Artigo Destaque dos editores

Privatividade, imagem e segurança pública

Exibindo página 3 de 3
12/11/2007 às 00:00
Leia nesta página:

8 CONCLUSÕES.

Se bem que alguns dos questionamentos anteriores podem ter sido solvidos em maioria no transcorrer do artigo, ainda creio na reflexão a título de conclusão.

O homem será sempre a sua sociabilidade, mas também, é essencialmente sua íntima individualidade, o seu mistério espontâneo, e mesmo involuntário. Sua tendência social, desde a profissional, à cívica, à cultural etc., efetiva o homem, imprime-lhe significado histórico, dignidade; por outro lado, sua privatividade e imagem são oásis amplamente ricos de história humana dignificante. O ponto principal da dificuldade é a articulação dialética entre esses dois contextos, o público e o privativo.

Impressiona notar que a técnica reservada a garantir o maior tempo disponível para que os homens possam, efetivamente, participar do mundo da cultura, institua uma cultura sem o homem, sem os seus ideais e sem os seus direitos fundamentais – efeitos da cibernética.

Perseguem-se o lucro, o emprego de novas tecnologias quanto mais velozes para que não sejam superadas; deixa-se o individual e se passa ao coletivo no qual importam a empresa, a instituição, em vez da pessoa.

Instalar um sistema de vigilância totalitário (contrariando nosso Estado Democrático de Direito) o qual prive o ser humano de sua natural tendência à sociabilidade trata-se, ainda uma vez, da aplicação da regra da proporcionalidade, isto é, não se pode violar a privatividade que, em princípio, é intangível, salvo a inevitável necessidade de consecução de um bem diverso à própria privatividade e imagem.

Portanto, a vigilância eletrônica deve ser objeto de legislação específica que preveja as hipóteses de aplicação, a forma de sua utilização, a preservação das imagens gravadas, a disciplina de seu uso, guarda e destruição (não cansarei de repetir), sempre sob o escopo de ensejar cautelaridade, exigindo, ao menos, a probabilidade de lesão a bem jurídico para a sua atuação, em vez de total e indiscriminada incidência.

Como preleciona Miguel Reale (1996, p. A2), o Estado Democrático de Direito é um tipo de Estado, cujo ordenamento jurídico é produto de um emaranhado de relações entre partes e o todo e vice-versa, num sistema unitário, visando a atender, ao mesmo tempo, o que há de peculiar nos indivíduos e nas associações, assim como os valores legitimados por todos, na qualidade de condição de realização da comunidade concreta.

Por todo o exposto, ressalte-se que devemos primar pelo espírito constitucional, que não é o ideário patrimonial, mas a nova ordem de compreensão do real papel ocupado pela pessoa humana em suas relações; então teremos a diretiva fundamental para administrar a problemática discorrida.

Caso, essas poucas palavras não tenham abrandado as incertezas que se (im)põem, reflitamos serenamente sobre a célebre mensagem de Kierkgaard (além do insigne pensamento kantiano epigrafado): "... pois o homem é um ser tal que sua felicidade, sua realização, é uma porta que abre para fora; quem a força para abrir para dentro, emperra-a" (apud Luiz Jean Lauand, 1997, p. 12).


9 REFERÊNCIAS.

ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. BARROSO, Luís Roberto, (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. BARROSO, Luís Roberto, (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

_______________________. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade: critérios de ponderação, interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. In: Revista trimestral de direito civil, TEPEDINO, Gustavo, (org.), Rio de Janeiro: Padma, ano 4, vol. 16, out/dez de 2003.

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 6ª ed./ atualizada por Eduardo Carlos Bianca Bittar, 2003.

BORGES NETTO, André L.. A publicidade estatal. In: Revista de direito constitucional e internacional, caderno de direito constitucional e ciência política. ed. Revista dos Tribunais. CARVALHO FILHO, Carlos Henrique de, (resp.), ano 9, n. 35, abr/jun de 2001.

CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

Código Civil. Anne Joyce Angher, coordenação – 6ª ed. – São Paulo: Rideel, 2006.

