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Silêncio administrativo:

uma análise dos seus efeitos

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02/10/2007 às 00:00
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5 A Inconstitucionalidade do Silêncio ADMINISTRATIVO

Tendo o capítulo anterior sido reservado à análise panorâmica de alguns dos princípios constitucionalmente abrigados e sabendo-se que todos eles hão que orientar o comportamento da Administração Pública, sob pena de restar maculada aquela atuação, demonstrar-se-á a inconstitucionalidade do silêncio administrativo.

Como cediço, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXIV, inscreve, no rol dos direitos fundamentais do cidadão, o direito de petição, consubstanciado na faculdade de se dirigir aos Poderes [35] Públicos – dentre os quais se encontra a Administração – petição para a defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

Nenhuma utilidade prática restaria em tal previsão, todavia, se não se compreendesse que, como corolário do direito de petição do administrado, emerge o dever de resposta da Administração, sendo, na lição de Horacio D. Creo Bay, "las caras de uma misma moneda" [36].

Dessa forma, o silêncio administrativo, não se consubstanciando efetiva manifestação da Administração, sendo, antes, a sua própria inércia, acarreta frontal vilipêndio ao dever de resposta constitucionalmente assegurado, caracterizando-se, por tal fato, como um comportamento desconforme à Ordem Jurídica vigente.

Ademais, sabendo-se que a Administração apenas poderá atuar na exata medida em que se revele transparente, não admitimos que no silêncio se identifique uma resposta implícita, pois, em tal hipótese, restaria cerceado o direito dos cidadãos defenderem-se de eventuais arbitrariedades dos administradores, que deveriam sempre se comportar como os meros servos do interesse público que são.

Assim, não basta que se conceda ao administrado uma resposta, sendo indispensável, em harmonia a tudo quanto se disse acerca da transparência das atuações administrativas, que tal decisão seja acompanhada de um "porquê" inteligível por todos os interessados. Faz-se necessária, portanto, a consignação – expressa e prévia – das razões daquele comportamento, pois só assim será possível ao administrado fiscalizar a atuação da Administração, com vistas a que esta jamais descure dos interesses verdadeiramente públicos.

Ora, não se está diante de uma relação privatística, em que às partes é facultada a possibilidade de acordarem, verbi gratia, que onde se silencia, haverá uma aquiescência ou negação. Assim, não pode, o administrador, contrariando toda uma estrutura legalmente pré-fixada – em que a forma do ato administrativo, como se disse alhures, é o conteúdo da liberdade do administrado –, furtar-se ao dever de manifestar-se expressa e fundamentadamente, pretendendo que sua inação se consubstancie uma resposta. Deverá sempre demonstrar, escoimando quaisquer dúvidas, que seu comportamento deriva da observância estrita de preceitos legais, dever este que, nas situações de silêncio da Administração Pública, não se consegue cumprir.

Sobre tal questão, registramos que quando a lei atribui efeitos ao silêncio – questão que será abordada com mais minúcias no momento oportuno – não o faz como permissão da incúria do administrador, legitimando o descumprimento dos seus deveres. A previsão de efeitos para o silêncio é, em verdade, medida que, invocada posteriormente à inatividade, se presta a evitar - ou minimizar - as perniciosas conseqüências a que fica vulnerável o administrado. Em outras palavras, cuida-se de um remédio tendente a reduzir os sintomas sentidos pelo particular que se depara com o "quadro patológico de extrema gravidade" [37] que é o silêncio paralítico da Administração Pública.

Pode-se, então, afirmar que a previsão de efeitos para as hipóteses em que o exercente da função administrativa mantenha-se inerte é medida que sai em socorro do administrado e não, da própria Administração, de maneira que não é possível ao gestor valer-se de tal previsão para deixar de cumprir seus deveres. Nesse sentido, sustenta Horacio D. Creo Bay:

Pero esta presunción de la ley – lo reiteramos – establecida a favor del particular. Es su facultad, no un derecho de la Administración. Esta no queda eximida de su deber de pronunciarse ni puede escudarse en esta disposición legal para no dictar resolución expresa. [38]

Não bastasse, a Carta Maior, assegurando a todos, em seu artigo 5º, inciso XXXV, a inafastabilidade da prestação jurisdicional, confirma a impossibilidade de se admitir o silêncio como um comportamento administrativo sustentável.

