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Ação judicial de natureza coletiva

28/11/2007 às 00:00
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O objetivo deste artigo é o de analisar, em rápidas pinceladas, os "prós e contras" das ações de natureza coletiva, notadamente, da Adin, que vem sendo utilizada com maior freqüência, principalmente, no campo do Direito Tributário.

As medidas judiciais de natureza coletiva em geral (ação civil pública, mandado de segurança coletivo, Adin etc.), em tese, trazem vantagens do ponto de vista da economia processual e da agilização do Poder Judiciário, evitando proposituras de centenas ou milhares de ações de idêntica natureza, e, promovendo a rápida consolidação jurisprudencial, contribuindo para aumentar a segurança jurídica, não importando o acerto ou desacerto da posição consolidada. Outrossim, beneficiam aqueles hipossuficientes, que não teriam como arcar com a contratação de advogados.

Os beneficiários de ações coletivas não arcam com despesas, nem com o ônus de eventual sucumbência; apenas colhem os resultados econômicos das demandas julgadas procedentes.

No campo do Direito Tributário, a ação coletiva mais utilizada é a Adin. É rara a propositura de Adin estadual contra leis ou atos normativos municipais contestados em face da Constituição Estadual, como exige o § 2º do art. 125 da Constituição Federal. É que os princípios tributários, necessariamente, são de natureza nacional e estão expressos ou implícitos na Constituição Federal. Quaisquer princípios tributários previstos na Constituição Estadual serão meras repetições dos que já estão na Lei Maior, incidindo na vedação da propositura de ação direta de inconstitucionalidade em tais casos, proclamada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Adin 15.181-0-SP, Rel. Des. Cesar de Moraes, RTJESP, Lex 147/259; Adin 15.838-0-SP, Rel. Des. Aniceto Aliende, RTJESP, Lex 142/304).

Examinemos a Adin perante o STF.

De um lado, as vantagens como as retromencionadas.

De outro lado, existem várias desvantagens, como veremos a seguir.

Uma inicial, ainda que elaborada por um experiente profissional, para contestar lei ou ato normativo logo nos primeiros dias de sua vigência (às vezes, ataca-se a proposta legislativa), sempre deixará lacunas inevitáveis. Muitos dos aspectos que poderiam ser enfocados na inaugural somente virão à luz ao longo do tempo, em inúmeras decisões submetidas ao crivo do contraditório e ampla defesa, nas instâncias ordinárias. Algumas matérias controvertidas levam décadas para pacificar o entendimento jurisprudencial, resultando na edição de Súmulas.

Apesar de na Adin, os Ministros da Corte Suprema não estarem adstritos aos termos da inicial, podendo discutir amplamente a questão colocada na ação, sob todos os ângulos, no exercício da função de guardião da Constituição Federal, a verdade é que a possibilidade de equívoco, decorrente da falibilidade humana, é sempre bem maior quando se julga uma questão antes nunca abordada pelos Tribunais.

Daí a "queima" de boas teses, que poderiam lograr sucesso se levadas ao Supremo Tribunal Federal por via de recurso extraordinário, após detidamente sopesadas nas instâncias ordinárias. Centenas de decisões monocráticas e até acórdãos de Tribunais Estaduais e de Tribunais Regionais Federais já foram sepultados pela superveniência de uma decisão contrária proferida nos autos de Adin, açodadamente aflorada. Às vezes, os bons profissionais, que estavam logrando vitórias em ações individuais, nas instâncias ordinárias, sentem-se traídos.

Outro grande mal da Adin, em matéria tributária, é o inafastável componente político da decisão judicial da Corte Suprema. Afinal, decretar a inconstitucionalidade de determinado tributo, com efeito erga omnes e com efeito vinculante aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública das três entidades políticas pode acarretar desequilíbrio das finanças públicas, prejudicando a execução do plano de ação governamental referendado pela Lei Orçamentária Anual. Não ameniza esse problema, ainda que seja fixada a eficácia da decisão a partir do trânsito em julgado ou de outro momento, como permite, excepcionalmente, por maioria de dois terços dos Ministros, conforme prescrição do art. 27 da Lei nº 9.868/99.

Daí porque, se não for, desde logo, suspensa a exigibilidade do crédito tributário, por meio de uma liminar, o julgamento do mérito tende a eternizar-se. A cada ano que passa torna-se mais remota a possibilidade de vitória dos contribuintes, por causa do grave perigo às finanças públicas, representado pela supressão de um rendoso tributo que vinha sendo arrecadado ao longo dos anos. Isso, sem contar o eventual risco de repetição, no qüinqüênio legal, a contar do trânsito em julgado da decisão declaratória de inconstitucionalidade do tributo.

Só para citar, podemos lembrar duas Adins, que tendem a ser proteladas em suas decisões: a Adin nº 2669-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, ajuizada em junho de 2002, pela Confederação Nacional de Transportes Rodoviários, para ver declarada a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS sobre o preço das passagens de ônibus interestaduais, e, a Adin nº 2036-DF, Rel. Min. Moreira Alves, ajuizada nos idos de 1999, pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, para ver declarada a inconstitucionalidade da fixação, por lei ordinária, de requisitos para gozo da imunidade pelas entidades beneficentes de assistência social.

Do ponto de vista político, é preferível a ação individual, ainda que, com o risco de cassação da liminar, sob o indefectível argumento de "efeito repetitivo", que não tem, data venia, qualquer respaldo jurídico-constitucional. Trata-se de uma criação pretoriana, que esvazia o direito líquido e certo do postulante e fomenta o descumprimento das obrigações legais pelos governantes, permitindo o desenvolvimento de um processo de endividamento público irreversível. Exatamente, na contramão do que dispõe a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se as liminares concedidas, por exemplo, em razão de descumprimento de leis salariais, editadas pelo próprio ente político, não tivessem sido cassadas, certamente, não estaríamos diante de uma montanha de precatórios alimentícios "impagáveis", cujos credores estão morrendo, aos milhares, a cada ano que passa. Posto que, nenhum reajuste salarial pode ser concedido sem previsão na lei orçamentária anual, o não pagamento desse reajuste legalmente concedido significa desvio de recurso orçamentário, isto é, desvio de finalidade, o que, por si só, caracteriza ato de improbidade administrativa. Longe de merecer proteção do Judiciário, a pretexto de evitar efeito repetitivo, esse ato deveria ser reprimido. Com tal posicionamento, o Judiciário acaba por produzir, involuntariamente, efeito repetitivo de descumprimento de preceito legal pelos governantes. É chegada a hora de repensar a matéria. Eles não cumprem a lei, nem o precatório judicial resultante do descumprimento da lei. Afinal, o Judiciário não pode servir de escudo para maus governantes, que se julgam acima da lei.

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Voltando ao assunto, ação de natureza singular tem a vantagem de não causar impacto financeiro ao Poder Público, e possibilitar a formação de jurisprudência com a participação de todos os Tribunais do País, com a uniformização de eventuais discrepâncias pelo STJ ou pelo STF, conforme o caso. Quando a tese contrária ao fisco estiver definitivamente consolidada, o ente político tributante já terá encontrado a alternativa para manter o equilíbrio das contas públicas. Não haverá perigo de dano às finanças públicas a direcionar a rejeição da ação pelos Tribunais.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Ação judicial de natureza coletiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1610, 28 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10685. Acesso em: 19 abr. 2024.

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