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Inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 559/2007.

Exame de suficiência para a obtenção de registro profissional

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01/11/2007 às 00:00
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SUMÁRIO: 1) O projeto; 2) A inconstitucionalidade do projeto e do Exame da OAB; 3) As "Razões" e o "Lobby" da OAB; 4) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; 5) O Sofisma dos Dirigentes da OAB; 6) A Incompetência da OAB; 7) A Rejeição deste Projeto e o Fim do Exame da OAB: o Caos ou a Solução? 8) A Solução: o Exame do MEC; 9) Anexos.


1) O Projeto

Apresentado em março deste ano pelo deputado Joaquim Beltrão, do PMDB de Alagoas, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 559, que pretende autorizar todos os conselhos federais de profissões regulamentadas a submeterem a exames de suficiência, como requisito para a obtenção do registro profissional, todos os bacharéis, já diplomados pelas diversas faculdades e universidades.

Tentando justificar o seu projeto, disse o deputado que aos conselhos federais de profissões regulamentadas compete fiscalizar o exercício profissional e resguardar o interesse da coletividade, "registrando os profissionais que atenderem aos requisitos necessários para o desempenho das atividades, recebendo denúncias e reclamações dos usuários dos serviços prestados pelos profissionais registrados, e aplicando as punições pelo mau exercício da profissão."

No entanto, disse o deputado, a competência dos conselhos não se restringe ao trabalho executado pelos profissionais registrados, porque há também a fiscalização prévia, na medida em que compete aos conselhos conceder o registro aos profissionais que preencherem os requisitos que comprovam sua capacitação, e citou, nesse ponto, o Exame de Ordem da OAB:

"Um importante instrumento de fiscalização prévia foi colocado à disposição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pelo Estatuto da Advocacia. Trata-se do Exame de Ordem, através do qual a OAB pode comprovar a real capacitação do profissional, além da habilitação formal demonstrada com o diploma de conclusão do curso superior."

Concluindo o seu raciocínio equivocado, disse o deputado que o seu projeto "visa a estender aos demais conselhos de fiscalização profissional a ferramenta que a lei colocou à disposição da OAB, autorizando-os a exigir dos candidatos ao registro profissional a prévia aprovação em exame de suficiência, a ser regulamentado em provimento do conselho federal."


2) A inconstitucionalidade do projeto e do Exame da OAB

Esse projeto, do deputado Joaquim Beltrão, é redondamente inconstitucional, da mesma forma como é inconstitucional o Exame da OAB, e a sua inconstitucionalidade é tão óbvia, que fica muito difícil acreditar que os dirigentes da OAB, que defendem o seu Exame e que estão defendendo também esse projeto, não consigam entender as razões dessa inconstitucionalidade.

Diz o deputado, em sua justificativa, que cabe aos conselhos de fiscalização profissional efetuar "a fiscalização prévia, na medida em que compete aos conselhos conceder o registro aos profissionais que preencherem os requisitos que comprovam sua capacitação", e que isso deveria ser feito nos moldes do Exame da OAB.

Engana-se o deputado, no entanto, porque: 1) não compete aos conselhos efetuar essa verificação prévia; 2) os bacharéis, depois de receberem um diploma, de uma instituição de ensino superior fiscalizada e avaliada pelo poder público, através do MEC, devem ser registrados pelo seu conselho profissional, para que possam exercer a profissão, sem qualquer outra avaliação, porque o diploma comprova a sua qualificação profissional; 3) é o que afirma, com meridiana clareza, o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), verbis: "Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular". 4) o Exame da OAB é inconstitucional exatamente por isso, porque não compete à OAB julgar a qualificação profissional do bacharel em direito, que já se encontra certificada através de um diploma de conclusão do curso; 5) o Exame da OAB atenta contra a autonomia universitária e é, portanto, materialmente inconstitucional; 6) além dessa razão, o Exame da OAB é também inconstitucional porque atenta contra o princípio da isonomia, uma vez que é exigido apenas aos bacharéis em direito; 7) Finalmente, ele é formalmente inconstitucional, porque foi regulamentado por um provimento da OAB, e não pelo Presidente da República, conforme exigido pelo art. 84, IV, da Constituição Federal.

Mas, apesar de todas essas razões jurídicas, a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados já aprovou esse Projeto, argumentando, entre outras coisas, que "somente a lei poderá atribuir a outras entidades, que não escolas e faculdades, capacidade e legitimidade para dizer sobre a aptidão para o exercício dessa ou daquela profissão", o que não é verdade, absolutamente. Essa lei seria inconstitucional, como o é o Estatuto da OAB, nesse particular, por uma razão muito simples: a Constituição (art. 209, II) atribui essa competência ao poder público.

