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Silêncio administrativo:

uma análise dos seus efeitos

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02/10/2007 às 00:00
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8 O DEVER COMO LIMITADOR DO PODER

Como se afirmou, o Estado Democrático é aquele em que o administrador, longe de ser um moldador dos comportamentos do administrado segundo uma vontade a este estranha, há que conseguir captar os intentos da própria coletividade para, em harmonia a estes, conduzir o Estado, gerindo os interesses públicos.

Por Estado de Direito, em seu turno, aclarou-se ser aquele que, sustentado na lógica da legalidade, representa um projeto de combate aos abusos perpetrados pelos delegatários das funções públicas.

Assim, diante da realidade liberal do século XVIII, no cenário da Revolução Francesa, mãe do ideal do Estado Democrático de Direito, Montesquieu, sistematizando as construções até então existentes sobre a necessidade de se impor limitações ao "Poder", enuncia seu sistema tripartite da "separação dos Poderes" [70].

Em verdade, há muito vinham sendo formuladas construções voltadas à necessidade de se impor limitações ao poder. Todavia, foi com a Revolução Burguesa que a teoria da "separação dos Poderes", remodelada por Montesquieu, assumiu notoriedade. Sobre tal questão, leciona José Afonso da Silva:

"Tornou-se com a Revolução Francesa, um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes, tal a compreensão de que ela constituiu técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é." [71]

Sustenta, então, o citado pensador francês, que o Poder tende a corromper-se onde não encontra limites, afirmando que "Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder" [72]

Em apertada síntese, sua teoria consistia em que os "Poderes" do Estado não poderiam concentrar-se nas mãos de uma só pessoa – in casu, de um só órgão -, afirmando a necessidade de estarem divididos de acordo com uma estrutura que possibilitasse suas independências e harmonias, de maneira a se limitarem mutuamente, no sistema conhecido como dos "freios e contrapesos".

Todavia, uma leitura contemporânea do quanto apregoado por Montesquieu obriga-nos a tecer algumas considerações, corrigindo equívocos interpretativos cometidos pela história político-jurídica da "separação dos Poderes" [73], de modo a torná-la coerente aos propósitos do hodierno Estado Democrático de Direito. Sobre tal questão, oportuna a transcrição do entendimento de Dirley da Cunha Júnior, capaz de sintetizar o quanto pensamos:

É necessária, portanto, sob as vestes do paradigma do novo Estado do Bem-Estado Social, uma nova leitura sobre o vetusto dogma da separação de Poderes, a fim de que ele não produza, com sua força simbólica – como lamentavelmente vem produzindo –, um efeito paralisante às reivindicações da sociedade moderna, incomparavelmente mais complexa do que aquela na qual foi originalmente concebido, ‘para poder continuar servindo ao seu escopo original de garantir Direitos Fundamentais contra o arbítrio e, hoje também, a omissão estatal’." [74]

Assim, em que pese ter-se utilizado, durante séculos, a expressão "separação dos Poderes", entendemos necessário deslocar o olhar da noção dos "Poderes", para focarmos nas Funções. [75]

Isso porque, os poderes cedidos pelo povo – no modelo Democrático do Estado de Direito – ao administrador, são, em verdade, meros instrumentos concretizadores dos deveres que o ordenamento jurídico lhe impõe. Em outras palavras, a quem quer que se confiram tais "poderes", não se pode admitir suas utilizações dissociadas dos fins legalmente previstos, consagradores do interesse público.

Nesse contexto, a tradicional lógica montesquiana, hipervalorizadora da noção dos "Poderes" enquanto fins – e não como instrumentos para o exercício das Funções – acaba reduzindo o papel dos deveres, como se fossem meros elementos acessórios da atividade estatal. Assim, a fossilizada teoria francesa, apregoando que os "Poderes" deveriam limitar-se mutuamente, sugere uma contenção exógena às Funções – limitação do "Poder" pelo "Poder" –, desconhecendo que, em realidade, os "Poderes" só ganham sentido à luz dos deveres, havendo, então, que prevalecer uma limitação endógena daquelas Funções. [76]

O ataque ora empreendido contra a tradicional teoria de Montesquieu, no entanto, a despeito de sugerir a inutilidade de uma limitação extrínseca dos "Poderes" - já que haveria contenções que lhe são inerentes, relacionadas a sua própria razão de existir, qual seja, o cumprimento dos deveres –, não pretende negar que o exercício de uma Função seja capaz de, reflexamente, limitar abusos cometidos por outra.

