A gravação ambiental como meio de prova no processo eleitoral

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Resumo: O presente artigo faz uma breve análise acerca do conceito de gravação ambiental e a sua utilização como meio de prova em ações eleitorais. O método de pesquisa adotado é a análise doutrinária e jurisprudencial. Particularmente, por meio do estudo se buscou demonstrar a ilicitude da gravação ambiental e a sua utilização como meio de prova no processo eleitoral, pois, ainda que os princípios que norteiam o direito eleitoral tenham por escopo garantir a normalidade e legitimidade das eleições, não se pode admitir que candidatos, eleitores ou agremiações partidárias, à revelia das garantias constitucionais, se utilizem de meios ardis com o intento de produzir provas para reverter nos tribunais a vontade manifestada nas urnas, dai o acerto do atual posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral.

Palavras-chave: Gravação Ambiental. Prova. Processo Eleitoral. Tribunal Superior Eleitoral.


INTRODUÇÃO

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) garante a todos os cidadãos a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assim como, a inviolabilidade dos sigilos das comunicações, consoante se depreende das disposições contidas nos incisos X e XII do artigo 5º.

Diante dessas garantias é que há muito a doutrina e a jurisprudência tem controvertido sobre a possibilidade de (i) licitude das gravações ambientais e a (im) possibilidade de sua utilização como meio de prova para instruir ações eleitorais ajuizadas com a finalidade de coibir condutas praticadas durante as eleições que possam atentar contra a liberdade de voto, a isonomia entre os candidatos ou afetar a regularidade do pleito.

A grande dificuldade encontrada é a conciliação daquelas garantias previstas nos incisos X e XII do artigo 5º, com os bens jurídicos tutelados pelo § 9º do artigo 14 da Carta Magna. Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem oscilado ao longo dos anos promovendo, de certa forma, insegurança jurídica, visto que se trata da mais alta Corte em matéria eleitoral no país, cujas decisões norteiam todos os tribunais regionais eleitorais.

O atual posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral firmado por ocasião do julgamento do Agravo De Instrumento 29364/PR (BRASÍLIA, 2020) e dos Embargos De Declaração no Recurso Especial Eleitoral 63406/MG (BRASÍLIA, 2022), cujo relator foi o Ministro Alexandre de Moraes, e do Recurso Especial Eleitoral 38519/MA (BRASÍLIA, 2022), de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, não parece ter encerrado essa discussão.

Diante disso, o presente artigo pretende através de uma breve análise doutrinária explicar o conceito de gravação ambiental e, em um segundo momento, discorrer sobre o posicionamento do Supremo Tribunal Federal para finalmente, demonstrar a evolução da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema, de modo a elucidar a questão acerca da (im) possibilidade de utilização desse tipo de prova em ações eleitorais que tenham por finalidade a cassação do diploma de candidatos.


CONCEITO DE GRAVAÇÃO AMBIENTAL

A gravação ambiental, também conhecida como gravação clandestina (RIBEIRO, 2020, p. 74), é a captação de comunicação, realizada no local em que ocorre, por um dos comunicadores, sem que o outro interlocutor saiba (MASSON; MARÇAL, 2015, p. 208). Nela, um dos interlocutores fará a captação dessa conversa sem o conhecimento dos demais.

A gravação ambiental, portanto, ocorre quando um dos interlocutores registra o diálogo, sem a anuência dos outros interlocutores e sem a intervenção de terceiros (AVOLIO, 2012, p. 102).

Em linhas gerais, a doutrina não diverge acerca do conceito de gravação ambiental.


