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Capa: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O golpe dos palhaços não só fracassou, como eles produziram toneladas de provas contra si próprios

23/06/2023 às 09:57
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A tentativa de golpe liderada pelo presidente brasileiro fracassou e o país segue em direção à eleição de 2022. A previsão de um governo ultradireitista de longa duração nunca se concretizou.

Graças à eficiência da Polícia Federal, que se vinga exemplarmente do Bozo por a haver encabrestado em 2020, conhecemos agora todo o roteiro, o protagonista e os coadjuvantes do golpe dos palhaços.

Tal atração fracassou de forma tão acachapante que o Circo dos Horrores recolheu sua lona no início de janeiro e a única perspectiva de que ela seja erguida de novo é para uma longa temporada na Papuda.

De resto, mais uma vez se confirmam todas as previsões que eu divulguei e a esquerda fez questão de ignorar, preferindo marchar, como sempre, a reboque dos acontecimentos ao invés de antecipar-se a eles.

Quem pelo menos leu meus artigos, sabe que eu jamais acreditei na consolidação de um governo proveniente de nova quartelada ultradireitista. De início, admiti a possibilidade de um êxito inicial, mas argumentei que logo se tornaria insustentável, por força do isolamento internacional e da impossibilidade de tirar a nossa economia do fundo do poço.

Ou seja, teria vida curta, ao contrário das duas ditaduras do século passado, que duraram 15 e 21 anos, respectivamente.

Foi em 2019 que uma tomada militar do poder, seguindo a tradição das repúblicas bananeiras do século passado, teve maior chance de êxito.

Só que o parasita do baixo clero jamais foi um líder ultradireitista à altura de seus inspiradores, como Hitler e Mussolini. Não passava de um ladrão de galinhas despreparado para o exercício do poder que lhe caiu no colo.

Então, deixou passar 2019, deixou passar 2020 e em janeiro de 2021 perdeu a única sustentação externa que poderia facilitar seu sonho golpista, pois a posse de Joe Biden na presidência colocou os EUA como opositores e não cumplices da insânia bozista.

Foi quando ele se deu conta de que poderia ser expelido do governo pela via eleitoral, pois talvez não lhe sobrasse tempo suficiente para apenas ir tomando o poder aos poucos, por dentro, como outrora fizeram Hitler (após o fracasso do putsch da cervejaria), Mussolini (após a mera demonstração de força que foi a Marcha sobre Roma) e, no século atual, Erdogan, Orban, Putin e outros autocratas.

Assim, marcou o golpe para 7 de setembro de 2021, mas aí nada aconteceu, os tanques fumegantes no desfile militar em Brasília viraram piada e o genocida foi correndo sentar-se no colo do Michel Temer, suplicando-lhe que desse um jeito na lambança que aprontara.

Foi quando tive certeza de que a cúpula do Exército não botaria as tropas na rua simplesmente para eternizá-lo no poder. Antes, eu já advertia que os fardados só derrubam governos no Brasil em benefício de oficiais superiores, não de um tenente amalucado que teve de pedir baixa para não ir em cana.

Era uma opinião minha que a esquerda nem de longe compartilhava. Mas, eu tinha no que me basear.

Primeiramente, convivi na VPR com muitos antigos militares, principalmente o comandante Carlos Lamarca. E o quadro que eles me pintavam do oficialato era de que:

  • tenentes e capitães, com longo tempo pela frente até chegarem ao topo da carreira, tinham maior propensão ao golpismo;

  • majores, já no meio do caminho, eram (são) mais reticentes face ao risco de botarem a perder todo o tempo já investido, preferindo esperar para alinharem-se com os vitoriosos do que tomarem partido enquanto o desfecho está indefinido;

  • tenentes-coronéis, coronéis e generais (de brigada, de divisão e de exército) já detêm considerável poder e amplos privilégios, então, em sua maioria, querem mais é que seja mantido o status quo.

