Contrabando de motores de barcos na fronteira Brasil/Guiana Francesa

31/07/2023 às 10:50
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Summary

The Brazil/French Guiana border is a region with some peculiarities that facilitate and encourage the illegal trade of goods prohibited from being imported, consequently, the performance of the servants of the Customs unit of the Federal Revenue in the municipality of Oiapoque/AP, aims to prevent and repress the occurrence of the offense. To this end, during the inspection work, the tax and customs authorities usually apply the penalties of forfeiture of the goods and the transporting vehicle. Such penalties are provided for by law and supported by extensive jurisprudence. In this context, this work aims to analyze the functioning of the smuggling of goods, mainly boat engines in the region and how its criminals act in an attempt to embarrass the inspection of the control bodies. It is concluded that, even if the value of the goods transported and the damage to the Treasury caused by it is disproportionate to the value of the vehicle, the appropriate penalty to be applied is forfeiture, understanding that the purpose of the sanction must prevail.

Resumo

A fronteira Brasil/Guiana Francesa é uma região com algumas peculiaridades que facilitam e incentivam o comércio ilegal de mercadorias proibidas de serem importadas,
consequentemente, a atuação dos servidores da unidade aduaneira da Receita Federal no
município de Oiapoque/AP, visa prevenir e reprimir o acontecimento do ilícito. Para tanto, durante o trabalho de fiscalização, as autoridades tributárias e aduaneiras costumam aplicar as penas de perdimento da mercadoria e do veículo transportador. Tais penalidades, encontram-se previstas em lei e respaldadas por ampla jurisprudência. Nesse contexto, este trabalho tem o objetivo de analisar o funcionamento do contrabando de mercadorias, principalmente motores de barcos na região e
como seus criminosos atuam na tentativa de embaraçar a fiscalização dos órgãos de controle. Conclui-se que, mesmo que o valor da mercadoria transportada e o dano ao Erário por ela causado seja desproporcional ao valor do veículo, a pena apropriada a ser aplicada é a de perdimento, compreendendo que há que se prevalecer a finalidade da sanção.

Palavras-chave: Direito Aduaneiro. Contrabando. Descaminho. Controle Aduaneiro.
Infrações. Perdimento de veículos.

Sumário: Introdução; 1. Jurisdição e Fiscalização Aduaneira; 2. Motores de Barcos e particularidades de Oiapoque/AP; 2.1 Importação de Motores de Barcos; 2.2 Contrabando e Descaminho 3. Controle Aduaneiro; 4. Infrações Aduaneiras; 4.1 Pena de perdimento da mercadoria; 4.2 Pena de perdimento de veículo; 4.2.1 Responsabilidade do proprietário; 4.2.2Princípio da proporcionalidade; Conclusão.

Introdução

O município de Oiapoque-AP, com seus pouco mais de 25.000 habitantes, está localizado na fronteira entre Brasil-Guiana Francesa, ligando-se à cidade vizinha de Saint-Georges de L’Oyapock, Guiana Francesa por meio da BR-156 e pelo Rio Oiapoque. Apesar da baixa população, por ser uma cidade de fronteira, o fluxo de pessoas (turistas, comerciantes e migrantes) que entram e saem da cidade diariamente em direção à Guiana Francesa é constante. No entanto, o trânsito pelo Rio de Mercadorias não é autorizado pela Receita Federal.

Por ser um insumo essencial ao deslocamento de pessoas para os garimpos ilegais existentes na Guiana Francesa, tanto os moradores de Oiapoque, quanto pessoas vindas de outras regiões atraídas pelo ouro Guianense. localizados no interior daquele pequeno país, aproveitando-se, assim, do alto valor das passagens cobradas em virtude do alto risco, por ser atividade proibida na Guiana, que permite apenas a exploração do ouro nos garimpos autorizados.