O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A GRAVAÇÃO AMBIENTAL

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Questão de Ordem no Recurso Extraordinário nº. 583937/RJ - Tema 237 – (BRASÍLIA, 2009) definiu pela constitucionalidade da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

RE 583937 QO-RG/ RJ - RIO DE JANEIRO REPERCUSSÃO GERAL NA QUESTÃO DE ORDEM NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 19/11/2009 Publicação: 18/12/2009 Órgão julgador: Tribunal Pleno

No referido leading case restou assentado, nos termos do voto do relator, não haver ilicitude no uso de gravação feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, não havendo violação ao disposto no art. 5º, XII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), tendo em vista que este resguarda apenas o sigilo das comunicações telefônicas da ciência não autorizada de terceiro, não havendo que se falar em violação à intimidade quando ocorre a revelação de conversa por aquele que foi partícipe:

[...] quem revela conversa da qual foi partícipe, como emissor ou receptor, não intercepta, apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicação, a menos que seja recoberta por absoluta indisponibilidade legal proveniente de obrigação jurídica heterônima, ditada pela particular natureza da relação pessoal vigente entre os interlocutores, ou por exigência de valores jurídicos transcendentes”.

Importante destacar que esse posicionamento foi tomado em julgamento de ação penal onde, no caso em concreto, a gravação ambiental foi utilizada como prova para a defesa do réu, não sendo feita qualquer menção a possibilidade de utilização na esfera eleitoral.

Em razão do RE 583.937/RJ (BRASÍLIA, 2009) ter sido analisado sob o enfoque da investigação criminal, o TSE por muito tempo resistiu em adotar esse precedente, tendo a sua jurisprudência sido alterada apenas quando do julgamento do Respe 40898/SC, em 09.05.2019 (BRASÍLIA, 2019).

Sob o prisma do Direito Eleitoral, o Supremo Tribunal Federal, no RE 1040515/SE (BRASÍLIA, 2017), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, apta a instruir AIME, à luz do artigo 5º, incisos II e XII da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

Direito Constitucional. Direito Eleitoral. Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido da ilicitude dessa prova, sob o fundamento de que há a necessidade de proteção da privacidade e da honra. Gravação ambiental que somente seria legítima se utilizada em defesa do candidato, nunca para o acusar da prática de um ilícito eleitoral. Suportes jurídicos e fáticos diversos que afastariam a aplicação da tese de repercussão geral fixada, para as ações penais, no RE nº 583.937. A temática controvertida é apta a replicar-se em diversos processos, atingindo candidatos em todas as fases das eleições e até mesmo aqueles já eleitos. Implicações para a normalidade institucional, política e administrativa de todas as unidades da Federação. Repercussão geral reconhecida.

O Recurso Extraordinário aguarda a devolução do pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes após o voto do relator, Ministro Dias Toffoli, que votou pela ilicitude da prova decorrente de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, exceto nas hipóteses em que a gravação ocorre em local público:

[...] No processo eleitoral, é ilícita a prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e com violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores, ainda que realizada por um dos participantes, sem o conhecimento dos demais. - A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade".

Nesse sentido, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal não apresentar uma definição quanto ao julgamento do RE 1040515/SE -Tema 979 – (BRASÍLIA, 2017), permanece, de certo modo a insegurança jurídica em relação a utilização da gravação ambiental em processos eleitorais, principalmente pelo fato de que o atual posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral não foi construído pela unanimidade, conforme será demonstrado a seguir.


A GRAVAÇÃO AMBIENTAL E A JUSTIÇA ELEITORAL

O posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral tem oscilado nos últimos anos, ora admitindo a gravação ambiental como prova lícita, ora compreendendo pela sua ilicitude.

Até 2012 o posicionamento da Corte Eleitoral era de que a gravação de conversa realizada entre dois interlocutores, sem o conhecimento do outro, não configuraria violação à garantia da inviolabilidade da intimidade prevista no inciso X, do artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), revestindo-se de prova lícita para instruir processos eleitorais, muito embora, esse posicionamento não tenha encontrado unanimidade entre os Ministros que compuseram o Tribunal entre os anos de 2006 até 2012.