Código Penal. Anne Joyce Angher, coordenação – 6ª ed. – São Paulo: Rideel, 2006.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Anne Joyce Angher, coordenação – 7ª ed. – São Paulo: Rideel, 2006.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. O Direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1995.

DINIZ, Rivanildo Pereira. A proteção constitucional da vida privada e da reparação do dano moral. In: Revista dos tribunais, caderno de direito constitucional e ciência política do instituto brasileiro de direito constitucional. CARVALHO FILHO, Carlos Henrique de, (resp.), ano 7, n. 29, out/dez de 1999.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. RAMALHETE, Raquel (trad.). Petrópolis: Vozes, 24ª ed.,1987.

KURZ, Roberto. Quem é o big brother? Disponível em <http:// www.pfilosofia.pop.com.br/03_filosofia/03_07_leia_tambem/leia_tambem.htm>. Acesso em 23 maio 2004.

LARANJA MECÂNICA. Direção, Produção e Roteiro: Stanley Kubrick. Intérpretes: Patrick Magee; Adrienne Corri; Mirian Karlan; Malcolm McDowell e outros. Warner Home Video, 1971. 1 fita de vídeo (138 min), VHS, son., color. Baseado no livro de Anthony Burgess.

LAUAND, Luiz Jean. Ética e antropologia. São Paulo: Mandruvá, 1997.

LEONCY, Léo Ferreira. Colisão de direitos fundamentais a partir da lei estadual paraense n. 6.075/97. In: Revista de direito constitucional e internacional, caderno de direito constitucional e ciência política. ed. Revista dos Tribunais. CARVALHO FILHO, Carlos Henrique de, (resp.), ano 9, n. 37, out/dez de 2001.

NETTO LÔBO, Paulo Luiz. Danos morais e direitos da personalidade. In: Revista trimestral de direito civil. TEPEDINO, Gustavo, (org.), Rio de Janeiro: Padma, ano 2, vol. 6, abr/jun de 2001.

ORWELL, George. 1984. São Paulo: Nacional, 23ª ed., 1996.

PENTEADO, Jaques de Camargo. Sociedade vigiada. Disponível em < www.hottopos.com/notand2/sociedade_vigiada.htm> Acesso em 23 jun 2004.

PIMENTEL, Alexandre Freire. O direito cibernético: um enfoque teórico e lógico-aplicativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

REALE, Miguel. Globalização e crise da liberdade. In: O Estado de São Paulo, 10.08.1996, p.A2.

____________. Pluralismo e liberdade. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2ª ed., 1998.SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 22ª ed., 2003.

SANTOS, Antônio Claret dos. Big brother nas ruas do Rio. Disponível em:<www.pmmg.6rpm.mg.gov.br/noticia/exibir_noticia.asp?NoticiaID=2847> Acesso em 23 maio 2004.

SECRETARIA de Segurança Pública do Estado do RJ. Olho vivo – excerto da Revista Isto É on line em 11/09/2003. Disponível em < http://www.ssp.rj.gov.br/noticia.asp?id=11>. Acesso em 23 maio 2004.

SILVA CASTRO, Mônica Neves Aguiar da. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos. São Paulo: Renovar, 2002.

SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. Contornos atuais do direito à imagem. In: Revista trimestral de direito civil. TEPEDINO, Gustavo, (org.), Rio de Janeiro: Padma, ano 4, vol. 13, jan/mar de 2003.

STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAES, José Luis. Ciência política e teoria geral do estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2ª ed., 2002.

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. São Paulo: RT, 1993.

VIANNA, Túlio Lima. Cibernética Penal. Boletim do instituto de ciências penais, Belo Horizonte, a.2, n. 16, p. 4-6, jun. 2001.

www.planalto.gov.br

www.senado.gov.br

www.alerj.rj.gov.br

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Sadraque Oliveira Rios

serventuário de Justiça lotado na Vara do Júri, Execuções Penais, Tóxicos, Acidentes de Veículo e Delitos de Imprensa da Comarca de Feira de Santana (BA), bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIOS, Sadraque Oliveira. Privatividade, imagem e segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1594, 12 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10641. Acesso em: 19 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos