A Escravidão na Conceição do Azevedo (Atual Jardim do Seridó – RN)

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Resumo:


  • O artigo aborda a presença da escravidão no Brasil e no Seridó-RN, destacando a contribuição dos afrodescendentes e os embates de resistência entre cativos e donos.

  • São utilizadas fontes regionais e locais, como acervos cartorários e religiosos, além da análise do censo de 1872, para evidenciar a presença afrodescendente em Jardim do Seridó.

  • O estudo é dividido em três capítulos: "O Primeiro Marco da Escravidão", "A Escravidão no Seridó" e "Cativos em Jardim do Seridó - RN", abordando aspectos históricos, culturais e econômicos relacionados à escravidão na região.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: O presente Artigo trata em princípio, do contexto historiográfico existente no âmbito da Escravidão no Brasil e consequentemente no Seridó-RN buscando através da análise de documentos locais, evidenciar a presença escrava, na Conceição do Azevedo, atualmente a cidadela de Jardim do Seridó/RN, e sua contribuição na dinâmica social e histórica desse espaço, bem como os embates de resistência entre cativos e seus donos. Nesse ínterim, serão utilizadas informações prestadas por aportes historiográficos regionais e locais, para a fomentar o problema da pesquisa. Serão utilizados também fontes presentes, nos acervos cartorários e religiosos da região do Seridó, e da cidade supra citada, bem como a análise do censo de 1872, para evidenciar a presença afrodescendente nesse espaço e colaborar com a visibilidade dessa temática.

Palavras chaves: Escravidão, Jardim do Seridó, Resistência


1. INTRODUÇÃO

No presente estudo, enfatizamos o quanto a história da escravidão no período colonial brasileiro marcou profundamente o Brasil com a exploração da mão de obra escrava para sustentar impérios, economias e sociedades, refletindo diretamente na sua implementação ao longo do século XIX e as complexas questões sociais e raciais que reverberam na atualidade brasileira. O objetivo é a visibilidade dos afrodescendentes (cativos) de Jardim do Seridó, através da análise de documentos da época, enfatizando os trabalhos de pesquisa tendo em vista que os relatos sobre a participação escrava, nas produções acadêmicas e livros potiguares. O propósito geral do estudo é pontuar que a cidadela na ribeira do Seridó também foi palco dessa mancha na sociedade brasileira.

O seguimento do estudo é redirecionado de forma cronológica e macro territorial, buscando visar o micro territorial que é pouquíssimo relatado, entretanto este e alguns trabalhos mencionados buscam enfatizar a história da construção do Seridó, onde a muito trabalho escravo em cima das muitas casas, igrejas e monumentos e dentre inúmeras outras atividades que foram realizadas por trabalhadores escravos negros. Optou-se por uma pesquisa de caráter qualitativo e bibliográfico, bem como acervo do LABORDOC do Centro de Ensino Superior do Seridó, CERES/UFRN, como também, o Censo de 1872.

O artigo está dividido em Três capítulos, tendo no primeiro: O Primeiro Marco da Escravidão, enfatizando toda conjuntura da escravidão, no Brasil no Período colonial. Esse capítulo se divide em um subtópico intitulado: A influência afrodescendente no Brasil, evidenciando como a cultura africana, influenciou em vários aspectos, a construção da identidade brasileira. No segundo capítulo, A Escravidão no Seridó, procurou identificar traços culturais em busca de uma etnicidade, no Seridó nordestino, onde nativos subjugados, apesar da situação de escravidão, se auto afirmavam e reivindicavam espaços de decisão e resistência. No último tópico: Os “Cativos em Jardim do Seridó – RN” enfocamos a presença de escravos na cidadela localizada na Ribeira do Seridó, no século XIX, e a importância desses para desenvolvimento da economia, destacando à criação de gado e o cultivo de algodão. Também é foco na pesquisa evidenciar a quantidade de cativos presentes nessa cidade e buscar a possível relação de trabalho entre escravos e livres, ambos trabalhando juntos na manutenção da produção econômica da localidade.


