Resumo: A corrupção é um câncer putrefeito que aniquila a qualidade de vida do povo, corrói a sociedade e detona a esperança de uma Nação. O texto discorre sobre o pandêmico fenômeno da corrupção no Brasil, corrosivo e constante, enfrentando causas e efeitos desse mal que dizima e assola brutalmente a estrutura da humanidade. Aborda temas inovadores como a teoria da putrefação do poder político, o malicioso projeto do chapa-branquismo sistêmico no país, a constante técnica de construção de um sólido empoderamento e base de blindagem do poder decisório, este literalmente contaminado por profundas ideologias e marcas indeléveis das manobras políticas para assegurar a perpetuação do poder em face do forte esquema de garantia da impunidade por atos lesivos a sociedade.
Palavras-chave: Corrupção; teoria; putrefação; poder; político.
Não há necessidade de estudos científicos para confirmar os efeitos danosos causados por essa doença devastadora, corrosiva. Os estudos farmacológicos são desesperançosos. A luz foi embora; a escuridão atrapalha enxergar uma direção segura. Na claridade, entrementes, os sintomas são conhecidos, as consequências nefastas todo mundo conhece, a história se repete com muita frequência. Coração arrebentado, milhões de neurônios destruídos, portanto, a saúde comprometida. Não existe vacina, a ciência não consegue estancar sua hemorragia. Na educação, um flagelo; não existe fórmula milagrosa para equacionar o problema. Na segurança pública e no sistema de justiça, uma guerra declarada, mas os atores do movimento beligerante estão desarmados, combatendo os malfeitores com flores nas mãos, todos perdidos, sem armas e sem munições. Uma luta sem fim, ferida que não cicatriza; algo imundo, nojento, que avilta, causa dor, sofrimento, provoca fome, destruição em massa.
Compromete o desenvolvimento sustentável, enfraquece as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça. Uma expressão muito conhecida desde os tempos remotos: são nove letras que destroem a esperança de um país, fuzilam covardemente o povo brasileiro. Provoca um massacre imperdoável, um processo de deterioração sistêmica do país, fruto de uma anarquia clara, evidenciada por meio de uma anomia social. O nome dessa enfermidade gravíssima e incruenta é corrupção.
É claro que o tema corrupção sempre despertou grandes interesses sociais, jurídicos, filosóficos e repercussões econômicas, sendo certo que quase todo mundo já ouviu falar ou soube de alguém que foi preso sob acusação de desvios do dinheiro público, seja por informações de noticiários televisivos ou redes sociais, estando este tema sempre presente nas rodas de conversa. Mas, afinal de contas, o que é corrupção? Quais os compromissos do Brasil com a comunidade internacional? Qual a sua previsão legal? Quais as medidas preventivas e repressivas, além de outras?
Com o advento do Código Penal em 1940, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro, o citado comando normativo logo se incumbiu de criar ao menos quatro categorias de condutas desviantes puníveis na forma do estatuto repressor: peculato, concussão, corrupção passiva e corrupção ativa.
Em simples palavras, peculato ocorre quando o funcionário público se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou o desvia em proveito próprio ou alheio. A pena prevista é de reclusão de dois a doze anos, além de multa.
O crime de concussão ocorre quando o servidor público exige para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. A pena é a mesma do crime anterior.
De outro lado, o Código Penal pune com pena de até 12 anos de reclusão o agente público que venha a solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. Essa conduta configura corrupção passiva, prevista no artigo 317 do CP.
A quarta conduta vinculada à corrupção é a chamada corrupção ativa, crime praticado pelo particular, conforme previsto no artigo 333 do CP, consistente em oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. O ideal nesses dois últimos crimes é que aquele que oferece e aquele que recebe deveriam ser presos na mesma cela, com a mesma pena, de até 12 anos de reclusão, pois ambos são igualmente criminosos e imorais.
