Considerações Finais
O filme Freaks já em 1932, trazia um roteiro inovador sobre um tema pouco discutido socialmente na época. Além de ser um filme à frente do tempo, e isso provou-se pelo fato dele passar a ter visibilidade no cinema mundial cerca de 60 anos após sua estreia, ele foi gravado com atores deficientes que trabalhavam no circo, o que o terna um filme excepcional. Nesse sentido, Freaks fez com que a arte cinematográfica saísse do campo meramente recreativo e proporcionasse uma profunda reflexão jurídica quanto à exclusão e discriminação da pessoa com deficiência.
Percorrendo todo o histórico de tratamento discriminatório dado às pessoas com deficiência fica evidente o papel essencial do direito ao trabalho para se fazer respeitada a dignidade e os direitos fundamentais desse grupo.
Possuir um trabalho, assim como demonstrou o filme, significa participar ativamente da sociedade, se tornar parte dela. O direito a exercer um ofício digno é um fator de extrema importância para a efetiva inclusão social da pessoa com deficiência.
Nota-se que o ordenamento jurídico nacional e internacional entendendo esse aspecto inclusivo do direito do trabalho, passou a regulamentar medidas em favor da inclusão trabalhista da pessoa com deficiência. Porém, ainda que a lei busque através da via impositiva fornecer direitos a esse grupo, na prática a mera imposição legal é insuficiente para que ocorra a inclusão real dessa minoria.
No cenário atual, fazem-se necessários amplos programas de inclusão e esclarecimento quanto à pessoa com deficiência que vão além da mera regulamentação jurídica, uma vez que, como exposto no presente artigo, há uma cultura de anos de discriminação e exclusão para ser revertida.
É possível verificar ainda uma grande resistência quanto a necessidade desse tipo de política afirmativa (para pessoas com deficiência) pois, mesmo quase um século após o lançamento do filme objeto dessa análise, ainda se verificar um reiterado processo de marginalização da pessoa com deficiência como se fossem anomalias, incapazes ou similares. Outras vezes (e isso mereceria uma análise mais aprofundada, o que não se fez possível em razão das delimitações teóricas e metodológicas dessa pesquisa) a inclusão de uma pessoa com deficiência em determinados espaços é feito com ares de “espetáculo”, o que também deve ser combatido. A pessoa com deficiência merece as mesmas oportunidades, e não deve servir como objeto de projeção publicitária (empregar uma pessoa com deficiência é um ato de cidadania, não uma caridade).
Sobre o tema trabalhado neste artigo há vasto material de pesquisa referente à condição das pessoas com deficiência, tanto na questão médica, pedagógica, jurídica e histórica. Porém, é notável a limitada quantidade de material que tratem de reflexões jurídicas e do estudo do direito a partir da arte cinematográfica. Essa limitação talvez explique o fato do direito muitas vezes permanecer apenas na esfera impositiva se distanciando da realidade social.
Existem diversos pontos sobre a presente temática que poderiam ser melhor explorados aliados ao cinema, assim como o presente artigo se propôs. A exemplo, o filme “Vênus Negra”(2010) que trata da condição da mulher negra utilizada como figura do Freak Show, o filme “O Homem Elefante”(1980) que, assim como Freaks, expõe a realidade discriminatória vivenciada pela pessoa com deficiência, e ainda o documentário “Holocausto Brasileiro”(2016) que revela a realidade manicomial nacional entre as décadas de 1930 e 1980.
Por fim, é necessário esclarecer que o presente trabalho não se pretende definitivo ou exaustivo sobre o tema, apenas busca oferecer um novo olhar sobre a questão da pessoa com deficiência e uma maior discussão de seu direito ao trabalho nas reflexões jurídicas. As reflexões sobre o uso de meios dinâmicos e alternativos para o estudo do Direito (como o uso do cinema, da literatura ou das artes plásticas, por exemplo) não só são ricas como potenciais de análise, mas também oferecem um novo universo de questões e problematizações. Por fim, espera-se que o leitor consiga despertar para o tema e veja a beleza por trás da imagem, e construa o direito para além da letra da lei.
Referências
ALMEIDA, Aires. Definição de Arte. Compêndio em Linha de Problemas de Filosofia Analítica. Lisboa, 2014.