2. PRIMEIRO MARCO DA ESCRAVIDÃO

O período colonial no Brasil foi marcado estruturalmente pela escravidão ocorrida nesse tempo, muitos escravos foram retirados a força dos seus locais de origem e transportados através dos navios negreiros, vendo nessa perspectiva histórica vamos adentrar ao centro da escravidão no Brasil.

Como é de conhecimento geral, no primeiro século de colonização do Brasil os portugueses começaram a utilizar os indígenas como escravos inicialmente, seguindo a decorrência histórica o trabalho escravo indígena não estava funcionando da melhor forma, por vários motivos, sendo que mesmo com castigos físicos muitos indígenas se recusavam a trabalhar, os colonos também espalharam muitas doenças que como consequência ocasionou muitas mortes aos nativos, logo assim para os portugueses começou a se sedimentar a ideia de escravos africanos, com a lógica que o escravo negro seria mais lucrativo do que os indígenas. No livro Escravidão no Brasil de Jaime Pinsky (2010, pag.7), o autor apresenta que:

“A escravidão se caracteriza por sujeitar um homem ao outro, de forma completa: o escravo não é apenas propriedade do senhor, mas também sua vontade está sujeita à autoridade do dono e seu trabalho pode ser obtido até pela força.”

Trazendo sua colocação ao referente artigo, foi como toda essa demanda de mão-de-obra forçada aconteceu, inicialmente com os indígenas que estavam sujeitos a senhores desconhecidos e logo após os escravos negros que foi obtido o seu trabalho assim como Jaime Pinsky se refere com a imposição da força.

A transição desses novos escravos para o Brasil foi uma época marcada com sangue na história, o tráfico negreiro foi a transportação dos escravos em navios para o Brasil, essa transportação era um caminho de confinamento completo e de sofrimento constante, tratados assim como mercadorias sem valor, mas ofertando muito lucro para os comerciantes levando uma fortuna durante mais de três séculos, muitos fornecedores lucraram em cima dos navios negreiros, essas relações comerciais nos reinos africanos era oque proporcionava para os portugueses a compra e troca de escravos. Esse comércio esse instalou e proliferou de uma forma absurda, onde cada vez mais se precisava de mão de obra, durante todo esse tempo mais de 4,8 milhões de escravos foram transportados para o Brasil durando em média 300 anos, em meio todo esse tempo a negligência dos direitos humanos com essas pessoas negras foi lastimável. Segundo o livro Uma História do Negro no Brasil escrito pelo autor Wlamyra R. de Albuquerque Walter Fraga Filho, ele transpõe bem em sua obra sobre Escravos e Escravidão no Brasil.

“Por mais de trezentos anos a maior parte da riqueza produzida, consumida no Brasil ou exportada foi fruto da exploração do trabalho escravo. As mãos escravas extraíram ouro e diamantes das minas, plantaram e colheram cana, café, cacau, algodão e outros produtos tropicais de exportação”. (2006, pág. 66)

Em consequência disso, é possível notar a exploração através dos escravos africanos, levando uma vida incessante de violência extrema, com uma jornada de trabalho que se estendia mais de vinte horas por dia sendo assim imposta de maneiras brutais, tendo destaque de que a vida desses trabalhadores era bruscamente impossível de sobreviver, a alta taxa de mortalidade na época mostrava que muitos não passavam no máximo dos trinta anos, primeiro porque que esses negros que vinham de fora tinham que sobreviver ao percurso nos navios negreiros e aos que sobreviviam ainda tinha que lutar pelo dia a dia no Brasil vivendo em condições desumanas, então como muitos não aguentavam essa pressão avassaladora, a procura por mão de obra escrava aumentava cada vez. FILHO (2026, pág. 67) argumenta que:

No início do século XIX, o Brasil tinha uma população de 3.818.000 pessoas, das quais 1.930.000 eram escravas. Em algumas partes do Brasil, o número de escravos chegou a superar o número de pessoas livres... Para se ter uma ideia, os africanos representavam 63 por cento da população escrava de Salvador. No Rio de Janeiro, os nascidos na África constituíam cerca de 70 por cento.

