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A presença do réu e seu defensor para estabelecer o contraditório no processo penal

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Sumário: Introdução. 1. Sistema acusatório e seus princípios. 2. O Réu e seu Defensor. 3. A necessidade garantista de "contraditório material". 4. Conclusões.


Introdução

O Brasil tem incorporado em seu Texto Maior garantias fundamentais que servem para nortear os cidadãos contra investidas injustas e arbitrárias das autoridades públicas. No âmbito do processo penal, três delas se revelam imprescindíveis: o contraditório, a ampla defesa e a igualdade de partes (ou par conditio). Em verdade, são as relevantes expressões do Estado Democrático de Direito, muito embora, a praxe forense revele que estas garantias têm existido formalmente, não sendo cumpridas plenamente, em muitos casos.

É temerária a perpetuação deste desrespeito, não obstante adotemos um modelo acusatório, em que se presume a condução de um processo mais democrático, livre dos vícios de outrora.. Como assevera Afrânio Silva Jardim(1) estes pisoteamentos dos princípios afetam e muito a estrutura do sumário, comprometendo a existência material das garantias constitucionais.

O modelo que adotamos para reger o direito processual é deveras evoluído, afasta o magistrado da persecuitio criminis - ao máximo que se pode, devido a outro princípio- abrindo vez para que as partes tenham espaço, e se possibilite uma verdadeira defesa. Contudo, há ainda no sistema penal brasileiro o inquérito policial, dita peça administrativa que tem como função informar o juízo, dar elementos para a Denúncia; porém, na realidade a autoridade policial, em muitos casos, se vale desta prerrogativa e do modelo inquisitório que adota este procedimento administrativo, retornando aos tempos negros da Santa Inquisição - somente dispensando a fogueira em praça pública. Tanto o é que há uma vontade de que o inquérito seja fiscalizado pelo Parquet, a quem deverá verificar se as provas obtidas são suficientes para ensejar a propositura da Ação Penal e se foram obtidas de maneiras lícitas(2) (3).

Portanto, conforme exposto verifica-se que há uma necessidade de se delinear onde começa o contraditório no Processo Penal, para assim estabelecer a igualdade de partes e a ampla defesa, que prevê o Estatuto Maior. A efetiva garantia destes direitos é urgente, aliás, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos e Ives Granda Martins, "o direito ao devido processo legal é mais uma garantia do que propriamente um direito"(4), o que torna imperativo a sua existência de fato. Finaliza Eduardo Couture- com maestria-, citado pelos autores, afirmando que sendo tutelado o processo na Lei Maior fica "vedada qualquer forma que torne ilusória a garantia materializada na Constituição" (5).

Um dos maiores empecilhos para um efetivo processo penal democrático são as desigualdades sociais que tem o Brasil, pois, afetam diretamente à Justiça Criminal. A estrutura judiciária montada não é suficiente para dar a assistência necessária aos cidadãos acusados, o que termina pode incidir em não-garantismo pleno.


1. O SISTEMA ACUSATÓRIO E SEUS PRINCÍPIOS.

O Código de Ritos Penais traz consigo todos os passos necessários que compõem o iter processual, desde o despacho ordenando a citação do acusado até o início real do processo com o interrogatório do acusado. Citado o mesmo já deve buscar um advogado para preparar sua defesa, materializando assim as aludidas garantias, se preso estiver deverá indicar algum ou esperar a nomeação de um defensor pelo Juiz.

Por isto o sistema acusatório dá amplitude de defesa, tendo cada parte uma oportunidade igual, a acusação denuncia trazendo ao feito as provas que comprovam a culpa do acusado, e por seu turno este -intermediado por seu advogado(6)- oferta o seu rol de provas para combater a tese ministerial. Também, na apreciação de provas e apresentação das mesmas, não podendo haver, como no sistema anglo-saxão, o surgimento de provas sem prévio conhecimento desta pelo ex adversus. Como se infere estes princípios possibilitam o equilíbrio da relação processual, tornando o processo mais democrático. Temos que observar que não são princípios do réu, e sim do Direito Processual, pois para este "da mesma forma que não serve aos interesses sociais a absolvição de um culpado, jamais poderá interessar ao Estado a condenação de um inocente" (7), como se nota, a postura de Defesa Social também compõe este ramo do Direito. O interesse maior do Estado é de zelar pela boa prestação jurisdicional sem causar males aos que não infringiram a lei, em tese.

