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A aplicação da doutrina dos direitos humanos na atividade de inteligência

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10/10/2023 às 19:56
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Mesmo com quase cem anos de exercício, ainda existem dúvidas acerca da diferença entre a atividade de inteligência e o exercício das investigações policiais entre alguns profissionais de segurança pública.

Resumo: Este artigo exemplifica a atividade de inteligência nos tempos remotos da humanidade e nos tempos modernos, informa a sua origem oficialmente no Brasil, conceitua a atividade de inteligência, descreve a diferença entre a atividade de inteligência e o trabalho de investigação dos Órgãos de Segurança Pública, demonstrar as formas de obtenção dos dados e informações por parte dos Serviços de Inteligência, com ênfase na produção de relatórios com conhecimentos estratégicos sobre ameaças e potencialidades para o país, tanto internas quanto externas e na realização de operações de Inteligência para subsidiar a produção do conhecimento, e explana a relação entre a atuação dos agentes de atividade de inteligência e o preceito internacional de direitos humanos, especificamente a dignidade da pessoa humana, bem como as possíveis sanções para o agente que extrapole suas funções legais.

Palavras-chave: inteligência, investigação, dignidade da pessoa humana, coleta de dados.

Sumário: Introdução. 1. História da atividade de Inteligência no Mundo antigo. 2. A atividade de inteligência no Mundo atual. 3. História da atividade de inteligência no Brasil. 3.1. Fase Embrionária. 3.2. Fase da Bipolaridade. 3.3. Fase de Transição. 3.4. Fase Contemporânea. 4. História da Atividade de Inteligência na Segurança Pública. 5. Conceito de Atividade de Inteligência. 6. Atividade de Inteligência e Investigação Criminal. 7. Formas de obtenção de informações e de dados. 7.1. Produção de relatórios com conhecimentos estratégicos sobre ameaças e potencialidades para o país, tanto internas quanto externas. 7.2. Realização de operações de Inteligência para subsidiar a produção do conhecimento. 8. A atividade de Inteligência e os Direitos Humanos. Conclusão. Referências.


Introdução

A atividade de inteligência, um dos meios de obtenção de dados, de informações e de produção do conhecimento mais antigos do mundo, continua sendo utilizada, mas, em larga escala, por grandes órgãos e instituições mundiais de inteligência e investigação para subsidiar decisões que podem impactar a vida de milhares de pessoas, deflagrar ou impedir guerras, conflitos armados, ascensão ou queda de líderes mundiais, bem como para influenciar a economia de um país ou de uma multinacional.

Mas, para que os agentes de segurança pública e os profissionais de Inteligência possam produzir conhecimentos estratégicos por meio da análise de fatos ou situações que permitam a identificação de oportunidades, de riscos e de ameaças, sua atividade deve obedecer aos direitos e as garantias individuais, fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado brasileiro, como o princípio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, diante do exposto, este artigo vem à baila para explicar como a atividade de Inteligência atua quando em confronto com os direitos humanos garantidos internacionalmente e constitucionalmente.


1. História da atividade de Inteligência no Mundo antigo

Desde os tempos antigos, o homem procura conhecer melhor o ambiente onde vive para poder sobreviver e estar preparado para as intempéries, evitando, assim, surpresas desnecessárias ou possíveis perigos existentes na natureza. Assim, o ser humano passou a utilizar técnicas antigas de inteligência para conhecer melhor esses perigos, e poder enfrenta-los da forma que garanta a sua sobrevivência.

Uma das mais antigas referências a uma atividade de obtenção de informações ocorreu no velho Egito, durante a 19ª dinastia, especificamente no reinado de Ramsés II, na batalha de Kadesh (por volta de 1.274 a.C.), cidade localizada no atual Líbano, envolvendo os exércitos egípcios e hititas, quando o Faraó Ramsés II usou as informações obtidas para surpreender as tropas do Rei Hitita Mutawali.