Tal limitação, no entanto, decorre não de uma necessidade de se exercer o poder para além da Função a que sirva, mas, antes, dos efeitos sentidos pela utilização dos poderes para o cumprimento dos deveres em razão dos quais foram atribuídos. Em outras palavras, a ausência de autonomia dos "Poderes" não decorre da inscrição da tarefa de limitação mútua em suas listas de afazeres, mas, sim, do fato de que, ao se utilizarem os "poderes" para o cumprimento dos deveres específicos que lhe são impostos, pode-se provocar uma interferência reflexa – e não finalística – na órbita de uma Função diversa.

Assim, a contenção das arbitrariedades estatais não requer, como apregoava Montesquieu, uma separação dos "poderes" – mecanismos de que o exercente de dada função pública dispõe para cumprir seus deveres –, mas sim, a compreensão de que eles são meros instrumentais utilizáveis no desempenho das Funções Públicas, estas sim, não devendo estar concentradas nas mãos de uma única pessoa ou órgão, pois tal conformação acabaria por prejudicar a própria eficiência do Estado.

Aliás, de posse do conceito de poderes como instrumentais para a concretização das Funções, a pretensão de separá-los, como se a cada Função do Estado correspondesse um feixe de poderes que lhe seriam peculiares, está fadada ao insucesso, já que, por vezes, para o cumprimento das diferentes Funções do Estado, pode ser necessário conferir a seus agentes um mesmo poder.

Não se está a negar a necessidade de que as competências Administrativas, Executivas e Judiciárias sejam exercidas por pessoas diversas, de maneira a se reduzir os desvios provocados pela concentração das atribuições. Apenas se refuta a idéia de que os poderes atribuídos para o desempenho de cada uma dessas Funções do Estado representem um fim em si mesmo, já que é possível – por vezes, indispensável – a instrumentação de um mesmo poder por aqueles que desempenham funções diversas.

Assim, por exemplo, a fim de assegurar o decoro dos parlamentares, são dados, à Função Legislativa, através das suas Comissões Parlamentares de Inquérito, poderes investigativos que, nos termos do artigo 58, § 3º, são "próprios das autoridades judiciais".

Dessa forma, quando se fala em um "Poder Administrativo" – para nós, Função Administrativa –, não se está referindo a uma Função instrumentada tão-somente por poderes executórios, sendo as atividades administrativas apenas aquelas que lhe são preponderantes, razão pela qual recebe tal denominação.

Com isso, tem-se possível que, no exercício da Função Administrativa, o agente público precise valer-se de poderes também utilizáveis pelos agentes da função Legislativa ou Judiciária. Tal fato, todavia, não desnaturará sua atuação, nem poderá ser interpretado – como soe erroneamente acontecer – como ingerência indevida de uma esfera estatal em outra.

Nesse sentido, para o cumprimento da Função Judiciária, qual seja, a de pacificar os conflitos sociais, por vezes, será necessário que o Estado Juiz substitua a atuação da Administração. Tal comportamento, repita-se, não advém de uma necessidade de limitar o outro "Poder", mas sim, de cumprir com seus próprios deveres.

Dessa forma, há situações em que não basta que o Judiciário declare um direito do administrado, pois tal medida não traz, para o universo factível do particular, o bem da vida almejado. Tal questão, observada pelos processualistas, deu causa ao desenvolvimento acelerado por que passam as ações executivas lato sensu e mandamentais, as quais criam mecanismos para a efetivação mais imediata do quanto declarado [77].

Aplicando-se o quanto dito à matéria objeto deste estudo, tem-se que, nas hipóteses de silêncio administrativo, não há que se falar em qualquer ingerência indevida da Função Judiciária quando seu agente, instado a se manifestar [78], para além de afirmar o direito de resposta do administrado, imponha multa à Administração, a fim de provocar sua manifestação ou, até mesmo, oferte a própria resposta a que tem direito o administrado – seja ela concessiva ou denegatória do seu pedido.