Isso porque, ainda para aqueles que insistem em enxergar no silêncio um ato administrativo, irrefutável admitir-se que o desconhecimento das razões que conduzem a determinado comportamento enseja a inviabilidade do Judiciário avaliar, com a amplitude que se faz necessária, se a atuação administrativa - in casu, inatuação - se ampara em bases razoáveis.

Assim, a ausência de motivação do comportamento administrativo decorrente do silêncio representa óbice ao amplo estudo das questões postas à apreciação pela Função Judiciária. [39]

Ademais, não se faz suficiente apontar uma solução ao petitório, ainda que prévia e expressamente fundamentada. É preciso que tal solução seja encontrada dentro de um prazo razoável [40]. Ora, de acordo com a máxima de autoria de Ruy Barbosa, a "Justiça tardia é a própria injustiça". Do mesmo modo, a resposta tardia ao pleito do administrado não poderá ser interpretada como o fiel cumprimento do dever da Administração. Isso porque, quando o administrador faz o particular esperar, mais tempo do que o que se afigura razoável, por uma resposta – direito subjetivo do administrado que peticiona –, estará infringindo a própria base que sustenta o Estado Democrático, qual seja, a primazia do interesse público, em função da qual foram desenvolvidos todos os princípios de que se cuidou anteriormente, bem como aqueloutros que, nos limites deste trabalho, não se pôde abordar.

Pelo quanto dito, tem-se que o silêncio da Administração é comportamento que, malgrado recorrente nos expedientes administrativos, merece ser extirpado de todo Estado que se pretenda Democrático e de Direito, como é o caso do Brasil.


6 RESPONSABILIZAÇÃO PELO SILÊNCIO

Como se afirmou, o silêncio administrativo é um comportamento que, marcado por inconstitucionalidades, é de todo indesejável na Administração Pública, devendo, portanto, ser eliminado das estruturas do Estado.

Ocorre que, a despeito da sua indesejabilidade, não se pode negar a presença do silêncio, cada vez mais freqüente, como prática da Administração. Todavia, o fato de a inércia administrativa se consubstanciar uma infração recorrente não pode ensejar sua banalização, devendo, aliás, ser motivo bastante à intensificação do seu combate, dada a dimensão assumida por esta prática tão gravosa.

Assim, nas situações de silêncio da Administração, fica o administrado, cujo pleito dirigido ao Estado não encontrou qualquer resposta, vulnerável aos prejuízos advindos da inércia administrativa. Nesse contexto, avulta de importância que sejam aprimorados os mecanismos de responsabilização do Estado – ao menos efetivados os já existentes – que, em última análise, foi o provocador dos danos sentidos pelo administrado. Além disso, não se pode olvidar a necessidade de responsabilização pessoal do agente que, mantendo-se apático, furtou-se de cumprir o dever de responder aos pleitos do administrado.

Ressalte-se, ainda, que as hipóteses de responsabilização não se restringem à ausência de resposta pelo exercente da função administrativa, devendo ser também aplicáveis às situações em que a resposta surja quando já superado o tempo razoável para aquela manifestação.

Ora, se os prazos impostos para a tramitação de um feito administrativo revelam-se peremptórios para o administrado, que não poderá escusar-se de cumprir, naquele ínterim, as diligências que lhe sejam impostas, não se pode admitir que a Administração – que só existe enquanto gestora dos interesses públicos – possa descumpri-los, prejudicando os cidadãos, sem que lhe advenham responsabilizações. Admitir-se tal situação, aliás, seria coadunar com a concepção distorcida de que à Administração tudo seria permitido, contrariando os preceitos decorrentes da noção de legalidade a que todos – inclusive o Estado – estão submetidos.

Aliás, malgrado a necessidade de que o Estado manifeste-se dentro de um "prazo razoável já decorra dos princípios gerais aplicáveis à Administração Pública, tal imposição restou intensificada com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, responsável pelo acréscimo do inciso LXXVIII ao artigo 5º da Carta Magna, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". [41]

Dessa forma, os tópicos que seguem prestam-se, nos limites necessários a este estudo, à análise da responsabilização do Estado e de seus agentes nas hipóteses de silêncio.

