Capa da publicação Inovação à lide: consequências nos embargos de declaração
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A inovação à lide no processo civil:

consequências no julgamento dos embargos de declaração

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A inovação à lide é, acidentalmente, pressuposto de admissibilidade recursal, passível de inserção no espectro da regularidade formal, integrando o componente da motivação técnica dos recursos.

RESUMO: Qual a consequência jurídica adequada ante a verificação da chamada inovação à lide, especialmente na fase dos embargos de declaração? Este estudo busca responder esta indagação acadêmica, procedendo à revisão bibliográfica e jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais e do Trabalho e Tribunais de Justiça, para, ao final, propor o enquadramento do mencionado instituto jurídico, esclarecendo se este pode (ou não) ser corretamente classificado como pressuposto de admissibilidade recursal.

Palavras-chave: inovação à lide; inovação recursal; ius novorum; pressupostos de admissibilidade recursal; embargos de declaração


INTRODUÇÃO

A adução de novas questões fáticas no curso dos procedimentos judiciais é situação corriqueira na prática processual e, ante esse fato, não raramente, vê-se os juízes fazerem incidir, como fundamento para não enfrentar o mérito dos pontos controvertidos, o veto da inovação à lide.

Neste trabalho, cujo objeto alcança a fase recursal do processo, estão evidenciadas divergências na prática adotada pelos órgãos julgadores. Ora se conhece do recurso para, no mérito, aplicar alusiva regra e negar provimento ao apelo; ora, decide-se pelo juízo negativo de admissibilidade não respondendo à questão nova apresentada pela parte.

Aliás, reclama particular atenção o que se observa no julgamento dos embargos de declaração. Isso porque não é ocasional que os sujeitos-recorrentes introduzam questões novas na peça recursal integrativa e as qualifiquem como omissão dos órgãos julgadores, situação que, à primeira vista, reclama análise de mérito, tornando inviável o não conhecimento da peça recursal, com fulcro na inovação à lide.

Logo, o cerne da problemática desta investigação acadêmica está em esclarecer qual a consequência jurídica adequada, especialmente no julgamento dos embargos de declaração, quando constatada a inovação à lide em grau recursal.

O objetivo geral do trabalho é, portanto, esclarecer a natureza jurídica da inovação, tendo como objetivos específicos responder se esse instituto ostenta as características necessárias à sua categorização como pressuposto de admissibilidade recursal ou outro instituto análogo, definindo, ainda, se, quando verificada, esta deve implicar o não conhecimento ou a negativa de provimento ao recurso interposto.

Esclareça-se que este trabalho foi elaborado, conforme lecionam Lakatos e Marconi (2021), com base no método de abordagem hipotético-dedutivo e no método de procedimento monográfico, mediante uso da técnica de pesquisa da documentação, através da coleta e estudo da doutrina especializada, especialmente de teoria geral com revisão de obras clássicas cuja atualidade ainda subsista. Ademais, foram coletados excertos de julgados de Tribunais, para análise contextual das decisões, a fim de propor-se resposta à problemática introduzida. O resultado da pesquisa está sintetizado em três capítulos.

Na primeira parte, abordam-se aspectos da teoria geral da admissibilidade dos recursos, com ênfase na norma jurídica que veda à inovação recursal, buscando identificar sua natureza jurídica.

No segundo capítulo, traça-se panorama específico derredor do instituto dos embargos de declaração, analisando a legislação aplicável e procedendo à revisão bibliográfica a esse respeito.

No derradeiro, a partir de casos selecionados no Superior Tribunal de Justiça, em Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais do Trabalho – julgados escolhidos com base em viés subjetivo ante a consideração de melhor usabilidade dos sistemas de pesquisa jurisprudencial ou em virtude do vínculo profissional do pesquisador-, efetivou-se análise qualitativa dos excertos coletados, discorrendo sobre a (não) aplicação de mencionada regra alusiva à inovação à lide na fase dos embargos declaratórios, bem como buscando evidenciar as consequências jurídicas aplicados pelo Tribunal.

DA TEORIA GERAL DA ADMISSIBILIDADE RECURSAL

O juízo de admissibilidade, como leciona Aurelli (2017), “consiste na atividade judicial pela qual o Poder Judiciário analisa se foram preenchidos os requisitos mínimos exigidos para que a sua inércia seja rompida”. Aliás, se a fase da admissibilidade recursal não puder ser ultrapassada, a análise do mérito torna-se, potencialmente, nula1.

Pontes de Miranda (1999, p. 37) realça que se o apelo interposto não satisfez as mencionadas exigências legais de forma e de tempo, e o juízo do recurso o proclama, tudo se passa como se o recurso não tivesse sido interposto”. O decisum de não admissibilidade possui, portanto, eficácia constitutivo-negativa2: em outras palavras, o juízo negativo de admissibilidade implica a não instauração da própria instância recursal, isto, logicamente, sob perspectiva jurídico-formal3. A consequência de reputar-se não instaurada a instância recursal é, inclusive, tornar ilegal e juridicamente impossível o saneamento de defeitos no processo pelo Tribunal, afastada a possibilidade de ativação do chamado efeito recursal translativo4. O recurso somente poderá produzir esse efeito – dito translativo – quando - e somente se - ultrapassado o juízo de admissibilidade.

Aurelli (2017) elucida que o juízo de admissibilidade impõe filtro para os pedidos submetidos à apreciação do Judiciário, “a fim de que somente aqueles que preencham os requisitos exigidos sejam admitidos e ultrapassem a barreira para que a análise do mérito seja realizada”.

Nessa linha, Frederico Marques (1999, p. 44) explica que o recurso é “ato processual postulatório, que, por isso mesmo, deve ser submetido, em primeiro lugar, a rigoroso exame sobre a sua admissibilidade”. Já Barbosa Moreira (1998, p. 258), em seu clássico Comentários ao Código de Processo Civil, também direciona no mesmo sentido ao dissertar:

Todo ato postulatório sujeita-se a exame por dois ângulos distintos: uma primeira operação destina-se a verificar se estão satisfeitas as condições impostas pela lei para que o órgão possa apreciar o conteúdo da postulação; outra, subseqüente (sic), a perscrutar-lhe o fundamento, para acolhê-la, se fundada, ou rejeitá-la, no caso contrário. Embora a segunda se revista, em perspectiva global, de maior importância, constituindo o alvo normal a que tende a atividade do órgão, a primeira tem prioridade lógica, pois tal atividade só há de se desenvolver plenamente se concorrem os requisitos indispensáveis para tornar legítimo o seu exercício.

Portanto, sem a prévia satisfação dos pressupostos de admissibilidade recursal, qualquer resposta tendente a definir se o bem da vida objeto da postulação é ou não devido, mesmo sob a égide das inúmeras regras derivadas do princípio da primazia no julgamento do mérito5, torna-se ilegítima.

Fábio Alexandre Coelho (2022, p. 81) desnuda a relevância técnica de saber diferenciar, precisamente, o juízo de admissibilidade do juízo de mérito, com implicações diretas, por exemplo, na definição do juízo competente para apreciar ação rescisória ulteriormente ajuizada:

(...) Essa distinção é extremamente importante no caso de ajuizamento de ação rescisória, pois visa à rescisão (ou desconstituição) de decisões de mérito e a competência para apreciá-la é do tribunal que proferiu a decisão que se pretende rescindir. Sendo assim, se foi interposto recurso extraordinário contra decisão de um Tribunal de Justiça e o mesmo (sic) não foi conhecido pelo Supremo Tribunal Federal, por não ter passado pelo juízo de admissibilidade, a competência para a apreciação da ação rescisória será do tribunal que proferiu a decisão impugnada.

Nery Junior (1988, p. 55) alerta, a esse respeito, ser necessário desenvolver uma “visão macroscópica da teoria geral dos recursos”, viabilizando a solução dos “mais intricados problemas sobre os recursos individualmente considerados”.

É justamente nessa perspectiva que se pretende avançar sobre os principais aspectos da teoria geral, a fim de elucidar se a vedação à inovação à lide também nominada como proibição ao ius novorum (MOREIRA, 1988, p. 447) pode ou não ser enquadrada como pressuposto de admissibilidade recursal, ainda que, como veremos, não esteja listada pela doutrina nessa categoria.

Com efeito, o professor Fábio Coelho (2022, p. 82) enuncia argumento que pode sustentar uma possível resposta à problemática enunciada na introdução. A decisão que certifica a inovação à lide e atribui, como consequência jurídica, a sanção de não conhecimento do apelo seria decisão de mérito impropriamente lançada na admissibilidade recursal?

Há, porém, uma situação inusitada, em que o órgão julgador, embora tenha afirmado que não conheceu do recurso, analisou o seu mérito, tornando-se, assim, competente para a apreciação da decisão impugnada, pois sua decisão não pode ser desconstituída por um órgão hierarquicamente inferior, conforme previsto na Súmula 249 do Supremo Tribunal Federal.

Aliás, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio do item II, da Súmula n. 192 explicitamente reconhece a existência prática dessa situação descrita na doutrina citada, veja-se:

SUM-192 AÇÃO RESCISÓRIA. COMPETÊNCIA (atualizada em decorrência do CPC de 2015) - Res. 212/2016, DEJT divulgado em 20, 21 e 22.09.2016

I - Se não houver o conhecimento de recurso de revista ou de embargos, a competência para julgar ação que vise a rescindir a decisão de mérito é do Tribunal Regional do Trabalho, ressalvado o disposto no item II.

II - Acórdão rescindendo do Tribunal Superior do Trabalho que não conhece de recurso de embargos ou de revista, analisando arguição de violação de dispositivo de lei material ou decidindo em consonância com súmula de direito material ou com iterativa, notória e atual jurisprudência de direito material da Seção de Dissídios Individuais (Súmula nº 333), examina o mérito da causa, cabendo ação rescisória da competência do Tribunal Superior do Trabalho. (ex-Súmula nº 192 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

Como se observa no item I do verbete sumular transcrito, o não conhecimento de recurso impõe que eventual rescisória permaneça sob a competência do órgão jurisdicional de origem, exceto quando, embora proferida decisão de não admissibilidade (situação tratada no item II), esta contenha conteúdo de mérito, a exemplo do que ocorre quando se decide com base em súmula de tribunal superior. Vale observar que essa situação era mais recorrente sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista a existência de regras como a do artigo 518, §1º - O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal – e artigo 557 - O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior. Atualmente, a regra equivalente encontra-se explicitada no artigo 932, IV, do CPC atribuindo ao relator poderes para negar provimento ao recurso contrário a súmulas.

Juízo de admissibilidade

Barbosa Moreira (1998, p. 259-260) esclarece que o objeto do juízo de admissibilidade cinge-se à análise dos “requisitos necessários para que se possa legitimamente apreciar o mérito do recurso”, realçando:

Tais requisitos nem sempre coincidem com os do pleno exercício da atividade judicial de primeiro grau. De um lado, compreensivelmente mais rigorosa quando se trata de provocar novo julgamento, a lei estabelece condições específicas para esse funcionamento suplementar da máquina judiciária. De outro, em sistema como o nosso, não raro o objeto do recurso consubstancia questão resolvida, na instância inferior, como preliminar ao juízo de mérito, e relativa, exatamente, à presença ou ausência de um pressuposto processual ou de uma “condição da ação”. Quer isso dizer que determinada questão, com a passagem de um a outro grau de jurisdição, pode deslocar-se do terreno das preliminares, onde se inscrevia, para vir a constituir, no procedimento recursal, o próprio mérito: é o que sucede, por exemplo, na apelação interposta contra a sentença que declara o autor carecer de ação. Em suma: o mérito, no recurso, não coincide necessariamente com o mérito da causa, nem as preliminares do recurso se identificam com as preliminares da causa.

Esse entendimento é, aliás, essencial para a conclusão de que a divisão topográfica de uma decisão de segundo grau, embora tenha sua pertinência, pode vir a ser irrelevante para atribuir as consequências futuras em um processo de natureza rescisória, visto que há de se identificar, no caso concreto, a natureza do conteúdo contido no decisum. É recomendável, no entanto, que o acórdão tenha a qualidade dele esperada, contendo, precisamente, a abordagem temática de acordo com a melhor técnica, a fim de evitar controvérsias desnecessárias e incompatíveis com a excelência na prestação jurisdicional.

Juízo de mérito

O objeto do juízo de mérito consiste na análise da justiça ou da validade da decisão recorrida. Barbosa Moreira (1998, p. 264-265) explica:

Objeto do juízo de mérito é o próprio conteúdo da impugnação à decisão recorrida. Quando nela se denuncia vício de juízo (error in iudicando, resultante de má apreciação da questão de direito, ou da questão de fato, ou de ambas), pedindo-se em conseqüência (sic) a reforma da decisão, acoimada de injusta, o objeto do juízo de mérito, no recurso, identifica-se (ao menos qualitativamente) com o objeto da atividade cognitiva no grau inferior de jurisdição, com a matéria neste julgada. Quando se denuncia vício de atividade (error in procedendo), e por isso se pleiteia a invalidação da decisão, averbada de ilegal, o objeto do juízo de mérito, no recurso, é o julgamento mesmo proferido no grau inferior (...).