No Velho Testamento, existem várias passagens onde a atividade de inteligência foi utilizada para a tomada de decisões, como quando Moisés enviou doze homens para fazer o reconhecimento da terra de Canaã e descobriu que a cidade era fortificada (Nm 13, 1-4. 25-29), quando Josué enviou secretamente dois espiões (chamados espias) para fazer o reconhecimento dos arredores de Jericó (Js 2, 1), ou mesmo quando os governantes dos filisteus enviaram Dalila para que Sanção lhe dissesse a origem de sua força (Jz 16, 4-5).

Ainda, há uma origem mitológica grega, segundo a qual Argus, que venceu a hegemonia de Micenas, por volta do século XII a.C,, de diversas maneiras, protegeu as suas mensagens enquanto vivo e criou uma rede eficaz de espiões, tornando-se o pai da Inteligência.

Há estudos que indicam a civilização suméria como a sociedade mais antiga de que se tem conhecimento (estima-se que os sumérios existiram há mais de 3.500 anos a.C.) e como a primeira a utilizar a atividade de inteligência para realizar reconhecimentos, informação esta constatada com o achado de tabuletas de barro, as quais retomam o ano de 3.200 a.C., e falam sobre a existência de uma operação, arcaica, de inteligência, que teve a participação de “espiões”, os quais utilizaram sinais de fumaça para informar sobre as defesas da Babilônia.

Neste diapasão, um dos grandes estrategistas de guerra e filosofo chinês, o qual demonstrou conhecimento sobre obtenção do conhecimento, foi o general Sun Tzu (544-496 a.C.), a quem é atribuída a obra “A Arte da Guerra” (dividida em treze capítulos), um tratado filosófico-militar no qual este reuniu estratégias e táticas militares para vencer o inimigo. Uma das frases que requer a busca pelo conhecimento de Sun Tzu está no capítulo três do referido livro: “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se… conheces a ti mesmo, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Caso não conheça nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas” (grifo nosso).

Outro grande estrategista militar foi Temudjin, mais conhecido como Gengis Khan (1162-1227), o bárbaro mongol que constituiu o maior império da história. Utilizou métodos de inteligência, estratégia e disciplina para se tornar uma imagem de inspiração, um mito dos antigos cavaleiros guerreiros.

Entretanto, no período da Idade Media,1 devido à influência da Igreja, que priorizava a Cavalaria e entendia que a atividade de inteligência era uma forma de pecado, esta deixou de ser exercida, com algumas exceções,2 até o período da Renascença (entre os séculos XIV e XVI), quando foi fundado o Gabinet Noir, na França, por Armand Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu (1585-1642), que monitorava as atividades da nobreza. A atividade de inteligência também voltou a ser exercida quando os empreendimentos dos católicos Maria Stuart, rainha da Escócia (1542-1587) e Filipe II, rei da Espanha (1527-1598), contra a coroa inglesa protestante de Elizabeth I, rainha da Inglaterra e Irlanda (1533-1603) foi frustrado pelo serviço de inteligência liderado por Sir Francis Walsingham, chefe da rede de espionagem britânica (1537-1590).

Ainda, a Guerra de Secessão, nos Estados Unidos (1861-1865) apresentou avanços substanciais para a Inteligência, como o uso de telegrafia, de fotos, que podiam ser reduzidas ao tamanho das fotografias, inserindo nelas mensagens – protótipo da microfilmagem, e de códigos e cifras e reconhecimento aéreo realizado por balões.

Neste sentido, a primeira escola de Inteligência foi criada pelos russos, chamada a “Casa de Ukrainev”, célula-mãe da Okhrana3 (polícia secreta czarista), extinta logo em seguida à vitória da Revolução de Outubro,4 a partir dos documentos expropriados de sua sede. Esta policia czarista infiltrava espiões em diversas organizações revolucionárias em território russo, com apoio de governos da Europa, no intuito de sabotar grupos, aniquilar seus membros e destruir suas bases.

Mas, foi durante o período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), período em que a maioria dos países da Europa ainda não possuía uma especialização completa de funções divididas entre as seções de operações, doutrina e inteligência, que houve a “modernização” da atividade de Inteligência, apesar das agências de inteligência dos países ainda possuírem equipamentos com funcionalidades bastante restritas para os seus objetivos, os quais eram robustos, pesados e dificultavam a camuflagem. Tomando como exemplo o serviço de escuta ambiental e transmissão através do rádio, estes sinais, mesmo codificados, eram facilmente interceptados devido aos antiquados mecanismos disponíveis.

