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O direito constitucional fundamental de greve e a função social da posse.

Um novo olhar sobre os interditos possessórios na Justiça do Trabalho brasileira

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22/11/2007 às 00:00
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7 – CONCLUSÃO

Já ao término da minha tarefa, cumpre-me esboçar uma síntese conclusiva, capaz de resumir tudo aquilo que de essencial foi dito até aqui. Assim é que merecem destaque os seguintes pontos:

- A greve é um direito constitucional fundamental da classe trabalhadora, reconhecido tanto no plano internacional quanto no interno. Sua compleição é ampla e dialética, pois ao mesmo tempo em que é norma, consegue ser ainda sanção e garantia.

- A função primordial da greve é a viabilização de outro interesse não menos fundamental da classe trabalhadora, também externa e internamente consagrado, que é a garantia de negociação coletiva dos seus direitos laborais. Pode-se dizer, pois, que o paredismo possui função instrumental.

- Por ocasião do advento da E.C. 45 o poder normativo da Justiça do Trabalho foi amainado, fato que merece ser comemorado, já que o dissídio coletivo não passa de uma herança autoritária, sem paradigmas no mundo democrático. Com efeito, é correto afirmar que, em tal contexto, o direito de greve foi ainda mais prestigiado pelo constituinte derivado.

- Para merecer a tutela jurisdicional possessória, a posse deverá cumprir concretamente com a sua função social, a qual somente será alcançada, no plano empresarial, quando o empreendimento se comprometer com um padrão exploratório que favoreça o bem-estar dos trabalhadores, bem como com o respeito dos direitos laborais básicos, dentre eles o de negociação coletiva.

- São três as demandas tipicamente possessórias, quais sejam, o interdito proibitório, a ação de manutenção de posse e a ação de reintegração de posse, sendo da Justiça do Trabalho a competência para delas conhecer, quando manejadas em face do exercício do direito de greve.

- No interdito proibitório, a simples notícia do intento dos trabalhadores de promoverem a paralisação dos serviços não será motivo para que o Juiz do Trabalho defira a liminar perseguida pelo empresário, vez que sempre militará presunção de que os obreiros não exercitarão o direito de greve abusivamente. Cabe ressaltar, entretanto, que a concessão da tutela satisfativa será plausível na hipótese do interessado demonstrar que o movimento paredista foi engendrado muito tempo antes da data-base, com o objetivo gratuito de esgarçar as relações empregatícias.

- No caso dos interditos de manutenção e reintegração, a liminar não deverá ser concedida sem que o empregador demonstre a sua disposição real e séria de participar do processo de negociação coletiva, pois somente assim convencerá o Juiz do Trabalho de que a sua posse se presta à concretização da função social a que está constitucionalmente adstrita.

- O mais adequado, sempre, será que o magistrado se apegue às melhores tradições da Justiça do Trabalho, para, na perspectiva de intermediação do conflito e aproximação dos litigantes, inserir o processo em pauta e fomentar a negociação coletiva, de tal modo abdicando de impor uma decisão autoritária à pendência.


BIBLIOGRAFIA

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Notas

01 Direito Coletivo do Trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2001, p. 149.

02 Direitos Humanos: Essência do Direito do Trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2007, p. 99.

03 Vide, por exemplo, o Código Penal brasileiro de 11.10.1890, a Lei de Segurança Nacional de 1938 e o Código Penal editado em 1940.

04 Oris de Oliveira, Juiz do Trabalho e doutor em direito, ensina, in Direito Coletivo do Trabalho em uma Sociedade Pós-industrial, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 225, que os inúmeros casos de greve examinados pelo Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho "permitiram a elaboração de um conjunto de princípios que constituem um verdadeiro direito internacional sobre liberdade sindical, uma espécie de regra direito consuetudinário internacional".

05 Direito Constitucional do Trabalho, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.p. 87 e 88.

06 Orlando Gomes apud Enoque Ribeiro dos Santos, in Direitos Humanos na Negociação Coletiva, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p.p. 101 e 102.