Ainda quando se denuncia error in iudicando, pode o objeto do juízo de mérito, no recurso, coincidir com o objeto do juízo sobre o mérito da causa, em grau inferior de jurisdição (v.g., quando o tribunal conhece de apelação tendente à reforma da sentença definitiva), ou consistir em matéria estranha ao mérito da causa (v.g., quando o tribunal conhece de agravo de instrumento, interposto contra decisão sobre questão processual.

Portanto, o mérito propriamente dito corresponde às pretensões de reforma ou anulação sobre o decidido na origem. Questões referentes ao procedimento – indeferimento da prova pretendida e não produzida ou o deferimento de prova produzida, mas impugnada – ou ao próprio conteúdo das petições inicial e de contestação - acolhimento ou rejeição do pedido formulado, após a avaliação da prova produzida – sempre deverão ser analisados no juízo de mérito.

Há, como se observa, relevância do estudo das bases gerais que rege a admissibilidade recursal, cujos pressupostos são aplicados de forma uniforme às espécies previstas na legislação processual.

Conceito, natureza e funções do recurso

A lição de Frederico Marques (1999, p.3) é categórica no sentido de que o “julgamento proferido por um juiz de grau inferior não esgota (...) a obrigação jurisdicional do Estado”. Afirma, nesse sentido, que a “sentença (...) não passa de apresentação da prestação jurisdicional, ao invés de entrega definitiva da referida prestação, a qual só se verifica quando esgotados os recursos cabíveis”.

Fredie Didier e Leonardo Cunha (2016, p. 87) afirmam que, em acepção técnica e restrita, os recursos são “o meio ou instrumento destinado a provocar o reexame da decisão judicial, no mesmo processo em que proferida, com a finalidade de obter-lhe a invalidação, a reforma, o esclarecimento ou a integração”. Na mesma linha, Coelho (2022, p. 15) explica que o recurso “consiste em um meio endoprocessual de impugnação de uma decisão judicial, uma vez que se desenvolve na mesma relação jurídica”.

Esse conceito é preciso para diferenciar o recurso dos chamados sucedâneos recursais, ações impugnativas de decisão judicial, a exemplo do mandado de segurança, da ação rescisória, da ação anulatória, entre outras, que, em relação jurídica independente, podem vir a afetar decisão proferida no dito processo principal. Sobre o principal efeito do recurso, cita-se o escólio de Carreira Alvim (2015, p. 267):

O principal efeito da interposição do recurso sobre a relação processual é que ele impede que ela se extinga e, consequentemente, que a decisão transite em julgado.

Quando o recurso tem por objeto a decisão de todo o litígio, diz-se que a relação processual fica reiterada; e, quando o recurso tem por objeto apenas algum ato do procedimento diz-se que a relação processual fica iterada.

Sob o aspecto objetivo, são

reflexos da interposição do recurso a iteração e a reiteração da relação processual; e, sob o aspecto subjetivo, é excluído o juiz que proferiu a sentença (juízo a quo) e incluído o tribunal, que vai rejulgar a causa (juízo ad quem).

A natureza do recurso, portanto, como também se verifica no escólio de Theodoro Junior (2018), é a de um incidente no processo, desdobramento do próprio direito de ação, também qualificado como ônus processual, na medida em que a parte deve suportar a consequência tanto de seu exercício, quanto do seu conformismo ao não interpô-lo.

Pontes de Miranda (1999), em seus clássicos comentários ao CPC de 1973, cuja atualidade ao Código atual impressiona, bem assinala que todas essas considerações a respeito da natureza dos recursos poderiam fazer supor a existência de um princípio da recorribilidade de todas as decisões judiciais, este, no entanto, inexistente em nosso ordenamento processual. O processualista alagoano esclarece nesse sentido (PONTES DE MIRANDA, 1999, p. 2-3):

Só existe o princípio da recorribilidade de todas as resoluções que constituam entrega definitiva da prestação jurisdicional, terminando, regularmente, a relação jurídica processual, ou desfazimento da relação jurídica processual sem a entrega da prestação jurisdicional, ou que levam a conseqüências irremovíveis quanto ao conteúdo daquela prestação ou a esse desfazimento. É o princípio da recorribilidade das resoluções judiciais relevantes. O problema de técnica legislativa é, então, o de se discriminar o que é relevante e o que é irrelevante. À entrega da prestação jurisdicional, terminando, regularmente, a relação jurídica processual, sempre se há de reconhecer relevância, tanto mais quanto, na quase totalidade dos casos, se permite a relação jurídica processual em ângulo (autor, Estado; Estado, réu). A exceção há de ser expressa em lei, e é raríssima (...) Quanto às demais resoluções, o tratamento das infrações de forma é suscetível (...) de gradação no valor da relevância, no tocante à nulidade (a), e de produção (b) ou não-produção (c) da força formal de coisa julgada, com (d) ou sem (e) recorribilidade, além das diferenças entre os recursos (f). O direito processual conhece resoluções judiciais irrecorríveis e formalmente intransitáveis em julgado (ec), recorríveis e não transitáveis formalmente em julgado (dc), recorríveis e transitáveis formalmente em julgado (db), irrecorríveis e transitáveis formalmente em julgado (eb). As sentenças entram na classe (db), exceto lei expressa que elimine a recorribilidade ou a força formal de coisa julgada, ou ambas.

Em arremate a esse raciocínio, Pontes de Miranda (1999, p. 4) pontua que a “recorribilidade depende da lei. Se a Constituição cogitou do recurso, a lei não o pode preexcluir (...). Se foi a lei mesma que criou o recurso, há de ter-lhe apontado os pressupostos subjetivos e os objetivos, inclusive os de tempo”.

Princípios processuais relacionados ao direito de recorrer

Derivados em última análise do princípio-síntese do devido processo legal (BUIKA, 2014), há certa uniformidade no indicativo dos princípios listados, pela doutrina de processo civil, relacionados ao direito de recorrer. Theodoro Junior (2018, p. 1004) leciona que a doutrina os separa “em dois grupos: a dos princípios informativos e a dos princípios fundamentais”.

A enumeração proposta pelo insigne doutrinador mineiro enumera os princípios do duplo grau de jurisdição, da taxatividade, da singularidade, da fungibilidade, da dialeticidade, da voluntariedade, da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, da complementariedade, da vedação à reformatio in pejus e da consumação.

Desse rol não se extrai referência à proibição de inovar à lide, mas se vislumbra a possibilidade de que alusiva regra derive, como consequência, por exemplo, do princípio da consumação que, em última análise, se constitui na elevação do fenômeno preclusivo ao status de norma-princípio.

Heloisa Leonor Buika (2014, p. 34) explicita que para “dar forma e caráter aos sistemas, a ciência processual moderna fixou princípios fundamentais”, decorrentes da Constituição. Apoiada em Candido Rangel Dinamarco, a mestra em Direito Processual Civil salienta (2014, p. 34):

(...) que a Constituição formula princípios com o objetivo de proporcionar o acesso à justiça, oferece garantias e impõe exigências em relação ao sistema processual, que convergem a um núcleo central e comum que é o devido processo legal, uma vez que a observação dos padrões previamente estabelecidos na Constituição e na lei é oferecer o contraditório, a publicidade, possibilidade de ampla defesa etc.

Nesta pesquisa, cujo foco volta-se a problemática mais estreita, não se aprofundará na descrição pormenorizada dos princípios acima enumerados.

Pressupostos gerais de admissibilidade recursal

Frederico Marques (1999, p. 45) afirma que cada “recurso tem seus pressupostos próprios e particulares. No entanto, para todos (...) há uma série de pressupostos gerais comuns”. Coelho (2021, p. 1014), no mesmo sentido, afirma a existência de “pressupostos recursais genéricos (...) que devem estar presentes em todos os recursos”.

Com efeito, embora tais pressupostos gerais sejam subdivididos pela doutrina em extrínsecos e intrínsecos (e.g. Barbosa Moreira, Humberto Theodoro Junior, Fredie Didier) ou objetivos e subjetivos (Luiz Fux, Frederico Marques, Carreira Alvim), de se reconhecer que se trata de mera diferença terminológica, observando-se, no geral, convergência das enumerações propostas, ainda que com pontuais dissonâncias no posicionamento de certos pressupostos (e.g. o cabimento).

No primeiro grupo, alusivo aos pressupostos extrínsecos ou objetivos, inserem-se os requisitos que dizem respeito ao modo pelo qual o recurso deve ser interposto. Referem-se, portanto, ao apelo em si mesmo, pouco importando o sujeito que apresenta a postulação ao Tribunal, logo, são pressupostos de natureza objetiva. No segundo, que trata dos pressupostos intrínsecos ou subjetivos, estão listados os que versam sobre a “própria existência do direito de recorrer (THEODORO JUNIOR, 2018, p. 1024) referindo-se ao sujeito-recorrente e, por isso mesmo, subjetivos.

Em suma, seguindo a clássica lição do multicitado Barbosa Moreira (1998, p. 260), são pressupostos extrínsecos a tempestividade, a regularidade formal e o preparo e são pressupostos intrínsecos o cabimento, legitimação, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer.

Da doutrina consultada não se vislumbra, nem de relance, a inclusão da proibição de inovar à lide como pressuposto de admissibilidade recursal. No entanto, não se faz necessário amplo domínio das ferramentas tecnológicas de pesquisa jurisprudencial disponibilizadas nos portais de Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais Regionais Federais para detectar inúmeras decisões obstativas ao conhecimento do apelo com base na mencionada regra, restando, portanto, a questão: onde se encontra o amparo normativo para sua aplicação?

  1. Pressupostos processuais intrínsecos ou subjetivos

    1. Cabimento

O cabimento é “o primeiro pressuposto de admissibilidade de qualquer recurso, pois é necessário verificar se o ato é ou não recorrível” (BUIKA, 2014, p. 68). Como assinala a insigne processualista, a espécie recursal escolhida pela parte deve estar prevista em lei como “meio adequado para impugnar a decisão recorrida”, sendo que o exame do cabimento deve se realizar “por meio de dois ângulos distintos, mas complementares, a recorribilidade do ato e a propriedade do recurso interposto”.

Sobre a temática, o professor Theodoro Junior (2018, p. 1025) é cirúrgico ao esclarecer:

De acordo com o art. 203 do NCPC, os pronunciamentos do juiz, durante o curso do processo, são sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Todos eles figuram na categoria dos atos chamados deliberatórios, mas nem todos ensejam a interposição de recurso. Apenas os realmente decisórios se mostram passíveis dessa modalidade impugnativa. As sentenças e decisões interlocutórias são sempre recorríveis, quaisquer que sejam a natureza da questão resolvida e o valor da causa (arts. 1009 e 1015). Dos despachos, i.e., daqueles pronunciamentos judiciais que apenas impulsionam a marcha processual, sem prejudicar ou favorecer interesse de qualquer das partes, não cabe recurso algum (art. 1.001). (...) Não são recorríveis os atos judiciais, mesmo que dotados de conteúdo decisório, quando tenham sido proferidos em última instância, ou seja, no nível em que já não mais haja previsão legal de recurso algum a manejar.

Fredie Didier e Leonardo Cunha (2016, pp. 108-111) apontam que na análise do cabimento três normas jurídicas em particular devem ser consideradas: o princípio da fungibilidade – para permitir a relevação da escolha do meio recursal impróprio em casos de dúvida legítima; a regra da singularidade ou unirrecorribilidade, segundo a qual para cada ato judicial somente pode ser manejado um único tipo recursal e, por derradeiro, a regra da taxatividade, cujo conteúdo normativo, em contraposição a teoria do recurso indiferente de Goldschmidt (ALVIM, 2015, p. 270), implica que deve ser observada a tipologia recursal legalmente definida, não se admitindo a criação de modalidades recursais novas, por atos normativos infralegais, a exemplo de regimentos internos, ou mesmo negociais interpartes.

Heloisa Buika (2014, p. 71), louvando-se dos ensinamentos de Araken de Assis, realça pouca importar a forma ou o nome porventura atribuído ao ato pelo órgão judiciário, pois o que interessa, para o cabimento do recurso, é a precisa adequação do provimento à tipologia legal”.

Lucas Naif Caluri (2018, p. 36) arremata que, tendo os recursos a finalidade primacial de atacar as sentenças, sejam estas ou não de mérito, deve-se concluir pelo cabimento de alguma espécie recursal, dentre as previstas na legislação, sempre que o provimento jurisdicional houver causado sucumbência.

O cabimento, como cediço, no entanto, pode não implicar a inadmissibilidade do apelo por força do chamado princípio da fungibilidade, o qual viabilizar ao juízo efetuar “a troca do recurso interposto, tido como inadequado, por outro visto como correto para atacar determinada decisão judicial” (CALURI, 2018, p. 105). Para tanto, afasta-se o erro de alvo cometido pelo recorrente, desde que (1) o recurso correto submeta-se aos mesmos requisitos da espécie recursal manejada, (2) a parte não tenha cometido erro grosseiro e, por fim, não (3) esteja incursa em situação de má-fé, pretendendo, por exemplo, louvar-se de prazo recursal mais dilatado, protelar o término do processo, criar tumulto processual, etc.