Um dos equipamentos largamente utilizados durante a I G.M. era o chamado Enigma, inventado pelo engenheiro alemão Arthur Scherbius (1878-1929). Era uma máquina eletromecânica de criptografia com rotores, utilizada na Europa em meados dos anos 20. Este equipamento adquiriu grande popularidade ao ser adaptado e usado pelas forças militares alemãs, pois este era fácil de ser usado e o seu código era extremamente difícil de ser decifrado. Também neste período surgiu o termo inglês Sigint (acrônimo de signals intelligence, inteligência de sinais através do uso de tecnologia, ou outros artifícios não humanos, para a produção de conhecimento), o qual adquiriu caráter mais decisivo devido à quebra de cifras.

Após a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, as polícias políticas e os serviços secretos de cada país voltaram-se para espionar regularmente as atividades dos serviços de Inteligência estrangeiros dentro de seus territórios nacionais. Assim, além da Inteligência de Segurança propriamente dita (security intelligence), essas instituições especializaram-se também em contraespionagem e contrainteligência (counterintelligence), havendo, assim, a institucionalização dos primeiros órgãos de Inteligência, com exceção da URSS, da Alemanha e da Inglaterra, que já possuíam um bom serviço de Inteligência.Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), período que teve a atividade de Inteligência militar aprimorada, peça fundamental para o bom resultado das operações ocorridas, esta se destacou pelo uso da atividade de Inteligência e espionagem por parte dos países do Eixo5 e dos Aliados.6 Entre os países do Eixo, os alemães organizaram o Abwehr, serviço de inteligência militar alemão (1920-1945), que tinha como objetivo inicial a defesa contra a espionagem estrangeira, e o Sicherheitsdienst, serviço de inteligência do Partido Nazista (1933-1945); os japoneses possuíam uma rede de espionagem na América, controlada da Espanha neutra, a Kempeitai, polícia secreta japonesa (1881-1945), responsável pela infiltração de um espião em Pearl Harbor meses antes do ataque.

Assim como os países do Eixo, os Aliados também contavam como o serviço de Inteligência para a realização de operações militares e para a quebra de códigos. Os ingleses utilizaram o Special Operations Executive - SOE (criado em 1940) para as atividades de inteligência, como o envio de seus agentes para territórios ocupados pelo inimigo; os americanos organizaram o Office of Strategic Services - OSS (criado em 1942), com atribuições semelhantes ao SOE; os soviéticos possuíam a Rote Kapelle (criada em 1933), que espionava, em especial, a Alemanha. Os aliados também utilizaram máquinas criadas pelos países do Eixo para a obtenção de informações, como a máquina alemã Enigma e a japonesa Púrpura.

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A partir do fim da Segunda Grande Guerra, enquanto o Exército Vermelho atuava como um agente do movimento comunista internacional, os americanos descobriram que os russos os espionavam, mesmo enquanto aliados durante a guerra. Após isso, os americanos criaram a Central Intelligence Agency – CIA (criada em 1947), seguida pela National Security Agency – NSA (criada em 1952), e passaram a basear suas decisões políticas nos Relatórios Especiais de Inteligência (Special Report), iniciando, assim, a Guerra Fria, período em que ocorreu um grande desenvolvimento tecnológico com o objetivo de monitorar, com mais eficácia, os passos de cada potência mundial, e se tornou a atividade permanente nestas grandes potências, passando a recorrer ao uso das técnicas científicas para a resolução dos problemas.

Entretanto, durante este período pós-guerra, houve falhas das agências de inteligência, como a falha da KGB (serviço de inteligência da União Soviética) durante a queda do mudo de Berlim, no dia 09 de novembro de 1989, o fracasso do golpe contra o ex-presidente russo Mikhail Sergeevitch Gorbatchov (1931-2022) e o fim da U.R.S.S., nos dias 19 e 29 de agosto de 1991, respectivamente; a falha da CIA durante a Revolução Islâmica dos Aiatolás, que fez do Irã uma República baseada nos preceitos religiosos do islamismo, em 1979, e a Guerra do Golfo, que configurou a invasão do Kuwait ordenada pelo governador do Iraque, Saddam Hussein, no dia 02 de agosto de 1990; e a falha do Mossad (serviço de inteligência israelita) durante a Guerra do Yom Kippur, conflito envolvendo Israel contra Egito e Síria, em 1973.