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar o funcionamento do contrabando de mercadorias, principalmente motores de barcos na região e como seus criminosos atuam na tentativa de embaraçar a fiscalização dos órgãos de controle. Além disso, pretende tecer breves comentários sobre o contrabando de motores de barcos procedentes da Guiana Francesa e mostrar como a equipe de fiscalização aduaneira da Inspetoria da Receita Federal em Oiapoque, em parceria com as Forças Nacionais de Fronteira, formadas pela Marinha do Brasil, Polícia Federal, Polícia Civil, Exército, Corpo de Bombeiros, Ibama, atuam para prevenir e reprimir cometimento de ilícitos.

Para tanto, é necessário citar a legislação que normatiza a importação de bens, assim como, analisar como se dá o controle aduaneiro de veículos. Importante analisar, também, as infrações cometidas no comércio internacional e as possíveis penas de perdimento. Além das infrações, será analisada a responsabilidade do proprietário do veículo/transportador da mercadoria contrabandeada e os argumentos que se utilizam para tentarem escapar das penalidades.

1. Jurisdição e Fiscalização Aduaneira

O conceito de Jurisdição Aduaneira, segundo Roberto Caparroz (2016, p. 684), “indica o poder do Estado em aplicar regras jurídicas sobre determinado território, o que inclui as atividades de fiscalização, controle e exigência de determinadas condutas dos indivíduos que nele se encontram”.

O artigo 237 da Constituição Federal dispõe que compete ao Ministro da Fazenda (atual Ministro da Economia) a fiscalização e controle sobre as atividades de comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais (BRASIL, 1988). Tal fiscalização, e demais procedimentos decorrentes das operações de importação e de exportação, são realizados pela Secretaria Especial da Receita Federal, órgão integrante do Ministério da Economia.

No caso da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, a unidade aduaneira responsável por essa fiscalização é a Inspetoria da Receita Federal do Brasil em Oiapoque/AP.

Assim, mercadorias originárias do país vizinho devem, obrigatoriamente, se submeter ao controle exercido por este recinto alfandegado.

2. Motores de barcos estrangeiros e particularidades de Oiapoque/AP

O município de Oiapoque/AP, como toda região de fronteira, possui algumas
peculiaridades que devem ser explanadas. Uma delas é que o alfandegamento da Ponte Binacional se deu há pouco mais de 4 anos. Sendo usual, o transporte entre os dois países por barcos. Dessa forma, os moradores fazem uso com frequência de pequenos barcos, chamados popularmente de catraias. Devido à grande quantidade de movimentação de barcos, fica difícil o discernimento dos que estão apenas trafegando pessoas entre as duas cidades fronteiriças e aqueles que estão levando brasileiros, de forma ilegal, para os garimpos, os conhecidos popularmente como coiotes.

O comércio de subsistência em cidades fronteiriças está previsto no artigo 170 do Decreto nº 6.759/2009, conhecido como Regulamento Aduaneiro: Art. 170. A isenção do imposto na importação de bens trazidos do exterior, no comércio característico das cidades situadas nas fronteiras terrestres, aplica-se apenas aos bens destinados à subsistência da unidade familiar de residentes nas cidades fronteiriças brasileiras. Parágrafo único. “Entende-se por bens destinados à subsistência da unidade familiar, para os efeitos desta Subseção, os bens estritamente necessários ao uso ou consumo pessoal e doméstico”. (BRASIL, 2009).

Desse modo, para o consumo pessoal e doméstico, verifica-se que moradores de Saint-Georges de L’Oyapock atravessam a fronteira, tanto de barcos quanto via terrestre para abastecer suas residências. Isso se dá em função do comercio de Oiapoque ser bem mais desenvolvido que o de Saint-Georges de L’Oyapock, sendo bem razoável a movimentação entre as duas cidades vizinhas tanto pelo Rio quanto pela Ponte Binacional. Essa característica é responsável pela grande movimentação de pessoas em ambos os sistemas viários.

Cabe ressaltar que, com o objetivo de embaraçar a fiscalização aduaneira, muitos barcos utilizam-se de carcaças adquiridas no mercado nacional e apenas os motores adquiridos no estrangeiro. Há que se frisar que os pequenos barcos usados no transporte de pessoas entre as duas cidades, utilizam motores estrangeiros, cuja nacionalização encontram-se em processo de consulta, não sendo possível a sua autuação e posterior perdimento.

