Por que é importante compreender atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023?
O Direito não é uma ciência isolada. Necessita o Direito de outras ciências como antropologia, sociologia medicina etc.
Antes de prosseguir, é necessário ter compreensão de que a delinquência não é o pensar diferente. Se assim pensarmos, podemos considerar que movimentos sociais contra a escravidão no Brasil, no Império, eram delinquentes em potencial. Podemos também considerar que movimentos sociais a favor da dignidade dos LGBTQI+ são delinquentes por quererem, por exemplo, "destruir" valores morais na sociedade de tradição judaico-cristã. Da mesma linha de pensamento, não podemos considerar que os cidadãos e as cidadãs em 08/01/2023 são potencialmente delinquentes. Temos, então, comunidades na sociedade brasileira reivindicando suas dignidades. Liberdade de crença, de culto, de viver como quiser (autonomia da vontade), viver sem os grilhões do Estado nas relações privadas (autonomia privada) etc. Nesses exemplos pode-se considera a dignidade humana como valor intrínseco a cada ser humano.
Quando se pensa em reintegração social de pessoa que cumpriu pena, qual a maneira de reintegrá-la na sociedade? Ou melhor, qual modelo psicossocial esperado pelas comunidades na sociedade? Sim, comunidades na sociedade. Já dá ideia de que há pluralidades de pensamentos sobre o viver humano. Cada comunidade possui os seus valores grupais. E mesmo dentro de cada comunidade há divergências. Não são todos os católicos clones, não são todos os evangélicos clones, não são todos os liberais clones. Há particularidades em cada pessoa ainda que pertencente a certa comunidade.
O momento histórico é importante para entender o que é crime, por exemplo:
O enorme contingente de pessoas libertas colocadas na rua, deixou as autoridades muito apreensivas pois entendiam que era uma balburdia, que era vadiagem e como tal deveria ser reprimida. Nasceu ai a lei da vadiagem, que atingia pessoas certas, os negros que estavam fora do mercado de trabalho em decorrência da pseudoliberdade que lhes havia sido concedida sem qualquer política reparatória ou de inserção. As negras que trabalhavam nos serviços domésticos na casa dos senhores, continuaram a fazê-lo, não mais na condição de escravas e passaram a ser o arrimo da família; quanto aos homens, não havia trabalho para todos. Está aí a origem do trabalho doméstico utilizado em grande escala ate os dias atuais. 1
A Lei da Vadiagem foi criada para impedir que os (possíveis) criminosos agissem. Se os negros já eram malvistos, por uma ideologia antietnia negra. Quantos aos povos indígenas no Brasil:
Por possuírem tradições religiosas e rituais que abordam as forças da natureza e os espíritos dos antepassados, os indígenas apresentavam visão cosmológica considerada inferior e profana pelos europeus, e, assim, não era tolerada. Aliás, a palavra religiosidade não era compreendida na Península Ibérica, e a certeza era a demonização de toda e qualquer manifestação religiosa acatólica. Nessa perspectiva, os Portugueses acreditavam que a conversão da população indígena ao Catolicismo era uma missão, e, como estratégias de conversão, utilizaram interdição de jesuítas e missionários no interior das aldeias. Com isto, muitas culturas indígenas desapareceram no Brasil; outras sobreviveram sob o domínio da catequese; e muitas outras sincretizaram seus ritos religiosos. Além da “desaculturação” dos costumes indígenas via catequese missionária cristã na tentativa de escravizar e de explorar a força de trabalho indígena, os colonizadores utilizavam outras estratégias de extermínio da cultura indígena, como a prática do escambo, o uso da violência, a transmissão de doenças, entre outros.2
Apesar de líderes religiosos — aparelho ideológico a serviço da paz — agirem em nome da paz comunal, a paz esperada é utilitarista, ou seja, uma cosmovisão do que seja moralmente aceito ou não. O Direito não consegue explicar, de forma a colocar um ponto final na questão, o que é moral ou imoral. Para alguns, o Direito é um aglomerado de normas (positivismo), para outros, o Direito deve possuir elementos morais (não positivistas). As normas sociais (gênero) possuem normas jurídicas normas morais (espécies). Podemos, categoricamente, dizer que a norma jurídica é distinta da moral? A formação de uma sociedade apenas se embasa na pura norma do Direito (positivismo)? Não!