6.1 RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Como cediço, no Estado Absolutista vigia a premissa da irresponsabilidade estatal pelos danos provocados aos cidadãos, de maneira que "Os administrados tinham apenas ação contra o próprio funcionário causador do dano, jamais contra a Administração, que se mantinha distante do problema." [42]

Todavia, com a superveniência do Estado de Direito, em que a Administração, assim como os administrados, estão submetidos à obediência da lei, emergem, como decorrência lógica, as bases da responsabilidade objetiva estatal.

Assim, a despeito de predominar, em nosso Ordenamento, a teoria da responsabilização subjetiva, em que se perquire a culpa do agente para, só então, falar-se em dever de indenização pelos danos causados, a Carta Magna vigente, em seu artigo 37, § 6º, ao cuidar da responsabilização do Estado por danos causados por seus agentes, não faz qualquer menção ao elemento da culpabilidade – indispensável sob a ótica da teoria subjetiva –, pelo que se conclui, com pacificidade, que, por comportamentos comissivos do Estado, está a se consagrar a responsabilidade objetiva da Administração.

Assim, a Administração será responsável pelos danos que seus agentes provoquem na realização das atividades administrativas, sem que para tanto haja que se perscrutar a existência da culpa.

Em se tratando de responsabilização pela omissão estatal, no entanto, a doutrina pátria apresenta-se inclinada, na linha do quanto sustentado por Celso Antônio Bandeira de Mello, a afirmar tratar-se de hipótese em que impera a responsabilização subjetiva do Estado.

Todavia, ao contrário da tradicional estrutura de responsabilização subjetiva, em que se perscruta a culpa do agente causador do dano, a responsabilização aplicável às omissões estatais – a exemplo do silêncio da administração – dispensa a identificação de uma culpa individualizada.

Em outras palavras, tratando-se de responsabilidade subjetiva, é indispensável à aferição do elemento culpabilidade. Contudo, longe de se perquirir a culpa ou dolo da conduta específica de determinado agente, a responsabilidade pela inação estatal será possível sempre que ocorrer a "falta do serviço", caracterizando uma culpa anônima.

Desse modo, em que pese não restar dispensada a demonstração da culpabilidade – o que apenas seria possível na hipótese de responsabilidade objetiva –, a responsabilização pela inércia do Estado, malgrado caracterize-se como subjetiva, apenas exigirá do administrado a comprovação de que o serviço ou a prestação solicitada à Administração não se realizou ou se verificou fora dos padrões recomendáveis à atuação administrativa eficiente.

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Nesse sentido, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

(...) em inúmeros casos de responsabilidade por faute du service necessariamente haverá que ser admitida a "presunção de culpa", pena de inoperância desta modalidade de responsabilização, ante a extrema dificuldade (às vezes intransponível) de demonstrar-se que o serviço operou abaixo dos padrões devidos, isto é, com negligência, imperícia ou imprudência, vale dizer culposamente. [43]

Assim, havendo silêncio da Administração perante os pleitos do administrado, situação que, como aclarado, implica violação ao dever de resposta, corolário do direito de petição, indubitável a configuração da negligência do Estado, caracterizando, portanto, situação de presunção da culpabilidade nos moldes indicados.

Tal construção teórica que, respeitando as peculiaridades do Estado, invoca, em situações de inércia, a culpa anônima pela inatuação da Administração, representa avanço inigualável no mecanismo da responsabilidade civil.

Isso porque, não se pode negar que a estrutura da Administração, marcada pela sua complexidade organizacional, acabaria por dificultar a identificação do agente causador do dano, bem como a colheita das provas acerca da sua culpabilidade individualizada. Haveria, assim, óbice à indenização dos administrados, que terminariam suportando as violências da Administração, sem conseguirem a pertinente compensação pelos comportamentos ilícitos que lhes tenham provocado danos.