Legitimação

O pressuposto da legitimidade para recorrer guarda conteúdo análogo ao da legitimidade para ajuizar a demanda. Seu alcance, porém, está intimamente ligado à noção de sucumbência no processo. Frederico Marques (1999, p. 66-66) explica:

É indiferente para essa legitimação ativa no direito de recorrer que a parte tenha atuado como autor ou como réu no procedimento de primeiro grau, pois que um e outro tem o direito de recorrer. (...)

Mutações subjetivas da lide não tiram a qualidade de parte a quem passa a figurar em lugar de outrem como sujeito parcial do processo. Evidente é, portanto, que quem sucede ao autor ou ao réu (...) no curso do procedimento de primeiro grau, tem o direito de recorrer.

Nesse sentido, Theodoro Junior (2018, p. 1035) sintetiza que a “lei confere legitimidade para interpor recurso à parte do processo em que a decisão foi proferida, ao representante do Ministério Público, quando atua no feito (ou nele pode atuar) e ao terceiro prejudicado, por efeito reflexo do decisório (NCPC, art. 996, caput)”.

Clayson Moraes Mello (2021, p. 34-35) realça a ampla legitimidade ministerial, que pode exercer tanto o papel de parte, quanto o de fiscal da ordem jurídica, assumindo posição sui generis.

Nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público: I - terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo; II - poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer (artigo 179). Em qualquer condição em que recorra, o Ministério Público terá prazo em dobro, na forma do art. 180, caput, do CPC.

O Ministério Público é parte legítima para recorrer da decisão que fixa os honorários do administrador na recuperação judicial (REsp 1.884.860-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020).

O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte (Súmula 99 do STJ).

O Ministério Público tem legitimidade para recorrer na ação de acidente do trabalho, ainda que o segurado esteja assistido por advogado (Súmula 226 do STJ).

Por fim, cito Naif Caluri (2018, p. 40) para esclarecer que, ao terceiro, “cumpre (...) demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual”, pressupostos que, se não estiverem evidenciados na peça recursal, poderão embasar decisão de inadmissibilidade do apelo.

Interesse

Barbosa Moreira (1998, p. 295-296) explicita que a “construção de um conceito unitário do interesse em recorrer (...) exige a adoção de uma óptica (sic) antes prospectiva que retrospectiva”. Nesse sentido, o mestre processualista explica que sempre deverá ser atendido o binômio necessidade e utilidade; utilidade da providência judicial pretendida, necessidade da via que esse escolhe para a postulação. Cita-se de seu brilhante escólio (BARBOSA MOREIRA, 1998, p. 296-297):

a ênfase incidirá mais sobre o que é possível ao recorrente esperar que se decida, no novo julgamento, do que sobre o teor daquilo que se decidiu, no julgamento impugnado. Daí preferimos aludir à utilidade, como outros aludem, como fórmula afim, ao proveito que a futura decisão seja capaz de proporcionar ao recorrente. Essa maneira de considerar a questão permite uniformizar-lhe os termos, quer se trate de recurso de parte, quer de terceiro prejudicado, quer do Ministério Público (...). É evidente que, na terceira hipótese, há de entender-se a utilidade ou proveito não como vantagem destinada a beneficiar individualmente o órgão do Ministério Público que interponha o recurso, mas como a satisfação que poderá ter, mercê do pronunciamento do órgão ad quem, o interesse (na observância do direito objetivo) sustentado por aquele no processo. (...)

Tudo isso se afirma, é claro, com a ressalva da possibilidade legal: em nosso sistema positivo, v.g., para o autor a quem se acolheu integralmente o pedido e se concederam todos os acessórios, não há caminho que o possa levar, na instância recursal, a qualquer melhoria de situação; (...) É suficiente, contudo, que a possibilidade de melhoria se configura no tocante a qualquer tópico, mesmo secundário, sem que se haja de exigir este ou aquele grau de relevância no ângulo quantitativo. (...) Deve aferir-se ao ângulo prático a ocorrência da utilidade, isto é, a relevância do proveito ou vantagem cuja possibilidade configura o interesse (...)

Particularmente relevante é a observação do insigne doutrinador (1998) de que o Estado-Juiz não se encontra à disposição para responder questões puramente acadêmicas ou satisfazer necessidades puramente psicológicas de que determinada argumentação seja explicitada na decisão judicial como se fosse acolhida. Há necessidade de que essa argumentação tenha relevância prática sobre as consequências jurídicas da postulação e sua eficácia. Embora não passe despercebido que o sistema processual civil vigente confira maior peso à fundamentação decisória do que ao tempo em que a clássica lição de Barbosa Moreira veio ao público, certo é que suas ponderações mostram-se totalmente aplicáveis ao atual estado da arte do processo civil.

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Nesse aspecto, por exemplo, já consideradas as premissas trabalhadas nos tópicos antecedentes, uma discussão sobre a injustiça em decisão que não conhece de recurso, por inovação à lide, deixa de ser meramente acadêmica, na medida em que, como visto, poderá ter consequentes repercussões para definir o juízo competente para uma eventual rescisória contra o acórdão produzido em um caso deste gênero.

Inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer

Coelho (2022) qualifica a inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer como pressuposto de admissibilidade negativo no sentido de que devem estar ausentes para que se conheça do apelo interposto.

Theodoro Junior (2018, p. 1050) aponta a renúncia e a aceitação da sentença como “fato impeditivo do recurso (...), ocorridas antes de sua interposição” e, como fato extintivo, “a desistência manifestada durante o seu processamento e antes do respectivo julgamento”.

Colho, também, do escólio de Zagaglia (2019, p. 291):

O quarto e último requisito intrínseco para interposição do recurso é a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer. É que, após a prolatação da decisão jurisdicional que se quer impugnar, é preciso que haja uma atitude de inconformismo por parte do recorrente. Fato impeditivo aqui funciona como uma espécie de preclusão lógica ou consumativa. Por exemplo, imagine-se a sentença proferida com base no art. 485, III, “a” do CPC, isto é, quando o réu reconhece o pedido do autor. É obvio que nesta hipótese, embora tenha legitimação, e interesse, eis que é parte e sucumbiu, foi o próprio réu o causador da sua condenação e, consequentemente, este fato processual o impede de recorrer.

O fato extintivo também guarda correlação com a preclusão lógica ou a consumativa, pois num ou noutro caso decorrerá da aceitação, expressa ou tácita da decisão. Imagine-se que a parte sucumbente cumpra a sentença. Nessa hipótese, embora tenha legitimidade e seja sucumbente, não poderá recorrer porque aceitou tacitamente a sentença ao cumpri-la espontaneamente.

Relevante assinalar que, embora a doutrina inclua na descrição desse pressuposto apenas tais exemplos – veja-se, por exemplo, Didier e Cunha (2018), Coelho (2022), Buika (2014), Zagaglia (2019), Nery Junior e Nery (2018) -, parece ser evidente que este possui uma elasticidade conceitual mais ampla do que a dos demais pressupostos, a tal ponto de entendermos ser possível indagar, à luz da realidade jurisprudencial posta, como ficará demonstrado em capítulo subsequente, se a inovação à lide, quando caracterizada, pode vir a ser considerada como fato impeditivo do direito de recorrer.

É certo, ao que se infere da lição doutrinária, que tais fatos derivam de comportamentos processuais imputados aos sujeitos do processo que podem consistir ou não em declarações no curso do procedimento. Nesse sentido, o pagamento espontâneo de todo o quantum debeatur no caso de sentenças líquidas pode traduzir, sob a perspectiva lógica, a aceitação da decisão e, por conseguinte, o não conhecimento de recurso porventura posto. Do mesmo modo, a renúncia expressamente manifestada ao direito de recorrer, ainda que após a interposição do apelo, implicará a mesma consequência de resultar juízo de admissibilidade negativo.

A adução de questão fática nova, fora das hipóteses legais, que implica a declaração judicial de inovação indevida à lide é um comportamento processual que pode ser enquadrado nessa categoria? Não se verifica resposta técnica na doutrina ou na jurisprudência, inclusive aqui considerada a perspectiva filosófica do realismo jurídico, segundo a qual o direito consiste no conjunto de precedentes produzidos pelos tribunais. Porém, as premissas enunciadas deixam entrever a possibilidade de enquadrar a inovação como causa obstativa ao conhecimento de apelos, enquanto fato impeditivo do direito de recorrer.

Pressupostos processuais extrínsecos ou objetivos

Tempestividade

Dos pressupostos processuais de admissibilidade, a tempestividade é o aferível de modo mais objetivo, cuja certificação traduz hipótese de ocorrência da preclusão temporal. Nesse sentido, trago da dissertação de Buika (2014, p. 80):

O desenvolvimento do processo se dá por meio de uma sequência prática e ordenada de atos praticados pelas partes, juiz e auxiliares de justiça objetivando a solução do litígio. A lei processual prevê prazos para a prática dos atos processuais, os quais devem ser obedecidos, visto que, na maioria das vezes, quando desrespeitados, geral preclusão temporal o que impossibilita a prática deles. Os recursos são atos processuais e, portanto, também devem ser interpostos dentro dos prazos impostos pela legislação, e são considerados tempestivos quando interpostos no prazo legal.

A pontuação inicial no sentido de que a decisão de inadmissibilidade que certifica a interposição de recurso intempestivo é, por outro viés, decisão que certifica a ocorrência de preclusão temporal é mais uma característica a reforçar, sob esse ângulo, a correção da hipótese de que a inovação à lide também pode ser considerada pressuposto recursal.

Isso porque, se bem analisada essa situação jurídica, o juízo ao pronunciar-se que a parte está a aduzir questão nova em momento indevido está proferindo decisão constitutivo-negativa de que a oportunidade para aduzir o pretendido tema está preclusa.

Preparo

Na relação de pressupostos de admissibilidade, o preparo insere-se como contraincentivo ao manejo dos instrumentos recursais. É, por um lado, como diz Buika (2014, p. 88), exigência tributária mencionada “nos artigos 77 a 80 do Código Tributário Nacional, consubstanciada em uma taxa judiciária, imprescindível e vinculada ao uso do aparelho judiciário estatal”.

O preparo envolve o recolhimento da mencionada taxa judiciária, das custas processuais e, em certas circunstâncias, do chamado pagamento de porte de remessa e retorno dos autos, tão em desuso em tempos de processo judicial eletrônico.

A certificação de que o preparo não foi devidamente cumprido implica, como sanção, o juízo de admissibilidade negativo, sendo, no entanto, vício passível de saneamento na forma preconizada, por exemplo, nos parágrafos do artigo 1.007 do Código de Processo Civil. Trata-se, como alertam Didier e Cunha (2016, p. 125) “de causa objetiva de inadmissibilidade, que prescinde de qualquer indagação quanto à vontade do omisso”, devendo ser comprovado no momento da interposição do apelo.

Regularidade formal

Didier e Cunha (2016, p. 124) explicitam que para o recurso ser conhecido “é necessário, também que preencha determinados requisitos formais que a lei exige”.

Nesse sentido, apontam-se, na sequência, os requisitos comuns previstos na legislação adjetiva para a interposição de recursos, vícios, geralmente, passíveis de saneamento.

1. Indicação do órgão ao qual o recurso é dirigido

Coelho (2021, p. 1018) explicita que ao “utilizar os recursos existentes, a parte deve observar qual é, por lei, o órgão judicial competente para a sua apreciação, a quem deve ser endereçado o recurso. O eventual erro no direcionamento do recurso impede o seu conhecimento”.

2. Interposição por petição ou por termo nos autos

O processo desenvolve-se sob observância da forma escrita, de modo que mesmo os atos praticados oralmente, devem ser reduzidos a termo. Nesse sentido, as peças recursais devem ser redigidas e assinadas por profissional com a devida capacidade postulatória, sob pena de não ser admitido.

3. Comprovação da interposição.

Coelho (2021, p. 1019) elucida que “se interposto o recurso de agravo de instrumento, o agravante – parte que o interpôs – deverá requerer, no prazo de três dias, a juntada aos autos do processo de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como da relação dos documentos que o instruíram (art. 1.018, caput, do CPC)”, exigência legal sem a qual o apelo não será conhecido.

4. Motivação

Seria a proibição de inovar à lide um aspecto da motivação que constitui, por sua vez, um desdobramento do pressuposto da regularidade formal?