Fica claro que o mesmo direito que assiste ao acusado, tem o acusador, e a função é de "ser meio efetivo para realização de justiça" (8). E para se poder atingir este objetivo há que se proporcionar todas as formas de defesa ante uma acusação formal, respeitar as garantias, em instante algum a repressão e supressão de direitos se faz útil. Nisso o contraditório exsurge como indispensável ao feito processual, pois "é forçoso reconhecer que, por tal princípio, reflete-se um dever ser que reclama (exige) a dialética do processo de partes, ou seja, o diálogo entra acusação e a defesa, perante um juiz imparcial" (9).

Então, é ideal o sistema acusatório porque se busca a verdade dos fatos para que não se puna algum inocente, nem se liberte algum culpado. Nem sempre este anseio se reflete, mas é melhor a repressão da inquisição, onde a defesa é nula.


2. O RÉU E SEU DEFENSOR

Uma das condições necessárias para o prosseguimento da ação penal é a existência da Defesa Técnica, realizada por profissional habilitado. A autodefesa é permitida até o interrogatório, contudo, é inválida ao longo do processo, ao menos se o acusado for habilitado; porém, na prática muito pouco se vê. A defesa técnica é indispensável, afirma Ada Pellegrini Grinover que é "mais do que uma garantia, é condição de paridade de armas, imprescindível à concreta atuação do contraditório e, conseqüentemente, à própria imparcialidade do juiz" (10).

Para que se tenha a verdadeira existência do princípio do contraditório é mister que haja contato entre réu e seu defensor. Inclusive, até antes mesmo de seu interrogatório. O mesmo deve ser assistido por profissional para orientá-lo devidamente, informá-lo da situação que se encontra perante o juízo. O art. 5º, inc. LXIII, da CF/88, assegura ao preso assistência ao advogado, e a toda pessoa submetida ao interrogatório, o que impulsiona a seguinte conclusão : para que se tenha perfeito o contraditório, sem prejuízo para a defesa, deve estar o réu acompanhado de seu advogado- seguimos mais adiante, deve ter prévio contato antes mesmo desta audiência- seja na Polícia como em Juízo.(11)

Outro fator relevante é o exposto no artigo 366 do CPP, a suspensão processual no caso de ausência do réu quando citado for por edital. A nova redação conferida pela lei 9.271/96, alterou o artigo, passando a dispor que se não for encontrado o réu, o processo é suspenso até que o encontre. O prazo prescricional é suspenso assim que decretada a revelia. Nesta nova postura legal somente aqueles crimes cometidos após a promulgação da lei estão sob sua égide(12), a suspensão do prazo prescricional se dá em virtude de dispositivo constitucional, pois a Defesa é favorecida com a suspensão do processo. Diz a Profa. Grinover que "o confronto entre o poder punitivo do Estado e o direito de liberdade do cidadão, deve ser feito em termos de equilíbrio, assegurada a efetiva paridade armas" (13). Exatamente seguindo esta orientação se posiciona a lei, não deixa a acusação desprevenida com a suspensão do prazo prescricional, dá à Defesa a suspensão do feito processual.

Esta lei foi inspirada por razão constitucional, era injusto julgar-se alguém sem que tivesse ciência, é distinto do réu que é devidamente intimado, comparece, e desaparece. Também, há de se notar que se o acusado nem mesmo aparece para ser julgado, quiçá para cumprir a pena, melhor é suspender o feito processual para uma melhor apreciação e mais justa(14).

Portanto, como se pode ver é imprescindível a garantia do contraditório, para que sejam balanceadas as forças das partes, não basta somente que se apresente perante o Juiz e relate, mesmo sendo aquele imparcial, deve estar acompanhado de seu advogado para que realmente se tenha estabelecido no processo o contraditório. O simples depoimento desacompanhado, ao nosso ver, não significa que o réu teve seu respeitado sua garantia constitucional.

No Brasil, como a maioria dos acusados da Justiça Criminal são de baixa renda, não tendo condições de arcar com honorários advocatícios, estes sofrem muito com o desrespeito de suas garantias. Infelizmente, há uma falta de estrutura para prover este serviço, a defesa técnica, o acusado é interrogado, não tem advogado, é nomeado o Defensor Público- quando existe na Comarca- e este só tem contato com aquele no dia da próximo audiência. Ora, há contraditório nesta hipótese? E a igualdade de armas? Fica patente que não, daí pensarmos que só dever-se-ia considerar o contraditório quando presente o defensor do acusado no seu interrogatório.