Outro fator fundamental era o de que, desde a convivência dos oficiais da Força Expedicionária Brasileira com seus congêneres estadunidenses nos campos de batalha da Itália, entre ambos se estabeleceu uma relação de pai e filho, que ficou extremamente nítida na tramoia para a conquista do poder no século passado.

Os conspiradores castelistas sempre tiveram o apoio discreto da CIA e do Pentágono, mas na primeira tentativa de virada da mesa, em agosto de 1961, os padrinhos estadunidenses não tinham autonomia para apoiá-los de forma mais efetiva, já que o presidente John Kennedy os mantinha sob rédeas curtas. Bastou ele ser assassinado e o condescendente Lyndon Johnson assumir para o golpe brasileiro ser desfechado (nem cinco meses depois!).

Então, às vésperas do Dia da Pátria que marcava o bicentenário de nossa independência, cansei de escrever que a nova micareta golpista floparia da mesma maneira que a anterior. E não deu outra coisa.

A derrota do bufão na eleição presidencial e seu abandono do governo supostamente para não passar a faixa ao Lula (na verdade, uma manobra do vacilão para torcer pelo êxito do golpe que engatilhara mas fingir-se de inocente caso houvesse novo fiasco) criaram o pior cenário possível para, em desespero de causa, promoverem o badernaço de 8 de janeiro.

Depois de refugarem durante quatro anos, partiram para o tudo ou nada quando a vaca já tinha enterrado até os chifres no brejo. E o resultado foi nada, obviamente.

Vou encerrar com um desabafo: não só fui um dos primeiros a prever que o histrião tinha chance de vitória e deveria ser encarado pela esquerda como o inimigo principal, como passei os quatro anos de seu desgoverno infame antecipando cenários futuros e apontando caminhos melhores do que os depois adotados.

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A minha maior mágoa é que só os secundaristas de São Paulo e algumas torcidas organizadas de futebol tiveram a coragem de confrontar os bolsonaristas a céu aberto, naquela jornada que deveria ter sido o ponto de inflexão a partir do qual a esquerda tinha tudo para retomar a iniciativa, assumindo pra valer a bandeira do impeachment de um presidente que sabotava o combate científico a uma pandemia devastadora, maximizando as mortes de brasileiros.

Se hoje quem realmente detém as rédeas do poder é o centrão, com o Lula reduzido a pouco mais do que uma rainha da Inglaterra, isto se deve a não ter sido a esquerda que verdadeiramente derrotou o bolsonarismo, o qual jamais passou de um balão inflado quando convinha ao poder econômico e adiante esvaziado pelo mesmíssimo motivo.

Saímos pela porta do fundo da ditadura militar e repetimos a dose agora. Enquanto não forjarmos uma esquerda que conquiste por si própria seus triunfos, ao invés de pegar carona nos esquemas dos inimigos de classe, continuaremos apenas coonestando a perpetuação do capitalismo e torcendo para que ele não cause a extinção da espécie humana.

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Sobre o autor
Celso Lungaretti

Jornalista, blogueiro, escritor e veterano da resistência à ditadura militar. Ingressei na luta contra a ditadura militar ainda secundarista, aos 17 anos. Passei um ano na clandestinidade, como dirigente estadual da VPR e VAR-Palmares. Preso, sofri uma lesão permanente que me prejudicaria tanto no convívio social quanto nos desempenhos profissionais. Mesmo assim, fiz longa carreira jornalística. Hoje sou escritor, articulista e blogueiro, atuando frequentemente na defesa dos direitos humanos. Observador atento da cena política brasileira há mais de meio século, além de haver sido, aos 18 anos, o primeiro e único comandante de Inteligência de uma organização que travava a luta armada, tento dar aos leigos no assunto um quadro realista das perspectivas atuais, para dissipar um pouco das paranoias e alarmismos que tantos pesadelos lhes causam .

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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