A motivação diz respeito aos argumentos pelos quais a parte pretende evidenciar o equívoco na apreciação do mérito levada a efeito pelo órgão julgador que proferiu a decisão revisanda. Sobre o ponto, o artigo 1.010 do Código de Processo exige que a apelação contenha, entre outros requisitos, a exposição do fato e do direito, bem como as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade e o pedido de nova decisão. Coelho, a esse respeito, explicita (2021, p. 1019):

Ao motivar o seu recurso o recorrente não poderá alegar matérias que não foram apreciadas pela decisão impugnada para que não se tenha violação ao princípio do duplo grau de jurisdição. A alegação de temas novos caracteriza inovação recursal. A única exceção diz respeito às matérias que o juiz pode conhecer de ofício (objeção processual) em qualquer grau de jurisdição, como é o caso dos pressupostos processuais e das condições da ação, que são matérias de ordem pública.

Theodoro Junior (2018, p. 1048) ressalta que essa exigência está expressa relativamente a todas as espécies recursais, isto é, no “tocante à apelação (art. 1.010, II e III), ao agravo de instrumento (art. 1.016, II e III), aos embargos de declaração (art. 1.023) e aos recursos extraordinário e especial (art. 1.029, I, II e III)”.

Com efeito, ao dissertar sobre o tema, a doutrina deixa claro que a motivação é necessária como corolário do contraditório dialético que se instaura na relação jurídico-processual, com vistas a explicitar ao Tribunal as razões pelas quais o recorrente está irresignado com o resultado alcançado na decisão recorrida.

De se ver, sem sombra de dúvida, que nesse proceder não pode a parte introduzir, salvo força maior, novas questões fáticas na forma explicitada pelo artigo 1.014 do CPC. Disso resulta que, em certa medida, a exigência de tal regra encontra-se inserta dentro desse pressuposto, podendo, sob esse aspecto, ser qualificado como elemento que nele se contém.

Preclusão e ius novorum

O veto à inovação à lide é regra concretizadora da eficácia obstativa da preclusão? Veja-se que se o juízo impede, proferindo decisão que inadmite determinada alegação ao fundamento de que já se ultrapassou a oportunidade para apresentar aquela questão de fato no processo, há, em outros termos, um decisum que certifica a incidência da preclusão para a oportunidade de a parte apresentar os pontos com que pretende defender a sua postulação nos autos.

De igual arte, ao declarar a intempestividade do recurso, o órgão julgador, em última análise, profere decisão que certifica a ocorrência de preclusão temporal.

Neves (2006, p.1-2), sobre esse instituto, historia:

Embora se possa considerar recente a preocupação dos doutrinadores em definir e sistematizar o instituto da preclusão, o fenômeno é antigo. Remonta ao direito romano canônico, em que já aparecia como forma de ameaça jurídica, com evidente caráter de pena: poena preclusi. Já no século XVIII os franceses tratavam de fenômeno semelhante ao da preclusão e alcunhavam-no de forclusion, sinônimo de caducidade, que correspondia alternadamente a elementos de direito substantivo e de direito processual. O mérito pela elaboração científica da sistematização do conceito de preclusão é atribuído a Giuseppe Chiovenda. Com base em estudos do processualista alemão, Oskar Bullow, Chiovenda foi o primeiro doutrinador a se preocupar em criar uma conceituação genérica ao instituto, partindo da análise de inúmeros casos singulares previstos pelo ordenamento jurídico italiano para descrever o fenômeno em sua totalidade.

Leal (2018, p. 254) elucida que o fenômeno processual da preclusão tem vasto campo de incidência, provocando variadas consequências no campo do procedimento voltado à prestação jurisdicional.

A preclusão é a maior garantia que têm as partes de que a estrutura do procedimento não pode ser alterada ou anulada por atos de arbítrio, conveniência, revisão, retorno, reabertura, cancelamento, recomeço, senão pelos modos que a lei rigorosamente impuser. Entendemos que não é satisfatória a classificação da Preclusão em temporal, lógica e consumativa, porque a preclusão é sempre lógico-jurídico-temporal.

Poderíamos fazer até mesmo uma distinção entre situação jurídica, ato, fato e fator jurídico-processuais, valendo-nos da figura da preclusão, porque, se o ato (ação ou omissão) não é voluntariamente construtivo do procedimento, mesmo assim teríamos, em direito processual, situações jurídicas, de vez que estas ocorrem pela sucessão de atos-fatos (ação ou omissão) que se consolidam pelo esgotamento do tempo legal de sua realização, não comportando, como se disse, reabertura discricionária.

A estrutura do procedimento em construção ou acabado compõe-se de situações que são as resultantes lógico-jurídicas dos atos comissivos ou omissivos das partes e dos fatos ausentes ou ocorridos na construção dos procedimentos já irreversíveis pela preclusão. Assim, a preclusão seria fator de consolidação estrutural do procedimento composto desses atos e fatos e do tempo vazio não oportunamente utilizado, cujos contornos teóricos, em sua dinâmica e estática procedimental, demandariam reflexão e pesquisas alentadas(...)

Marques (1999, p. 160), valendo-se de ensinamentos de Liebman em nota inserida em seu clássico Instituições de Direito Processual Civil, afirma, sobre Giuseppe Chiovenda, que, na realidade, se deve considerar a proibição de inovar à lide uma regra que determina ao juízo certificar a ocorrência de preclusão:

A preclusão impede que em segunda instância se faça a “apresentação de novas questões de fato”, visto que a lei impõe às partes “o ônus de formular em primeira instância todas as questões de fato que desejem examinadas em todo o curso do Processo”. E LIEBMAN, de quem extraímos esse ensinamento tão exato, acrescenta: “só na hipótese de força maior, que ao Tribunal caberá examinar caso por caso, a este incumbiria remover tal preclusão e restituir às partes a faculdade que normalmente se lhes recusa, de formular em segunda instância novas questões de fato”.

Alvim (2015, p. 220) indica que a preclusão ostenta duplo viés. No prisma objetivo, trata-se de “fato impeditivo, destinado a garantir o avanço gradual do processo, evitando recuo a fases já superadas do procedimento”. No ângulo subjetivo, (ALVIM, 2015, p. 220), “representa a perda de um direito ou faculdade, por não ter sido exercido dentro do prazo, ou por se haver esgotado pelo seu exercício”.

Embora no contexto do processo civil sob a égide do Código de 1973, Dierle Nunes et al (2013, p. 267), explicita sobre o veto à inovação recursal:

No procedimento recursal brasileiro da atualidade, não se abre em regra nova cognição com adoção do critério de parificação completa entre os dois graus de jurisdição, ou seja, com novas oportunidades de apresentação de fatos e provas (ius novorum ou nova), mas simplesmente possibilita-se uma análise do material coletado em primeira instância, o que permite uma diminuição dos efeitos nocivos do recurso em face da aplicação do princípio da concentração.

Como se conclui, até o então analisado, a preclusão, conquanto não se trate de pressuposto de admissibilidade recursal, pode ser a consequência processualmente decorrente da certificação de que determinado pressuposto não foi satisfeito.

Tais ponderações servem, portanto, para evidenciar que o instituto da preclusão encontra-se intimamente ligado, com os pressupostos de admissibilidade, podendo-se aventar que a regra alusiva à proibição de inovar à lide dela decorra diretamente.

DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Os embargos de declaração, diversamente das demais espécies que se destinam a reformar ou anular as decisões atacadas, têm a precípua finalidade de eliminar vícios intelectivos nos julgamentos. Possuem escopo integrativo – e não substitutivo, por meio do qual se almeja o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.

Cuida-se de recurso com fundamentação vinculada (DIDIER e CUNHA, 2016, p. 248), na medida em que o sujeito-recorrente deverá, necessariamente, indicar omissão, obscuridade, contradição ou erro material contido na decisão embargada. Didier e Cunha (2016, p. 249) afirmam, embasados na jurisprudência do c. STJ, que, se ausente essa argumentação específica nas razões do apelo integrativo, seria, inclusive, o caso de seu não conhecimento.

A esse respeito, Coelho (2022, p. 151-152) compartilha da mesma visão dos doutos processualistas:

(...) quando o recurso é de fundamentação vinculada é necessário que o recorrente trabalhe exclusivamente com os argumentos que foram listados pelo legislador como aptos a propiciar a reforma da decisão. Deste modo, se o recorrente não fundamentar o seu recurso em uma das hipóteses previstas não será conhecido, mesmo que a decisão proferida seja manifestamente injusta ou esteja indiscutivelmente errada, uma vez que somente é cabível quando estão presentes determinados vícios ou defeitos na decisão impugnada

Nos dizeres do insigne Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, em excerto jurisprudencial (STF, AI 163047-5, PR, Rel. Marco Aurélio, DJU 8/3/1996, p.6223) que se tornou uma citação clássica, alusivo meio recursal não consubstancia “crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe de aprimoramento”, de modo que ao “apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com espírito de compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal”.

Pontes de Miranda (1999, p. 316) defende que os “juízes e tribunais devem atender, com largueza, aos pedidos de declaração, tanto mais quanto pode haver sutileza que influa na eficácia da decisão, e o juiz ou tribunal não conheça o interesse das partes em eliminá-la, ou em fazê-la explícita”.

Marques (1999, p. 234-235) deixa claro que o instrumento tem natureza de recurso, ainda que sobre o ponto resida superada controvérsia doutrinária:

Recurso exclusivamente de retratação, permitem os embargos de declaração o reexame da sentença ou acórdão pelo próprio órgão de onde emanou.

Alguns entendem que os embargos de declaração não se enquadram no elenco das figuras recursais. (...)Entre os processualistas mais recentes, cumpre registrar o entendimento de MACHADO GUIMARÃES, para quem os embargos de declaração se conceituam como “procedimento incidente de interpretação autêntica” (...) Em contrário, admitindo esses embargos como recurso, citam-se SEABRA FAGUNDES, JORGE AMERICANO, CARVALHO SANTOS e PONTES DE MIRANDA. (...) A sentença ou acórdão que se embarga é o objeto desse remedium juris por conter um gravame contra o embargante. (...) E como os embargos de declaração constituem o meio e instrumento para obter a reparação do gravame, indiscutível o seu caráter de recurso.

Pontes de Miranda (1999, p. 319-320) pondera, ainda:

A respeito dos embargos de declaração, há dois conceitos, que têm de ser precisados e atendidos: o de decisão e o de sentença (no sentido de forma da decisão, expressão do decisum). O que se pede é que se declare o que foi decidido, porque o meio empregado para exprimi-lo é deficiente ou impróprio. Não se pede que se redecida; pede-se que se reexprima. A obscuridade há de estar no que foi dito. Bem assim a omissão. Se o juiz declara que algo não foi decidido, declara com alusão a falta de algo da decisão, e não só da expressão sentencial. A finalidade dos embargos de declaração é a declaração do decisum, do que houve, uma vez que não foi feliz a expressão material.

Barbosa Moreira (1999, p. 535-536) em colaboração ao desenvolvimento da temática explicita que toda decisão judicial é embargável:

(...) é inconcebível que fiquem sem remédio a obscuridade, a contradição ou a omissão existente no pronunciamento, não raro a comprometer até a possibilidade prática de cumpri-lo. Não tem a mínima relevância que se trate de decisão de grau inferior ou superior. (...) Tampouco importa que a decisão definitiva ou não, final ou interlocutória. Ainda quando o texto legal, expressis verbis, a qualifique de “irrecorrível”, há de entender-se que o faz com a ressalva implícita concernente aos embargos de declaração.

Como qualquer outra espécie recursal, também os embargos de declaração estão submetidos ao juízo de admissibilidade, pelo qual se faz indispensável a satisfação de pressupostos intrínsecos (legitimidade recursal e interesse) e extrínsecos (tempestividade, preparo, inexistência de fato impeditivo para recorrer etc.) para conhecimento das questões de mérito – saneamento da possível omissão, obscuridade, contradição, etc - que nele se contenham. Nesse sentido, advogam Nery Junior e Nery (2018) e, na mesma linha, cito a contribuição de Coelho (2022, p. 380)

Quando os requisitos que possibilitam a oposição de embargos de declaração não estiverem presentes, os mesmos (sic) não serão conhecidos, sendo comum, inclusive, que se afirme que representam um mero inconformismo em relação à decisão proferida, por não se prestarem ‘ao reexame de questões já apreciadas e nem para eventual correção de erro de julgamento’. Por terem natureza jurídica de recurso, os embargos de declaração ‘sujeitam-se aos mesmos requisitos de admissibilidade [de outros recursos] e à teoria geral dos recursos.

Da doutrina de Theodoro Junior (2018, p. 1121) entreve-se ligeira divergência a respeito dos requisitos de admissibilidade exigíveis para os embargos de declaração; pois, para o autor mineiro, o “pressuposto (...) dessa espécie de recurso é a existência de obscuridade ou contradição na decisão; de omissão de algum ponto sobre que devia pronunciar-se o juiz ou tribunal, ou erro material”.

Passemos à análise resumida dos vícios de intelecção dos julgados.

Obscuridade

Sobre a obscuridade, Barbosa Moreira (1999, p. 538) assinala tratar-se de “defeito capital em qualquer decisão”. Isso porque, a obra do saudoso doutrinador ressalta ser “função precípua do pronunciamento judicial, exatamente, fixar a certeza jurídica a respeito da lide ou da questão decidida”, de tal sorte a ser impensável tolerar resoluções que padeçam da falta de clareza.