AMARAL, Lígia Assumpção. Mercado de Trabalho e Deficiência. Revista Brasileira de Educação Especial. Dez. 1992. p.127-136
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Cartilha do Censo 2010: pessoas com deficiência [Internet]. Brasília, DF; 2012. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/publicacoes/cartilha-do-censo-2010-pessoas- com-deficiencia . Aceso em: 06 de fev. 2017.
BUENO, Carmem Leite Ribeiro; PAULA, Ana Rita de. Acessibilidade no mundo do trabalho.
I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Brasília mai. 2006. CARDOSO, Tatiana de Almeida Freitas R. Direitos Humanos: da sua evolução à sua (in)efetividade. Revista Videre (on line), v. 4, p. 30-40, 2012. Disponível em http://ojs.ufgd.edu.br/index.php?journal=videre&page=article&op=view&path%5B%5D=186 1&path%5B%5D=pdf_197 acesso em 12 de dez 2016
DIAS, Daniel Quaresma. Filme: Freaks-1932. 14 de jun. 2013. Disponível em: http://ocalafrio.blogspot.com.br/2013/06/filme-freaks-1932.html . Aceso em: 02 de fev. 2017. FERREIRA, Jonathan; HAMLIN, Cynthia Lins. Mulheres, Negros e Outros Monstros: um ensaio sobre corpos não-civilizados. Revista Estudos Feministas (UFSC. Impresso), v. 18, p. 811-836, 2010.
FISCHER, Ernst. A Necessidade da Arte. Editora Ulisseia, Lisboa. 1959.
FREIRE, Rafael de Luna. A conversão para o cinema sonoro no Brasil e o mercado exibidor na década de 1930. Significação: revista de cultura audiovisual. V. 40. 2013. p.32-37 GONÇALVES, Alda Martins; SENA, Roseni Rosângela de. A reforma psiquiátrica no Brasil: contextualização e reflexos sobre o cuidado com o doente mental na família. Revista Latino- americana de Enfermagem, ed. 9, mar. 2001, p.48-55.
GUBERN, Román. La filosofía tras la pantalla. El País (on-line). Madri, 20 de jan 2015.
Cardiernos de Cultura.
GURGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade. 2008. Disponível em http://www.ampid.org.br/ampid /Artigos/PD_Historia.php . Acesso em 05 de fev. 2017
Não sou um mostro. Revista Superinteressante. (On-line) ed.151. Nov.2010. Disponível em http://www.superinteressante.pt/index.php/natureza /artigos/265-nao-sou-um- monstro . Acesso em 05 de fev. 2017.
LANNA JÚNIOR, Mário Cléber Martins (Comp.). História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. - Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.
LARAIA, Maria Ivone Fortunato. A pessoa com deficiência e o direito do trabalho. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2008.
MARTINS, Viviane Lima. Valores estéticos e estigmas sociais ligados ao culto à beleza. Revista Científica Intraciência. Nov. 2010. p. 27-105.
MENEGHEL, S. N.. O Homem Elefante - reflexões sobre a saúde, doença e anormalidade. Interface (UNI/UNESP), v. 12, p. 427-432, 2008.
NÓVOA, Jorge. Apologia da relação cinema-história. Revista o Olho da História. n.1, Salvador, 1995: 109-122.
OLIVEIRA, Felipe Henrique Monteiro. Corpos Diferenciados na Cena: do Freak Show ao Teatro Contemporâneo. Cena em Movimento 3. 2012
OLIVEIRA, Marileide Antunes de; GOULART JÚNIOR, Edward; FERNANDEZ, José Munhoz. Pessoas com deficiência no mercado de trabalho: Nos Estados Unidos, União Europeia e Brasil. Revista Bras. Ed. Especial. Marília. V.15, nº2, p.219-232. Mai.-Ago. 2009 PIANCASTELLI, Ada Bogliolo; ZAMBONATO, Carolina Duarte; CAUME, Marina. Revista Discenso da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2009.
PORTO, Mário Moacyr. Estética do direito. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. n. 1. 1996.
SARLET, Igno Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2006
SILVA, Otto Marques da. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde, 1987. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.