Por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº. 25.214/SP (BRASÍLIA, 2006), cujo relator foi o Ministro Cesar Asfor Rocha, restou travado um debate acalorado sobre a questão, embora a maioria dos Ministros tenha se posicionado pela licitude da prova, vale destacar o posicionamento divergente do Ministro Marco Aurélio:

Peço vênia, Senhor Presidente, para entender que a gravação clandestina só é válida quando utilizada tendo em conta a defesa do cidadão. Para a defesa, o Supremo admite essa gravação. Fora isso, não se pode partir para verificar se a pessoa adentra o recinto, para um contato, porta ou não um gravador.

Repito, a exceção aberta pelo Supremo – e minha memória não deve estar falhando – foi nesse sentido: a gravação, sem o conhecimento do interlocutor, é válida se utilizada na defesa daquele que seria a vítima de um ato desse mesmo interlocutor.

Esse posicionamento levou em conta o entendimento até então vigente do Supremo Tribunal Federal que somente admitia a utilização da gravação ambiental como meio de prova de defesa, questão a abordada no tópico anterior.

Em agosto de 2012 a maioria dos Ministros acompanhou o voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio quando do julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº. 34426/BA (BRASÍLIA, 2012), precedente que provocou a mudança de entendimento do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema. Na ocasião o relator externou o seu posicionamento pela admissão desse tipo de prova apenas quando autorizada pelo Poder Judiciário e para a instrução de investigação criminal ou processo penal:

[...] A gravação ambiente submete-se à regra segundo a qual são invioláveis os dados, sendo que o afastamento da proteção não pressupõe gravação sub-reptícia, escondida, dissimulada, por um dos interlocutores, mas sim decorrente de ordem judicial, sempre vinculada à investigação criminal ou à instrução processual pena. Constitui verdadeiro paradoxo reconhecer-se como válida gravação ambiente sem o conhecimento dos interlocutores, tendo em conta admitir-se tal prova, observada a previsão constitucional, somente quando autorizada pelo Poder Judiciário para instruir investigação criminal ou processo penal.

A questão ganha relevo maior em se tratando do processo eleitoral, em que as disputas são acirradas, prevalecendo, muitas vezes, paixões condenáveis.

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Quando do julgamento do RESPE nº: 16748/TO (BRASÍLIA, 2014) a Corte ratificou a posição acerca da necessidade de prévia autorização judicial para a realização de gravação ambiental, tendo em vista a necessária preservação do princípio da boa-fé e da garantia da inviolabilidade da intimidade, prevista no inciso X, do artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral admitia como lícita a gravação ambiental realizada sem autorização judicial quando realizada em espaço público, na medida em que, em tese, não haveria violação à intimidade, conforme decidido no RESPE nº. 166034. (BRASÍLIA, 2015):

[...] Diversa é a situação em que a gravação registra fato que ocorreu à luz do dia, em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade. A gravação obtida nessas circunstâncias deve ser reputada como prova lícita que não depende de prévia autorização judicial para sua captação. (BRASÍLIA, 2015)

Quando do julgamento do RESPE 40898/SC (BRASÍLIA, 2019), o TSE buscou adequar a sua jurisprudência ao entendimento firmado pelo STF no RE 583.937/RJ (BRASÍLIA, 2007), consignando que para as eleições de 2016 e seguintes, a regra a prevalecer seria a da licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, independente de autorização judicial e da circunstância de a captação ter se realizado em ambiente público ou privado.

A peculiaridade da tese proposta pelo Ministro Edson Fachin e acolhida pela maioria dos Ministros que compuseram a sessão de julgamento decorre do fato que embora a regra geral adotada fosse a da licitude da gravação ambiental, ficaria ao arbítrio do julgador, no caso concreto, atribuir validade à gravação, levando em conta as circunstâncias em que foi produzida:

[...] Nessa toada, entende-se que admitir a licitude desse meio de prova, seja em ambiente público ou privado, não implica reconhecer a validade de toda e qualquer gravação ambiental, visto que as circunstâncias em que ela for obtida, no caso concreto, podem obstar sua utilização no processo.