Coelho (2022, p. 381), a seu turno, assinala haver “obscuridade quando a decisão judicial não consegue ser adequadamente compreendida, por suscitar dúvidas a respeito de sua interpretação, por não estar claro o seu sentido e alcance”. Barbosa Moreira complementa (1999, p. 538-539):

Há, naturalmente, graus na obscuridade, desde a simples ambigüidade, que pode resultar do emprego de palavras de acepção dupla ou múltipla – sem que do contexto ressalte a verdadeira no caso -, ou de construções anfibológicas, até a completa ininteligibilidade da decisão. Em qualquer hipótese cabem os embargos declaratórios; e o órgão judicial bem andará se preferir esclarecer o seu pronunciamento, ainda que lhe pareça pouco relevante o ponto, ou exagerada a increpação de obscuridade, a suscetibilizar-se com a interposição.

Theodoro Junior (2018, p. 1122), sobre o ponto, ainda esclarece:

Não há obscuridade apenas quando o julgador, na decisão, utiliza má redação, segundo as regras gramaticais ou mediante emprego de palavras inadequadas para precisar o enunciado sentencial; ela está presente também quando, na composição do texto, se depara com uma conjuntura lógico-jurídica que evidencia “Imperfeições na própria ideia que norteia o julgamento”. Ou seja: os enunciados confusos, no plano jurídico, se apresentam como “consequência de desordem, hesitação nas convicções do julgador”.

Na essência, a decisão judicial eivada pela obscuridade não permite aos sujeitos do processo compreender o alcance do comando decisório, sendo, entre os vícios de intelecção, um dos mais nefastos à prestação jurisdicional, na medida em que não permite às partes, por prejudicar a própria substância do quanto decidido, o pleno exercício do contraditório.

Contradição

Ao lado da obscuridade, a contradição afigura-se como mácula nociva à prestação jurisdicional. Nesse sentido, Theodoro Junior (2018, p. 1124) distingue a contradição daquela outra espécie de vício:

(...) [a contradição] ocorre quanto são inconciliáveis duas ou mais proposições do decisório. A conclusão, por exemplo, não pode contradizer a fundamentação da sentença. Mas, se os fundamentos são imprecisos ou incompreensíveis, tornando difícil sua harmonização com o dispositivo da sentença, o caso não é, propriamente, de julgamento contraminado por contradição, mas sim por obscuridade.

Coelho (2022, p. 383), por sua vez, enuncia como se detectar a contradição nos julgados:

(...) Existe contradição em uma decisão judicial quando uma parte contradiz a outra. Há, assim, afirmações “que estão em oposição ou que levam a resultados distintos ou inversos”. É o que ocorre quando o juiz que a proferiu aponte, num primeiro momento, que rejeitou a pretensão do autor e, posteriormente, afirme que a acolheu. Há, portanto, oposição, antagonismo ou contradição entre duas afirmações, gerando uma situação de incoerência em virtude da impossibilidade de que sejam conciliadas.  A contradição decorrente da presença de proposições inconciliáveis dá origem a uma sentença suicida, uma vez que os trechos em oposição se neutralizam, pois não há como cumprir uma decisão que, ao mesmo tempo, rejeita e acolhe a pretensão do autor, por exemplo.

É indispensável consignar, nesse ponto, que a contradição sanável na via estreita sempre será aquela interna, ou seja, a existente no bojo da própria decisão, jamais aquela que se materializa, por exemplo, entre as proposições da decisão e a prova dos autos ou com as teses das partes.

Omissão

A omissão é, sem dúvida, o vício de intelecção dos mais recorrentes observados na prática processual, na medida em que não é incomum, no universo notoriamente gigantesco de causas submetidas à apreciação do Judiciário, que alguns dos requerimentos formulados ou argumentos deduzidos possa passar sem análise expressa do órgão julgador.

Coelho (2022, p. 384), a respeito desse vício, conceitua:

Há omissão quando a decisão judicial deixa de se manifestar sobre algum aspecto essencial da petição inicial ou da contestação, assim como a respeito de um ponto ou questão relevante que tenha surgido no curso da relação jurídica processual. Ponto corresponde a toda e qualquer matéria, fática ou jurídica, relacionada à demanda, que tenha sido levantada pelas partes, tornando-se objeto de discussão judicial. É exemplo do exposto a formulação de um pedido de gratuidade da justiça, a alegação de que uma lei é inconstitucional e a formulação de um pedido de reconhecimento da prescrição. Quando a matéria suscitada for objeto de discussão entre as partes haverá uma questão, que, consequentemente, pode ser definida como um ponto controvertido de fato ou de direito.

Notório, outrossim, é que partes se valem dessa oportunidade para trazer à tona questões novas, em algumas situações de forma legítima, como por exemplo quando versam sobre matéria de ordem pública. Coelho (2022, p. 385) explica sobre essa situação:

(...)A omissão pode estar relacionada também ao fato de que o juízo deixou de se manifestar sobre uma matéria de ordem pública (ou objeção processual), como é o caso da falta de legitimidade, da prescrição e da decadência, mesmo que essas matérias não tenham sido suscitadas anteriormente, já que competia ao juízo analisá-las independentemente de provocação nas instâncias ordinárias (primeiro e segundo grau de jurisdição).

Também há a situação que autoriza o manejo dos aclaratórios quanto aos chamados pedidos implícitos. Novamente nos valemos do escólio de Coelho (2022, p. 387):

Os pedidos implícitos também possibilitam a oposição de embargos de declaração, como ocorre com a fixação de honorários advocatícios em caso de sucumbência e da definição do termo inicial de incidência de juros.  Entretanto, os embargos de declaração não servem: a) para o embargante se opor à fundamentação adotada na decisão embargada, em que a irresignação deve se manifestar pela via processual adequada; e b) para a reapreciação do julgado com a apresentação de teses que não foram anteriormente levantadas.

Sucede que afora das mencionadas situações quando a parte aventa de omissão, no entanto, inexistente, constatando o juízo tratar-se de inovação à lide deve ou não conhecer do apelo? Considerando o objeto do recurso de embargos de declaração, afigura-se, prima facie, que a procedência ou não da tese recursal constitua objeto do juízo de mérito, a fim de que o órgão julgador decida se se há ou não a omissão apontada pelo sujeito-recorrente.

Erros materiais e erros de fato

Theodoro Junior (2018, p. 1128) afirma que essa modalidade de vício de intelecção ocorre no julgado “quando a declaração, de fato, não corresponde à vontade real do declarante”.

Coelho (2022, p. 388-389):

Erro material é o erro perceptível de plano, o erro manifesto, o que pode ser constatado num primeiro olhar (primo ictu oculi) por não suscitar qualquer dúvida quanto à sua ocorrência, como na hipótese de ter sido feita de forma errada a indicação do nome das partes na decisão judicial, de ter ocorrido erro no cálculo do valor total da condenação ou de ter sido invertida a posição das partes no processo. Quando o erro requer o exercício de um juízo de valor, uma cognição mais profunda, sendo identificado como error in procedendo (erro no procedimento, de forma) ou in iudicando (erro no julgamento, de fundo) os embargos de declaração não podem ser utilizados para que sejam afastados, pois não podem ser utilizados em substituição a outros recursos, levando à alteração do conteúdo do julgado.(...)

Theodoro Junior (2018, p. 1132), colacionando jurisprudência do STJ, aponta que os embargos de declaração também se prestam a corrigir erro de fato, “configurador de premissa falsa ou equivocada adotada pela decisão embargada”. E, arremata:

Com esse comportamento, a jurisprudência tem transformado os embargos de declaração num poderoso e eficiente instrumento de extirpação dos erros cometidos nas decisões, de maneira grave e evidente. Segundo o espírito da tutela justa e efetiva, assegurada pela ordem constitucional democrática, não há justificativa para se recursar a aplicação de um procedimento idôneo para superar, de pronto, tais erros judiciais, principalmente quando não houver outro recurso para a reforma do decisório equivocado, ou quando o recurso existente for de problemática eficácia para evitar o prejuízo imediato e certo do litigante.

Theodoro Junior (2018, p. 1133) ressalta que as duas turmas do Supremo Tribunal Federal têm admitido o emprego do instrumento recursal para sanar erros evidentes, procedendo a intepretação do instituto de “maneira funcional e teleológica, mais atenta às metas da tutela jurisdicional justa do que a subserviência às formalidades legais”.

Manifesto equívoco no exame dos pressupostos de admissibilidade recursal

Por derradeiro, a doutrina aponta ser possível valer-se a parte dos embargos de declaração para sanar manifesto equívoco no exame dos pressupostos de admissibilidade recursal. Trago a lição de Coelho (2022, p. 389):

Diante da possibilidade de utilização dos embargos de declaração para a correção de erros materiais, podem ser utilizados também para que o juízo ou tribunal reconheça a presença de um manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso – preparo, tempestividade e regularidade formal -, como previsto expressamente no art. 897-A da CLT em relação ao processo do trabalho, uma vez que o legislador estabeleceu que o juiz pode corrigir de ofício inexatidões materiais ou erros de cálculo (art. 494, I, do CPC).

Abordados os elementos que constituem os objetos de mérito dessa espécie recursal, resta-nos verificar, na prática jurisprudencial, a aplicação das premissas desenvolvidas ao longo da discussão estabelecida nos dois primeiros capítulos.

CONSEQUÊNCIA DA INOVAÇÃO RECURSAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

  1. Veto à inovação recursal: consectário do princípio da estabilidade da demanda

Nery Junior e Nery (2018, p. 2323) descortinam que embora a regra proibitiva da inovação recursal (artigo 1014 do CPC) esteja posicionado no capítulo alusivo à apelação “tem natureza de norma de teoria geral dos recursos, razão por que esse aplica a todos os recursos cíveis existentes no sistema recursal do CPC”. Nery Junior e Nery (2018, p. 2323) afirmam, ainda, que:

Por inovação entende-se todo elemento que pode servir de base para a decisão do tribunal, que não foi arguido ou discutido, no procedimento de primeiro grau de jurisdição (...) Não se pode inovar no juízo de apelação, sendo defeso às partes modificar a causa de pedir ou o pedido (nova demanda). Todavia, a norma comentada permite que sejam alegadas questões novas, de fato, desde que se comprove que não foram levantadas no primeiro grau por motivo de força maior. Pela proibição do ius novorum prestigia-se a atividade do juízo de primeiro grau. (...) O sistema contrário, ou seja, o da permissão dei novar no procedimento da apelação, estimularia a deslealdade processual, porque propiciaria à parte que guardasse suas melhores provas e seus melhores argumentos para apresentá-los somente ao juízo recursal de segundo grau. (...)

Nesse sentido, Ferreira (2018) pondera que:

Por inovação recursal, podemos entender que se trata de um evento em que a parte, em sede recursal, utiliza-se de argumentos não trazidos e/ou discutidos em primeira instância. Tal situação de fato, ofende, principalmente, os Princípios da Ampla Defesa, Contraditório e Duplo Grau de Jurisdição. A constatação da inovação recursal consubstancia supressão de grau de jurisdição, o que caracteriza afronta aos Princípios acima apontados. (...) Este é o entendimento, inclusive, do Superior Tribunal de Justiça/STJ que apenas autoriza fatos novos em apelação se a parte comprovar motivo de força maior, sob pena da chamada preclusão.

A proibição de inovar, evidentemente, não é absoluta sob qualquer circunstância, visto que, para além da hipótese legal da força maior que legitima a introdução de questões, é absolutamente possível trazer aos autos fatos ocorridos após a sentença, inovatórios no sentido literal, ainda que sem o pressuposto da excepcionalidade da não alegação pretérita. Nery Junior e Nery (2018, p. 2323-2324) esclarecem:

(...) não se considera demanda nova o pedido de aplicação de normas diversas das anteriormente alegadas, nem a nova qualificação jurídica dos fatos que a parte recursal tenha dado aos já alegados e já constantes do pedido originário. (...) Há proibição de deduzir exceção (defesa) nova em grau de apelação, salvo se autorizado expressamente pela lei, como é o caso da arguição de prescrição. (...) Desde que não se altere o pedido ou a causa de pedir, é possível alegar o direito superveniente no procedimento de apelação.

Por sua vez, Theodoro Junior (2015, p. 6) discorre:

A aparente rigidez da regra do art. 329, II, do CPC/2015, que limita a alteração ou o aditamento do pedido e da causa de pedir “até o saneamento do processo”, é amenizada pelo sistema geral do Código, que estimula a autocomposição (art. 3.º, §§ 2.º e 3.º), autoriza o negócio processual, para introduzir modificações no procedimento, sem limitação de fase ou estágio do processo (art. 190 do CPC/2015), ordena sejam levados em conta, no momento do julgamento da causa, os fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que influírem na resolução do mérito (art. 493 do CPC/2015), e prevê a reunião de ações conexas, para julgamentos conjunto, enquanto não sentenciadas (art. 55, § 1.º, do CPC/2015). Na verdade, o objetivo do art. 329, II, do CPC/2015 foi apenas o de traçar um limite à livre alterabilidade do pedido pelas partes, fora do controle do juiz. Esse sistema geral do Código desautoriza o juiz a vetar a alteração do objeto litigioso ajustada entre as partes, com a simples invocação de a fase de saneamento já houver sido ultrapassada. É claro que se a causa já estiver com a instrução processual encerrada e o acréscimo pretendido exigir reabertura da fase probatória, poderá o juiz inadmiti-lo, porque representaria tumulto da marcha procedimental, com retrocesso incompatível com o sistema de preclusão e com a garantia de rápida solução do litígio (art. 5.º, LXXVIII, CF/1988.