Soa com sandice, mas, em verdade, fica difícil patrocinar a defesa de alguém se não se tem contato com a mesma, por isso, assim que o réu, ainda indiciado fosse denunciado, deveria o Juiz de Direito, em não tendo advogado constituído pelo acusado, oficiar à Defensoria Pública ou nomear Defensor dativo para o interrogatório. Nesse sentido, Heráclito Mossin se posiciona afirmando que "não só incumbe ao magistrado velar pela observância do contraditório, como também verificar a igualdade dos sujeitos que se defrontam dentro da relação jurídico-processual" (15).

O eminente Promotor de Justiça Afrânio Silva Jardim ciente desta falha, revela o sublime desejo de que "conjugando o interesse privado do réu e o interesse público que informa todo o processo penal, impõe-se que o constituinte obrigue a criação de defensorias públicas por parte da União e em todos os Estados, para atuarem em todos os graus de jurisdição" (16). De fato, um desejo compartilhado por todos, mas longe de ocorrer.

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Destarte, deve-se seguir na batalha pela mantença dos direitos do réu de ser devidamente defendido, para consolidar o due process of law e os seus princípios constituidores sustentado na CF/88. Para se ter o contraditório no processo, deve o acusado estar previamente acompanhado de seu defensor, e não tê-lo nomeado após o interrogatório.


3. NECESSIDADE GARANTISTA DE UM "CONTRADITÓRIO MATERIAL".

Como fora exposto nos tópicos anteriores os princípios da ampla defesa, par condicio, e contraditório- os principais analisados aqui- são para o cidadão garantias constitucionais. Dentro desta ótica, em momento algum, poderiam deixar de se fazer presentes no processo penal. Porém, a prática não demonstra isso, na maioria dos casos.

"De ato, de nada servem declarações de direitos fundamentais estabelecidas ao nível mais alto dos ordenamentos se a sociedade não dispuser de mecanismos capazes de torná-los efetivos" (17). A postura ante o quadro a atua deve ser emergente, a crise que ultrapassa o sistema judiciário deve ser combatida com a diminuição do seu poder, e a efetivação das garantias do cidadão. A luta no âmbito do processo penal deve ser no sentido de se fazer mas vivo o contraditório, que é a melhor forma de apurar a verdade do fatos em apreço.

Outro aspecto que deve ser adotado é a fiscalização efetiva e repulsa do MP das provas obtidas por meio de violência e ilícitos, já que estas violações do direito do acusado geram processos "montados", e totalmente nulo. Faz-se crítica em relação à postura de condenar-se à base de indícios colhidos na fase preliminar(18) e não na instrução processual. Como se denota nesta situação não há formas de defesa e inverteu-se a presunção de inocência para a presunção de culpa, onde o réu deve provar que não tem culpa.

O sistema garantista parte da noção meta-teórica dos direitos fundamentais do cidadão, da anterioridade de sua existência e da sociedade em relação ao Estado- que produto daqueles e deve lhes servir, e não o contrário(19). Então, deve-se garantir o pré-estabelecido, retirando assim o poder repressivo do Estado, mais relevante na questão criminal. Nesse sentido, o direito fundamental é explicitado e positivado na constituição, o contrato social escrito, e deve se impor, independente da vontade da maioria.

Luigi Ferrajoli, citado pelo argentino Grabiel Anitua, assevera que "El contradictorio, de hecho, consiste en la confrontación pública y antagónica, en condiciones de igualdad entre las partes. Y ningún juicio contradictorio existe entre partes que, más que contender, pactuán entre en condiciones de desigualdad" (20). Como se nota para êxito do garantismo é mister que o sistema seja amplo à defesa e contraditório, nunca deve-se optar por vias que fujam destas características. A defesa é instituto consagrado, e a dialética no processo também, não devendo ser esquecidas, como se pode observar a existência do contraditório no sumário deve ser perene.

Novamente, Sérgio Cademartori e Marcelo Xavier, afirmam que "os direitos fundamentais se constituem na garantia social da ação de todos para assegurar a cada um seu usufruto, na garantia externa "extrajurídica" dos direitos fundamentais" (21). O que enseja que o Sistema Garantista depende das lutas individuais e coletivas de cada vez mais direitos a serem tidos como fundamentais e garantidos. Para tal, é mister que se mantenham os existente hoje, o que conforme exposto não vem se realizando.

A simples inclusão do contraditório no texto constitucional não é razão de comemorações, contudo, a sua materialização no cotidiano forense é sinal de mudanças na sociedade brasileira.