Em cada cultura há ideologias, cada qual possui suas construções psicossociais por questões de topografia, qualidade do solo, disponibilidade de minerais, de animais não humano (para caça, aproveitamento do couro etc.), dos efeitos climáticos etc. A interpretação do Direito (hermenêutica) é a interpretação do fenômeno jurídico. Normas, como surgiram? Norma é a regra de conduta ou regulamento. Lei é sinônimo de texto legal aprovado pelo Poder Judiciário (federal, estatual ou municipal). Os comportamentos dos cidadãos são disciplinados por diversos instrumentos designados como norma, regulamento, decreto. Podemos tranquilamente considerar que o estado de direito é destinada a determinar o que se pode e o que não se pode fazer bem como o que se é obrigado a fazer. A expressão máxima de uma ordem jurídica encontra-se na Constituição Federal de 1988. Examinemos o texto da norma do Art. 5°, XLII , da CRFB de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
P or que o racismo é crime inafiançável e imprescritível? Por que o racismo não era crime no século XVII? Temos os fatores psicossociais formadores de normas. Vejamos um caso de racismo:
Para a construção da definição jurídico-constitucional do termo “racismo”, o Tribunal concluiu que é necessário, por meio da interpretação teleológica e sistêmica da Constituição, conjugar fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram a sua formação e aplicação. Apenas desta maneira é possível obter o real sentido e alcance da norma, que deve compatibilizar os conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos e biológicos. Asseverou-se que a discriminação contra os judeus, que resulta do fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas, é inconciliável com os padrões éticos e morais definidos na Constituição do Brasil e no mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o Estado Democrático de Direito (Habeas Corpus nº 82.424 - Diário da Justiça - 19/03/2004)
Destaco:
interpretação teleológica e sistêmica da Constituição;
conjugar fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram a sua formação e aplicação;
obter o real sentido e alcance da norma, que deve compatibilizar os conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos e biológicos.
Podemos considerar injusta a Lei da Vadiagem e justa a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto contra a negação do Holocausto Nazista (Habeas Corpus nº 82.424 )? Não se trata de teoria do Direito, mas da política de Direito. Os juristas não estão tão preocupados como a norma, mas as condutas dos cidadãos. As normas são expressões da cosmovisão de mundo: o que certo ou errado; fazer ou não fazer; ser obrigado a fazer ou não fazer.
O Direito é a realidade.
LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Validade do negócio jurídico. Poderia, no século XV, vender passagem para passeio no fundo do mar? Ou para além da estratosfera? Se a Lei fosse do século XV, o objeto, viajar para o espaço, é impossível. Logo, o Direito é a realidade das possibilidades para o ser humano. No entanto, a realidade não é a única que cria o Direito.
Karl Loewenstein, filósofo, político e constitucionalista alemão (1891- 1973), doutor em Direito Público e Ciência Política pela Universidade de Munique, foi um dos primeiros a identificar que as primeiras demonstrações do constitucionalismo podem ser encontradas na Antiguidade, primeiramente junto ao povo hebreu, máxime na conduta dos profetas, responsáveis por verificar se os atos do poder público eram compatíveis com o texto sagrado.
(...)
O povo hebreu reconhecia a existência de verdadeiros intermediários entre o Deus de Israel e os homens. O texto de Deuteronômio (Dt 18, 9-21) indica a quem devem acudir os israelitas para conhecer a vontade de Deus: ao profeta.
Na cultura hebraica, os governantes também estavam subordinados às leis sagradas. Havendo qualquer transgressão, os profetas apontavam-na. (MARTINS, 2019)
Há diversas religiões: budismo; xintoísmo, cristã, católica, judaica etc. Cada qual com uma interpretação de existência terrena. Como viver? O que comer? O que beber? Como se vestir? As relações entre cônjuges? As relações entre cidadãos. Disso, o Direito como construção dos valores humanos. Impossível desprezar os fatores ambientais e as tecnologias inventadas, aperfeiçoadas. O Direito é a representação dos anseios de cada comunidade (política, religiosa), o Direito é ciência. Como ciência, não despreza, e impossível desprezar, as outras ciências. Na Santa Inquisição, o Estado de Direito permitia os juízes sentenciar bruxas à morte. Atualmente é impossível qualquer juiz ou juíza sentenciar uma mulher, principalmente transexual, à morte na fogueira. Por quê? O rompimento do Estado com a religião. Desse rompimento, também a cisão entre Direito e religião. Os LGBTQI+ são vistos por algumas religiões, neste início de século XXI — judaico-cristã, islâmica —, como aberrações satânicas.
No Brasil, qual era a condição da dignidade de um negro? E se o negro cometesse o pecado da sodomia? Fato histórico:
O processo do negro Daniel traz à tona uma destemida e intensa conduta homoerótica (num ambiente inimaginável), quando não havia direitos humanos e a sodomia era um crime passível de morte na fogueira. Ademais, permite também conhecer a trajetória de um personagem intercontinental: vítima do “tráfico de almas” veio para o Brasil na condição de “mercadoria humana”. Em seguida, voltou a cruzar o Atlântico em direção ao temível Palácio do Rossio na condição de réu. Quanto ao seu crime, “assimilada” à heresia, o saber erudito e popular da Época Moderna afirmava que a sodomia despertava a ira de Deus e atraia os piores castigos sobre a humanidade. Punir exemplarmente os sodomitas era, portanto, uma maneira de preservar a população de supostos flagelos divinos. 3
A ideologia no Brasil império
Transcrevo importante fato histórico no Brasil :
Por outro lado, o universo da formação social do período colonial foi marcado pela polarização entre os imensos latifúndios e a massa de mão de obra escrava. Em tais condições, percebia-se a estreita conjunção entre a monocultura empregada nas fazendas visando à exportação e à sobreposição de relações sociais incrementadas tendo em conta a escravidão. Deste modo, a organização social define-se, de um lado, pela existência de uma elite constituída por grandes proprietários rurais, e de outro, por pequenos proprietários, índios, mestiços e negros, sendo que entre os últimos pouca diferença havia, pois sua classificação social era quase a mesma.
Para a exploração mais lucrativa dos latifúndios, a alternativa escrava era a que melhor serviria ao sistema porque, se fossem importados homens livres, estes poderiam tomar-se donos de um pedaço das terras devolutas que existiam em abundância; além disso, aos traficantes era lucrativo trocar “negros” por produtos tropicais que comercializavam na Europa. Há de se levar em conta que diante do fracasso da tentativa de escravizar os índios, os grandes proprietários assentaram seu poder econômico e social no incremento do tráfico de negros escravos .
(...)
Já no que se refere à estrutura política, registra-se a consolidação de uma instância de poder que, além de incorporar o aparato burocrático e profissional da administração lusitana, surgiu sem identidade nacional, completamente desvinculada dos objetivos de sua população de origem da sociedade como um todo. Alheia à manifestação e à vontade da população, a Metrópole instaurou extensões de seu poder real na Colônia, implantando um espaço institucional que evoluiu para a montagem de uma burocracia patrimonial legitimada pelos donatários, senhores de escravos e proprietários de terras. Com isso, desenvolveu-se, como lembra Antonio C. Mendes, um cenário contraditório de dominação política: “de um lado, a pulverização do poder na mão dos donos das terras e dos engenhos, seja pelo profundo quadro de divisão de classes. seja pelo vulto da extensão territorial; de outra parte, o esforço centralizador que a Coroa. impunha, através dos governadores-gerais e da administração legalista. A ordem jurídica vigente, no domínio privado ou público, marchará decisivamente no sentido de preeminência do poder público sobre as comunidades, solidificando uma estrutura com tendência à perpetuação das situações de domínio estatal”.
A aliança do poder aristocrático da Coroa com as elites agrárias locais permitiu construir um modelo de Estado que defenderia sempre, mesmo depois da independência, os intentos de segmentos sociais donos da propriedade e dos meios de produção.
(...)
O crescimento das cidades e da população aumentou os conflitos, determinando o alargamento do quadro de funcionários e autoridades da justiça. A organização judiciária, reproduzindo na verdade a estrutura portuguesa, apresentava uma primeira instância, formada por juízes singulares que eram distribuídos nas categorias de ouvidores, juízes ordinários e juízes especiais. Por sua vez, estes se desdobravam em juízes de vintena, juízes de fora, juízes de órfãos, juízes de sesmarias etc. A segunda instância, composta de juízes colegiados, agrupava os chamados Tribunais de Relação que apreciavam os recursos ou embargos. Seus membros designavam-se desembargadores, e suas decisões, acórdãos. Já o Tribunal de Justiça Superior, de terceira e última instância, com sede na Metrópole, era representado pela Casa da Suplicação, uma espécie de tribunal de apelação.
(...)
Na descrição de Stuart B. Schwartz, a administração real escolhia os futuros profissionais da justiça num extenso leque da sociedade portuguesa, com predominância de indivíduos de origem social específica. A grande maioria dos operadores jurídicos que vieram para o Tribunal da Relação da Bahia, entre 1609 e 1759, “eram de classe média, e sua presença no funcionalismo real refletia o uso que faziam da carreira de jurista como canal de ascensão social”. Naturalmente que, de todas as camadas sociais, a pequena nobreza (filhos de fidalgos) e o funcionalismo (filhos de fiscais, inspetores ou tabeliães) foram os que mais contribuíram, além de filhos e netos de letrados, para a composição de cargos profissionais na Justiça. Havia restrições aos descendentes de comerciantes ou negociantes, bem como aos cristãos novos e aos “impuros de sangue”, como os mestiços, mulatos, judeus, e outros.
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É indiscutível, portanto, reconhecer que no Brasil-Colônia, a administração da justiça atuou sempre como instrumento de dominação colonial.
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Nesta historicidade buscou-se, sobretudo, descrever o processo ideológico de formação do Direito e da Justiça oficiais ao longo da colonização do país, bem como sua interdependência com uma ordem institucional político-administrativa, marcada pela coexistência antagônica e conflitante de formas tradicionais (patrimonialismo) com procedimentos racionais (burocracia). As expressões “burocracia” e “patrimonialismo” foram não só tratadas, sociologicamente, por Max Weber, para designar fenômenos distintos, movidos por “princípios reguladores opostos”, como também foram empregadas, concomitante e hibridamente, para configurar o desenvolvimento de certa prática de organização política pré- moderna.
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Além das formas convencionais de administração da justiça, produzidas e mantidas pelo Estado no período da colonização, cabe aludir, no amplo cenário de procedimentos históricos legais e na determinante influência da Igreja Católica à época, a presença da justiça eclesiástica acolhida e resguardada pela Inquisição. Sabe-se que o Tribunal do Santo Ofício possuía um Regimento Interno, composto por leis, jurisprudência, ordens e regulamentos, sendo os crimes de maior gravidade aqueles considerados contra a fé e contra a moral e os costumes, prevalecendo métodos de ação como a “denúncia”, a “confissão”, a “tortura” e a “pena de morte” na fogueira. Em que pese nunca ter havido um Tribunal no Brasil, a Inquisição teve atuação marcante na Colônia com as chamadas Visitação do Santo Ofício. Ainda que se destacassem três tribunais em Portugal (Lisboa, Coimbra e Évora), sempre que necessário e nos casos de maior gravidade, os acusados brasileiros eram julgados pelo Tribunal Inquisitorial de Lisboa.
(...)
A Independência do país não encontrou adesão integral na antiga magistratura, pois enquanto alguns apoiaram a ruptura, muitos outros permaneceram fiéis à monarquia lusitana.
(...)
O exclusivismo intelectual gerado em princípios e valores alienígenas, que os transformava em elite privilegiada e distante da população, revelava que tais agentes, mais do que fazer justiça, eram preparados e treinados para servir aos interesses da administração colonial. A arrogância profissional, o isolamento elitista e a própria acumulação de trabalho desses magistrados, aliados a uma lenta administração da justiça, pesada e comprometida colonialmente, motivaram as forças liberais para desencadear a luta por reformas institucionais, sobretudo para alguns, no âmbito do sistema de justiça. Daí resultariam o processo de constitucionalização (Carta Imperial de 1824), a criação das faculdades de Direito (1827) e o primeiro código nacional de controle social (Código Penal de 1830) .
Infere-se, a sociedade é formada por uma ideologia, e esta influencia na política, nas relações sociais, na administração pública, nos Operadores de Direito etc. O Estado é a expressão dos anseios do povo — povo, um dos elementos do Estado; os outros são território e soberania.
Povo é critério de nacionalidade. São todos os brasileiros natos ou naturalizados. População é critério demográfico; são pessoas que habitam determinado país, no caso do Brasil não importa se brasileiro ou não. Cidadão é todo brasileiro que tenha capacidade de atuar politicamente como votar (capacidade eleitoral ativa) e/ou ser votado (capacidade eleitoral passiva). Por certas pessoas nacionais saem de seus países e vão para outros países? Fatores: econômico; refugiado; perseguição política; crise ambiental; guerra etc. Os motivos são amplos. Pode um cidadão cuja religião seja islâmica procurar asilo político em outro país com maioria católica. Nesse país, não há intolerância religiosa. O convívio com outras religiões é pacífico. O Estado é realmente laico.
A espécie humana possui os seus instintos. O mais proeminente é o de sobrevivência. Um Estado permite ingressos de refugiados. Os refugiados sabem da intolerância religiosa, contudo, a intolerância não resulta em homicídios à luz do dia. Os refugiados têm ciência de que serão marginalizados na sociedade, mas, mesmo assim, não serão mortos. É o preço a se pagar.
A compreensão dos atos antidemocráticos proporciona estudos comportamentais e, destes comportamentos, saber dos motivos. Acompanho as transmissões sobre os atos antidemocráticos. Assisti Reunião Ordinária 10H00 - CPI dos Atos Antidemocráticos - 28/09/2023, no canal da TV Câmara Distrital. Chamou-me atenção "Guerra Espiritual" citado pela depoente Ana Priscila de Azevedo.
É notório que os cidadãos e cidadãs correligionários de Jair Messias Bolsonaro fizeram menções sobre a "ameaça comunista". O próprio ex-mandatário da República (Jair Messias Bolsonaro) sempre acusou a esquerda, como sinônimo de comunismo, de querer destruir os valores religiosos de tradição judaico-cristã no Brasil. Os "bolsonaristas", assim chancelados, defendem costumes e valores como: a heteronormatividade; o pátrio poder; mandatário com poderes decisórios, um tipo de Poder Moderador para consolidação dos valores judaico-cristã. Israel foi representação máxima, pelos "bolsonaristas", de Terra Santa. É, para a democracia, ruim ou péssimo existir "bolsonaristas" ou "conservadores" — houve uma construção ideológica de que "bolsonaristas" são "conservadores" (nos costumes). Ser "conservador" é, nas palavras dos conservadores: "defender crianças da ideologia de gênero"; "não permitir a destruição da família tradicional"— a proibição da união homoafetiva e a proibição de adoção de crianças por casais homoafetivos; "impedir a destruição da masculinidade pelo feminismo"; " corretamente político contra a liberdade de expressão"; "ditadura do Supremo Tribunal Federal (STF)". Alguns exemplos.