Assim, no pós-Guerra Fria, os alvos da Inteligência diferenciaram-se dos alvos militares, e, nos dias de hoje, passaram a ter o terrorismo internacional, o crime organizado, a espionagem econômica industrial, a tecnologia de uso ambivalente e o crime comum como os principais alvos das agências de Inteligência do mundo.


2. A atividade de Inteligência no Mundo atual

Pelo exposto, e tendo como principais desafios as ameaças de grupos terroristas nacionais e internacionais, de organizações criminosas, de paramilitares, de cibercriminosos, de traficantes de drogas, armas e pessoas, de espiões industriais, dentre outras ameaças, diferentemente dos inimigos militares já mencionados, o trabalho de Inteligência e espionagem precisou passar por adequações, adaptações e melhoramentos voltados para as Operações de Inteligência e Contrainteligência, a Gestão dos Agentes de Inteligência, Administração e Logística, a Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações, a Assessoria de Relações Internacionais, a Assistência direta e imediata ao Diretor da Agência, e para melhor assessorá-lo a uma tomada de decisões.

Portanto, para o combate ao extremismo violento e ao terrorismo, para a análise de oportunidades e ameaças à segurança econômica de cada país nas áreas de energia, de infraestrutura, de comércio, de finanças e de política econômica, para a análise da conjuntura internacional, em suas dimensões política, econômica e social, e dos seus impactos para cada País, para planejar, coordenar e executar atividades de inteligência e contrainteligência, para prevenir, detectar, obstruir e neutralizar ações inimigas, para combater a espionagem adversa ao interesse de cada nação, para implementar programas, projetos e ações relativos à proteção de setores estratégicos e de conhecimento sensível, e à prevenção e à mitigação de riscos de eventos químicos, biológicos, radiológicos e nucleares, os países contam com eficazes e avançadas Agências de Inteligência, conforme exemplificadas abaixo:

Na Alemanha, os principais órgãos de Inteligência são o Bundesamt für Verfassungsschutz, ou BfV, encarregado de proteger o país das forças antidemocráticas, particularmente do neonazismo, fundado em meados dos anos 50; o Bundesnachrichtendienst, ou BND, serviço de inteligência exterior que colabora com a NSA (Agência de Segurança Nacional Norte-americana) na espionagem da Europa, criada no dia 1º de abril de 1956; e o Militärischer Abschirmdienst, ou MAD, responsável pelo serviço de contrainteligência militar alemão.

Como uma agência de Inteligência alemã interna, o BfV é responsável pela ordem democrática tanto em nível federal como nos dezesseis estados alemães. Este possui como atividades de Inteligência o monitoramento dos militantes de extrema-direita, também conhecidos como “cidadãos do Reich” ou neonazistas (pessoas que rejeitam a existência ou a legitimidade da República Federal da Alemanha), responsáveis pelo aumento de delitos e de atos violentos em 3,8% no ano de 2022, alcançando 23.493 casos; do extremismo de esquerda, organizações criminosas que combatem radicalmente o extremismo de direita, responsáveis por lesões corporais e homicídios; do islã político e do terrorismo islâmico, como o desmantelamento de um ataque terrorista do “Estado Islâmico” contra um festival de música, em 2016; do extremismo estrangeiro (não islâmico); da contraespionagem e da contraproliferação de armas de destruição em massa; da proteção de informações e da contrassabotagem; da defesa cibernética; e da proteção econômica/científica alemã.

Possuindo como missão a atividade de Inteligência voltada para o ambiente externo alemão, nas áreas da política, da economia e militar, O BND inclui em suas atividades tanto os trabalhos reservados quanto a coleta de informações, fatos e opiniões disponíveis publicamente, visando à segurança do país. Este colabora com as autoridades de segurança nacional e tem como parceiros, além do BfV e do MAD, órgãos de segurança pública, como o Departamento Federal de Polícia Criminal e o Escritório Federal de Segurança da Informação. O BND, atualmente, possui a maior central de inteligência do mundo, inaugurada no dia 08 de fevereiro de 2019, na capital Berlim, o qual levou mais de uma década para ficar pronto e custou um bilhão de euros.