4. Conclusões

Portanto, ficou demonstrado que é importante para assegurar os direitos fundamentais, em especial aqueles atinentes ao processo penal, que se lute contra as "praxes" que são anti-garantistas, fruto de desleixo e má vontade social. O contraditório deve ser desenvolvido plenamente para que se tenha um processo efetivo e válido, desde o primeiro contato réu-defensor, antes de que o primeiro tenha sido exposto aos do próprio Juiz, para assim estabelecer a existência do contraditório- assim, por conseguinte, a presença dos demais princípios está assegurada.

Ficou evidenciado que a igualdade de direitos, na seara penal, entre distintas classes não existe, em que pese a CF/88 afirmar o contrário. A materialização destas garantias é a meta a ser perseguida, pois a alteração no panorama atual do Brasil só ocorrerá quando sobrevierem do mundo ideal à realidade aquilo que está perpetrado como direito fundamental do cidadão brasileiro. Porém, somente com a luta dos que formam a sociedade pode-se fazer isso.

Na seara processual penal ficou exarado que somente poderá ser considerado perfeito o sumário em que houver a constatação do contraditório, de outra forma, temos nulidade. E, só quando o réu se faz acompanhado de seu defensor desde o primeiro instante, têm ratificado o tal princípio.


NOTAS

  1. JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, pg. 42, "(...) a garantia real do contraditório pressupõe uma igualdade substancial das partes. A igualdade meramente formal das partes acarretará o comprometimento do contraditório"
  2. JARDIM, Afrânio Silva, Ob. Cit., pg. 333.
  3. GRINOVER, Ada Pellegrini, CINTRA, Antônio Carlos de A. e DINARMARCO, Cândido R., Teoria Geral do Processo, pg. 83, "As provas ilícitas são consideradas inadmissíveis, portanto, inultilizáveis no processo"
  4. BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Granda. Comentários à Constituição, v. II, pg. 261.
  5. BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Granda. Ob. Cit., pg. 260.
  6. Não obstante a autodefesa seja consagrada nos Pactos Internacionais, acatados pelo Brasil inclusive, o CPP prevê que deve ser assistido o Réu de profissional para fazer sua Defesa Técnica.
  7. JARDIM, Afrânio Silva. Ob. Cit., pg. 326
  8. GRINOVER, Ada Pellegrini, CINTRA, Antônio Carlos de A. e DINARMARCO, Cândido R., ob. Cit., pg. 37.
  9. COUTINHO, Jacinto Nelson M. de Miranda. "Introdução aos princípios gerais do direito processual penal brasileiro", pg. 11.
  10. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Fernandes e GOMES FILHO, Antônio M. As Nulidades no processo penal, pg. 77
  11. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Fernandes e GOMES FILHO, Antônio M., ob. Cit., pg. 82/83.
  12. JESUS, Damásio E. de. "Revelia e Prescrição penal", Revista Consulex, ano III, n. 17, pg. 35 a 37.
  13. GRINOVER, Ada Pellegrini. "Lineamentos gerais e um novo processo pena na América Latina", Ciência e Política Criminal em Homenagem a Heleno Fragoso, pg. 43.
  14. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio F. e GOMES FILHO, Antônio M., Ob. Cit., pg. 103;
  15. MOSSIN, Heráclito A., Curso de Processo Penal, v. I, pg. 50/51
  16. JARDIM, Afrânio Silva. Ob. Cit., pg. 326.
  17. CADEMARTORI, Sérgio e XAVIER, Marcelo Coral. "Apontamentos iniciais acerca do garantismo", Boletim do ITEC, ano I, n.04, pg. 01.
  18. Tal praxe ocorre porque nesta fase há ausência do contraditório, estando o INDICIADO à mercê da autoridade policial
  19. CADEMARTORI, Sérgio e XAVIER, Marcelo Coral. Ob. Cit., pg. 4
  20. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Pg. 748. Citação feita pelo autor no artigo "En defensa del juicio - Comentario sobre el juicio penal abreviado y el arrepentido". IX Congreso Iberoamericano y IX Latinoamericano de Derecho Penal y Criminología. Pg. 42/43
  21. CADEMARTORI, Sérgio e XAVIER, Marcelo Coral. Ob. Cit., pg. 6

BIBLIOGRAFIA

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Sobre o autor
Milton Jordão de Freitas Pinheiro Gomes

acadêmico de Direito na Universidade Católica do Salvador (UCSal), estagiário, coordenador do Núcleo do ITEC/BA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Milton Jordão Freitas Pinheiro. A presença do réu e seu defensor para estabelecer o contraditório no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1061. Acesso em: 23 dez. 2024.

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