2.1 Importação de Motores de Barcos

O Órgão responsável por implementar a fiscalização e credenciamento dos Barcos é a Marinha do Brasil, que somente há dois anos estabeleceu-se em Oiapoque e apenas no ano de 2020 adquiriu barcos para exercer a fiscalização nas águas do Rio Oiapoque. Diretrizes referentes à importação de barcos e motores e criminais.

2.2 Contrabando e Descaminho

De acordo com Roberto Caparroz (2016, p. 957),os crimes de contrabando e descaminho, embora estivessem agrupados no artigo 334 do Código Penal, nunca se confundiram, pois o contrabando implica importar ou exportar mercadoria proibida, enquanto o descaminho é a tentativa de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadorias.

Contrabando Código Penal – art. 334 – A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§1º Incorre na mesma pena quem:

[…]

II – Importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente.

Assim, pode-se afirmar que os motores de barcos estrangeiros sem comprovação de sua regular importação, caracteriza o crime de descaminho e, caso seja flagrado tal situação, estará sujeita, tanto a penalidades administrativas (perdimento da mercadoria e/ou veículo), quanto a penalidades penais (crime de descaminho).

3. Controle Aduaneiro

A Receita Federal é a instituição responsável pelo controle da entrada e saída de mercadorias do país. Segundo Rodrigo Luz (2015, p. 53), no controle aduaneiro, o bem tutelado pelo Estado não é o tributo, mas a segurança da sociedade. São fiscalizadas a entrada e saída das mercadorias, evitando-se, por exemplo, a falsa declaração de conteúdo ou a movimentação de mercadorias falsificadas, proibidas ou que possam trazer riscos à vida e à saúde.

Em outras palavras, a função principal do controle aduaneiro não é o aumento da arrecadação de tributos (função fiscal), mas servir como instrumento de controle e proteção da economia (extrafiscal).

A Inspetoria da Receita Federal em Oiapoque/AP, responsável pela fiscalização da entrada no Brasil de bens e veículos oriundos da Guiana Francesa, atua principalmente na prevenção e repressão ao contrabando de mercadorias que entram e saem do Brasil. Na região da Guiana Frances existem muitos garimpos legais e outros ilegais, o que atrai a existência de coiotes que fazem o transporte ilegal de pessoas e insumos utilizados nessa atividade ilegal. Nesse combate, a Receita Federal do Brasil conta com as parcerias como a Marinha do Brasil, Polícia Federal, Polícia Civil.

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Assim, anualmente são realizadas operações conjuntas dessas forças de fronteira, através do Rio Oiapoque, muitas vezes em parceria com as forças estrangeiras da Guiana Francesa. Nessas operações, é comum os fiscais aduaneiros fornecerem às outras forças informações acerca da documentação comprobatória de uma regular importação, sendo encaminhado para a Receita Federal do Brasil os casos que não se enquadrem dentro da nossa legislação.

O fato configura, em tese, crime de descaminho, prática irregular e sujeita a penalidades. Assim, após a realização de perícia por agentes públicos especializados, caso seja constatada a prática do ilícito, o motor do barco fica sujeito à pena de
perdimento.

4. Infrações Aduaneiras

O principal objetivo das infrações aduaneiras não é a arrecadação pecuniária para
cobrir o dano causado ao erário, mas sim, a proteção tanto da indústria nacional quanto da sociedade em geral que pode sofrer graves danos com a entrada de mercadorias proibidas de serem importadas.

O artigo 675 do Decreto nº 6.759 (Regulamento Aduaneiro), com base nas sanções previstas legalmente pelo artigo 96 do Decreto-Lei nº 37/66, pelo artigo 23, § 1º, do Decreto Lei nº 1.455/76 (com a redação dada pela Lei nº 10.637/02, arts. 59 e 24), pelo artigo 65, § 3º, da Lei nº 9.069/95 e pelo artigo 76 da Lei nº 10.833/03, dispõe que:

Art. 675. As infrações aduaneiras estão sujeitas às seguintes penalidades, aplicáveis
separada ou cumulativamente:

I – perdimento do veículo;

II – perdimento da mercadoria;

III - perdimento de moeda;

IV – multa;

e

V – sanção administrativa. (BRASIL, 2009).