TANAKA, Eliza Dieko Oshiro; MANZINI, Eduardo José. O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Revista Bras. Ed. Especial. Marília. V.11, nº2, p.273-294. Mai.- Ago. 2005
Notas
Cabe aqui destacar que até mesmo o cinema fantástico apresenta representações da realidade, por meio de imagens absurdas, exageradas, simbólicas.
Apenas a título de esclarecimento: o Cinema é chamado de Sétima Arte, mas não existe uma hierarquia das artes ou algum tipo de escalonamento. As “outras seis” artes são: a Música, a Dança, a Pintura, a Escultura, a Literatura e o Teatro. O Cinema é a única arte que tem uma posição (a sétima) pois quando de sua criação as outras (seis) artes já existiam.
Também como mera observação, o uso da Arte é uma metodologia reconhecida no processo de ensino- aprendizagem por seu dinamismo e flexibilidade. É salutar observar que um filme permite que uma pessoa sem recursos para sair de sua cidade possa experimentar visualmente (por meio das imagens e sons) situações ocorridas (real ou fictamente) em qualquer lugar do planeta (de outros planetas e até de outros mundos).
-
Freak Show (em língua portuguesa se traduz por algo como “circo dos horrores”) eram espetáculos onde se exibiam pessoas (e em alguns casos animais) considerados exóticos ou “aberrações”. Sua popularidade se justificava pela curiosidade que “o outro” causava numa época em que pouco se conhecia sobre outras realidades. Assim, “Anões, gigantes, mulheres barbadas, negros, indígenas, porcos falantes, animais monstruosos e raros compunham a estranha fauna dos conhecidos shows de aberrações (ou freak shows) – zoológicos humanos e animais, museus, feiras e circos faziam parte das possibilidades de entretenimento oferecidas nas cidades europeias. Alguns desses espetáculos eram itinerantes, constituindo-se em um dos principais veículos para a criação de visões específicas acerca de um mundo não europeu, não civilizado” (FERREIRA, HAMLIN, 2010, p.825). Sugere-se também, para aprofundamento sobre o tema, a leitura de “O Homem Elefante:reflexões sobre saúde, doença e anormalidade” da autoria de Stela Nazareth Meneghel (2008).
Tal colocação é forçada por Stela Nazareth Meneghel quando afirma “A monstruosidade representa uma transgressão dos limites naturais, podendo ser atribuída a infrações, ultrapassando os limites da lei civil, religiosa ou divina” (2008, 428).
Sociedade Grega e Romana;
O movimento Pestalozziano teve início no Brasil, quando da Fundação do Instituto Pestalozzi, em 26 de outubro de 1926, tendo como objetivo prestar serviços em educação especial e atendimento clínico à comunidade, contribuindo para melhorar a qualidade de vida do ser humano, promovendo sua integração social. (web site: http://www.ufrgs.br/incluir/dia-nacional-do-movimento-pestalozziano)
Instituída em 11 de dezembro de 1954 a Apae – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, é um Movimento que se destaca no país pelo seu pioneirismo por ser a primeira iniciativa de congregar pais de Pessoas com Necessidades Especiais e outras pessoas interessadas em apoiá-los com o objetivo de “promover o bem estar dos excepcionais”. (web site: http://carlosbarbosa.apaebrasil.org.br/)
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIÊNCIA. Resolução aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 09/12/75. 1 - O termo "pessoas deficientes" refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.
CONVENÇÃO N. 159 da OIT - Art. 1 — 1. Para efeitos desta Convenção, entende-se por ‘pessoa deficiente’ todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada.
Lei 13.146/15, art. 36 § 2º A habilitação profissional corresponde ao processo destinado a propiciar à pessoa com deficiência aquisição de conhecimentos, habilidades e aptidões para exercício de profissão ou de ocupação, permitindo nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso no campo de trabalho.
Aqui não se está defendendo a existência desses freak show pois é conhecido que a grande maioria dos artistas expostos nesse tipo de espetáculo eram submetidos a tratamentos degradantes e abusivos, explorados como escravos, mercadorias ou similares. O que se destaca é que, para muitos, aquela realidade era preferível à de manicômios ou lugares piores.
-
“art. 227[...] § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.”
Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo: “art.244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.”
Conceito dado pela Lei 13.146/15, Art. 3º: “Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se: I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida;”