Na questão do STF. Algumas decisões dos ministros, contramajoritários, como união homoafetiva, aborto de anencéfalo, aborto até o trigésimo mês de gestação etc., têm fomentado o "backlast". O fenômeno "backlast" é uma reação de algumas comunidades em relação às decisões do STF. Ora, se analisarmos bem, as decisões dos ministros e das ministras dos STF desagradam não somente os conservadores, mas também os liberais. Se pensarmos que os ministros e as ministras do STF devem agradar, sempre, um bloco ideológico, não há liberdade para os ministros e as ministras do STF em suas decisões. Serão tão somente marionetes a serviço de algum bloco ideológico.
Demonstração de descontentamentos contra decisões do STF estão, por exemplo, no PL 816/2021, na PEC 82/2019. Congressistas "conservadores" articulam entre si maneiras de "controlar o STF" por seu "ativismo judicial". Dizem os conservadores, "O STF usurpa poderes do Legislativo" e "Rasga a CRFB de 1988". As decisões no STF, pelo chamado "ativismo judicial", do próprio STF, para os conservadores (bolsonaristas), "Vai de encontro com os valores morais e tradicionais do povo brasileiro". Ora, como dito, se analisarmos bem, as decisões dos ministros e das ministras dos STF desagradam não somente os conservadores, mas também os liberais. Na questão do Marco Temporal, a decisão do STF desagradou o agronegócio. Outra decisão do STF, contramajoritária, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6764 sobre fechamento de atividades não-essenciais e o toque de recolher noturno em decorrência da Covid-19, em 2020. Para os liberais, na economia, o fechamento de atividades não-essenciais provocaria enormes prejuízos para o país.
Os eventos ocorridos no início do século XX, muito bem descritos pelo Senado Federal 4, mostra-nos aspectos peculiares sobre o comportamento humano. Tanto os acontecimentos na Gripe Espanhola e na Pandemia pela Covid-19 despertam estudos sobre ideologias (política, religiosa, econômica) e comportamentos diante de crises sanitárias. Também merecem estudos aprofundados pelos operadores de Direito, as ideologias (política, religiosa, econômica) influenciando decisões nos Tribunais, no Congresso Nacional, na Suprema Corte. Apesar de a CRFB de 1988 (lei fundamental) ser o documento norteador do ordenamento jurídico pátrio, como é possível constatar na História Brasileira, existe a "política do povo". A decisão política prévia, pelo povo ou autoridade (representante do povo), representa a Constituição. Quantos artigos existem na CRFB de 1988? Quantos brasileiros conhecem todos os artigos? E quais artigos conhecem? Por quais motivos e para quais intenções? Logo, a CRFB de 1988, como é possível depreender, é um conjunto de normas que representam o povo? Todavia, existem ideologias presentes no povo brasileiro. Podemos dizer "das existências políticas do povo brasileiro". E há várias existências políticas no povo brasileiro. Por isso, as decisões do STF, contramajoritárias, apesar de serem constitucionais, não encontram respaldos nas diversas ideologias do povo brasileiro. Temos a CRFB de 1988; temos existências políticas (ideologias) do povo. Disso, as representações dos interesses das comunidades na sociedade brasileira (art. 1º, parágrafo único, da CRFB de 1988) não são condizentes com CRFB de 1988.
Os brasileiros nos anos de 1964 a 1985 deram origem a CRFB de 1988. A Assembleia Constituinte de 1987 garantiu a decisão política para a confecção da CRFB de 1988. A CRFB de 1988 é a decisão política do povo brasileiro? A CRFB de 1988 não representa os anseios de todos os brasileiros. A CRFB de 1988 tem como princípio a dignidade humana, como objetivos da República, a solidariedade etc. Além disso, a responsabilidade social das empresas quanto ao meio ambiente, a dignidade dos consumidores. Ainda que seja uma comunidade, as tentativa de restabelecimento de comportamentos sociais como o casamento heteronormativo, o pátrio poder, a mínima interferência do Estado na economia (liberalismo clássico), ou nenhuma interferência do Estado na economia (anarcocapitalismo), fazem jus ao fenômeno "liberal na economia e conservador nos costumes".