Por último, como um serviço militar interno de contrainteligência, o MAD tem por objetivo a análise e o processamento de informações relativas a ameaças anticonstitucionais, a espionagem e as atividades de sabotagem contra as Forças Armadas.

Na Grã-Bretanha, os três principais órgãos são o Security Service, conhecido como MI5 (Inteligência Militar, Seção 5), serviço de segurança interna do Reino Unido, fundado em outubro de 1909; o Secret Intelligence Service (SIS), conhecido como MI6 (Inteligência Militar, Seção 6), fundado em 4 de julho de 1909 e reconhecido em 1994 pela Lei de serviço de informação; e a Defence Intelligence (DI), fundada no dia 1º de abril de 1964.

Responsável pela segurança interna, o MI5 possui a missão de garantir a segurança britânica e, em especial, proteger a nação contra ameaças, como a espionagem, a sabotagem, o terrorismo, as atividades hostis de outras nações e as atividades destinadas a desconstruir a democracia parlamentar por meios políticos ou violentos (como exemplo, o MI5 descobriu uma agente chinesa infiltrada no Parlamento britânico, em 2022). De acordo com o MI5, as principais ameaças à segurança enfrentadas pelo Reino Unido são o terrorismo islâmico, a espionagem russa, as ameaças cibernéticas e a proliferação de armas de destruição em massa.

Tendo como atribuição a garantir da segurança exterior, dos interesses nacionais e da soberania britânica, o MI6 combate o terrorismo, tanto no próprio Reino Unido, como contra os interesses deste no exterior ou em apoio aos países aliados; enfrenta atividades e ameaças de Estados hostis, promovendo a prosperidade do Reino Unido e influenciando assuntos internacionais; e promove e defende o espaço cibernético do Reino Unido (como exemplo, o MI6 ajudou a CIA a capturar o comandante da milícia rebelde em Trípoli, Abul Hakim Belhaj, em 2004). Sua atuação nessas áreas também reduz a criminalidade grave e organizada, impede a disseminação de armas nucleares e químicas e defende o Estado de direito em âmbito internacional.

Composta por setores na marinha, no exército e na aeronáutica, a DI, parte do Strategic Comand, está incumbida da Inteligência militar do Reino Unido, a qual presta assistência nas tomadas de decisão do Ministério da Defesa e do governo, trabalhando em parceria com as agências de Inteligência do país, como o MI5 e o MI6.

Na França, o Direction Générale de la Sécurité Extérieure (DGSE), responsável pelas atividades de espionagem e contraespionagem fora do território francês, reúne serviços de Inteligência com atribuições na luta contra o terrorismo, na defesa do Estado e na segurança nacional (definidas pelos artigos D.3126-1 a D.3126-4 do Código de defesa francês). Este tem por objetivo buscar e explorar informações de interesse para a segurança francesa, em benefício do governo e em colaboração com os demais órgãos envolvidos, como também detectar e impedir, fora do território nacional, atividades de espionagem dirigidas contra os seus interesses, a fim de evitar as consequências de tais atividades. Como exemplo do combate francês ao terrorismo, os serviços secretos externos norte-americano (CIA) e francês (DGSE), criaram, em 2002, um centro secreto, em Paris, chamado "Aliança Base" para analisarem os movimentos transnacionais de terroristas e enviar agentes de campo para capturá-los, ou espioná-los.