Mas é interessante que, ao mesmo tempo em que esses absurdos estão sendo decididos no Congresso Nacional, o Executivo entende de outra forma, como no caso do veto integral, do Presidente da República, ao projeto de lei que pretendia "dar nova redação ao art. 12 do Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, que cria o Conselho Federal de Contabilidade...", para criar um Exame de Suficiência.

De acordo com a Mensagem de Veto, com a criação de um Exame desses "o Estado estaria sinalizando que o curso de graduação, com formação média de cinco anos, é menos importante que um exame de aptidão, para o qual a aprovação, muitas vezes, requer apenas algumas horas de estudo".

Em outras palavras: o curso universitário e o diploma de nada serviriam, se o conselho profissional decidisse reprovar a grande maioria dos bacharéis...


3) As "Razões" e o "Lobby" da OAB

Mas os dirigentes da OAB, até esta data, não apresentaram qualquer razão jurídica em defesa do seu Exame de Ordem. Não foram capazes de contestar um só dos argumentos acima enumerados. Apresentaram, apenas, razões fáticas, ou de conveniência e oportunidade, porque, segundo eles, o Exame de Ordem é "um filtro necessário", devido à "proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade", ou devido ao "estelionato educacional" e às "escolas de enganação". É preciso, dizem eles, selecionar os bacharéis que poderão obter a inscrição na OAB, devido ao "número excessivo de cursos jurídicos" e devido à "saturação do mercado de trabalho da advocacia."

Outros, com um pouco mais de criatividade, alegam que os cursos jurídicos formam bacharéis, que somente se "transformarão" em advogados mediante a sua aprovação no Exame de Ordem. Esquecem, no entanto, que todos os cursos superiores formam profissionais liberais. São médicos, engenheiros, economistas, administradores e tantos outros, que podem exercer uma profissão liberal, sem a necessidade de que a sua qualificação profissional seja avaliada pelo respectivo Conselho. Ao menos por enquanto, se esse projeto não for aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República...

Todos os profissionais liberais, no Brasil, podem trabalhar, podem exercer a sua profissão, bastando para isso o diploma, conferido pela instituição de ensino superior e a inscrição no Conselho Profissional. Exatamente o direito público subjetivo, de liberdade de exercício profissional, cláusula pétrea, que há mais de dez anos vem sendo cerceado, exclusivamente para os bacharéis em Direito, e que agora se pretende cercear para todos os outros bacharéis, com o projeto, inconstitucional, do deputado Joaquim Beltrão. E, evidentemente, com o apoio dos dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil, que pretendem fortalecer a sua posição em defesa do Exame de Ordem, porque, se todos os bacharéis estiverem sujeitos, no Brasil, a um exame de suficiência, desaparecerá uma das razões jurídicas que provam a inconstitucionalidade do Exame da OAB, ou seja, a do desrespeito ao princípio constitucional da isonomia. A inconstitucionalidade, nesse caso, estaria atingindo a todos os bacharéis, sem qualquer discriminação.


4) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

De acordo com os artigos 2º, 43, II, e 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), qualquer bacharel está apto a exercer livremente a sua profissão liberal, bastando para isso que se inscreva no respectivo Conselho. Vejamos:

"Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

"Art. 43. A educação superior tem por finalidade:

II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;"

"Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular." (grifos nossos)


5) O Sofisma dos Dirigentes da OAB

Mais claro, impossível. Portanto, trata-se de um sofisma dizer que o curso de Direito forma bacharéis, que não podem exercer a advocacia, se não forem aprovados no Exame da OAB. O curso jurídico forma bacharéis em direito, que deveriam poder exercer a profissão liberal da advocacia, exatamente como acontece com todos os outros bacharéis, formados pelas nossas instituições de ensino superior; e, se hoje isso é impossível, é exatamente porque os bacharéis em Direito estão sendo tratados, pela OAB, como bacharéis desqualificados, que somente poderão exercer a advocacia se forem aprovados no inconstitucional Exame de Ordem. No entanto, não é o Exame que qualifica o bacharel, mas o ensino; e o diploma serve, exatamente, para atestar essa qualificação.