Depois da edição do Código Penal em 1940, outras legislações vieram fortalecer as medidas preventivas e repressivas na tentativa de proteger a Administração Pública dos sanguessugas dos cofres públicos. Um exemplo é o Decreto nº 5.687, de 2006, que oficializou a adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida. Esse tratado busca conter a hemorragia da corrupção, pois essa prática atenta contra a ordem jurídica, contra os direitos humanos e contra a própria existência da humanidade.
Nessa mesma toada, o Brasil ratificou a Convenção de Palermo, por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, promulgando, destarte, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. A presente convenção definiu grupo criminoso organizado como sendo o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.
Nos artigos 8º e 9º, os países se comprometem a criminalizar os atos de corrupção e adotar medidas contra essa prática, sobretudo promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos.
Por crime organizado, a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, em seu artigo 1º, § 1º, considera-se a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Para o combate eficaz ao crime organizado, sobretudo em face da corrupção, é premente salientar a fragilidade do sistema de persecução criminal brasileiro, naquilo que chamamos de grave sistema de justiça criminal, em especial nas fases investigativas e processuais. Reconhece-se a necessidade da criação de laços sólidos de colaboração transnacional, considerando tratar-se de um problema de âmbito global.
É urgente acabar com a farra do sistema de recursos intermináveis, cabíveis a cada passo da investigação, a cada etapa processual, o que causa prejuízos aos anseios sociais, mas sempre com a consciência da necessidade inarredável de se preservar o sistema de garantias. O que a sociedade mundial clama urgentemente é por uma justiça que realmente funcione na sua inteireza.
Assim, lamentavelmente, a corrupção generalizada no Brasil, com indubitável desvio de finalidade, apresenta obstáculos intransponíveis para a adoção de políticas públicas de implementação dos direitos humanos, configurando, portanto, uma lesão de difícil reparação.
A violência aqui referenciada é justamente a negação, por parte do Estado, dos direitos constantes do mínimo existencial, como saúde para todos, educação de qualidade e segurança efetiva, garantindo uma existência humana digna. Isso exige prestações estatais positivas e, somando-se aos altos índices de criminalidade – aqui entendida como o somatório das infrações penais –, chega-se à conclusão de que o Brasil é um dos lugares mais perigosos do mundo para se viver.
É caso de vida ou morte implantar no Brasil um forte aparato legislativo aprimorado, contemplando a figura criminosa da corrupção entre particulares, cujo modelo pode ser inspirado no artigo 286 do Código Penal Espanhol. Além disso, propõe-se a criação de penas mais rígidas para punir corruptos, a rotulação do crime de corrupção como crime hediondo, e a possibilidade da criação de uma nova modalidade de prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado, não como forma de pena, mas como execução indireta, nos moldes do que ocorre hoje com a prisão por dívida alimentar, prevista no artigo 911 usque 913 do Código de Processo Civil, que determina o regime fechado para o devedor de alimentos.
Para não restar nenhuma dúvida, preste atenção nos próximos versos. Para ser claro como qualquer expressão algébrica, preciso como a evidência, límpido como o sol que derrama seus raios estilhaçados neste momento no alto do Jardim Iracema, em Teófilo Otoni, nas Minas Gerais, berço da liberdade, o que se exige, na moral, com todas as letras, é JUSTIÇA EFETIVA e não simplesmente uma justiça do faz de conta.
O delinquente, em especial aquele inserido na criminalidade política organizada e orquestrada, deve ter a certeza da punição, qualquer que seja a graduação da pena. A investigação empreendida, devidamente coordenada e harmoniosa, em perfeita sintonia entre pessoas, meios, organização e estratégias, é, sem dúvidas, a melhor direção.
No entanto, é preciso cumular a pena privativa de liberdade com a possibilidade concreta de varrer, definitivamente, dos portais da Administração Pública os sanguessugas do povo, os insensíveis chacais sociais, os roedores de ossos inacabados.
Precisamos de justiça rápida e eficiente, sem abrir mão da preservação das garantias fundamentais. Uma decisão judicial que demora excessivamente atenta contra o direito à razoável duração do processo, conforme artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República de 1988.