Com efeito, caberá ao julgador, na análise de mérito de cada caso, distinguir as situações em que gravação é efetivada de forma ardilosa, mediante induzimento ou constrangimento do interlocutor à prática de ilícito, daquelas em que a gravação é realizada para captar condutas ilegais espontaneamente praticadas. Nas hipóteses em que constatada a manipulação injusta da gravação ambiental contra participantes da disputa eleitoral, o seu valor probante restará enfraquecido nos autos, acarretando a inocuidade do conteúdo para comprovar os fatos a que se destina. (BRASÍLIA, 2019)

Nesse sentido, esse posicionamento embora tenha tornado como regra geral a admissão da gravação ambiental, independente de autorização judicial, ou do local em que foi produzida, manteve-se atenta à necessidade de resguardar a boa-fé, condicionando a validade da prova à inexistência de circunstâncias que denotem que a prova foi produzida de forma ardilosa, mediante manipulação.

Na ocasião a proposta do Ministro Edson Fachin foi objeto de intensos debates, merecendo destaque o voto divergente do Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho, que entendia pela necessidade de preservar a estabilidade, a integridade e coerência da jurisprudência da Corte:

[...] Com efeito, penso que reafirmar o entendimento do TSE na linha da impossibilidade de utilização desse meio de prova, nas eleições de 2016, ora julgado em maio de 2019, ao menos nessa quadra atual, em que a matéria há de ser descortinada, com verticalidade, método e sabor de definitividade pelo próprio STF, constitui, quando não muito, uma deferência à opção legislativa do CPC/2015, no seu art. 926. - no sentido da estabilidade, da integridade e da coerência da jurisprudência. (BRASÍLIA, 2019)

Embora esse julgamento tenha ocorrido em maio de 2019, o até então novo posicionamento seria adotado a contar das eleições de 2016, visto que o caso em concreto dizia respeito àquele pleito.

Ocorre que o Tribunal Superior Eleitoral, em sessão realizada em 07 de outubro de 2021, no julgamento dos recursos eleitorais ns. 0000293-64.2016.6.16.0095, 0000634-06.2016.6.13.0247 e 0000385-19.2016.6.10.0092 (BRASÍLIA, 2021), todos referentes ao pleito de 2016, alterou novamente a jurisprudência sobre a utilização da gravação ambiental nos processos eleitorais, gerando nova insegurança jurídica sobre o tema, mormente pelo fato de que já havia processos referentes ao pleito de 2016 julgados com base no entendimento anterior exarado no RESPE nº 40898/SC (BRASÍLIA, 2019) .

De qualquer sorte, louvável o entendimento externado no voto do Ministro Alexandre de Moraes, o qual destacou a impossibilidade de adotar como regra a admissão das gravações ambientais como provas no processo eleitoral. Conforme o relator, a relativização das garantias individuais previstas no artigo 5º, incisos II, X e XII da Constituição Federal (BRASIL, 1988) somente podem ocorrer em situações excepcionais, destacando inclusive a necessidade de autorização judicial, nos termos do artigo 8º-A e respectivos parágrafos da Lei nº. 9.296/96 (BRASIL, 1996):

[...] No que toca à prova obtida por meio de gravação ambiental, diversamente da posição firmada na decisão agravada, entendo como clandestinas aquelas em que a captação e gravação da conversa pessoal, ambiental ou telefônica se dá no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores, implicando inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal.

Isto porque a tutela constitucional das comunicações pretende tornar inviolável a manifestação de pensamento que não se dirige ao público em geral, mas a pessoal ou pessoas determinadas. Consiste, pois, no direito de escolher o destinatário da transmissão.

Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral, o desestimulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral, resguardando assim a privacidade e a intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado.