Ademais, o desprezo pela teoria da culpa anônima na esfera estatal, na medida em que tornaria dificultosa a responsabilização do Estado, acabaria por reduzir as possibilidades de indenização do administrado à capacidade econômica do agente público que, ao menos diante das possibilidades da Administração, revela-se diminuta, consubstanciando mais um complicador para o ressarcimento do administrado.

Dessa forma, adotada a teoria da responsabilização com base na faute du service, fica facultado ao cidadão acionar o agente administrativo, reunindo os elementos comprovadores da sua culpabilidade, ou insurgir-se diretamente contra a Administração, que se responsabilizará sob o fundamento da culpa anônima – assegurado seu regresso contra o agente causador dos danos, em caso de dolo ou culpa –, bastando a demonstração do nexo de causalidade e dos prejuízos sofridos pelo administrado, presumindo-se a culpabilidade de Administração pela ausência ou ineficiência da sua atuação.

Assim, adotada a responsabilização subjetiva do Estado nos moldes apontados, na hipótese de ocorrer a paralisia ou retardo da Administração frente aos pleitos dos administrados, situações cujas ilicitudes – diga-se, com precisão, inconstitucionalidades - tenta-se demonstrar neste estudo, impor-se-á o pronto ressarcimento pelos efeitos perniciosos que atinjam o administrado.

Não se pode perder de vista, contudo, que a consagração da responsabilização nos moldes apontados não implica o necessário dever de a Administração indenizar o administrado pelos danos que lhe forem provocados no desempenho da Função Administrativa.

Isso porque, independente da construção teórica adotada, para que se possa falar em responsabilização é necessária a comprovação do nexo de causalidade. Assim, não estará caracterizada hipótese de responsabilidade do Estado em caso de superveniência de caso fortuito, força maior, atos praticados por terceiros ou pela culpa exclusiva do administrado.

Assim, por exemplo, se a inércia administrativa deve-se ao fato de se estar no aguardo de uma diligência que tenha sido imposta ao administrado e que, até aquele momento, não tenha sido cumprida, a culpa exclusiva do peticionário afasta a responsabilização da Administração.

Registramos, neste passo, que a indenização pelo mutismo estatal, em que pese muitas vezes não ser capaz de restaurar o status quo ante do administrado [44], propõe-se a compensar os prejuízos por ele sentidos com a paralisia administrativa.

Saliente-se, ainda, que a responsabilização da Administração não está descartada mesmo quando, em lei, estejam previstos efeitos para o silêncio, já que, em tais hipóteses, também poderão advir danos para o administrado. Nesse sentido, discordamos do quanto sustentado por Ernesto Garnica, para quem a responsabilidade patrimonial do Estado encontra-se diminuída quando operados os efeitos legalmente atribuídos ao silêncio.

Cuidando das situações em que se operam os efeitos positivos do silêncio, sustenta o citado autor que "no habrá lugar a la responsabilidad patrimonial de la Administración por causa de demora toda vez que se habrá concedido por silencio lo solicitado." [45]

Tal assertiva, no entanto, não se revela subsistente, já que, ainda quando aplicável o remédio legal, é possível advirem prejuízos aos administrados, que podem deparar-se, por exemplo, com uma situação em que, afirmando-se titulares de um direito que lhes tenha sido concedido pelo "silêncio positivo", encontrem resistência para exercerem-no, em virtude das implicações inerentes a tal ficção legal [46]. Em tal hipótese, ainda que posteriormente consigam reunir elementos comprovadores do direito afirmado, a resistência inicial sofrida pelos administrados já pode ter sido bastante a lhes prejudicar, forçando-os a despender tempo para reunir elementos de prova, sofrendo, assim, prejuízos que poderiam ter sido evitados se a Administração houvesse cumprido o dever de responder expressamente o pleito que lhe foi formulado.

No que pertine às hipóteses em que se operam os efeitos negativos do silêncio, por sua vez, com mais razão entendemos cabível a responsabilização da Administração, de sorte que, por não serem aplicáveis ao nosso sistema jurídico, repelimos as colocações do citado autor espanhol, in verbis:

Respecto al silencio negativo, la posibilidad que se concede al interesado de poder denunciar la mora a los três meses de la petición, para poder entenderla denegada transcurridos otros tres meses, disminuye de alguna manera la responsabilidad que em su caso pudiera ocasionar la demora em la tramitación y contestación expressa a dicha petición. [47] (Grifos nossos)

Não se pode perder de vista que os instrumentos jurídicos com os quais se operam o silêncio administrativo no sistema espanhol – assim como no argentino, sobre o qual teceremos breves comentários adiante – possuem elementos próprios que não se aplicam ao Brasil.