REFLEXÕES FINAIS
“Um número muito pequeno de leis será suficiente em um Estado bem ordenado, com um bom príncipe e magistrados honestos, e se as coisas forem diferentes, nenhuma quantidade de leis será suficiente.” 1
Considerando a alta complexidade do tema e a necessidade de discorrer com amplitude para melhor entendimento do assunto, mister se faz deixar lançados pequenos raios de luz em linhas gerais acerca da temática em testilha. Isso se justifica, pois, como bem ensina Radbruch2, não constitui segredo para ninguém que é justamente da essência do direito o fato de não ser possível renunciar à sua eterna condenação de ver somente as árvores e jamais a floresta. Contentamo-nos, pois, com as árvores, sem, todavia, cometer o desatino de negar a existência das florestas.
O que se vive no Brasil hoje, ao que parece, ou pelo menos deixa transparecer, é uma inequívoca e mera transferência de bastão nos atos de corrupção, num esquema de prova de revezamento, em que todos estão entrelaçados e misturados em um objetivo semelhante: a comercialização de fumaça nas promessas de combate. Por mais que se criem medidas, regras, leis e regimentos, nada disso tem eficácia. O grave problema permanece e persiste, pois novas descobertas de dinheiro são realizadas diariamente. Desvios em orçamentos secretos, escândalos constantes, entrada e saída de governos, mas a doença persiste. Não existe remédio eficaz, o estado de saúde do paciente é gravíssimo. Há um forte esquema de desvios de dinheiro público: dinheiro em cuecas, homiziado em orifícios inimagináveis, escondido em cofres, desviado até mesmo de vacinas.
O que se vê é um modelo de chapa-branquismo sistêmico, nas palavras do brilhante jornalista Felipe Moura Brasil3, uma espécie de sabotagem do combate à corrupção e à impunidade. Assim, o que existe neste país é uma doença corrosiva, infectocontagiosa e em continuidade delitiva, com crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outros aspectos semelhantes, adotando um sistema de perdão difuso no enfrentamento à punição dos asseclas e compartícipes do esquema que tomou conta do país. Tudo isso ocorre aos olhos de um sistema de justiça exangue, fracassado, parcial e politizado, um mecanismo perfeito para a instalação de um contagioso estado de caos, em detrimento dos interesses da coletividade.
O povo cansou, a paciência esgotou-se. Faz-se mister a adoção de medidas sérias de enfrentamento à corrupção, mas que sejam ações concretas, viáveis e sem embromações. Medidas urgentes de investimento na promoção da política de transparência e prevenção devem receber prioridade, pois a repressão tem se mostrado insignificante e ineficiente. Assim, trabalhar a prevenção, a exemplo do fomento ao reportante do bem, chamado doutrinariamente de whistleblower, aquele que oferece informações úteis para a prevenção, repressão ou apuração de crimes e ilícitos administrativos. Caso necessário, essa prática pode incluir o oferecimento de recompensas e vantagens, medida já prevista na legislação brasileira com o advento da Lei nº 13.608, de 2018. Mais do que isso, faz-se necessária a adoção de medidas de combate às fraudes fiscais e a implementação de normas preventivas contra a corrupção e a impunidade.
E nem adianta mudar por mudar, simplesmente trocar as vestes, as medidas do manequim ou as caras na galeria de fotos. Isso porque persiste no país a moderna teoria da putrefação dúplice do poder político, uma construção contemporânea que propõe uma análise meticulosa da atual conjuntura brasileira.
Por Teoria da Putrefação Política, entende-se a existência de uma doença incurável, onde há, de um lado, um verdadeiro monte de abutres devorando um corpo putrefeito em adiantado estado de decomposição – um processo insofismável de necrófagos pelo poder. Todos são vorazes e famintos, verdadeiros sinecuras do poder, mas ninguém deseja perder as regalias desse manancial de facilidades.
De outro lado, surgem os carniceiros do poder, igualmente ávidos, invejosos, disputando a carniça podre que resta. Como consequência, instala-se o conflito social, o choque entre grupos antagonistas, cada qual defendendo sua cota-parte no processo de decomposição.