Reuniões políticas privadas travadas em ambientais residenciais ou inequivocadamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações, com supressão de trechos, elaboração de sofisticadas montagens, trucagens cada vez mais sofisticadas viabilizadas por equipamentos moderníssimos que ao fim podem alterar completamente o sentido de determinadas conversas. [...] E uma vez realçado o respeito a eventual posição divergente, impõem-se destacar que a compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE nº. 583.937. (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 – Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal, sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5º, XII, parte final), ainda que também sob este enfoque guardemos reservas quanto à posição assentada.

Corroborando nosso entendimento, a Lei nº. 13.964/2019, que incluiu o artigo 8º-A e respectivos parágrafos à Lei nº. 9.296/96, deixa expresso que “para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:

I – a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e

II – houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.

Ainda – e sempre sob o prisma da investigação e instrução criminal – o § 4º do referido ar. 8º-A especifica que a “captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação”.

Nesse contexto, a consideração de que válidas as gravações aqui utilizadas seria questionável ainda que de instrução ou investigação criminal se cuidasse. No âmbito estrito de representação eleitoral sem vinculação penal, então, a ilegalidade é patente.

E tanto há distinção de enfoque que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli – Tema 979) afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, apta a instruir ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5º, incisos I e XII da Constituição da República [...]

A tese construída venceu por maioria apertada (4x3), tendo sido refutada pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Sérgio Banhos. Este novo entendimento passou a valer já para as eleições municipais que se realizaram em 2020.

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, no entanto, vinha se mostrando resistente a adoção do novo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral. Para as eleições de 2020, entendia a Corte Gaúcha que estando pendente o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, deveria prevalecer o entendimento pela legalidade da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, conforme se extrai do trecho do voto do Des. Gerson Fischmann, por ocasião do julgamento do Recurso Eleitoral nº. 0600412-08 (RIO GRANDE DO SUL, 2021):

[...]

Esta Corte também tem entendimento assentado de que a gravação ambiental pode ser usada como prova, desde que seja espontânea e registrada por um dos interlocutores.

Não desconheço que o pacote “anticrime” (Lei n. 13.964/19) introduziu o art. 8º-A na Lei 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, definindo que a captação ambiental deve ser efetuada por autorização judicial mediante requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.040.515, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, interposto em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME.

Assim, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova.

Todavia, considerando que ainda não houve julgamento da matéria, deve ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada, no sentido da licitude da prova.

Com essas considerações, afasto a preliminar.

[...]

Apenas em 07.12.2022, quando do julgamento do Recurso Eleitoral nº 0600245-27 (RIO GRANDE DO SUL, 2022), cujo relator foi o Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, a Corte Regional mudou de entendimento para adotar o posicionamento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, passando a considerar ilícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, consoante se extrai do excerto da ementa do acórdão:

[...]

2. Preliminar de ilicitude das gravações ambientais. 2.1. Esta Corte tem reconhecido a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro

p resente à conversa, sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, para as eleições de 2020. Matéria controvertida e pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, O Tribunal Superior Eleitoral tem mantido posição pela ilicitude de tais gravações. Assim, por razões de segurança jurídica e alinhamento ao decidido pela instância superior, altera-se, por prudência, o entendimento desta Corte para considerar ilícitas as gravações clandestinas contidas nos arquivos presentes nos autos. (RIO GRANDE DO SUL, 2022)

O bem fundamentado voto do relator, Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, se reveste de relevante alteração na jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, principalmente, diante da necessidade de conferir uma maior segurança jurídica alinhando às suas decisões ao posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, ao menos enquanto não houver decisão definitiva por parte do Supremo Tribunal Federal.

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Sobre os autores
Juliano Vieira da Costa

Advogado atuante na área de Direito Administrativo Sancionador e Direito Eleitoral, Especialista em Direito Eleitoral pela PUC-Minas. Instrutor do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RS. Autor do livro "Reflexões Sobre a Lei de Improbidade Administrativa - À Luz das Alterações pela Lei 14.230/2021" (Juruá, 2024).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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