Com base na legislação mencionada, e levando-se em consideração o caráter
extrafiscal do Direito Aduaneiro, as penas de perdimento de mercadoria e de veículo são
sanções eficazes no trabalho de repressão ao contrabando de combustível na fronteira do
Brasil/Guina Francesa. Tais penalidades são comumente aplicadas pela fiscalização aduaneira da Receita Federal em Oiapoque/AP, por permitir retirar de circulação, tanto a mercadoria estrangeira não importada regularmente, quanto o meio de transporte adaptado ao cometimento do ilícito.

4.1 Pena de perdimento da mercadoria

O inciso XX, do artigo 689 do Regulamento Aduaneiro dispõe que estará sujeita à pena de perdimento, por configurar dano ao Erário, a mercadoria que for importada ao desamparo de licença de importação ou documento de efeito equivalente, quando a sua emissão estiver vedada ou suspensa, na forma da legislação específica (BRASIL, 2009).

Comumente, essas pessoas alegam que o barco é brasileiro, sem apresentar a comprovação da regular importação do motor do barco, enquadrando-se no crime de descaminho.

Diante do exposto, de acordo com o artigo 689 do Regulamento Aduaneiro citado anteriormente, por configurar importação irregular, a pena de perdimento da mercadoria é a infração correta a ser imposta pela fiscalização da Receita Federal para retirar de circulação mercadoria de origem estrangeira que adentra no país sem comprovação de sua regular importação.

4.2 Pena de perdimento de veículo

O Decreto-Lei Nº 37 de 1966, em seu artigo 104, inciso V, é contundente ao estabelecer a pena de perdimento de veículo que conduza mercadoria sujeita a mesma pena:

Art.104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos:

[…]

V – quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao
responsável por infração punível com aquela sanção. (BRASIL, 1966).

No mesmo sentido dispõe o art. 688 do Decreto nº 6.759/2009 - Regulamento Aduaneiro (R.A.) - ao estabelecer que:

Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 104; Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 24; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 75, § 4º):

[…];

V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao
responsável
por infração punível com essa penalidade;

[…];

§ 1o Aplica-se, cumulativamente ao perdimento do veículo, nos casos dos incisos II,
III e VI, o perdimento da mercadoria (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 104, parágrafo único, este com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003, art. 77, e art. 105, inciso XVII; e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, inciso IV e § 1º, este com a redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002, art. 59).

§ 2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito. (BRASIL, 2009).

Portanto, não restam dúvidas que a pena de perdimento do veículo deve ser aplicada
cumulativamente ao perdimento da mercadoria proibida de ser importada.

4.2.1 Responsabilidade do proprietário do veículo

Na região de Oiapoque/AP, é costume a prática da entrega do veículo a um terceiro,
configurando-se como condutor pessoa diversa daquela que detém a propriedade do mesmo.

Não raro, tal conduta se faz presente pela prévia intenção de tentar dificultar a fiscalização na prática de descaminho na região da fronteira, especialmente porque a legislação caminha no sentido de que a pena imposta à introdução de mercadoria ilegal seja o perdimento desta. Consequentemente, há a perda do veículo transportador, caso este pertença ao responsável pela infração. Dessa forma, o condutor do barco não sendo o proprietário, em caso de flagrante, busca fugir da pena de perdimento do veículo, limitando-se a penalidade à mercadoria.

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O fato de o automóvel estar registrado no nome de pessoa diversa daquela que o
estava conduzindo poderia, a princípio, dificultar a aplicação da penalidade de perdimento.

Regulamento Aduaneiro dispõem que:

Art. 673. Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida ou disciplinada neste Decreto ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-lo (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 94, caput).

Parágrafo único. Salvo disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, da natureza e da extensão dos efeitos do ato (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 94, § 2o).

Art. 674. Respondem pela infração (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 95):

I - conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra para sua
prática ou dela se beneficie;

II - Conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo, quanto à que decorra do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes (BRASIL, 2009).

