A Lei Geral de Proteção de Dados e os novos paradigmas nos processos de recrutamento e seleção

31/07/2023 às 11:35
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Em que pese a legislação trabalhista ser favorável aos trabalhadores, dada ao seu desequilíbrio nas relações empregado vs empregador, a chamada hipossuficiência daquele em relação à este, muitas leis são promulgadas no sentido de tentar acompanhar a evolução da sociedade, uma vez que aquela sempre evolui mais rapidamente do que as estas conseguem atender ao dinamismo de sua população.

É bem verdade que dada falta de conhecimento dos candidatos dos processos de recrutamento e seleção, bem como daqueles na condição de contratados, que a grande maioria segue vitimada por aqueles que detém conhecimentos sobre Gestão de Pessoas e Direitos Trabalhistas, pois continuam a empregar práticas dos antigos “Departamentos de Pessoal”, onde os trabalhadores eram apenas números, com mais deveres do que direitos.

Apesar da Lei Geral de Proteçâo de Dados Pessoais (LGPDP), ter sido promulgada em 2018, ainda agora em 2020, vejo diuturnamente anúncios de empresas que se dizem especializadas em “recrutamento e seleção” e, até mesmo, escritórios de advocacia publicando anúncios em total contradição com o dispositivo legal.

Semanas atrás causou-me espécie um grande escritório de advocacia publicar anúncio para contratar um advogado, o qual exigia, dentre outros, dois anos de experiência, onde sabidamente tal operador do direito deveria estar alerta para a letra da lei, qual seja:

Art. 442-A, CLT: Para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade.

O que nos causa espécie é saber que esta lei está em vigor desde 2008 e, doze anos após sua publicação no Diário Oficial da União (DOU), continua sendo ignorada por empresas de recrutamento e seleção, contratantes e até mesmo advogados.

Outro caso concreto ainda mais patente e ultrajante são encontrados nos cadastros de empresas de recrutamento e seleção, onde as plataformas de cadastros de candidatos a emprego desrespeitam a privacidade, violando a honra, a dignidade e exigindo informações documentais as quais serão efetivamente importante se o candidato for contratado, pois ninguém que está realizando uma busca para preenchimento de vagas vai se ater a ler documentos, mas sim informações profissionais.

Sem receio de sermos contestados em nossas afirmações, lastreamos nossa linha de raciocínio na lei em análise:

Art. , LGPD/2018: A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:

I - O respeito à privacidade;

III - A liberdade de expressão, de informação (nosso grifo), de comunicação e de opinião;

IV - A inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;

VII - Os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade (nosso grifo), e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

Porém, antes de tentar corrigir ações desvairadas de alguns recrutadores pouco familiarizados com as leis que protegem seus candidatos de abusos, temos que definir o que vem a ser um “dado sensível”.

Para fins da LGPD, encontramos a definição em:

Art. , LGPD/2018: Para os fins desta Lei, considera-se:

II - Dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural; (nossos grifos).

Assim sendo, uma vez que a letra da lei é bem clara e apresenta um rol taxativo, cabe alertar aos entrevistadores e empresas de recrutamento e seleção de que estão proibidos de perquirir os candidatos durante os processos seletivos sobre sua etnia, religião, filosofias, afiliações as quais aqueles que pleiteiam não estão sujeitos a responder, perfeitamente protegidos por lei.

Outrossim, as plataformas de vagas, seguem com as mesmas infrações legais, pois em vez de focarem, neste momento, em informações sobre formações, realizações e experiências, obrigam o candidato a fornecer toda esta gama de informações que dada agregam e não possuem relação alguma com o desempenho profissional do futuro contratado.

Dentre inúmeras empresas as quais nos baseamos com pesquisa de campo para formas as bases deste artigo, chamou-nos a atenção uma que ostenta em seu website: “20 anos de gestão em recursos humanos”, a qual apresenta a seguinte plataforma totalmente em desacordo com a Lei Nº 13.709/18.

Conforme percebemos na tela obtida na plataforma da empresa de recrutamento e seleção, a mesma exige que o candidato informe sua descendência (pode ser que seja um refugiado sírio ou venezuelano), sua religião (pode ser que seja de uma religião minoritária e estranho aos tradicionais costumes judaico-cristãos do Brasil, e vai além ainda além, tendo a petulância de perguntar até mesmo o peso (massa) do candidato, se possui carro ou casa próprios, entre outros, sem os quais não é possível concluir o cadastro e se candidatar às vagas ofertadas.

Apenas analisando esta tela, concluímos que houve violação dos direitos dos candidatos, uma lei federal foi desrespeitada, sendo que esta empresa deve achar que seus direitos e valores estão acima daqueles garantidos pela norma em questão e, por último, não faz refletir sobre a real necessidade ou importância de se prestar essas informações num processo seletivo.

Após acumularmos 30 anos de experiência como executivo de grandes empresas multinacionais e multinacionais, afirmo veementemente que o que realmente interessa no ambiente de trabalho são basicamente quatro fatores: 1. Formação acadêmica; 2. Histórico de resultados na carreira; 3. Capacidade de realização; 4. Liderança e 5. Relacionamento interpessoal.

Em que pese ainda minha formação e experiência como advogado nos Estados Unidos e como Professor de Direito no Brasil, tenho total convicção que as leis foram feitas por algum motivo muito importante e, sobretudo, para serem cumpridas, pois afinal de contas, ninguém pode alegar desconhecimento da lei para descumpri-la.

Se por um lado temos leis as quais estão vigentes e devem ser respeitadas e cumpridas, por outro temos a “cultura do brasileiro que não gosta de cumprir leis”, sendo que, por óbvio que cabe o recebimento de forma cogente daquela em detrimento da vontade destes.

Acreditamos que uma empresa que não cumpre as leis elementares que protegem seus candidatos quanto às suas informações pessoais, que a mesma não pode ser um local bom e sério para se trabalhar, pois certamente infringirá leis mais benéficas para seus empregados como as próprias leis trabalhistas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei Nº 13.709, de 14 de Agosto de 2018. Lex: Lei Geral de Proteçâo de Dados Pessoais ( LGPD). Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em 11 Nov 2022.

BRASIL. Decreto-lei Nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Lex: Aprova a Consolidação das Leis de Trabalho. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 11 Nov 2022.

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Sobre o autor
Alexandre Schneider

BIOGRAFIA CURTA Como Especialista em Direito Previdenciário atuo com: • Aposentadorias de todos os tipos (idade, invalidez, especial, etc); • Auxílio em eventos extraordinários (acidente, doença, reclusão, etc); • Contagem de tempo de serviço; • Solicitação de pensão por morte; • Planejamento e execução de benefício previdenciário mais vantajoso para o solicitante além de encaminhamento destes benefícios na esfera administrativa e judicial. Atuo como Professor de Direito de Graduação e Pós-graduação. Como Jurista, estudo, analiso, comento as leis, ensino Direito e publico artigos e livros jurídicos. Como autor, publico artigos e livros e ministro cursos, palestras e treinamentos.

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