Isso porque, sabendo-se que o direito de resposta é corolário do direto de petição – inscrito dentre os direitos individuais fundamentais do cidadão –, integrará ele, também, a noção de cláusula pétrea do sistema constitucional vigente.

Ademais, considerando que a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XXXV, homenageia o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional, não há como se negar o dever da Função Judiciária se manifestar, quando instada a tanto, de sorte que o administrado, deparando-se com a inércia da Administração – em que há descumprimento de garantias erigidas à categoria dos fundamentais –, tenha assegurado o direito de ter sua solicitação respondida – o que não implica em necessário atendimento do quanto pleiteado.

Salientamos, por fim, que, em tal tarefa, a eventual necessidade de utilização, pela Função Judiciária, de poderes – instrumentos - também aplicáveis no exercício da Função Administrativa, não enseja qualquer desvio de comportamento, sendo antes o cumprimento do dever de administrar.


9 A FUNÇÃO JUDICIÁRIA NO COMBATE AO SILÊNCIO

Em que pese a utilidade da construção de toda uma teoria acerca dos efeitos atribuídos ao silêncio da Administração, tais ficções nem sempre serão capazes de esgotar a problemática da paralisia administrativa. Isso porque, como se afirmou, tais efeitos fictos não permitem ao administrado – seja o requerente da decisão administrativa ou aqueles a quem a solução do pedido possa interessar direta ou indiretamente – aferir quais os fundamentos do deferimento ou indeferimento do pedido.

Assim, mesmo quando se operem os efeitos fictos do mutismo estatal, será possível o ingresso do administrado no Judiciário, pleiteando a inteira satisfação dos seus direitos.

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Nesse passo, recobramos o quanto dito anteriormente [79] acerca da jurisdição pátria que, distintamente do que ocorre em outros países, não traz como característica a revisibilidade quando a discussão tenha origem na esfera administrativa.

Todavia, a despeito de ser facultado ao administrado buscar o Judiciário para ver satisfeitos seus interesses – não sendo condicionante de tal empreitada a prévia decisão administrativa ou a produção dos efeitos fictos do silêncio –, não se pode perder de vista a imprescindibilidade de que haja efetiva lesão ou ameaça de lesão a direitos do particular para que a questão possa ser apreciada pelo Estado-juiz.

Dessa forma, impõe-se identificar o instante a partir do qual o mutismo da Administração consubstancia-se descumprimento de dever, representando, portanto, vilipêndio ao direito de resposta do administrado. Em outras palavras, há que se perquirir a partir de que momento resta superado o "prazo razoável" para a resposta – apurável diante de cada situação em concreto –, antes do que faltará ao administrado o interesse-necessidade para a busca da resolução da questão pela esfera judicial.

Então, a superação do prazo razoável sem oferta de resposta ao administrado implicará, a um só tempo, a produção dos efeitos fictos do silêncio e a autorização para que o administrado provoque o Estado-juiz, uma vez que nasce seu interesse jurídico na modalidade necessidade.

Ultrapassado o "intervalo razoável" para obtenção de resposta, mesmo quando produzidos os efeitos positivos do silêncio, será possível ao administrado vitimado pela inércia provocar a Função Judiciária para obter os fundamentos daquela ficta concessão. Isso porque, consoante já se afirmou, o administrado tem direito não só a uma decisão, mas a uma solução devidamente fundamentada.

Dessa forma, a despeito do "silêncio positivo" só poder se operar na hipótese de atuação vinculada da Administração, não restará dispensado o dever de o administrador motivar a concessão provocada [80]. Em tal caso, no entanto, não se estará buscando demonstrar que a providência adotada consubstancia a "solução ótima", posto que, na atuação vinculada, tal qualidade já resta apontada previamente pelo legislador, mas, sim, enunciar o cumprimento, pelo administrado, dos requisitos que ensejavam a adoção daquela medida indicada.

Com mais razão, o particular poderá, superado o "prazo razoável", buscar o Estado-juiz para obter sua manifestação nas hipóteses em que tenham sido produzidos os efeitos negativos fictos do silêncio. Em tais casos, no entanto, a providência a ser adotada pelo Estado-juiz variará de acordo com a natureza da atuação solicitada administrativamente.