Assim, a denunciação da mora [48] da Administração, que no Direito Espanhol consubstancia-se mecanismo indispensável à abertura do prazo para que se operem os efeitos do silêncio, não sendo um mecanismo presente no ordenamento nacional, não pode ser apontada como elemento redutor da responsabilização administrativa.

Ora, sabe-se que é possível ao administrado, a todo tempo, percebendo a morosidade da Administração, atravessar petição insurgindo-se contra a paralisação de dado procedimento. No entanto, considerando que a apresentação de tal petitório não é um dever do administrado, sua ausência será incapaz de impor-lhe qualquer ônus, ou de reduzir – que dirá aniquilar – a responsabilidade da Administração, que se escusou de cumprir seu dever de ofertar resposta fundamentada.

Além das situações de silêncio – inércia absoluta do Estado –, a Administração também será objetivamente responsável quando advierem danos conseqüentes da demora em ofertar resposta. Cuida-se da hipótese em que a Administração, a despeito de se pronunciar expressa e fundamentadamente, o faz após decorrido prazo razoável.

Insta, neste passo, analisarmos a partir de que instante a demora em ofertar resposta se consubstancia conduta viciada da Administração, ou seja, a partir de que instante o prazo para oferta de uma solução deixa de se afigurar razoável, noção esta inscrita dentre os conceitos juridicamente indeterminados.

Um conceito jurídico será indeterminado quando, abstratamente, não possa ser apurado com um mínimo de precisão, de maneira que, para seu preenchimento, avultam de importância os dados emergentes da realidade fática. Todavia, a despeito de provisoriamente indeterminados, tais conceitos sempre serão determináveis, sob pena de se aniquilarem suas próprias utilidades.

Nesse sentido, coadunamos com o quanto sustentado por António Francisco de Sousa que, citando Tezner, ensina que "a diferença entre os chamados conceitos legais indeterminados e os conceitos legais determinados consiste apenas numa diferença do grau de insegurança da palavra." [49]

Ousamos, entretanto, discordar do professor Celso Antônio Bandeira de Mello [50], para quem o administrador, ao preencher os conceitos indeterminados, poderá optar por uma dentre as soluções contidas no intervalo entre uma zona de certeza positiva e a zona de certeza negativa, restando-lhe, assim, uma margem de liberdade em tal tarefa.

É verdade que há uma gama de elementos que se pode afirmar, de imediato, estarem excluídos do conceito indeterminado, assim como se pode identificar um núcleo rígido distante do qual o preenchimento do conceito não terá qualquer validade. Todavia, discordamos que, no intervalo compreendido entre essas zonas, haja qualquer liberdade do administrador.

Isso porque, como já mencionado na oportunidade em que se ventilou a questão da discricionariedade, o administrador, cingido que está ao dever legal de adotar as alternativas ditas "ótimas" para as situações em concreto, não gozará de qualquer "liberdade" para "escolher" solução diversa.

Assim, no preenchimento dos conceitos indeterminados, o intervalo compreendido entre a zona de certeza positiva e a zona de certeza negativa, mencionadas por Celso Antônio, não torna possível a atribuição de mais de uma significação para o conceito. Em tais intervalos, o que equivocadamente se chama de "margem de liberdade" decorre, em verdade, – assim como se dá com as atribuições discricionárias [51] – da ausência de instrumental capaz de preencher, com absoluta precisão, o conceito em análise.

Aplicando-se o quanto dito à espécie em estudo, haverá prazo razoável sempre que estiver preservado um lapso temporal mínimo dentro do qual a Administração possa analisar satisfatoriamente os pedidos que lhe são dirigidos pelos administrados. A identificação específica do que vem a ser prazo razoável, então, haverá que levar em conta elementos que são apuráveis diante de cada hipótese em concreto.