Como o autor Wlamyra R. de Albuquerque Walter Fraga Filho coloca em seu livro esse fato da demanda absurda de trabalhadores exportados pelos senhores e autoridades coloniais da época, se tornava cada vez mais presente e “normalizada” como uma realidade na vida dos brasileiros.

2.1 A influência dos afrodescendentes no Brasil:

De acordo com o livro Os Africanos no Brasil de Raymundo Nina Rodrigues (2010, pág. 21):

A Raça Negra, que havia argamassado com o seu suor os alicerces econômicos da nossa civilização e independência, não só dominava então, pelo número, a Brancos e Índios, como já preparava, pela dissolução no mestiçamento, o predomínio que lhe havia de caber um dia na direção do futuro povo.

O contexto histórico brasileiro contemporâneo é todo enraizado pela miscigenação do passado, onde os negros já dominavam a grande parte da sociedade brasileira como é colocado no livro “Os Africanos no Brasil”, e por isso ao longo do tempo essa forte presença afrodescendente foi criando influências cada vez mais presentes na cultura brasileira, a qual se tornou o que é hoje, “o futuro povo” como o autor cita é a contemporaneidade da sociedade mestiça atual. Essa influência africana no Brasil proporcionou uma cultura de vários aspectos, os escravos que habitaram no território brasileiro trouxeram consigo uma dinâmica cultural e adaptaram para sua realidade, considerando todo o sofrimento que ocorreu, onde os escravos “propriedades” dos senhores de engenho eram obrigados a trabalhar a força e abandonar suas crenças, culturas e costumes e a encararem uma realidade fora do seu habitual, mas o fato que inicialmente se deu pelas escravas que foram de maior parte responsáveis pela cozinha dos engenhos , permitindo de maneira indireta a difusão dos estilos culinários, e muitos outros escravos foram se habituando e utilizando de sua essência, buscando manter as suas tradições tanto por aspectos religiosos, culinários, musicais e etc.

Essa mesclagem foi se alastrando por todo o país de acordo com tempo. Como diz Maria Genárdia Moura, “a escravidão potiguar adquiriu características bem particulares, dado a especifidades de sua economia, se a compararmos com o resto do Brasil “como citado o Rio Grande do Norte teve suas peculiaridades afrodescendentes diferentes do resto do país, a influência afro foi tão forte no Rio Grande do Norte que de acordo com o livro A escravidão no Rio Grande do Norte é colocado que:

Outra evidência da importância da presença negra na capitania, em 1722, é a segunda igreja construída na Cidade do Natal, que foi dedicada à Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, com o fim de prestar assistência espiritual a essa parcela da população. (2021, pág. 22)

Percebendo assim muitos outros aspectos que foram a ser mencionados aos escravos que habitaram no RN, especificando principalmente na capital, Natal. Entretanto a presença escrava nas cidades pequenas do RN foi bastante abrangente, a participação afro-brasileira no prosseguimento do Seridó não foi tão relada historicamente, mas grandes pesquisas feitas na atualidade levaram a grandes descobertas trazendo uma revisão diferente da historiografia tradicional dos afrodescendentes no Seridó.


3. A Escravidão no Seridó

A história da escravidão no Seridó ainda não é muito conhecida, devido aos poucos trabalhos acadêmicos existentes. Os estudos da existência de grupos afrodescendentes, no Seridó, procuraram identificar traços culturais em busca de uma etnicidade. Segundo Cavignac (2016, pág105):

No Seridó, encontramos poucas referências ao “tempo da escravidão” por este continuar sendo um assunto tabu: as memórias foram silenciadas e são constituídas, principalmente, por um corpus narrativo que encena fugas ou acidentes; conforme a versão do passado na qual não se fala em escravos e, ao mesmo tempo, transmite uma memória reprimida que conseguiu atravessar os séculos de dominação colonial.

Ao que parece, a ideia era subliminar, até certo ponto o “branqueamento” da história e da genealogia do Seridó. os trabalhos acadêmicos de Mattos (1985), Borges (2000), Araújo (2003) e Macêdo (2007) demonstraram que a formação da sociedade no território sertanejo não era apenas, de uma elite branca subjugando nativos e afrodescendentes, mas também de grupos que apesar da situação de escravidão, se auto afirmavam e reivindicavam espaços de decisão (como as irmandades, a exemplo da do Rosário, fundada na Vila do Príncipe em 1771), além do que tiveram seus nomes guardados pela memória oral.