Assim, tendo o particular pleiteado uma atuação de natureza vinculada, entendemos, em harmonia ao quanto sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello, que o magistrado chamado a apreciar a questão poderá, suprindo a omissão administrativa, avaliar se o particular reúne os elementos autorizadores da solução pleiteada, deferindo ou não diretamente o quanto solicitado [81]. Em tal hipótese, contudo, não se pode falar em qualquer ingerência indevida da Função Judiciária na esfera Administrativa.

Aliás, como sustentado no capítulo em que se cuidou dos limites ao Poder, o Judiciário estará, em tal caso, cumprindo seu papel de pacificador das tensões sociais, conferindo eficácia aos preceitos constitucionalmente tutelados e não, como poderiam sugerir os amantes do arbítrio administrativo, praticando qualquer "invasão" nas atividades executivas.

Da mesma forma, tratando-se de uma solicitação de atuação discricionária, será dado ao magistrado, quando instado a se manifestar sobre a questão, analisar se a denegação ficta configura ou não a solução dita "ótima" para aquele caso em concreto. Isso porque, adotando-se a premissa [82] de que não há qualquer margem de liberdade na atuação discricionária – havendo, em alguns casos, uma mera insuficiência instrumental –, também a solução das questões marcadas pela discricionariedade apontarão para um único caminho correto, podendo, então, o Judiciário, reformar, de imediato, a negativa administrativa ficta.

Nesse sentido, ousamos discordar da majoritária doutrina [83], segundo a qual, na hipótese da omissão pairar sobre uma solução de natureza discricionária, não seria dado ao magistrado afirmar, de imediato, a inadequação da negativa administrativa ficta, reformando-a. Para os citados autores, em tais casos, apenas seria possível ao magistrado impor prazo para que a Administração, sob pena de cominação diária de multa, oferte a motivação daquela denegação ficta, chegando Celso Antônio a afirmar que o administrado faz "jus a um pronunciamento motivado, mas tão-somente a isto". [84]

Ora, impor tal limitação à Função Jurisdicional, além de colaborar para a perpetuação dos abusos administrativos, faria recair sobre o administrado, já vitimado pela intolerável inércia da Administração Pública, o ônus de, após ofertada a motivação administrativa, ter que ingressar com nova ação a fim de ver reformada a decisão ficta inadequada que, a esta altura, já lhe teria causado danos incomensuráveis. Dessa forma, entendemos possível a concessão do pedido diretamente pelo magistrado.

Ainda cuidando dos mecanismos judiciais de combate ao mutismo, será possível, como já se afirmou neste trabalho, que, mesmo quando produzidos os efeitos fictos do silêncio, o administrador, cumprindo seus deveres funcionais, oferte, ainda que tardiamente, resposta expressa ao pleito do administrado [85]. Entretanto, importa, neste ponto, analisarmos a possibilidade de oferta de tal resposta, ainda quando já se tenha buscado o Judiciário para decidir sobre a matéria.

Em tais casos, tendo sido transferida a questão para apreciação do Judiciário, razoável imaginar-se que a matéria não mais poderia ser solucionada pela Administração. No entanto, sabendo-se que a teoria dos efeitos fictos do silêncio foi desenvolvida em benefício do particular, vez que tendente a minimizar sua situação de insegurança diante da inércia estatal, tal manifestação administrativa tardia ainda será possível quando possa vir a favorecer o administrado.

Nessas situações, a despeito de não entendermos haver um reconhecimento do pedido – ao menos não no sentido processual do artigo 269, inciso II, do Código de Processo Civil, já que os interesses da Administração Pública são indisponíveis –, a decisão administrativa ensejará a perda do objeto da ação, extinguindo-se o interesse processual do autor na manutenção daquele feito, eis que atendida sua solicitação "espontaneamente" pela Administração.

Todavia, em harmonia ao que sustenta Ernesto Garnica [86], em nenhuma hipótese será possível tal resolução expressa se ofertada quando já prolatada a decisão judicial sobre a matéria, pois, em tal caso, não haverá mais que se falar em omissão da Administração, mas em manifestação estatal através da Função Judiciária. Assim, qualquer tentativa de alteração do quanto decidido, ainda que em benefício do particular, não poderá mais ser realizada pela esfera administrativa – já que a competência da decisão restou transferida ao Judiciário –, mas, sim, pelos recursos dirigidos a instâncias superiores do órgão judicial prolator da decisão.