Como se pode observar, a norma é bem clara ao atribuir a responsabilidade pela infração àquele que de qualquer forma concorra para a prática do ilícito. Além disso, o proprietário do veículo também responde pela infração decorrente da ação ou omissão de seus tripulantes.

4.2.2 Princípio da proporcionalidade na pena de perdimento

A proporcionalidade do valor da mercadoria na aplicação da pena de perdimento do veículo é uma questão que ainda gera dúvidas. A simples comparação matemática entre o valor do produto apreendido e o valor do veículo transportador pode resultar em graves distorções, tendo em vista que beneficiaria o infrator que utiliza um automóvel de alto valor para a prática do descaminho e contrabando.

A jurisprudência sobre o assunto segue o entendimento da legalidade da pena de perdimento de veículo ainda que o valor da mercadoria apreendida seja desproporcional
quando comparado ao valor do automóvel.

TRIBUTÁRIO. PENA DE PERDIMENTO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR. MERCADORIA IRREGULARMENTE IMPORTADA. DESPROPORÇÃO DE VALORES. A desproporcionalidade entre o valor do veículo transportador e as mercadorias estrangeiras transportadas irregularmente, como critério a afastar a pena de perdimento do veículo, trata-se de construção jurisprudencial. Ocorre que tal interpretação benevolente somente se justifica quando se pode interpretar o fato sem dele se extrair indícios de má-fé por parte do cidadão, pois do contrário há que se sobrelevar o interesse público existente na previsão legal de perda de bens e controle do comércio ilegal de bens estrangeiros.

Assim, não se aplica o entendimento jurisprudencial, independentemente de desproporção de valores entre o veículo e os bens transportados, quando o veículo, v.g. estiver com compartimentos previamente providenciados para a ocultação de mercadorias; ou se tratar de grande quantidade de mercadorias importadas irregularmente.
Não é a referida desproporção, critério jurisprudencial absoluto e matemático.” (TRF 4ª Região - AC - APELAÇÃO CIVEL Processo: 199904011048008 UF: PR Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 16/11/2000 - DJU DATA:28/02/2001 PÁGINA: 161 – Relator: Márcio Antônio Rocha – unanimidade). (grifos nossos) (TRF, 2001).

O Superior Tribunal de Justiça – STJ – também tem se manifestado dessa forma:

ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE IRREGULAR DE MERCADORIAS QUE LEGITIMAM A PENA DE PERDIMENTO. PERDIMENTO DO VEÍCULO. DESPROPORÇÃO ENTRE O VALOR DAS MERCADORIAS E O VALOR DO VEÍCULO NÃORECONHECIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO, FUNDADO EXPRESSAMENTE NO EXAME DOS ELEMENTOS DE PROVA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 70⁄STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO.

1. Trata-se de recurso especial fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, interposto por Nevio Minatto em autos de ação movida sob rito ordinário, contra acórdão que, reformando a sentença, manteve a pena de perdimento aplicada a veículo apreendido ao transportar agrotóxicos, munições e outros bens. Em recurso especial, alega-se: a) violação do artigo 104, V, do DL 37⁄66, em razão da clara desproporção entre o valor do veículo apreendido, avaliado em R$ 18.000,00, e das mercadorias objeto de contrabando, estimadas em R$ 8.328,84; b) divergência jurisprudencial com julgados do Superior Tribunal de Justiça e do próprio TRF da 4ª Região que impedem a aplicação de pena de perdimento na hipótese descrita; c) evidenciada a desproporção entre o valor da mercadoria transportada e o valor do veículo transportador, mostra-se ilegal a aplicação da pena de perdimento, motivo pelo qual deve ser reformado o acórdão recorrido.

