro de direito e o erro de fato, abolidos do CP comum, são institutos que, atualmente, divergem do erro de proibição (art. 21 do CP) e erro de tipo (art. 20 CP).

Como acentua Alves Marreiros (2015, p. 993)

 

O que o Código Penal Militar denomina de erro de direito vem a constituir conceitualmente tanto aquilo que se entende no Código Penal comum como desconhecimento da lei (art. 21, caput, 1.ª parte) – “A pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em se tratando de crime que atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por ignorância (...) da lei, se escusáveis” – quanto ao que o Código Penal comum denomina de erro de proibição (art. 21, caput, 2.ª parte, e parágrafo único) – “A pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em se tratando de crime que atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por erro de interpretação da lei, se escusáveis”. O erro de direito, portanto, não é idêntico ao erro de proibição, e na sistemática do Código Penal Militar não exclui a culpabilidade, não isentando o réu de pena, no que difere do erro de proibição do Código Penal (que eventualmente elimina a culpabilidade, isentando o réu de pena).

 

 

Coimbra Neves (2014, p. 263), no que concerne à sistemática adotada pelo CPM para o erro jurídico penal, anota que, no CPM, apresenta-se sob as formas de erro de direito (art. 35) e erro de fato (art. 36), sendo, como regra, impossível o translado do erro de proibição e do erro de tipo do Código Penal comum para os crimes militares.

 

2.8 Descriminantes putativas

O Código Penal Militar não prevê expressamente o instituto da legítima defesa ou do estrito cumprimento do dever legal putativos como preconiza o CP comum, “art. 20 § 1º É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima...”

Como ensina Alves Marreiros (2014 p. 981), putativo significa algo imaginário:

 

Descriminantes putativas, assim, são situações em que o agente acredita falsamente, supõe erroneamente, crê equivocadamente estar diante de uma causa de exclusão da antijuridicidade, que na realidade não existe nas circunstâncias do caso concreto; e assim, imaginando o que não existe, o sujeito pratica ação ou omissão confiando estar amparada por uma causa de exclusão da ilicitude, supondo estar em conformidade com o direito, quando na realidade não está

 

Em contrapartida, em uma breve análise da legislação penal militar, é possível identificar como correspondente o erro de fato permissivo escusável, tanto quanto à consequência jurídica (a isenção de pena), quanto à sua natureza (causa de exclusão de culpabilidade). Inteligência do art. 36 do CPM, in verbis: 

Erro de fato 

Art. 36. É isento de pena quem, ao praticar o crime, supõe, por erro plenamente escusável, a inexistência de circunstância de fato que o constitui ou a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima.

 

Além disso, o STM reconhece as descriminantes putativas (legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal imaginários) na legislação militar:

 

“É mantida a absolvição do acusado, soldado do Exército, que, durante o serviço de sentinela num quartel próximo a uma favela de Porto Alegre/RS, conhecida pela sua marginalidade, no deslocamento de um posto para outro, surpreendido por um vulto, bem próximo, movendo-se entre arvoredos, num local escuro e suspeito, sem possibilidade de identificação, dispara a sua arma atingindo o alvo, vindo a saber, posteriormente, que a vítima era um colega de farda. Excesso culposo não caracterizado. Indiscutível estado de medo. Não há excesso culposo decorrente de disparo de arma se isso ocorre em uma situação de susto. A surpresa o fez acreditar, no momento, estar diante de um perigo inesperado. Afetado em seu controle emocional não percebeu o desenvolvimento da arma, que passou direto de tiro de festim para rajada. Observância do Regulamento Interno dos Serviços Gerais. Dispensabilidade. O RISG admite a dispensa dos procedimentos no caso de ameaça clara de agressão (art. 2.º, I, f). Configuradas as excludentes de ilicitude: legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal putativos. Improvido apelo ministerial. Unânime” (STM, Ap. 2004.01.049813-3/RS, rel. Min. Olympio Pereira da Silva Junior, j. 03.10.2006). (Grifei)

 

Portanto, a título de ilustração, o militar que, devido as circunstâncias e natureza do local, em um confronto armado vir a ferir mortalmente um civil que porta uma furadeira (confundida com uma arma de fogo), estará amparado por este instituto ou o análogo do CP comum. Esse foi o caso do policial militar [3]Leonardo Albarello, que atirou e matou um homem que segurava uma furadeira, durante operação policial no Andaraí (zona norte do Rio), em maio de 2010, foi absolvido, como noticia a Folha de S. Paulo. Na sentença — do dia 12 de dezembro —, o juiz afirma que "qualquer policial teria a mesma ação que o agente, nas mesmas circunstâncias em que este se encontrava.

 

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Sobre o autor
Leone Pinheiro Borges

Oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (CFO-PMERJ); Ex-Oficial da Reserva do Exército Brasileiro (CFOR-MatBel); Especialista em Operações de Choque – (COPC-PMERJ); Paraquedista Militar (C Bas Pqdt); Bacharel em Direito; Pós-graduado em Direito Penal Militar e Processo Penal Militar; Pós-graduado em Ciências Jurídicas; Pós-graduando em Medicina Legal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Leone Pinheiro. Código Penal e Código Penal Militar: Uma comparação sob a égide da Lei n. 13.491/17. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5874, 1 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74076. Acesso em: 22 nov. 2024.

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