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A partir dos trabalhos de Gilberto Freyre, na década de 1930, houve uma grande mudança nos estudos raciais no Brasil. Em seu livro Casa-Grande e Senzala (1933), ele chama a atenção para uma brandura das práticas escravista no Brasil, onde brancos, negros e nativos teriam se misturado de modo harmônico, e que, sendo um país miscigenado, no Brasil não existiria racismo. De acordo com Santos (2010: pag. 72): “A miscigenação, para Freyre, seria uma solução brasileira para os diferentes padrões culturais e teria causado uma democratização social no Brasil.” Freyre parte do pressuposto que a formação brasileira foi marcada por “um processo de equilíbrio de antagonismos” que resultou num processo de harmonização.

Entretanto, sabe-se, atualmente, que essa relação entre os senhores brancos com os povos africanos nunca ocorreu de forma harmoniosa. De acordo com Cavignac (2016, pág. 97) “Na historiografia do Seridó potiguar, os africanos e seus descendentes foram relegados ao segundo plano: quando aparecem, (...) ao lado dos seus donos, prestes a ajudar, submissos e obedientes.” Relatos da época narram um passado de crimes, crueldade impostos aos escravos; Cavignac (2016, pág.97) “são histórias de fazendeiros cruéis, ricos coronéis que praticaram crimes sangrentos ou expulsaram os mais fracos das suas terras, mantendo sua autoridade graças a jagunços da sua confiança.”

Os vários estudos que ocorrem a partir da década de 50, de Boxer, Brion uma escravidão branda, mas sim de um racismo naturalizado com tons paternalistas. A complexidade das relações escravistas só podia ser apreendida nas relações entres senhores e escravos. São relatos de uma resistência em uma dimensão micro: as estratégias na negociação da condição escrava, na busca por uma “liberdade”. Nesse sentido, “(...) resistir significa, por um lado, impor determinados limites ao poder do senhor, onerá-lo em sua amplitude, colocar a mostra suas inconsistências (...)” (MACHADO, 1987, p.20)


4. Cativos em Jardim do Seridó – RN

Os primeiros relatos sobre a presença portuguesa no território onde se localizava a Fazenda Conceição, atual Jardim do Seridó, ocorreram nos finais do século XVII1. A Fazenda Conceição comprada nos idos de 1770, por Antônio de Azevedo Maia Júnior, ficando a povoação conhecida como Conceição do Azevedo em 1856. Logo, tornou-se Vila da Conceição em 1858 e com o passar do tempo, emancipada em fins do século XIX. Esta cidadela localizada na Ribeira do Seridó tinha características econômicas marcantes, a princípio, a pecuária tornou-se relevante na região se comparada às outras atividades econômicas. E é nessa atividade que se desenvolverá o trabalho escravo (BORGES, 2000).

A atividade econômica seridoense baseada na criação de animais foi motivada por sua incompatibilidade com a plantation açucareira. Segundo Michele Soares Lopes (2011, p. 23):

A própria conquista portuguesa sob o sertão seridoense foi impulsionada pela impraticabilidade de criação de gado vacum em comunhão com o cultivo da cana-de-açúcar nas regiões litorâneas. Tudo isto devido ao fato de que a expansão do cultivo da cana teve a princípio como obstáculo a pecuária, cujo pastos foram requisitados para o plantio canavieiro. De maneira que o criatório na zona canavieira, tornou-se uma atividade antieconômicas, pois competia com as plantações na disputa por pastos em terras férteis destinadas a exploração da cana.

Na cidade do Jardim do Seridó- RN, no século XIX, à criação de gado e o cultivo de algodão, estavam ligados a uma economia de subsistência e o escravo africano surge como força de trabalho desse sistema, mas também como sujeito que buscava a resistência escravidão. Embora pese a afirmação de Luís da Câmara CASCUDO, de que "Depois de 1888 os cartórios de quase todo o Brasil fizeram desaparecer os registros de compra, venda, hipoteca sobre escravos. Rui Barbosa, ministro da Fazenda, mandou queimar o arquivo, impossibilitando as futuras pesquisas para os estudos essenciais. Raros são os livros com esses assuntos deparados nos cartórios" (1984, p. 191). O Cartório e a Paróquia de Jardim do Seridó guardam importantes documentações, sobre escravos e libertos.