2. Todavia, a irresignação não merece acolhida, uma vez que o acórdão recorrido, reexaminando os elementos de prova constantes dos autos, conclui pela inexistência de desproporção entre o valor das mercadorias apreendidas e o valor de veículo objeto da pena de perdição. Nesse sentido, foi considerado a natureza das mercadorias ilicitamente transportadas - fungicidas e munições -, que caracterizou a gravidade da infração cometida. Confira-se teor do aresto impugnado (fls. 90⁄91 v.):

Inicialmente, esclarece-se que o autor foi flagrado transportando grande quantidade de agrotóxicos e munições importados de forma irregular. Em razão disso, foram apreendidos as mercadorias e o veículo, consoante o disposto nos artigos: 94, 95, 96 e 104 do Decreto-lei 37⁄66; 23, 24, 25 e 26 do Decreto-Lei nº 1.455⁄76. [...] Neste caso concreto, entendo que não há como deixar de considerar a potencialidade lesiva da mercadoria importada e a necessidade de se respeitar as normas de controle de importação, o que torna a infração realizada de maior gravidade. [...] Por todas, essas razões, não vislumbro desproporcionalidade entre as mercadorias sujeitas ao perdimento (R$ 8.328,84) e o veículo (R$ 18.000,00).

3. Constata-se na situação concreta, de tal modo, a inarredável aplicação do óbice contido na Súmula 7⁄STJ, porquanto a desconstituição do acórdão atacado exigiria a necessária revisão dos elementos de prova que foram aplicados em sua fundamentação. 4. Recurso especial não-conhecido.” (REsp 1.022.550/RS, rel. Min. José Delgado, STJ – 1ª Turma, DJE 23/06/2008) (grifos nossos). (STJ, 2008).

Considerações Finais

Este estudo teve o propósito de ampliar a discussão acerca do funcionamento do contrabando de mercadorias, principalmente motores de barcos na região e como seus criminosos atuam na tentativa de embaraçar a fiscalização dos órgãos de controle. Dessa forma, conclui-se que, mesmo que o valor da mercadoria transportada e o dano ao Erário por ela causado seja desproporcional ao valor do veículo, a pena apropriada a ser aplicada é a de perdimento. Além disso, não importa se o condutor do automóvel não é o seu proprietário. No caso, há que se prevalecer a finalidade da sanção.

Considerando que o comportamento descrito acima se apresenta de forma reiterada na região de Oiapoque/AP, é inadmissível não se concebe o fato de que o Estado continue a tolerar tal prática. O Poder Público deve se posicionar no sentido de direcionar esforços para coibir o contrabando e os meios pelos quais os seus criminosos encontram para atuar.

Espera-se que novos estudos sejam realizados no sentido de promover reflexões no meio jurídico/fiscal, por meio de ações eficazes de combate a tais práticas.

Referências

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 10 maio 2019.

______. Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966. Dispõe sobre o imposto de
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0037.htm>. Acesso em: 10 maio 2019.

______. Resolução nº 777, de 05 de abril de 2019. Regulamenta a atividade de comércio
exterior de biocombustíveis, petróleo e seus derivados e derivados de gás natural, disciplina o procedimento de anuência prévia dos pedidos de importação e exportação e dá outras
providências. Órgão Emissor: MME/ANVISA - Ministério de Minas e Energia/Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Disponível em:
<http://www.anp.gov.br/arquivos/importacao_exportacao/comercio-exterior/resolucao_n-777- 05042019.pdf>. Acesso em: 10 maio 2019.

CAPARROZ, Roberto. Comércio Internacional e Legislação Aduaneira Esquematizado.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

LUZ, Rodrigo. Comércio Internacional e Legislação Aduaneira. 2. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2007.

STJ. (2008). REsp 1.022.550/RS, rel. Min. José Delgado, STJ – 1ª Turma, DJE Data:
23/06/2008.Disponível em: <https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17323309/apelacaoreexame-necessario-apelreex-7002-pr-0005524-9120084047002/inteiro-teor-17323310?ref=amp>. Acesso em: 19 maio 2019.

TRF. (2001). TRF 4ª Região - AC - Apelação cível Processo: 199904011048008 UF: PR
Órgão Julgador: Segunda Turma. Data da decisão: 16/11/2000 - DJU Data:28/02/2001 Página:
161 – Relator: Márcio Antônio Rocha – unanimidade). Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/fckblank.html?_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11462&revista_caderno=26>. Acesso em: 19 maio 2019

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