9.1.INSTRUMENTOS PROCESSUAIS CONTRA O SILÊNCIO

Tecidas algumas considerações sobre a atuação da Função Judiciária como minimizadora dos malefícios do silêncio, insta analisarmos os instrumentos dos quais o administrador poderá lançar mão para provocar o Estado-juiz.

No Brasil, a problemática do silêncio da Administração não tem recebido a atenção merecida, de maneira que há uma carência de instrumentais específicos, quer na esfera administrativa, quer na judicial, para romper-se a inércia administrativa. Assim, valeremo-nos do direito comparado, mais especificamente, de instrumentos enunciados no direito argentino, sugerindo a importação daquilo que se afigurar relevante ao desenvolvimento do incipiente regramento pátrio sobre o tema.

Naquele país, dentre as alternativas colocadas à disposição do particular que se depare com o quadro de inércia da Administração, poderá o administrado lançar mão da "queja", espécie de recurso administrativo dirigido ao superior hierárquico do agente silente. Tal instituto, no entanto, padece de graves limitações, não podendo, por exemplo, ser manejado quando a inércia ocorra já em instância recursal, o que reduz sua utilidade prática.

Outra alternativa cabível ao administrado vítima do mutismo estatal argentino será a provocação dos efeitos fictos do silêncio, que, da mesma forma do que ocorre na Espanha, pressuporá que o particular maneje previamente o instrumento da "denúncia da mora" da Administração. Nesse sentido, Horacio D. Creo Bay afirma que "es preciso exteriorizar la denuncia de la mora, mediante la presentación del escrito de ‘pronto despacho’, más el transcurso de un plazo suplementario de treinta días." [87]

Assim, identificado o mutismo, o interessado há que se valer da denúncia da mora, a fim de obter um "pronto despacho" da Administração, após o que, transcorrido mais um lapso temporal sem qualquer manifestação (na Argentina, trinta dias, na Espanha, três meses), considerar-se-iam produzidos os efeitos fictos do silêncio.

Consoante se afirmou, no entanto, a produção de tais efeitos não é capaz de acomodar os direitos dos particulares vítimas da inércia, que, mais do que uma mera decisão, fazem jus a uma solução devidamente motivada. Dessa forma, avulta de importância um terceiro instrumento argentino, este já de natureza judicial, colocado à disposição do particular vítima do silêncio: a ação de amparo por mora da Administração.

Trata-se de ação cujo despontar, nas lições de Horacio Bay [88], surpreendeu e encantou os professores da Escola de Direito de Madrid, sendo de grande utilidade no combate à inércia patológica da Administração e provocando o estremecimento dos burocratas. Consubstancia-se procedimento bastante simplificado, inaugurado com um requerimento dirigido pelo particular ao Judiciário, a partir do qual o juiz determina, de logo, a prestação das informações do administrador acerca do atraso em decidir. Tal despacho terá a marca da irrecorribilidade, além do que as informações prestadas pelo administrador não comportarão qualquer espécie de dilação probatória. Após, o magistrado fixa prazo para que a Administração se manifeste explicitamente.

Como se observa, cuida-se de mecanismo em que, reduzindo-se o contraditório da Administração, minimizam-se seus artifícios procrastinatórios – sem cercear sua possibilidade de apontar as causas do atraso –, tutelando-se, com mais eficiência, o direito constitucional do administrado obter uma resposta a seus petitórios. Não obstante sua singeleza, no entanto, tal instituto reveste-se de grande utilidade prática em razão da especificidade no combate ao silêncio da Administração Pública.

Tal marca de especialidade do rito do amparo por mora, aliás, pode ser constatada por não se exigir o esgotamento das vias administrativas para seu manejo, não obstante seja a Jurisdição contenciosa-administrativa argentina marcada pela revisibilidade.

Assim, na hipótese do particular preferir lançar mão do amparo genérico – e não da via específica do amparo por mora –, necessitará ter esgotado a esfera administrativa [89], obtendo, previamente, uma decisão ficta desencadeadora dos efeitos do silêncio que, por sua vez, pressuporão o manejo da denúncia da mora. Trata-se, portanto, de procedimento muito mais árduo e vagaroso.