Mas os dirigentes da OAB insistem: o Exame de Ordem transforma, como em um passe de mágica, os pobres bacharéis que por acaso tiverem a sorte de passar no "funil" da OAB em venturosos advogados, que poderão obter a carteirinha da Ordem. Com essa pobre argumentação, repetida milhares de vezes na mídia, com todo o destaque que alguns latifúndios midiáticos costumam dar às causas de seu particular interesse, fortalecido ademais pela censura de toda e qualquer matéria que possa desagradar os dirigentes da Ordem, o Exame da OAB vem sendo mantido, levando assim à proliferação de cursinhos preparatórios, muitos deles mantidos pela própria OAB (Veja o cursinho da OAB/MA), e ensejando, também, as fraudes, que têm sido denunciadas em vários Estados, envolvendo dirigentes da própria OAB (GO, DF, AM, MA...).

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A respeito dos cursinhos preparatórios para o Exame de Ordem, temos a seguinte "pérola", já referida em artigo anterior:

"A Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/AL informa que estão abertas as inscrições para o Curso Preparatório para o Exame de Ordem que será iniciado no dia 20 de março. As inscrições podem ser realizadas na ESA, no horário comercial, na Praça Bráulio Cavalcante, n.º 60, Centro. Informações através do telefone 223-4845. Vale destacar que, das 50 pessoas que participaram do curso preparatório anterior, 45 obtiveram êxito e lograram aprovação nas provas do Exame de Ordem, exigido para o ingresso nos quadros da OAB". Fonte: http://www.ipm.al.org.br/colunaadv-2.htm

O que não poderia ocorrer, então, se fosse realmente aprovado o projeto de lei nº 559/2007, para criar exames de suficiência para todas as profissões regulamentadas? Talvez não seja muito difícil imaginar.

Ressalte-se, ainda, que os dirigentes da OAB defendem o seu Exame de Ordem, com aquela pobre argumentação, mas também criticam, reiterada e violentamente, o estelionato educacional, a proliferação de cursos de enganação, e o mercantilismo das instituições de ensino superior, insultando, gratuitamente, a toda a Academia, a todos os professores universitários, e especialmente aos donos de faculdades particulares – eufemisticamente, mantenedores -, que em sua grande maioria aceitaram, covardemente, todas essas críticas, e estão permitindo, cada vez mais, que os dirigentes da OAB se metam a ensinar ao MEC como avaliar e fiscalizar o ensino, e aos professores e dirigentes universitários o que devem fazer para ensinar direito o Direito. Em todas as seccionais da OAB, o "Movimento Ensinar Direito", coordenado pelas Comissões de Estágio e Exame de Ordem e de Ensino Jurídico, já está providenciando, nada mais nada menos, do que a análise dos planos de ensino, das grades curriculares, e do quadro de professores!!! (Vide a matéria: "FAIAD apresenta movimento Ensinar Direito na Paraíba").

Para os dirigentes da OAB, somente eles entendem de pedagogia, didática e metodologia do ensino superior! Aliás, eles afirmam, sem nenhuma cerimônia, que a excelência no ensino jurídico fez da ESA um modelo para o país (Vide a matéria publicada pela OAB/RJ).

Para completar o absurdo, não se pejam de defender a aprovação de projetos de lei como o do deputado Joaquim Beltrão, acima referido, como uma forma de tornar mais difícil a revogação do Exame da OAB e, também, para que não se possa alegar que ele fere o princípio da isonomia, ou seja: como seria possível justificar a existência de um exame, apenas para os bacharéis em Direito?


6) A Incompetência da OAB

Mas é evidente que não cabe à OAB comprovar a real capacitação do profissional, como afirmou o deputado Joaquim Beltrão, da mesma forma como não cabe a qualquer conselho federal de profissão regulamentada avaliar a qualificação profissional do bacharel, já diplomado por uma instituição de ensino superior. Qualquer lei nesse sentido será inconstitucional, porque estará descumprindo, frontalmente, a norma do art. 209 da Constituição Federal, verbis:

"Art. 209 – O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I-cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II-autorização e avaliação de qualidade pelo poder público."

É evidente, portanto, que devem ser cumpridas, em primeiro lugar, as normas gerais da educação nacional, ou seja, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cujos arts. 2º, 43, inciso II e 48, acima transcritos, dizem que a educação qualifica para o trabalho, que a educação superior forma diplomados aptos para a inserção em setores profissionais e que os diplomas provam a qualificação profissional.

Depois, a Constituição é muito clara, também, quando determina, no inciso II desse artigo, que a autorização e a avaliação de qualidade do ensino devem ser feitas pelo poder público, e não pela OAB, ou por qualquer outro conselho profissional.

É impossível, portanto, que alguém pretenda defender, juridicamente, o Exame da OAB.