Com surgimento antes da Segunda Guerra Mundial e com mais de cem anos de atividade, o Glavnoye Razvedyvatel'noye Upravleniye (GRU), antes considerado o diretório principal de inteligência do Estado-Maior das Forças Armadas da União Soviética, criado em 1918-1924, mas que manteve suas funções e o mesmo nome após a dissolução da URSS, é hoje a maior agência de inteligência estrangeira da Rússia, considerado um órgão de inteligência militar, que, dentre outras funções, coordena a atuação das unidades especiais militares de elite russa, a Spetsnaz, força ultrassecreta especializada em sabotagens, atentados e ações-relâmpago, criada em 24 de outubro de 1950, além das unidades dedicadas às CyberOps (Operações Cibernéticas), como a Unidade cibernética militar GRU 26165, 85ª Central de Comunicações Especiais e às InfoOps (Operações de Informação). Como exemplo de algumas operações da GRU, existe a tentativa de envenenamento do ex-espião russo Sergei Skripal e da sua filha Yulia, em 04 de março de 2018, a tentativa de infiltração do agente russo Sergey Vladimirovich Cherkasov ao STF, preso pela Policia Federal em 2022, e a tentativa de interferência cibernética na eleição presidencial americana de 2016 (a Rússia nega todas as acusações).

Ainda, a Índia conta com o Research and Analysis Wing (RAW), fundado em 1968, serviço de inteligência responsável por obter informações vitais para os interesses estratégicos indianos, como coletar dados e informações sobre espionagem, guerra psicológica, subversão, sabotagem, segurança nuclear e promoção de insurgência em território inimigo, principalmente na China, no Paquistão e nos demais países vizinhos. O seu serviço de inteligência foi fundamental para a vitória da Índia sobre o Paquistão, em 1971.

Em contrapartida, o Paquistão é auxiliado pelo Inter-Service Intelligence (ISI), principal serviço de Inteligência paquistanês, fundado em 1947, responsável por manter interesses soviéticos fora de seu território, financiar e treinar afegãos na guerrilha contra a URSS nos anos 80, pelo armamento e treinamento do grupo fundamentalista sunita Talibã antes dos atentados terroristas contra os Estados Unidos, em setembro de 2001, e pelo apoio aos separatistas no disputado território da Caxemira, também em 1947.

Neste sentido, o Ministério de Segurança de Estado da China (MSS), criado em julho de 1983, agência de Segurança da China e do Partido Comunista, possui como função a segurança do estado e suas atividades de inteligência são voltadas para combater os inimigos contrarrevolucionários que sabotam o sistema de China socialista. Como exemplo de sua atuação, a agência estreou suas atividades, no dia 1º de agosto de 2023, nas redes sociais e plataformas digitais, com o intuito de incentivar a sociedade a contribuir com a prevenção à espionagem, tendo lançado um vídeo com incidentes importantes, como os tumultos em Hong Kong em 2019 e o retorno de Meng Wanzhou, da Huawei.

Os israelitas contam com o Mossad, instituto de Inteligência, criado em 13 de dezembro de 1949, considerado por muitos analistas o serviço secreto de Inteligência mais eficiente e mais temido do mundo. Sua primeira operação de grande porte ocorreu em 1957 com o sequestro e a condução do ex-tenente-coronel da Schutzstaffel nazista, Adolf Eichmann (1906-1962), na Argentina (Operação Garibaldi). Em 1965, o agente do serviço de inteligência israelense Yaakov Meidad (1919-2012), responsável pela captura de Eichmann na Argentina, caçou, no Brasil, o aviador letão Herbert Cukurs (1900-1965), responsável pelo massacre de 30 mil judeus no gueto de Riga, e o executou no Uruguai (Operação Riga). Nos anos de 1972 e 1973, esta agência teve como alvo os terroristas palestinos envolvidos no massacre da delegação israelense das Olimpíadas de Munique (Operação Cólera de Deus). Em 1996, o seu alvo foi Yahya Ayyash (1966-1996), especialista em explosivos e membro do Hamas, o maior entre diversos grupos terroristas islâmico da Palestina (Operação Engenheiro).

Como último exemplo, entre os anos de 2006 e 2011, agentes do Mossad aniquilaram os cientistas do Irã Majid Shahriari (de 40 anos, especialista em física quântica, trabalhava para a Comissão de Energia Atômica iraniana, especializando-se no transporte de nêutrons) e Fereydoon Abbasi Davani (de 52 anos, especialista em mísseis balísticos elasers, e lecionava na Universidade Shahid Beheshti de Teerã), acusados de estarem envolvidos no projeto de produção de armas nucleares (Operação Nêutron).