Esse, aliás, é o caminho a ser percorrido no ordenamento jurídico espanhol, em que, identificando-se uma jurisdição contencioso-administrativa marcada pela revisibilidade e inexistindo aquela ação específica de amparo por mora argentina, resta indispensável que o administrado provoque, até o esgotamento de suas forças, a manifestação do administrador. Nesse país, constatada a vagarosidade da Administração, faz-se imprescindível a denúncia da mora pelo administrado, sem o que não se produzirão os efeitos fictos do silêncio, restando impossível, portanto, a manifestação do Judiciário, mero revisor. Nesse sentido, Ernesto Garnica ensina que "La omisión de la denuncia de mora tendrá como efecto la inexistencia de ficción legal alguna susceptible de abrir la via contencioso-administrativa". [90]

Assim, o desenvolvimento do instrumental específico do amparo por mora argentino é de grande relevância no combate ao silêncio da Administração. No entanto, tal mecanismo jurídico deixa de avançar alguns passos, por não permitir que a Função Judiciária, a exemplo do que ocorre no sistema norte-americano [91], possa resolver diretamente o quanto solicitado.

Assim, o Estado-juiz, através do amparo por mora, não poderá conceder o quanto solicitado pelo administrado, sendo mecanismo capaz tão-somente de obrigar a uma manifestação administrativa, cominando-lhe multa diária. Nesse sentido, afirma Horacio D. Creo Bay:

No habrá que olvidar, entonces, que el juez no puede indicar el sentido concreto de la resolución cuyo despacho dispone. Que, em consecuencia, la Administración podrá decir que sí o que no. Y que para discutir el fondo de la cuestión, el amparo por mora no resulta la via adecuada. No es, pues, uma panacea que cura todos los males. [92]

No Brasil, por sua vez, necessitando, o particular, ingressar no Judiciário para ver satisfeitas suas pretensões, padecerá com a ausência de mecanismos específicos para cumprir seu desiderato. Contudo, dentre os instrumentos jurídicos de lege lata, o que mais se aproxima daquele enunciado como específico no sistema argentino é o mandado de segurança. Registramos, no entanto, não se tratar de uma exata correspondência, posto que nossa ação mandamental mais se assemelha ao amparo geral argentino – do qual o amparo por mora seria uma especialização – do que desta ação peculiar destinada ao combate do silêncio.

Como cediço, o mandado de segurança é o instrumento cabível para proteger direito líquido e certo atingido por ilegalidade ou abuso de poder, sendo, portanto, passível de invocação para tutelar os interesses violados nas situações de silêncio da Administração que, já se disse, consubstanciam descumprimento dos deveres do administrador.

No entanto, nos termos do artigo 5º, inciso I, da Lei nº 1.533/51, não poderá o writ ser utilizado nas hipóteses em que o comportamento ilegal permitir ainda algum recurso administrativo a que se atribua efeito suspensivo, independente de caução. Assim, a fim de se analisar com maior precisão o cabimento do mandamus, impõe-se o estudo dos efeitos dos recursos administrativos aplicáveis ao mutismo estatal.

Só se pode falar em suspensividade dos recursos administrativos, naquelas situações em que se opere o "silêncio positivo", hipóteses em que, nos dizeres de Ernesto Garcia, "es ya aplicable el regimen general sobre ejecutividad y suspensión de actos administrativos" [93]. Todavia, cuidando-se de "silêncio negativo", cujos efeitos fictamente produzidos nada concedem – representando, em verdade, uma denegação do que se pediu – não existiria o que efetivamente se suspender.

Em outras palavras, não havendo qualquer alteração no status jurídico do administrado em decorrência do "silêncio negativo", já que não lhe acresce qualquer direito, a suspensão da "denegação" não reconstituiria uma situação diversa da já experimentada pelo administrado, qual seja, a da inércia da Administração. Apenas se poderia falar em ampliação dos direitos atribuídos ao administrado caso se impusesse ao recurso um efeito ativo, qual seja, o de conceder o que o administrado, pela decisão ficta recorrida, não conseguiu obter.

Nesse diapasão, posiciona-se Ernesto Garnica:

Admitir a suspensión de la "denegación por silencio" de la petición carece, como se dice, de efecto prático alguno, pues tal hipotética suspensión no dejaría vivo el reconocimiento de un derecho anterior, por tal razón de que en momento alguno se dio tal reconocimiento. [94]

Tal raciocínio, aliás, já desenvolvido pelo Direito Processual Civil, permite-nos, analogicamente, concluir, que, em tais hipóteses, jamais se poderá falar em efeito suspensivo, mas, sim em efeito ativo do recurso [95]. Dessa forma, sabendo-se que o citado dispositivo da Lei nº 1.533/51 apenas impõe limitação à utilização do mandado de segurança quando for possível o manejo de recurso administrativo a que se atribua efeito suspensivo – não cuidando das situações de efeito ativo –, temos que, nas hipóteses de "silêncio negativo", por não ser possível a referida suspensividade, será sempre adequada a via mandamental.

Nas situações de "silêncio positivo", no entanto, existindo a possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo – seja manejado pelo próprio particular vitimado pela inércia, hipótese em que só terá interesse para pleitear a motivação da concessão ficta, seja por um terceiro, interessado já na reforma do quanto concedido –, não se poderá valer da via mandamental.

Em tais casos, não sendo possível a utilização do mandado de segurança e inexistindo procedimento específico para o combate aos tormentos causados pelo silêncio, a tutela judicial há que ser buscada pelas ações ordinárias que, mais complexas e pouco ágeis, tornam notória a carência de instrumental específico, cujo desenvolvimento se faz imperioso.

Ora, não se está aqui apregoando a implementação da denunciação de mora da esfera administrativa alienígena – já que nossa justiça não se afigura marcada pela revisibilidade –, nem tão-pouco a reprodução do instrumento judicial desenvolvido na nação argentina. Contudo, a inspiração em modelos que se apresentam exitosos é medida de todo salutar, contribuindo, portanto, para o desenvolvimento da Democracia Brasileira e o fortalecimento do Estado de Direito.

Assim, acaso a problemática do silêncio passasse a ser observada com a atenção devida, seria possível, partindo-se da estrutura já existente do mandado de segurança, aperfeiçoar seus regramentos, criando-se um mecanismo efetivamente dirigido ao combate do mutismo administrativo.

Da forma com que o silêncio da Administração vem sendo tratado, no entanto, a jurisprudência não ousa avançar o suficiente a servir de mecanismo inibidor de tal prática patológica, limitando-se a cuidar dos aspectos prescricionais do mutismo ou, quando muito, determinando que a Administração cumpra o dever de se pronunciar, assinando-lhe prazo para tanto.

Dito isso, não poderíamos encerrar o presente estudo sem mencionar o julgado de nº 531349/RS do Superior Tribunal de Justiça [96], que, malgrado apresente limitações, por não permitir à Função Judiciária, na linha do que entendemos possível, conceder em definitivo o quanto solicitado pelo administrado, está na vanguarda por evitar a constrição dos direitos do particular enquanto não advenha posicionamento conclusivo da Administração acerca do quanto solicitado.

Não somos inocentes a ponto de acreditarmos que a simples edição de lei criadora de instrumental específico de combate ao silêncio conseguiria, sozinha, extirpá-lo definitivamente. [97] No entanto, um regramento especificamente desenvolvido para tanto seria capaz, por exemplo, de eliminar as já inadmissíveis dúvidas quanto à extensão das atribuições dos magistrados, alterando-se o panorama da, hoje, tímida jurisprudência sobre a matéria.

Nessa trilha, seria possível alcançarmos uma Função Judiciária que, verificando os requisitos autorizadores do direito pleiteado pelo administrado, fosse capaz de lhe conceder, sem hesitações, o quanto solicitado, quer fosse a providência de natureza vinculada ou discricionária.

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Sobre a autora
Ana Carolina Araújo de Souza

bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia, assessora jurídica da Procuradoria de Justiça Cível do Ministério Público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ana Carolina Araújo. Silêncio administrativo:: uma análise dos seus efeitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1553, 2 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10482. Acesso em: 26 abr. 2024.

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