Dessa maneira, a identificação do prazo razoável haverá que tomar em consideração o tempo necessário para a prática de todos os atos que conduzem à solução do petitório, incluindo-se, portanto, o tempo despendido com as diligências que se façam imprescindíveis à apreciação do pedido, variáveis de acordo com a complexidade da causa.

É verdade que em algumas situações a lei dispõe em que prazo dado petitório deve ser apreciado. É o caso, por exemplo, da Lei nº 9.784/99 que, regulando o processo administrativo no âmbito federal, dispõe, em seu artigo 49, que "Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada." [52]

Nesses casos, a despeito da Administração haver que orientar suas atuações de forma a cumprir o prazo determinado legalmente, não se pode desprezar que, nas situações em que a complexidade do pedido exija determinadas diligências, haver-se-á que flexibilizar tal previsão prazal, dentro da noção do razoável.

No exemplo apontado, aliás, o dispositivo mencionado já traz a possibilidade de dilação justificada do prazo, o que demonstra a intenção do legislador em efetivamente identificar não um prazo estanque, mas realizar aquele dito razoável. Todavia, ainda que lhe faltasse tal sensibilidade, não poderia, ao operador do Direito, falecer tal percepção.

Em outras palavras, se a proposta da disposição legal é a identificação do "prazo razoável", nas situações em que o lapso previsto não alcançar tal fim – por haver elementos complicadores do feito em concreto –, haver-se-á que adequá-lo à realidade que lhe é subjacente.

Não se pretende, aqui, ignorar os prazos já previstos legalmente, já que, quando existentes, eles devem ser tomados como ponto de partida na análise do cumprimento do dever da Administração. Aliás, consoante será melhor aclarado na oportunidade em que se cuidar dos efeitos do silêncio administrativo, entendemos de grande utilidade a identificação de um prazo objetivo a servir de marco para a aferição da apatia estatal.

Tal previsão, todavia, a despeito de sua relevância, não se propõe a ser inalterável, havendo que tomar em consideração não só a complexidade da causa, como a urgência da medida solicitada.

Em outros termos, o que se admite, por tudo quanto se explanou, é que a Administração, justificando devidamente a superação do prazo indicado, demonstre que, para determinado caso concreto, a previsão temporal se revela insuficiente, não preenchendo, portanto, a noção de "prazo razoável".

Assim, quando diante de justificado atraso, não haverá que se falar em solução propriamente tardia, silêncio administrativo ou em qualquer descumprimento dos deveres da Administração. Logo, não havendo qualquer comportamento administrativo irregular, não haverá que se falar em responsabilização.

Deve-se, contudo, estar atento para situações em que a Administração, sob o pretexto de buscar elementos indispensáveis à instrução do pedido, determine que o administrado cumpra diligências inoportunas ou inúteis. Nessas situações, a tentativa de procrastinar o expediente deve ensejar a responsabilização ainda mais veemente da Administração, a fim de coibir tais quadros de desvios de finalidade.

Sabendo-se, no entanto, que a Administração apenas se manifesta através dos comportamentos adotados por seus agentes – sendo dependente, portanto, de uma manifestação humana –, entendemos que a implementação de medidas de responsabilização para os administradores que concorrerem culposamente para a inércia da Administração emerge como medida de grande utilidade na redução da patologia objeto deste estudo, razão pela qual a consideraremos no tópico que segue.

6.2. RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS

No mesmo dispositivo constitucional em que se prevê a responsabilização objetiva do Estado, resta afirmada a possibilidade da Administração regressar contra os responsáveis pelos danos nos casos de dolo ou culpa destes. Tem-se, portanto, nítida a intenção do constituinte de não deixar incólumes os desvios de comportamento administrativo provocados por tais agentes.

Ademais, como já se disse, a despeito da previsão de responsabilização da Administração, pode o administrado optar em acionar o agente público, cabendo-lhe, neste caso, demonstrar o elemento culpa de forma individualizada. Nesse sentido, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello afirma que "a vítima pode propor ação de indenização contra o agente, contra o Estado, ou contra ambos, como responsáveis solidários, nos casos de dolo ou culpa." [53]

Assim, constatando-se prejuízo ao administrado que tenha sido provocado por culpa lato sensu do agente público, impõe-se sua responsabilização patrimonial, seja perante o administrado ou, regressivamente, junto à Administração Pública.