Quando alguém se propõe a resolver a questão, a sepultar o mal, sem jamais se posicionar como um salvador da pátria, mas apenas em busca de uma insofismável assepsia social, logo surge um verdadeiro exército de asseclas da ‘Ndrangheta digital. Ferozes anônimos do mal, varapaus da ignorância, utilizando-se da estupidez e da agressão, berrando em uníssono: "Pega esse idiota e enterra!".
Portanto, a moderna teoria da putrefação do poder político é uma doutrina recente, nascida das claras manifestações do modelo atual de erosão do erário público. Um modelo que permite a dilapidação do patrimônio nacional, algumas vezes claramente, outras vezes por meio do uso de laranjas, numa sólida técnica de lavagem de dinheiro.
Assim, grupos antagonistas, sorrateira e agressivamente, travam uma guerra silenciosa e imunda, apresentando-se com pele de cordeiro, prometendo libertar a sociedade da opressão e do jogo sujo de manipulações maliciosas, quando, na verdade, seu verdadeiro objetivo é viver à custa da sociedade.
Como bem assegura o excelso Alessandro Visacro4, as guerras já não são mais as mesmas. Em vez de confrontação militar formal, o mundo vem assistindo a uma série de guerras "irregulares", como terrorismo, guerrilha, insurreição, movimentos de resistência e conflitos assimétricos em geral.
Por fim, a teoria da putrefação do poder político se camufla sob um jogo de estratagemas e técnicas do mal, onde a força bruta bélica é substituída por guerreiros desarmados e velados, que se apresentam socialmente ajustados, mas acometidos pela síndrome do engodo e de caráter desviante.
São indivíduos envoltos por uma aparência socialmente aceitável, mas, por dentro, possuem um invólucro recheado de psicopatia aguda, com alto nível de transmissão e traços de desvio de caráter. Esses seres peçonhentos são capazes de sangrar o coração do adversário, rompendo os obstáculos à sua frente, ainda que tenham que cometer matricídios covardes e cruéis, apenas para afastar aqueles que se interpõem entre eles e o poder.
O que resulta desse cenário é um morticínio social, onde grupos rivais são brutalmente eliminados, tentando impedir que seus desejos amesquinhados e sede de poder sejam obstaculizados.
Assim, arremata-se, em breve síntese, que a corrupção produz inevitáveis monstros sociais, verdadeiros peçonhentos devoradores insaciáveis do poder, que se intitulam porta-vozes da razão, mas que, na realidade, são transgressores do pacto social, perversos genocidas de plantão.
Tudo isso ocorre porque ostentam brados fortes, gritarias, apelações, rupturas e violações do jogo democrático, utilizando-se de narrativas convincentes e discursos polidos. São amparados por um robusto sistema de blindagem política e jurídica, um escudo protetor à prova de balas, num sólido circuito de manobras que garantem o passe livre e o perdão eterno.
Mas, por trás de toda essa estrutura de proteção, residem fraquezas evidentes, pois violam os direitos humanos, promovendo assassinatos em série – uma espécie clara e insofismável de serial killers da humanidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 07 de junho de 2023.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 07 de junho de 2023.
BRASIL. Decreto nº 5687, de 2006. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5687.htm. Acesso em 07 de junho de 2023.
BRASIL. Decreto nº 5015, de 2004. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em 07 de junho de 2023.
BRASIL. Lei nº 12.850, de 2013. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em 07 de junho de 2023.
BRASIL. Lei nº 13.608, de 2018. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13608.htm. Acesso em 07 de junho de 2023.
Notas
1 ROTERDÃ. Erasmo. Teólogo e filósofo holandês. A educação de um príncipe cristão”, presente no livro “Conselhos aos governantes”.
2 RADBRUCH. Gustav. Foi professor de direito na Universidade de Heidelberg.
3 BRASIL. Felipe Moura. É jornalista, escritor, apresentador e comentarista.
4 VISACRO. Alessandro. Coronel do Exército Brasileiro, graduado na arma de infantaria pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1991. Guerra irregular: Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.