Ferdinand Lassale (concepção sociológica da Constituição), compreendia a Constituição como uma expressão ideológica do povo. Assim, se o povo entende-se que a pena de morte deveria ser aplicada, mas a Constituição de 1988 não possibilita a pena de morte (Art. 5°, XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX), uma nova Constituição deveria ser criada. Uma Nova Constituição já foi cogitada tanto pela esquerda quanto pela direita. No Brasil, "esquerda" é considerado comunismo, enquanto "direita" é conservadorismo (anticomunismo).
Se em 2023 houve os atos antidemocráticos provocados pelos "bolsonaristas", em Brasília, pode-se também dizer que os atos ocorridos em 2014, pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foram antidemocráticos? Ao meu ver, não. O MST, apesar da ação que merece repúdio por parte deste autor, não quis impedir a posse de novo Presidente da República, não quis impedir os avanços dos direitos humanos das "minorias" — direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos, do gênero feminino, dos LGBTQI+, dos quilombolas, dos povos indígenas.
No site do Estadão 5:
Defensoria vai defender bolsonarista no STF alegando que ele agiu por influência de ‘autoridades’
BRASÍLIA - A Defensoria Pública da União (DPU) irá utilizar uma tese inédita para tentar livrar da prisão um dos quatro réus que serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro nesta quarta-feira, 13. Esse será o primeiro julgamento do caso. A defensoria vai argumentar que um bolsonarista que se deslocou do Paraná até Brasília para participar dos ataques aos prédios dos Três Poderes não pode ser culpado por invadido o Congresso no 8 de janeiro. Para os defensores, o homem de 24 anos agiu influenciado por “autoridades” e “agentes públicos”.
Se havia dúvida quanto ao golpe, agora não há mais.
"(...) influenciado por “autoridades” e “agentes públicos”. As influências não somente ocorreram por agentes públicos, mas por líderes religiosos. No site do Senado Federal (6):
Há 60 anos, crise fez Brasil ter 3 presidentes numa única semana
A principal alegação dos conspiradores é que JK não venceu com a maioria absoluta (mais de 50%) dos votos. O mineiro obteve 36%, ligeiramente à frente dos 30% do general Juarez Távora, o candidato apoiado pela UDN e pelos militares.
As leis da época, porém, são claras: se exige simplesmente a maioria dos votos e não há segundo turno.
A lista de argumentos continua. Os golpistas dizem que houve fraudes na votação e acusam de ilícito o apoio dado a JK pelo Partido Comunista do Brasil (PCB, depois Partido Comunista Brasileiro), que estava na clandestinidade.
Um dos poucos ministros de Café Filho não filiados à UDN é o general Henrique Lott, titular do Ministério da Guerra (hoje Comando do Exército).
Apesar de ter apoiado a candidatura do general Távora, Lott tem uma postura legalista. Ele defende que o resultado das urnas deve ser respeitado e proíbe a caserna de aderir ao golpismo.
Resumo o acontecimento histórico assim:
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Golpistas:
presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, pertencente à ala conservadora do parlamento;
general Bizarria Mamede, da Escola Superior de Guerra (ESG);
general Juarez Távora, pela UDN;
Carlos Lacerda, principal líder da UDN, utilizava seu jornal, A Tribuna do Povo, como porta-voz das forças golpistas;
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Contragolpistas:
general Henrique Lott.
Vemos a História se repetir ao longo do mandato do ex-mandatário Jair Messias Bolsonaro: dúvidas quanto à segurança nas urnas eletrônicas; apelo emocionado aos correligionários contra "ameaça comunista". Correligionários (líderes religiosos, empresários, autoridades, agentes públicos e jornalistas) agiram nas redes sociais e em concessionárias de radiodifusão e televisão incentivando uma "defesa da democracia". Acampamentos foram montados em frente aos quartéis rogando por uma "intervenção militar".