Nas situações de silêncio da Administração, como se acentuou, o administrador incorre no descumprimento do dever de ofertar resposta. É verdade que a ausência de solução de dado petitório pode ter sido provocada por situações que lhe são estranhas, como o da culpa exclusiva da vítima e das demais excludentes de causalidade, mencionadas anteriormente. Nesse caso, estando rompido o nexo causal, nem se atinge o momento de análise da culpabilidade, ensejadora da responsabilização do agente público.

Ressalvadas tais situações, todavia, o mutismo do agente estará indicando um descumprimento dos seus deveres, ou seja, restará configurada a incúria do administrador que, negligenciando suas obrigações, pode provocar prejuízos aos administrados. Dessa maneira, constatados que sejam os danos causados aos administrados, o nexo causal, bem como a negligência do agente público no descumprimento do dever funcional de ofertar resposta, temos por imperativa sua responsabilização.

Todavia, a responsabilidade do agente público, ao contrário do que ocorre com a Administração, não se limita à esfera cível, espraiando efeitos nas instâncias administrativa e penal, a depender da gravidade do comportamento que tenha ele assumido.

Imaginemos a hipótese de um agente público que, tendo o dever de solucionar determinado petitório de um particular, observe tratar-se de um antigo rival seu, deixando de cumprir o dever de responder. Estará, assim, incorrendo na prática tipificada da prevaricação, descrita no artigo 319 do Código Penal, ficando sujeito às penas daquele crime.

Ademais, considerando que a ausência de resposta ao pleito que lhe foi dirigido representa uma infração funcional, a partir do momento em que esteja demonstrado cuidar-se de atuação negligente, a violação a preceitos de ordem ética pelo agente faltoso o sujeitará à apenação administrativa, após o devido processo disciplinar, observados, em todos os casos, o contraditório e a ampla defesa.

Assim, sabendo-se que as instâncias civil, administrativa e penal são independentes, nada impede – aliás, a legalidade impõe – que haja a tríplice responsabilização do agente produtor do silêncio.

Sem embargo, a responsabilidade pessoal do agente público não se limita àquele que, com sua inatuação, tenha deixado de cumprir o dever legalmente imposto de responder ao pleito do administrado, causando-lhe prejuízos. Estarão igualmente sujeitos à responsabilização aqueles que, sendo superiores hierárquicos dos agentes faltosos, tenham tomado conhecimento das suas paralisias, sem adotar as providências que lhe seriam cabíveis. Isso porque, em tal situação, o superior, que tinha condições de determinar a imediata solução do petitório, estará, com sua inatuação, colaborando negligentemente para a violação do dever de resposta do administrado, assumindo, portanto, o resultado danoso produzido.

A responsabilização dos agentes públicos nas hipóteses de silêncio, então, afigura-se mecanismo que não se esgota na apenação do indivíduo faltoso, sendo medida que tem o escopo de inibir a inércia administrativa, efetivando-se os preceitos constitucionalmente tutelados.

Em verdade, para o cumprimento da Constituição, extirpando-se do seio da Administração a patologia do silêncio, urge a mudança de comportamentos dos administradores, que precisam tomar consciência da relevância das suas atuações para dimensionarem as conseqüências de suas inércias.

Em tal transformação comportamental, a despeito da importância, a médio e longo prazos, da implementação de programas de conscientização promovidos pela própria Administração, tem-se que a efetiva responsabilização dos administradores desidiosos é medida cujos efeitos podem ser sentidos de imediato, consubstanciando-se um mecanismo eficaz de combate às inércias administrativas, dentre as quais se situa o silêncio da Administração.

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Sobre a autora
Ana Carolina Araújo de Souza

bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia, assessora jurídica da Procuradoria de Justiça Cível do Ministério Público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ana Carolina Araújo. Silêncio administrativo:: uma análise dos seus efeitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1553, 2 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10482. Acesso em: 26 abr. 2024.

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