Nessa senda, Marques (1999, p. 157) sustenta:

O Juízo ad quem não cria novos elementos na lide a ser pedida, porquanto continua jungido às questões que foram ou podiam ser ventiladas no Juízo ad quo; mas isso não quer dizer que tenha de decidir a causa verificando apenas as controvérsias que a sentença (...) procurou solucionar. A lide, em segundo grau, pode ser equacionada sob esquemas diversos dos que foram traçados na decisão da instância inferior, desde que o julgado ou aresto não ultrapasse os lindes do pedido. Se o exceder, estará violando o art. 128 do Código de Processo Civil6, preceito que deve nortear a delimitação da atividade judicante também em segunda instância (...)

Quanto às partes, (...) como salienta a doutrina, o julgamento da apelação está vinculado aos princípios que regem a identidade das ações.

Marques (1999, p. 159) defende, ainda, que se deve ter clara a compreensão, nem sempre tolerada nas decisões judiciárias de segunda instância, de que os sujeitos do processo podem aduzir argumento que não invocaram na primeira instância, sem que este seja considerada. Ou seja, não se deve confundir argumentação recursal, com adução de questões factuais inovatórias, as quais, se alegadas, deverão ser obstadas, salvo se houver comprovação de que a força maior impediu sua alegação no momento processual oportuno.

(...) essas novas alegações, por alterarem tão-só o campo de atividade lógica do juiz, e não o litígio, podem ser aduzidas e invocadas, a qualquer tempo e mesmo reconhecidas ex officio (Desde que prescindam de argüição do interessado para serem objeto da cognição do juiz). Não se pode falar em fato novo, no sentido de argüição que altere os limites da lide, quando o que está em foco é apenas uma alegação que modifica ou amplia o campo de atividade lógica do juiz, mas que não desborda dos lindes da ação.

Coelho (2021, pp. 909-910):

A preclusão consumativa liga-se ao fato de que o ato que se pretende praticar já foi realizado anteriormente. Sendo assim, não é mais possível que a parte volte a praticar o ato processual com a intenção de substituir, modificar ou complementar a sua manifestação. É por isso que o réu, ao apresentar sua defesa, terá que alegar toda a matéria que sirva para afastar o direito alegado pelo autor, já que o direito de se defender se consumará. Aliás, se os atos já realizados pudessem ser novamente praticados o processo nunca seria encerrado.  Referindo-se à preclusão consumativa, o art. 507 do Código de Processo Civil afirma que “é defeso à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão”. No que diz respeito à alegação de nulidades, a preclusão abrange somente as relativas. Deste modo, as nulidades absolutas ficam fora do seu campo de incidência, por serem caracterizadas pela prevalência do interesse público, o que permite que possam ser alegadas a qualquer tempo.

Na mesma direção, é o ensinamento de Luis Guilherme Aidar Bondioli (2016, p. 229):

O legislador força as partes a revelar todos os argumentos fático-jurídicos para demandar e resistir a uma demanda nas suas primeiras falas no processo. O art. 319, III, do CPC exige que o autor decline já na petição inicial “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”, e o art. 336 do CPC determina que o réu alegue na contestação “toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor”. Na mesma linha, o caput do art. 434 do CPC dispõe que “incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações”.

Ocorre que, consistindo o processo numa sequência lógica e encadeada de atos que se sucedem no tempo, durante sua pendência podem ocorrer eventos que interferem no direito material em disputa. Ademais, existem certos temas sensíveis no direito material e no direito processual, que levam o legislador a autorizar debates inéditos a seu respeito no processo mesmo em fases mais avançadas, independentemente de se tratar de fato ou direito superveniente, caso da prescrição e da decadência (arts. 193, 210 e 211 do CC).

Portanto, embora seja evidente a possibilidade de aduzir questões fáticas inovatórias no curso do processo judicial, a extensão dessa prerrogativa processual é limitada, pois não se pode admiti-la indiscriminadamente, sob pena de contrariar a expectativa constitucionalmente protegida à duração razoável do processo.

Bondioli prossegue (2016, p. 230-232):

É nesse contexto que se deve interpretar o art. 1.014 do CPC, especialmente no tocante à exigência de “motivo de força maior” para viabilizar a introdução via apelação de um elemento novo no processo. Para começar, tal exigência fica circunscrita a certos pontos de fato. Não se aplica para os pontos de direito, isto é, para a seleção e a interpretação das normas jurídicas que orientam o deslinde da causa, nem para os pontos de fato arguíveis a qualquer tempo e grau de jurisdição ou cognoscíveis de ofício, sempre respeitada a compatibilidade com os limites da demanda. Também não se aplica para o fato superveniente à sentença, que, inclusive, cabe ao tribunal de ofício tomar em consideração no momento do julgamento (art. 933 do CPC) (...).

No respeitante aos fatos pretéritos que efetivamente exigem prova do “motivo de força maior” (art. 1.014 do CPC) para autorizar sua inédita veiculação em sede recursal, deve a parte demonstrar a impossibilidade de arguição prévia, bem como a sua boa-fé. O parágrafo único do art. 435 do CPC, (...) é um bom guia para o apelante que tenciona introduzir novos argumentos fáticos na instância recursal: “admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5º”.(...)

Assim é que Aurvalle (2020) assinala ser possível flexibilizar a regra que veda a inovação recursal “quando a questão trazida aos autos em embargos de declaração é de ordem pública – legitimidade de parte, competência do juízo –, que, no nosso sistema, pode ser suscitada a qualquer tempo e mesmo ex officio”. Porém, o especialista alerta haver entendimento jurisprudencial em sentido diverso.

Vejamos, na sequência, a pesquisa jurisprudencial implementada, destacando que, por padrão, se buscou colacionar ementas de julgados, para permitir maior dinâmica ao texto, com o cuidado de escolher arestos pertinentes à resolução da problemática deste trabalho.

Superior Tribunal de Justiça

Ao que se constata, o que também foi indicado por Aurvalle (2020), o Superior Tribunal de Justiça ao deparar-se com a situação inovatórias em grau recursal declara a ocorrência de preclusão consumativa e, no juízo de mérito, não aprecia a questão nova aduzida, ainda se esta versar sobre matéria de ordem pública. Nesse sentido, veja-se julgado de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:

(...). 2.1. “‘É vedado à parte recorrente, em sede de embargos de declaração e agravo regimental, suscitar matéria que não foi suscitada anteriormente, em virtude da ocorrência da preclusão consumativa’ (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.455.777/RS, rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 17.09.2015) [...]” (EDcl no AgInt no RE nos EDcl no AgRg no AREsp 729.742/RS, rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 19.09.2018, DJe 28.09.2018, destaques acrescidos) 2.2. “O intuito de debater novos temas, por meio de agravo regimental, não trazidos inicialmente no recurso especial reveste-se de indevida inovação recursal, não sendo viável, portanto, a análise, ainda que se trate de matéria de ordem pública, porquanto são imprescindíveis a prévia irresignação no momento oportuno e o efetivo debate sobre os temas” (AgRg no AREsp 401.770/PI, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 12.11.2013). Precedentes (...) (3ª Turma, EDcl no AgInt nos EDcl no REsp 1.740.101/PB, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, julgado em 02.09.2019, DJe 05.09.2019, destaques acrescidos)

Veja-se entendimento semelhante em julgado da lavra do Ministro Marco Buzzi:

(...) É cediço na jurisprudência desta Corte Superior, que a matéria não alegada no momento oportuno, qual seja, apelação, trata-se de indevida inovação recursal, sendo inviável a sua análise pelo Tribunal de origem, por força do princípio do tantum devolutum quantum appellatum, ainda que se refira à matéria de ordem pública. Incidência da Súmula 83 do STJ. Precedentes. 5. Agravo interno desprovido (4ª Turma, AgInt no REsp 1753855/RJ, Relator Ministro MARCO BUZZI, julgado em 04.06.2019, DJe 10.06.2019, destaques acrescidos)

E, na mesma direção, julgado sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

(...) Não há que se falar em omissão quando o acórdão embargado não se pronuncia sobre questão que não foi decidida pelo acórdão local, que não foi objeto de embargos de declaração nas instâncias ordinárias e que não foi sequer devolvida no recurso especial, tratando-se de inadmissível inovação recursal deduzida apenas nos presentes embargos de declaração.(...) Embargos de declaração rejeitados. (3ª Turma, EDcl no REsp 1890615/SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 28.09.2021, DJe 01.10.2021, destaques acrescidos)

A ilustrar a premissa exposta em tópico antecedente no sentido de que as partes trazem questão inovatórias sob a roupagem de omissão, veja-se esse aresto do c. Superior Tribunal de Justiça no qual uma vez mais se verifica a declaração de preclusão consumativa, com negativa de provimento ao recurso integrativo e, na espécie, imposição de multa pela natureza procrastinatória do instrumento recursal:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. AGRAVO QUE NÃO IMPUGNA OS FUNDAMENTO DE NEGATIVA DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. INEXISTENTE. I - Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que desproveu agravo interno. Inadmitiu-se o recurso especial na origem sob os seguintes fundamentos: ausência de obscuridade/contradição/omissão/erro, ausência de violação/negativa de vigência/contrariedade, Súmula n. 7/STJ e divergência não comprovada. Agravo nos próprios autos que não impugna o fundamento da decisão recorrida. A decisão foi mantida no julgamento do agravo interno. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. A mesma parte opõe novos embargos de declaração insistindo na existência de omissão no acórdão. II - O acórdão embargado é claro no sentido de que compete a parte agravante impugnar todos os fundamentos de negativa de admissibilidade do seu recurso especial, sob pena de não ter conhecido seu agravo em recurso especial que não impugna os fundamentos. III - A existência ou não de divergência jurisprudencial não chegou a ser analisada no acórdão embargado, porquanto sequer se ultrapassou a admissibilidade do agravo em recurso especial. Se o recurso é inapto ao conhecimento, a falta de exame da matéria de fundo impossibilita a própria existência de omissão quanto a esta matéria. (...) IV - O acórdão está em conformidade com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a impugnação tardia dos fundamentos da decisão que negou seguimento ao recurso especial (somente por ocasião do manejo de agravo interno), além de caracterizar imprópria inovação recursal, não afasta o vício do agravo em recurso especial, ante a preclusão consumativa. V - Embargos de declaração não se prestam ao reexame de questões já analisadas, com o nítido intuito de promover efeitos modificativos ao recurso, quando a decisão apreciou as teses relevantes para o deslinde do caso e fundamentou sua conclusão. VI - Considerando que os embargos são manifestamente protelatórios, condeno a parte embargante a pagar ao embargado multa de 2% sobre o valor atualizado da causa. (art. 1.026, § 2º, do CPC/2015). VII - Embargos de declaração rejeitados. .(ED em EDAiAgrResp 1398374 2018.03.03830-0, Ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe 19/12/2019, destaques acrescidos)

Na pesquisa, não se identificou decisum, seja no julgamento do recurso especial, de embargos de declaração ou de outros recursos internos, que tenha proferido decisão de inadmissibilidade por força da inovação recursal, premissa deveras relevante no contexto da posição da Corte da Cidadania no ápice do sistema de uniformização jurisprudencial no que se refere à legislação adjetiva pátria.

Tribunais Regionais Federais

Em outra tônica, no âmbito da segunda instância da Justiça Federal, identificam-se julgados que inadmitem, com base na regra que veda a inovação à lide, recursos interpostos, inclusive em sede de embargos de declaração.

A título ilustrativo, na apelação cível n.º 00233570420164039999/SP, sob relatoria do Desembargador CARLOS EDUARDO DELGADO (Data de Julgamento: 31/07/2020, DJF: 04/08/2020), a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região não conheceu do mencionado recurso, invocando a possibilidade de ofensa ao artigo 492 do CPC na hipótese de admissão do apelo que tinha em seu bojo questão singular tida por inovatória.

Em linha semelhante à observada no Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sob relatoria do Desembargador FERREIRA NEVES, analisando embargos de declaração opostos em face do acórdão que apreciou a Apelação n.º 201250060015364/ES, declarou a ocorrência de inovação à lide (julgado em 14.09.2018 , DJe: 18.09.2018 ) e, no mérito, negou provimento ao recurso integrativo. Com o mesmo resultado, também se colheu aresto oriundo da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal, sob relatoria da Desembargadora INES SOARES (ApCiv 0004935-78.2016.4.03.6119, julgado em 05/03/2021).