07 Estabelece o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho brasileira que "considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços."

08 Arnaldo Sussekind et al, in Instituições de Direito do Trabalho, Vol. 2, 21ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p. 1178.

09 Extraído do sítio www.oit.org.br em 03.11.2007

10 Extraído do sítio www.ilo.org em 03.11.2007.

11 Nunca é demais lembrar que os artigos 7º e 8º da CRFB estão inseridos no título II da Magna Carta, que, por sua vez, trata dos direitos e garantias fundamentais.

12Op. cit., p.p. 32 e 110.

13 Curso de Direito do Trabalho, 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 645.

14 Processo nº TST-RODC-3.612/2005-000-04-00.5, Relator Ministro João Batista de Brito Pereira.

15 Processo nº TST-RODC-992/2005-000-04-00.6, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula.

16 Direitos Reais, 4ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.p. 33 e 34.

17 Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais, Vol. III, 38ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 124.

18 Clóvis Beviláqua apud Humberto Thedoro Júnior, idem, p. 119.

19Op. cit., p. 38.

20Idem, p.p. 52, 53 e 54.

21Idem, p. 52.

22 Turbação possessória é todo fato impeditivo do livre uso da posse, ou que venha tornar duvidoso o exercício dela. Já o esbulho possessório é todo ato violento, em virtude do qual uma pessoa é despojada daquilo que lhe pertence ou está em sua posse. Vide, a propósito, DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991.

23 A Greve no Direito Brasileiro, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2006, p.p. 163 e 164.

24Op. cit., p. 148.

25 Vide o julgado STF, Ac. Pleno, Conflito de Jurisdição nº 6.959, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJU de 22.05.1991, p. 1259.

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26Op. cit., p. 130.

27 Decisão proferida na Sétima Vara Cível do Distrito Federal, nos autos do processo nº 2005.01.1.096701-4, em 04.05.2006.

28 Agravo de Instrumento nº 630440, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento ocorrido em 12 de março de 2007.

29 Art. 928 do CPC – Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.

Art. 929 do CPC – Julgada procedente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de manutenção ou reintegração.

30 A respeito, vide Luiz Guilherme Marinoni, in Técnica Processual e Tutela dos Direitos, 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 575.

31Op. cit., p.p. 139 e 140. Registre-se, todavia, que os mencionados autores, na seqüência, trazem uma alternativa em que a antecipação de tutela poderia ser usada, não para resguardar a posse, mas a propriedade. Dizem eles, na mesma p. 140: "A título de sugestão, sendo o possuidor igualmente qualificado como proprietário, será aconselhável o ajuizamento de ação reivindicatória, depois de escoado o prazo de ano e dia, podendo o autor lograr êxito com a demonstração de sua titularidade. Nestas circunstâncias poderá obter a tutela antecipada do art. 273, do Código de Processo Civil, sendo da essência da dita ação petitória o rito ordinário. Aqui não se verifica qualquer burla ao sistema, pois a pretensão do autor se assenta em remédio jurídico ligado à violação de direito de propriedade. Ao contrário da ação possessória, a reivindicatória tramita com procedimento comum, sem previsão legal específica para a concessão de tutela antecipatória".

32 Devo esclarecer que centrarei atenção na decisão da liminar, pois em virtude do caráter efêmero da greve, o interesse processual do autor geralmente se exaure antes da decisão definitiva de mérito.

33 Esclarece Humberto Theodoro Júnior (op. cit., p. 148) que "a estrutura do interdito proibitório é de uma ação cominatória, para exigir do demandado uma prestação de fazer negativa, isto é, abster-se da moléstia à posse do autor, sob pena de incorrer em multa pecuniária".

34Op. cit., p.p. 148 e 149.

35 Decisão interlocutória proferida em 27 de setembro de 2005, no interior dos autos do processo nº 01012.2005.007.23.00-3, cujo curso deu na 7ª Vara do Trabalho de Cuiabá – MT.