Compreender os motivos ao golpe, para se manter o ex-mandatário, é necessário para as instituições democráticas agirem e impedirem novas tentativas contra a democracia.
A soberania e a internacionalização dos direitos humanos
Percebi uma técnica usada para desacreditar e fazer com que se acredite uma ideologia. Apontam-se os erros, as particularidades.
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Por exemplo, Nelson Mandela foi preso. Isso foi usado para asseverar que ele foi um criminoso contra o Estado e contra os cidadãos, sem citar os reais motivos de sua prisão.
Citar um filósofo sem citar o seu completo pensamento sobre visão de mundo como sexualidade, dignidade (quem deve ter?), economia etc.
Desabonar um personagem, uma pessoa. Cito Sigmund Freud. Nas redes sociais se falava sobre o hábito de Freud usar cocaína em si e em seus pacientes sem mencionar a decisão posterior dele. Ou seja, "É possível confiar na ciência de Freud se ele usava cocaína?". Pegar fatos históricos passados e comparar com a atualidade das leis sobre drogas é criar uma distorção.
Persuasão e dissuasão são elementos usados para se conquistar correligionários. Aqui não faço distinção de qual ideologia.
Encerro
Este texto não tem nenhum intuito de afirmar que há pessoas más ou boas, muito menos dizer qual lado está plenamente correto. A humanidade está na vigência da ideologia "direitos humanos". É a melhor que temos.
Para reflexão
Líderes de Einsatzgruppen, na Segunda Guerra Mundial. Por ordens dos superiores nazistas, os extermínios. Promotor Benjamin Berell Ferencz esteve na CNN. Perguntado se Otto Ohlendorf era "monstro", o promotor disse "Não". O jornalista ficou perplexo e falou "Não? Ele exterminou!". Benjamin citou as duas ogivas nucleares no Japão, por ordem do presidente Truman: "O homem que jogou a bomba atômica em Hiroshima também era um monstro?" Nada lhe responderam. Para Benjamin, Ohlendorf era patriota e fez o que achava certo para a Alemanha.
REFERÊNCIA
MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional / Flávio Martins. - 3ª. ed. - São Paulo : SaraivaJur, 2019
NOTAS
1 FERREIRA, Carmen Dora Freitas. A VERDADE QUE A HISTORIA NÃO CONTOU. Disponível em: https://www.oabsp.org.br/comissoes2010/gestoes2/2016-2018/igualdade-racial/gestoes-anteriores/gestao-2013-2015/artigos/A%20VERDADE%20QUE%20A%20HISTORIA%20NaO%20CONTOU.pdf
2 Relatório sobre intolerância e violência religiosa no Brasil (2011-2015): resultados preliminares / Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos ; organização, Alexandre Brasil Fonseca, Clara Jane Adad. – Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, SDH/PR, 2016. 146 p. Disponível em: https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/RelatorioIntoleranciaViolenciaReligiosaBrasil.pdf
3 SILVA, Ronaldo Manoel. Duplamente segregado: Daniel Pereira, um escravo sentenciado pelo crime de sodomia (1740 - 1752). Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/download/5789/pdf/18950
4 BRASIL. Senado Federal. Gripe espanhola: a catastrófica epidemia que varreu o Brasil em 1918. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/series-especiais/2018/12/07/gripe-espanhola-a-catastrofica-epidemia-que-varreu-o-brasil-em-1918
5 Estadão. Defensoria vai defender bolsonarista no STF alegando que ele agiu por influência de ‘autoridades’. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/defensoria-publica-reu-oito-de-janeiro-ataques-tres-poderes-brasilia-influencia-autoridades-julgamento-stf-nprp/
6 BRASIL. Senado Federal. Há 60 anos, crise fez Brasil ter 3 presidentes numa única semana. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/11/06/ha-60-anos-crise-fez-brasil-ter-3-presidentes-numa-unica-semana