Por outro lado, colheram-se julgados oriundos dos Tribunais Regionais Federais da 1ª e da 5ª Região proferindo decisão pela negativa de admissibilidade no caso de constata a inovação recursal na fase dos aclaratórios:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. 1. Trata-se de novos embargos de declaração opostos pela União (Fazenda Nacional) contra acórdão proferido às fls 398 - 400, o qual não conheceu dos embargos de declaração opostos pela mesma embargante sob a alegação de que se trataria de inovação recursal, porquanto a controvérsia suscitada pela recorrente não havia sido ventilada previamente. 2. A embargante, contudo, novamente opõe embargos de declaração suscitando argumentos já ventilados em recurso anterior, o que apenas ressalta a sua pretensão de rediscutir o mérito do acórdão embargado, o que é vedado pelo ordenamento jurídico. 3. Embargos de declaração não conhecidos. (EDAG - Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento - 138821/04 0006877-86.2014.4.05.0000/04, Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data:04/10/2018, destaques acrescidos)

(...) 2. DOS EMBARGOS DA UNIÃO. O compulsar dos autos demonstra que a União não apresentou qualquer impugnação à representação processual na contestação (fls. 573/579) ou nas contrarrazões à apelação (fls. 660/665), configurando, portanto, inovação recursal a parte dos aclaratórios que se insurge contra a juntada posterior da ata de assembleia, suprindo a anterior que já acompanhava a inicial, mas que autorizava, apenas, a postulação administrativa de transposição. (...) 7. Embargos de declaração da União conhecidos em parte e rejeitados na parte em que se conhece(...) (EDAC 0015037-72.2009.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 10/11/2021, destaques acrescidos)

Registre-se que não se identificou em alusivos julgados qualquer enquadramento da inovação recursal como pressuposto de admissibilidade recursal, havendo, raras vezes, afirmação de que sua constatação implicaria a ocorrência de preclusão consumativa.

Tribunais Regionais do Trabalho

Nos Tribunais Regionais do Trabalho, que procedem à aplicação subsidiária e supletiva do Código de Processo Civil no âmbito do processo do trabalho, também se observa comportamento semelhante ao verificado na jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais.

Nesse sentido, nos recursos de revisão fática e probatória há esmagadora maioria no sentido do não conhecimento dos recursos no que contemplem questões inovatórias ao passo que na fase dos aclaratórios o maior número de arestos segue a linha de afirmar, no juízo de mérito, a inovação, seguida pelo desprovimento do apelo. Cito julgados da 4ª e 23ª Regiões:

NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. INOVAÇÃO RECURSAL. Para que sejam devidamente observados os princípios do contraditório e da não supressão de instância, cabe à parte delimitar, em sua inicial, a causa de pedir e o pedido, os quais somente poderão ser alterados até a citação, independentemente de consentimento do réu, ou até o saneamento do processo, com o consentimento da parte contrária. Considerando que os pedidos contidos no recurso ordinário não foram aventados nos autos, seja em petição inicial, réplica, razões finais, não sendo sequer abordado em sentença, resta evidente a inovação recursal, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, sob pena de supressão de instância em razão dos mencionados princípios constitucionais. Recurso não conhecido, no aspecto. (TRT da 4ª Região, 2ª Turma, ROT 0020464-91.2019.5.04.0018 ROT, em 17/09/2020, publicado em 22/09/2020, Desembargador Marcal Henri dos Santos Figueiredo, encurtador.com.br/tyOVW)

ADMISSIBILIDADE NEGATIVA. PEDIDO RECURSAL FORMULADO SOB CAUSA DE PEDIR DIVERSA. INOVAÇÃO. Tendo o Autor formulado na inicial pedido de responsabilização da 1ª Ré sob causa de pedir correspondente à caracterização de vínculo de emprego entre ambos, a pretensão, deduzida no recurso, de que os pedidos sejam deferidos ante à responsabilidade solidária da empresa, decorrente de contrato de subempreitada (art. 455 da CLT), configura inovação recursal, que obsta o conhecimento do apelo. Há que se destacar que os princípios da simplicidade e da informalidade não autorizam ao julgador analisar os pedidos com base em causa de pedir diversa daquela descrita na inicial, sob pena de caracterização de julgamento extra petita, em afronta ao princípio da adstrição ou congruência, expresso nos arts. 141 e 492, caput, ambos do CPC.(TRT da 23ª Região; Processo: 0000145-19.2021.5.23.0046 (ROT); Julgamento: 16-11-2021; Publicação:23-11.2021. Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator(a): TARCISIO REGIS VALENTE)

Noutro giro, destaco decisões da 3ª e da 23ª Região em que se explicita a ocorrência de preclusão decorrente da situação inovatória – certificação que geralmente é objeto do juízo de mérito como se infere da jurisprudência do STJ – e, não obstante, arremata-se com o juízo negativo de admissibilidade:

AGRAVO DE PETIÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. Quedando silente o d. Juízo originário sobre a análise do tema ventilado pelo réu em agravo de petição, aplicam-se os efeitos da preclusão. A matéria não foi objeto da decisão combatida, deixando o executado de opor os necessários embargos de declaração. Logo, incidem os efeitos da preclusão, sendo vedado a esta Eg. Turma proceder à análise do tema, sob pena de supressão de instância. Acresça-se a ausência de interesse recursal, face à restrição dos cálculos periciais a período anterior à mudança de regime jurídico, objeto do apelo do ente público. A mesma sorte socorre o agravo de petição adesivo interposto pelo exequente, vez que o obreiro somente levantou a controvérsia em torno do índice de atualização monetária aplicável aos créditos deferidos em sede de agravo de petição, evidenciando-se clara inovação recursal. A matéria deveria ter sido objeto de impugnação à sentença de liquidação, inexistente no caso em tela, incidindo ainda os efeitos da preclusão, o que impede seja conhecido o recurso aviado. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011113-38.2015.5.03.0091 (APPS); Julgado: 25/10/2018; Publicado: 26/10/2018; Órgão Julgador: 7ª Turma; Relator: Juíza Convocada Sabrina de Faria F.Leao)

EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PRECLUSÃO. Tem-se por preclusa a alegação de contradição nos cálculos se as correspondentes erronias já se observavam nas planilhas que integravam a decisão primeva, mas não foram questionadas por meio de recurso ordinário, pois os embargos de declaração não podem ser utilizados como sucedâneo do recurso próprio à apresentação de irresignação para com os fundamentos da decisão e, tampouco, para veicular inovações recursais. Embargos de declaração do autor rejeitados.(TRT da 23ª Região; Processo: 0000725-17.2018.5.23.0026; Julgamento: 09-03-2021; Publicação: 11-03-2021; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator(a): MARIA BEATRIZ THEODORO GOMES)

Já no âmbito do TRT da 10ª Região, o não conhecimento de embargos de declaração, quando verificada a ocorrência da inovação recursal, revela-se como decisão recorrente. Nesse sentido, ilustram-se com julgados das três Turmas, com idêntica consequência jurídica:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE PETIÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. RECURSO NÃO CONHECIDO. I. Os embargos de declaração são o remédio processual apto a sanar omissão, contradição, obscuridade, erros materiais na decisão embargada, bem como para efeito de prequestionamento de matérias, nos termos dos artigos 897-A da CLT e 1.022 do CPC/2015, e não para discutir matéria não veiculada no momento processual adequado, com o objetivo de alterar o entendimento desfavorável às partes embargantes. II. No caso, não houve, em nenhum momento, argumento de violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório ou da ampla defesa por não terem as partes participado da fase de conhecimento, nos termos do art. 513, § 5.º, do CPC. Também não houve debate dessa tese na decisão agravada que ensejou a interposição de agravo de petição julgado pelo acórdão ora embargado, nem mesmo arguida na impugnação apresentada pelos embargantes no incidente de desconsideração da personalidade jurídica instaurado. Por inovar a lide, o presente recurso não merece conhecimento. (TRT da 10ª Região; EDCiv 0136200-93.2003.5.10.0102; Julgamento: 02-02-2022; Publicação: 08-02-2022; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relatora: ELKE DORIS JUST)

CEF. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. INOVAÇÃO À LIDE. OMISSÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INCIDENTE MANIFESTAMENTE INFUNDADO. RECURSO PROTELATÓRIO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MULTA.Caracteriza-se como inovação à lide suscitar em embargos declaratórios questão procedimental relacionada à audiência de instrução sequer mencionada no recurso ordinário. Hipótese em que não se conhece dos embargos declaratórios. De outro modo, não pode incorrer em omissão o julgamento que não aborda questões relacionadas ao mérito da demanda que não integraram a petição do recurso ordinário. Hipótese em que a parte formula pretensões ciente de que são destituídas de fundamento, caracterizando o abuso do direito de recorrer. Litigância de má-fé caracterizada pelo enquadramento nos itens VI e VIII do artigo 80 do CPC. (TRT da 10ª Região; EDCiv 0000633-72.2017.5.10.0014 ; Julgamento: 18-07-2018; Publicação: 27-07-2018; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO)

(...). MATÉRIA NÃO DISCUTIDA EM RECURSO. INOVAÇÃO À LIDE. Não se conhece de embargos de declaração que veicula matéria não delimitada nos autos recursais, pois tal conduta redunda em inovação à lide. (TRT da 10ª Região; EDCiv 0000203-86.2019.5.10.0811 ; Julgamento: 27/01/2021; Publicação: 30/01/2021; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN)

Evidencia-se, dessarte, a não uniformidade nas conclusões alcançadas pelos órgãos julgadores quando constatada a inovação em grau recursal.

Tribunais de Justiça

No contexto das decisões dos Tribunais de Justiça também se identificou contradição a respeito da problemática.

Nessa linha, principio trazendo à colação julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal em que a 1ª Turma Cível, conquanto tenha o Relator certificado a satisfação dos pressupostos processuais de admissibilidade, proferiu decisão de negativa de admisisbilidade por conta de inovação recursal verificada em sede de embargos de declaração (Acórdão 1393744, 07025250720218070001, Relator: TEÓFILO CAETANO, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 21/1/2022, publicado no DJE: 3/2/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.).

Lado outro, em linha com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a 7ª Turma Cível do mesmo Tribunal, após certificar a situação inovotária, declara a ocorrência de preclusão e, no mérito, nega provimento à apelação interposta. (Acórdão 1394893, 07296565420218070001, Relatora GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 26/1/2022, publicado no DJE: 7/2/202).

Já no âmbito do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, verificou-se entendimento pelo não conhecimento de apelações que veiculem questão inovatórias (N.U 0004590-60.2017.8.11.0028, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 30/08/2021, Publicado no DJE 13/09/2021); do inteiro teor desse julgado, observa-se que a magistrada-relatora determinou a “a intimação da Agravante para manifestar sobre a eventual inovação recursal do pedido formulado no recurso de apelação [sobre suposto direito ao recebimento de vencimentos suspensos por força de afastamento cautelar determinado no processo]. Chama a atenção a circunstância de a Desembargadora Helena Maria Bezerra Ramos, no que foi acompanhada por unanimidade pelo Colegiado, ter categorizado a inovação recursal como fenômeno processual, ao passo em que, não obstante tenha conhecido e desprovido o apelo, declarou não conhecer, no juízo de mérito, da argumentação inovadora. Trago à colação do inteiro teor do julgado:

(...) Conforme relatado, a Apelante pugna, exclusivamente, pela reforma parcial da sentença, para que seja determinado ao Apelado o pagamento dos proventos relativos ao período em que permaneceu afastada cautelarmente, em decorrência de determinação judicial proferida nos presentes autos. 

Analisando detidamente os autos, verifica-se que inobstante o Juízo Singular tenha deferido parcialmente a tutela de urgência para determinar o afastamento cautelar da Apelante do cargo de Conselheira Tutelar, suspendendo-se o pagamento de sua remuneração (ID n. 66999469), cuja ação ao final foi julgada improcedente, ocasião em que foi determinada a sua reintegração às suas funções de Conselheira Tutelar, se mostra inadmissível a análise da pretensão formulada no presente recurso, de recebimento da remuneração relativa ao período de afastamento cautelar, por traduzir inovação recursal, prática vedada pelo ordenamento jurídico, sob pena de violação ao princípio do duplo grau de jurisdição e supressão de instância. Como se sabe, a inovação recursal é o fenômeno processual caracterizado pela presença, no recurso, de argumentos jurídicos não discutidos na instância originária, malferindo o princípio da ampla defesa, que na instância revisora deve prevalecer sobre o princípio iura novit curia, implicando o não conhecimento da argumentação inovadora.

Já na fase dos aclaratórios a decisão, o e. TJMT segue a linha do desprovimento do apelo (N.U 1018614-37.2017.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARCIO APARECIDO GUEDES, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 26/07/2021, Publicado no DJE 04/08/2021, destaques acrescidos). Do inteiro teor desse acórdão (2021), vê-se que o Relator certifica a ocorrência da inovação recursal, porém, ao invés de não conhecer do apelo, cuja questão singular foi declarada como inovatória, profere decisão de mérito, rejeitando o apelo integrativo7:

O recurso de embargos de declaração tem fundamentação vinculada e estrita, possuindo a finalidade de esclarecer obscuridades, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material observados na sentença, acórdão ou decisão, conforme disposto no artigo 1.022, CPC(...)

Caso não existam, na decisão judicial embargada, tais defeitos não há que interpor embargos de declaração, pois estes não devem ser utilizados para reexame e novo julgamento do que já foi decidido, dado que, para tanto, há o recurso próprio previsto na legislação.

No caso em análise, examinando-se detidamente a peça recursal, observa-se que a parte Embargante defende a existência de omissão, ao argumento de que não houve apreciação das questões atinentes a realização de perícia contábil.

Entretanto, analisando-se as razões de seu recurso de apelação de folhas (Id. 23624088), observa-se que não há no recurso interposto qualquer menção a tais questões. Trata-se, pois, de inovação recursal, o que não se admite.(...)

Evidente, assim, a impropriedade do manejo dos embargos de declaração, que não se configuram como outra instância recursal, pois, mesmo para fins de prequestionamento, o uso deste recurso se limita à demonstração de ocorrência das hipóteses contempladas no art. 1.022, NCPC.

Por essas razões, REJEITO os embargos de declaração opostos.

 No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, também se observam decisões na mesma linha do TJMT. Veja-se, por exemplo o pertinente trecho da ementa do decisum da 26ª Câmara Cível do tribunal carioca (Apelação Cível 0038271-51.2020.8.19.0203. Relator Desembargador. ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO, julgado em 10 fev. 2022):

(...) identifica-se que o pedido subsidiário de produção de prova pericial se trata de inovação recursal, não tendo sido objeto de debate em primeiro grau de jurisdição. Vê-se que a Requerida, quando instada a se manifestar em provas, despacho do indexador 1766, requereu o julgamento antecipado do feito, informando não ter mais provas a produzir. Assim, afigura-se incabível o enfretamento da questão, por constituir inovação recursal, sob pena de se violar o contraditório e ampla defesa, além de configurar supressão de instância. Considerando-se que houve efetiva prestação do serviço, impõe-se a procedência do pedido da lide principal, a fim de se condenar a Ré ao pagamento das despesas médico-hospitalares.

Na mesma linha, cito julgado da 25ª Câmara Cível Apelação 0082971-10.2018.8.19.0001, Relator Desembargador SÉRGIO SEABRA VARELLA, julgado em 28 nov. 2018) em que o TJRJ admitiu em parte a apelação, obstando o conhecimento da questão nova:. Nessa mesma direção, cito o trecho de outro julgado:

PROCESSUAL. CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA PARTE RÉ. INOVAÇÃO RECURSAL. APELANTE QUE APRESENTA QUESTÕES DE FATO E NOVOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS QUE NÃO SERVIRAM ÀS SUAS ALEGAÇÕES NO CURSO DO PROCESSO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA, CONTRADITÓRIO E SUPRESSÃO DE GRAU DE JURISDIÇÃO. VEDAÇÃO AO IUS NOVORUM (CPC/2015, ART. 1.017). MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO NÃO PROVIDO. Questões que não foram submetidas à apreciação do julgador de 1º grau, importando em manifesta inovação recursal, descabendo a este Relator ou ao Órgão colegiado se pronunciar sobre as mesmas, sob pena de supressão de instância. Trata-se de inovação recursal, proibida em nosso ordenamento jurídico, salvo por motivo de força maior (art. 1.017, do CPC/2015), o que não é a hipótese dos autos. Inadmissibilidade. Precedentes do STJ e desta Corte. Majoração dos honorários recursais em 2%, totalizando 12% sobre o valor da causa, ressalvada a gratuidade de justiça deferida. Recurso NÃO PROVIDO. (TJRJ 0014145-11.2009.8.19.0206 - APELAÇÃO. Des(a). LINDOLPHO MORAIS MARINHO - Julgamento: 10/07/2018 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

Por outro lado, identificaram-se julgados, na base jurisprudencial pública do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, no qual não se conheceu de recurso de embargos de declaração, haja vista a caracterização manifesta da inovação à lide:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL - INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO QUANTO A MATÉRIA NÃO VERSADA NAS RAZÕES DE APELAÇÃO - MANIFESTA INOVAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS - VEDAÇÃO AO IUS NOVORUM - RECURSO NÃO CONHECIDO. 1) É manifesto o intuito de inovar quando, desde o início da demanda, a tese sustentada pelo demandante foi a da existência de semelhança, para fins de emissão e protesto de duplicata, entre o contrato de locação de bens móveis celebrado com a embargada e o contrato de prestação de serviços, vindo somente em sede de embargos de declaração alegar a tese da natureza mista do contrato firmado com a embargada. 2) Dessa forma, não há sequer que se falar de omissão, como hipótese legal de cabimento dos embargos de declaração, simplesmente porque a matéria supostamente omitida não foi ventilada pela embargante em sede de apelação. 3) Conduta processual, que constitui tentativa de reapreciação do recurso de apelação com lançamento de novas razões recursais, o que é amplamente vedada no sistema recursal brasileiro, em que a regra é a proibição do ius novorum em sede recursal. Recurso não conhecido.   (TJES, Classe: Embargos de Declaração Ap, 024069008837, Relator : CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 09/10/2007, Data da Publicação no Diário: 12/11/2007)

ACÓRDÃO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008154-91.2013.8.08.0021 EMBARGANTE: JANNY NASCIMENTO MIRANDA EMBARGADA: FUNDAÇÃO SISTEL DE SEGURIDADE SOCIAL RELATOR: DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INOVAÇÃO RECURSAL. 1. O recurso de embargos de declaração, por natureza, é de fundamentação vinculada. A não ser em situações excepcionais, nas quais pode-se a eles atribuir efeitos infringentes, é via inadequada em direito para confrontar a conclusão do julgado com o exclusivo objetivo de modificar decisão contrária aos interesses do embargante. 2. Se a tese não foi alegada em razões ou contrarrazões de apelação, mas somente por ocasião dos embargos de declaração, não há como se reconhecer vício de omissão, nem mesmo é possível acolher o recurso para fins de prequestionamento. 3. Há inovação recursal por parte da embargante, eis que em nenhum momento durante o trâmite processual alegou a necessidade de realização de perícia técnica atuarial. 4. Recurso não conhecido. (TJES, Classe: Embargos de Declaração Ap, 021130079029, Relator : FABIO CLEM DE OLIVEIRA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 26/02/2019, Data da Publicação no Diário: 19/03/2019)

EMENTA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA JÁ DECIDIDA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO. I. A matéria relativa à suposta inexistência de comprovação de implementação das condições de vigência e validade da repactuação constitui verdadeira inovação recursal, vez que somente em sede deste intento fora aventada, motivo pelo qual não fora conhecida desta parte do recurso. II. A despeito de ter a parte irresignada apontado mácula na decisão, vislumbra-se, em verdade, apenas pretender a rediscussão de matéria já decidida, ao que não se presta a via eleita. III. Não vislumbrado o caráter protelatório do recurso, não há de ser aplicada a multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil/2015. IV. Recurso conhecido em parte, provimento negado. (TJES, Classe: Embargos de Declaração Ap, 030150061346, Relator: JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS - Relator Substituto : LYRIO REGIS DE SOUZA LYRIO, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 22/01/2019, Data da Publicação no Diário: 01/02/2019)

No entanto, em decisão mais recente, o TJES conheceu e desproveu, mesmo reconhecendo a ocorrência da inovação, isto é, tão somente certificou, no mérito, a situação, sem inadmitir os aclaratórios:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - INOVAÇÃO RECURSAL - OMISSÃO INEXISTENTE DESCABIMENTO RECURSO IMPROVIDO. (...) 2. A alteração da colocação do candidato, promovida pela publicação do 6º Termo de Retificação do edital do certame não foi levantada no momento oportuno, ou seja, logo após a publicação do ato administrativo em comento, ocorrido em 20 de julho de 2020 , antes, pois, da interposição do recurso de apelo (que se deu em 29 de setembro de 2020 ) e sua arguição neste momento processual constitui indevida inovação recursal, o que impede seu conhecimento. 3.Inexistindo qualquer dos vícios que autorizam a alteração do acórdão embargado, que enfrentou, exaustivamente, todas as questões suscitadas pelas partes, impõe-se o improvimento do recurso. 4. Recurso improvido. (TJES, Classe: Embargos de Declaração Cível Ap - Reex, 024190151274, Relator : CARLOS SIMÕES FONSECA, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 19/10/2021, Data da Publicação no Diário: 25/10/2021)

Portanto, a pesquisa evidenciou que também no âmbito dos Tribunais de Justiça há dissonância na imposição da consequência jurídica que verifica a ocorrência da inovação recursal, sem que se verifique, na leitura do inteiro teor dos julgados citados, aprofundamento teórico que embase a decisão de inadmissibilidade ou mesmo a decisão meritória que decrete o não conhecimento da questão nova trazida no bojo da peça recursal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se viu ao longo da discussão, especialmente no capítulo pertinente à pesquisa jurisprudencial, a declaração decisória que certifica a inovação à lide8 enseja, como consequência ordinária, o não conhecimento da questão nova trazida ao processo.

A inovação ilegítima, quando tolerada pelo órgão julgador, tem o potencial de ensejar violações reflexas ao devido processo legal, com afronta direta a princípios processuais de considerável densidade, a exemplo da norma alusiva ao contraditório substancial. Conquanto a inovação, sob a perspectiva da estabilidade da demanda, seja indesejável, é inegável que, em certas circunstâncias, é possível às partes introduzirem novos temas ao processo, como se observa nas regras exceptivas dos artigos 342 e 1.014 do Código de Processo Civil.

A tendência jurisprudencial observada denota que, nos recursos de revisão fática e probatória, a exemplo das apelações, defronte a situação de inovação à lide, o Colegiado imponha o não conhecimento do recurso, ao passo que, na fase dos aclaratórios, a decisão seja denegatória de mérito.

A nosso ver, o estudo da matéria denota que a inovação à lide trata-se de fato processual que, quando verificado, atrai como consequência jurídica a imperatividade da imposição da correspondente sanção de não conhecimento da questão nova, a qual poderá compor o juízo de admissibilidade ou de mérito a depender da substância de seu núcleo. Em outras palavras, se alusiva questão nova disser respeito à tema que compõe o fundo da pretensão deduzida deve-se certificar a inovação no juízo de mérito e, por conseguinte, conhecer e desprover o apelo, ainda que na fase dos declaratórios. Se a questão nova disser respeito a tema que guarde pertinência ao juízo de admissibilidade, quando versar de qualquer um dos pressupostos de admissibilidade recursal, deverá ser enfrentada no juízo de admissibilidade.

Ademais, parece-nos claro que a preclusão é gênero na qual se insere a espécie inovação à lide, cuja consequência atrai sempre o não conhecimento da matéria que a parte, ao não aduzi-la a tempo e modo, perdeu a oportunidade processual de fazê-la. Aliás, como abordado nos capítulos pertinentes à discussão da problemática, a preclusão temporal, quando declarada, implica o não conhecimento do apelo.

A preclusão consumativa, por sua vez, como fato obstativo à aceitação de argumentação nova deverá repercutir em juízo de admissibilidade negativo sempre que tenha conteúdo suficiente para ser considerada como causa de pedir inovatória, mormente quando acompanhada da formulação de novo pedido, não veiculado na inicial ou na defesa, conforme o sujeito-recorrente. Essa situação processual, geralmente, é a que se constata em apelações e que embora seja menos frequente em embargos de declaração pela exigência da fundamentação vinculada justifica a decisão de inadmissibilidade sempre que constatada. Não se pode confundir jamais o desdobramento argumentativo, típico do raciocínio jurídico-discursivo, com inovação à lide, sendo absolutamente legítimo que a parte aduza palavras diversas ao longo do processado no intuito de exercer, à plenitude, seu direito fundamental ao contraditório substancial.

Respondemos, portanto, à indagação inicial no sentido de que a inovação à lide não se caracteriza como pressuposto de admissibilidade recursal específico, mas sim como decorrência direta do fenômeno da preclusão (consumativa), cujos efeitos podem, na forma já explicitada, fundamentar decisão de inadmissibilidade de recursos interpostos, inclusive nos embargos de declaração, desde que se revele manifestamente desenquadrada nas hipóteses estreitas da argumentação possível na via recursal integrativa.

A inovação à lide é, portanto, acidentalmente, pressuposto de admissibilidade recursal, passível de inserção, a nosso ver, no espectro da regularidade formal, integrando o componente da motivação técnica dos recursos.

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Sobre o autor
Marlon Carvalho de Sousa Rocha

Especialização em Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Civil e Processo Civil pelo Centro Universitário e Faculdades UNIFTEC, Brasil(2021) Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Marlon Carvalho Sousa. A inovação à lide no processo civil:: consequências no julgamento dos embargos de declaração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7315, 12 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105024. Acesso em: 28 abr. 2024.

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