36 É evidente que todas as greves são inegavelmente dotadas de contundente caráter político. Procurando, todavia, explicar o uso da expressão "caráter político" no corpo da ementa transcrita, trago a lição de Marilena Chaui, in Convite à Filosofia, 13ª ed., São Paulo: Editora Ática, 2005, p.p. 347 e 348: "Em certos casos, é compreensível que a expressão greve política pareça uma acusação. Quando, por exemplo, se trata de trabalhadores de uma fábrica de automóveis que, em nome de melhores salários, entram em greve contra a direção da empresa, considera-se que a greve é como tem de ser, ou seja, simplesmente econômica. Ao criticá-la como greve política está-se querendo dizer que os grevistas, sob a aparência de uma reivindicação salarial, estariam defendendo interesses particulares escusos e ilegítimos, ou buscando, dissimuladamente, vantagens e poderes para alguns sindicalistas. A palavra política é, assim, empregada para dar um sentido pejorativo à greve. Há casos, porém, em que a expressão greve política, usada como crítica ou acusação, é surpreendentemente descabida. Suponhamos, por exemplo, que os trabalhadores de um país façam uma greve geral contra o plano econômico do governo. Estão, portanto, recusando uma política econômica e, nesse caso, a greve é e só pode ser política. Por que, então, acusar uma greve por ser o que ela é? O motivo é simples: para o senso comum social, dizer de alguma coisa que ela é política é fazer uma acusação. A crítica só em aparência está dirigida contra a greve, pois, realmente, está voltada contra a política, imaginada como algo maléfico."

37 Constituição e Reforma Trabalhista no Brasil: Interpretação na Perspectiva dos Direitos Fundamentais, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p.p. 152, 154 e 155.

38 Nunca é demais repisar que a greve somente se justifica nos contextos de recusa dos empregadores à negociação coletiva (artigo 3º da Lei 7.783-89).

39 O professor de direito constitucional e Procurador do Trabalho, Manoel Jorge e Silva Neto, in Direitos Fundamentais e o Contrato de trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2005, p. 21, ensina que "a dignidade da pessoa humana é o fim supremo de todo o direito; logo, expande seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação. É o fundamento maior do Estado brasileiro".

40 Diz o artigo 4º da Lei 7.783-89: Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, a assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.

41 Estatui o § 1º do artigo 4º da Lei 7.783-89: O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.

42Op. cit., p. 100.

43 Direito Constitucional do Trabalho: Sua Eficácia e o Impacto do Modelo Neoliberal, 1ª ed., São Paulo: LTr, 1998, p. 102.

44 Elementos de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 25.

45 A inserção do feito em pauta poderá ser realizada com substrato no artigo 765 da Consolidação das Leis do Trabalho, que confere ao Juiz do Trabalho ampla liberdade na direção do processo. Demais disso, o fato é que a inteligência dos artigos 928 e 929 do Código de Processo Civil permite, naqueles casos em que a liminar não deva ser concedida inaudita altera pars, que o processo seja inserido em pauta, para realização de audiência de justificação, ocasião em que o magistrado evidentemente poderá buscar a abertura ou retomada da negociação coletiva.

46 Luiz Melíbio Uiraçaba Machado apud Amilton Bueno de Carvalho, in Magistratura e Direito Alternativo, 5ª ed., Rio de Janeiro: Luam, 1997, p. 104.

47 Os casos a seguir são narrados a partir de uma adaptação livre de texto obtido, na data de 07.11.2007, no sítio http://www.fabricasocupadas.org.br.

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Sobre o autor
João Humberto Cesário

Juiz titular da Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia (MT), doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino, mestrando em Direito Ambiental, professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CESÁRIO, João Humberto. O direito constitucional fundamental de greve e a função social da posse.: Um novo olhar sobre os interditos possessórios na Justiça do Trabalho brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1604, 22 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10683. Acesso em: 28 mar. 2024.

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