São inaceitáveis, também, as justificativas simplórias e totalmente desprovidas de amparo fático, jurídico e legal, dos dirigentes da OAB, de que o Exame de Ordem seria "necessário devido a má qualidade do ensino jurídico no Brasil, ou para selecionar os bons profissionais" e de que a "universidade não forma advogados, mas sim bacharéis".


7) A Rejeição deste Projeto e o Fim do Exame da OAB: o Caos ou a Solução?

Ressalte-se que o fim do Exame da OAB não seria, necessariamente, o Fim do Mundo, como alegam os seus defensores. Não haveria, em nosso Foro, imediatamente, uma invasão de dois ou três milhões de bacharéis despreparados, como alegam os dirigentes da OAB. O Exame da OAB deve acabar, simplesmente porque é inconstitucional, e isso basta para derrubar qualquer alegação de que ele seria necessário e indispensável.

Não é possível que os dirigentes da OAB continuem defendendo semelhante absurdo, porque não existe qualquer possibilidade jurídica de que os fins justifiquem os meios.

Não é possível que os mais ilustres representantes da classe jurídica e os luminares da advocacia continuem defendendo a tese esdrúxula que permite à OAB desempenhar uma competência que não é sua, para aplicar um Exame francamente inconstitucional, sob todos os aspectos – material, formal e principiológico - e para anular o direito fundamental ao livre exercício profissional de milhões de bacharéis, sob os argumentos simplórios de que é necessário estabelecer um "filtro" de qualidade e de que o mercado da advocacia já está saturado.

Qualquer aluno do segundo ano de um de nossos cursos jurídicos conseguiria entender todas essas razões, com a maior facilidade. Até ordem em contrário, a Constituição deve ser respeitada. A não ser que o Conselho Federal da OAB decida, finalmente, apoiar o projeto de convocação de uma Constituinte, que deveria ter sido apreciado no mês de setembro, e não se sabe o que foi feito desse projeto, porque nada mais foi noticiado a respeito, no "site" da OAB...

Mas, até ordem em contrário, a Constituição deve ser respeitada, e de acordo com ela, compete ao poder público - ao MEC - fiscalizar e avaliar as instituições de ensino. Isso, aliás, deve começar no ensino fundamental, porque não é possível que se pretenda que as instituições de ensino superior possam corrigir todas as deficiências, para transformar analfabetos funcionais em estudantes de Direito. Ou de medicina, engenharia, etc. A culpa não é só da proliferação das instituições de ensino superior de baixa qualidade, nem do reduzido nível sócio-econômico de nossa população...

Todas as pesquisas e estatísticas já divulgadas, na área da educação, demonstram que o problema começa no ensino fundamental e continua no ensino médio, que dependem mais diretamente dos Municípios e dos Estados. É preciso melhorar o desempenho de todo o nosso sistema educacional, e essa é, exatamente, a missão do MEC. Houve, na última década, um aumento bastante significativo na universalização do sistema, no acesso dos jovens à educação, o que corresponde, aliás, aos objetivos declarados em nossa Constituição, mas é preciso que se garanta, também, a qualidade. Não é possível, porém, sob o pretexto de exigir qualidade, negar ao povo brasileiro o direito à educação, garantido pela Constituição Federal, em seu art. 6º.

Ou seja, em síntese: é preciso que o sistema educacional funcione de modo a garantir ao maior número possível de brasileiros, na medida do possível, uma educação de qualidade, que se deve procurar sempre aperfeiçoar, como um instrumento indispensável de mobilidade social e para que se concretize o objetivo – talvez utópico - de redução das desigualdades sociais, oferecendo a todos a oportunidade de gozar dos direitos da cidadania.

Quanto à educação superior, especificamente, observa-se que, mesmo com o aumento de matrículas dos últimos anos – que os dirigentes da OAB denominam "proliferação de cursos de baixa qualidade -, o Brasil ainda está ao lado do Haiti, com apenas 10% dos jovens na universidade. É isso que os dirigentes da OAB pretendem? Restringir ainda mais o acesso ao ensino superior?

Portanto, é preciso ressaltar, uma vez mais, que a nossa Constituição garante, como um dos direitos fundamentais, o direito à educação, indispensável como se fosse uma vacina contra a exclusão social e como um importante instrumento para a redução de nossa enorme desigualdade social. Educação de qualidade, porém. Não a que tem sido disponibilizada pelas instituições públicas, que vêm sendo abandonadas pelo Governo, há vários anos, ou pelas instituições privadas, que têm sido geridas, muitas delas, exclusivamente com o intuito de lucro, sem qualquer responsabilidade social. A educação brasileira é considerada, pelos organismos internacionais, como uma das piores do mundo.