Além das agências de Inteligência acima citadas, destaca-se também a Direção Nacional de Segurança (DNS), principal agência de espionagem do Afeganistão, responsável por matar o segundo líder da organização terrorista Al Qaeda, Abu Mohsen Al-Masry, na província de Ghazni.

Os norte-americanos contam com uma verdadeira rede de agências de Inteligência, cuja missão é coletar, analisar e entregar informações de Inteligência estrangeira e contraespionagem aos seus usuários, entre os quais estão, além do presidente, os políticos responsáveis por assuntos externos e internos, as forças policiais e os militares, para que possam tomar decisões sólidas para proteger o país. Nesta rede, seus principais órgãos de Inteligência são o United States Department of Homeland Security, ou DHS, o Federal Bureau of Investigation, ou FBI e a Central Intelligence Agency, ou CIA.

Como o órgão federal de segurança interna, com o objetivo de salvaguardar os cidadãos americanos, a pátria e os valores nacionais, o DHS (Departamento de Segurança Interna), criado em 25 de novembro de 2002, tem como atribuições o combate ao terrorismo e às ameaças da segurança interna, da segurança das fronteiras, da segurança do ciberespaço e das infraestruturas críticas, a preservação e a defesa da prosperidade e da segurança econômicas, o reforço de preparação e de “resiliência implacável” do povo americano, e a promoção da qualificação da força de trabalho do DHS e do seu fortalecimento. Como exemplo da atuação de seus agentes de segurança cibernética, tem-se as revisões relacionadas à infraestrutura de identificação e autenticação baseada na nuvem, isto após recentes violações sofridas pela Microsoft, onde foram roubados e-mails de agências do governo norte-americano.

Tendo a finalidade de proteger os norte-americanos e defender a Constituição americana, o FBI (Escritório Federal de Investigação), criado em 26 de julho de 1908, com mais de cem anos de atuação, tem como principais prioridades proteger os Estados Unidos de ataques terroristas e de operações de inteligência estrangeira, espionagem e operações cibernéticas; e combater atividades criminosas cibernéticas significativas, a corrupção pública em todos os níveis, empreendimentos criminosos transnacionais, os principais crimes de colarinho branco e crimes violentos significativos. Como exemplo de sua atuação, as investigações do FBI levaram à prisão os líderes da invasão ao Capitólio americano, ocorrida em 06 de janeiro de 2021, quando centenas de apoiadores do então presidente, Donald John Trump, marcharam para o Congresso dos Estados Unidos, após meses alegando fraude nas votações.

The Work of a Nation. The Center of Intelligence”, ou seja, “O trabalho de uma nação. O centro de Inteligência.” Este é o lema da Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA), agência de Inteligência externa do governo americano, criada em 18 de setembro de 1947, e encarregada de coletar, processar e analisar informações de segurança nacional de todo o mundo. Tem como uma das principais funções proteger os Estados Unidos da América de todo e qualquer ameaça terrorista de qualquer lugar da terra. É organizada nas seguintes vertentes: o National Clandestine Service, responsável pelas operações de inteligência e reconhecimento, utiliza espiões para coletar informações de inteligência estrangeira (ou humana); o Diretório de Ciência e Tecnologia, responsável pela coleta de inteligência pública ou de fonte aberta; o Diretório de Inteligência, responsável por interpretar a informação e confeccionar os devido relatórios; a Diretoria de Inovação Digital, responsável por acelerar a inovação nas atividades de missão da Agência; e o Diretório de Apoio, fornece apoio para o resto da organização, além de lidar com contratações e treinamento. Nos últimos anos, agentes da CIA foram responsáveis por monitorar, investigar e prender integrantes de organizações criminosas e terroristas em todo o globo terrestre. Como exemplo, foi através de investigações de agentes da CIA que o esconderijo de Osama Bin Laden (1957-2011) foi encontrado. Este era, até então, o líder da Al Qaeda e o terrorista mais procurado de todos os tempos.

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Sobre o autor
Wandeslann Belém Lopes

Graduado em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC). Pós- graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Wandeslann Belém. A aplicação da doutrina dos direitos humanos na atividade de inteligência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7405, 10 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106506. Acesso em: 27 abr. 2024.

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