A propaganda oficial, divulgada pela mídia e regiamente remunerada com o dinheiro dos nossos tributos, confirma: todos têm direito à educação de qualidade. Não é essa a realidade, porém, e todos sabem disso. A conseqüência, evidentemente, é sempre a mesma, porque os únicos penalizados são sempre os estudantes, ou os bacharéis, no caso do ensino superior, que depois não conseguirão ingressar no mercado de trabalho, por absoluta falta de qualificação profissional, ou pelo simples fato de que foram reprovados em um desses "exames", destinados a anular o diploma de uma instituição de ensino superior.

Ao mesmo tempo, o Governo Federal promete que, até 2.010, o Brasil terá 30% dos jovens na Universidade, exatamente o índice atual da Argentina. Hoje, o Brasil tem apenas 10% dos jovens na Universidade, um dos piores índices de toda a América Latina, equiparando-se apenas ao do Haiti, conforme já observado. Se for aprovado esse projeto, do deputado Joaquim Beltrão, é possível que, nos próximos anos, 80% de todos os bacharéis formados pelas nossas Universidades sejam reprovados, nos "exames de suficiência", aplicados pelos seus conselhos profissionais – que são aproximadamente quarenta -, e fiquem impedidos de trabalhar, dentro de sua profissão liberal. Para quem precisa ampliar o acesso à educação, como única forma de combater a exclusão social, esse é, realmente, um tremendo paradoxo!!!

Evidentemente, tudo isso não passa de um grande absurdo e de uma enorme arbitrariedade, que atinge direitos constitucionais fundamentais, que deveriam ser assegurados pela nossa ordem jurídica e pelos nossos poderes constituídos, porque de acordo com a Constituição Federal, que se supõe deveria ser respeitada, especialmente pelos dirigentes da OAB, somente a Faculdade e o MEC podem reprovar o acadêmico. E nunca é demais lembrar: de acordo com o art. 44 do seu Estatuto, a OAB tem por finalidade defender a Constituição.

É um absurdo, portanto, que o bacharel em Direito, já diplomado por uma instituição de ensino superior, seja impedido de exercer a advocacia, pelo Exame inconstitucional da OAB; da própria OAB, que deveria defender a Constituição e, especialmente, o respeito ao direito fundamental do livre exercício profissional, que é cláusula pétrea, não podendo ser revogado nem mesmo por uma emenda constitucional, e muito menos por um simples provimento do Conselho Federal da OAB, que "regulamentou" o Exame de Ordem.

Mais absurdo ainda seria que, na hipótese de ser aprovado esse projeto, todos os bacharéis, já diplomados por uma instituição de ensino superior, no Brasil, ficassem sujeitos à reserva de mercado, aplicada pelo seu conselho profissional, nos moldes da que já é praticada pela OAB.

Para que serviriam, então, as universidades e as faculdades? Onde estaria a autonomia universitária? Restaria, por acaso, algum microscópico resquício da liberdade acadêmica? Caberia aos conselhos profissionais, finalmente, determinar a grade curricular e a programação de ensino das instituições de ensino superior? Caberia aos conselhos profissionais indicar os professores que poderiam lecionar em nossas faculdades? Ou, ainda, caberia aos conselhos profissionais determinar quais os professores que deveriam ser demitidos por essas faculdades? Melhor seria, nesse caso, que fossem todas as universidades e faculdades sumariamente fechadas, e que o ensino superior passasse a ser ministrado pelos próprios conselhos profissionais. Como, aliás, já está sendo feito pela OAB, através de sua rede de Escolas Superiores da Advocacia, que já ministram, até mesmo, cursos de pedagogia para professores de Direito, conforme acima referido!

O projeto do deputado Joaquim Beltrão, que tomou os moldes do Exame da OAB, não deve ser aprovado, portanto. Ele é absurdamente inconstitucional e inteiramente contrário ao interesse público.

O próprio Exame da OAB deve acabar, embora os seus dirigentes digam que, sem o Exame, a Justiça brasileira estaria inviabilizada, porque existem, hoje, dois milhões de bacharéis despreparados – alguns dizem que são três, ou quatro milhões -, que iriam requerer, imediatamente, a sua inscrição como advogados. Seria o caos, segundo eles.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 559/2007.: Exame de suficiência para a obtenção de registro profissional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1583, 1 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10601. Acesso em: 26 abr. 2024.

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