As fontes que se seguem são de tipologia documental impressa, digitalizada e oral. De acordo com PAIVA (2016, pág. 18)2 “Os dois primeiros conjuntos documentais correspondem aos processos de liberdade, justificações de escravidão: a venda da escrava Joaquina, datada de 1877; a do escravo Clemente no ano de 1878”. Em outras pesquisas documentais há registro do cativo pertencente a Pedro Paulo de Azevêdo no mesmo ano; e a justificação de Joaquina Theresa de Jesus., bem como a ação de liberdade da escrava Heduvirges, tendo como curador Olypio Horácio d´Oliveira Azevedo em 1880. Estes documentos fazem referência às ações ocorridas na Comarca da Cidade do Jardim e hoje encontram-se custodia dos no LABORDOC - Laboratório de Documentação Histórica - do Centro de Ensino Superior de Seridó - CERES/UFRN. O Censo de 18723 também foi levado em consideração.

A Cidade do Jardim no século XIX, do mesmo modo que outras localidades do Seridó, como a vizinha Cidade do Príncipe, atualmente Caicó, não possuía números elevados de escravos por propriedades. Câmara Cascudo no livro Rio Grande do Norte, relatou que: “Em 1884, o quadro de escravos em Jardim era de 432”. (CASCUDO, 1965 apud AZEVEDO, 1991, p. 171). Esses números demostram que, o processo de escravidão nessa Cidade acompanhou o modelo das demais cidades do interior do país que não tinham uma economia voltada para o mercado externo, mas sim, voltada por uma cultura econômica para o comércio interno.

No que diz respeito ao Seridó, os escravos eram comprados das Províncias de Pernambuco e Paraíba, devido não existir na Província do Rio Grande do Norte um mercado fornecedor. Os afrodescendentes eram utilizados nos mais variados tipos de trabalhos braçais, na região do Seridó. “Os escravos trabalhavam em todas as tarefas da fazenda, desde o trato com o gado, passando pela criação de pequenos animais, ao cultivo de gêneros alimentícios e à fabricação de artefatos domésticos” (PEREIRA, 2014, p. 38-39). Além das atividades pecuaristas e domésticas, os escravos também eram utilizados na produção algodoeira da região. “Neste sentido, as escravarias eram relativamente pequenas se comparadas com as do litoral nas quais se desenvolvia as atividades açucareiras destinadas à exportação” (MACÊDO, 2007, p. 33). Assim, entende-se que este menor número de cativos seria devido à atividade pastoril que não requisitava muitos escravos, por sua baixa rentabilidade, tornando-se uma economia limitada no interior do Seridó.

A Cidade do Jardim se caracterizou como as demais regiões com uma distinta divisão social, onde no topo estavam os grandes e pequenos donos de terras e seus escravos, seguidos pela população livre e pelos cativos. De forma que, naquela cidade, encontramos escravos pertencentes não só a grandes senhores fazendeiros de terras, mas a outros membros da sociedade. Durante o século XIX, o escravo era uma posse comum entre religiosos, militares, funcionários públicos, dentre outros. PAIVA (2016, pág.11) diz que: “Vale salientar que nesta mesma cidade, também encontramos sacerdotes, cujo rastro escravista foi deixado em seus inventários, como foi o caso do Padre Francisco Justino Pereira de Brito que esteve em terras jardinenses nos períodos 1856 a 1871”. Considerando as evidências da existência de escravos, nas regiões do semiárido, percebe-se às mesmas características que a comparada a regiões de grandes somas de cativos.

De acordo com o Censo de 1872, a cidade de Jardim do Seridó-RN, contava com 7.678 pessoas vivendo em suas terras, destas, 3.819 eram homens e 3.600 eram mulheres, bem como 259 pessoas classificadas como escravas (112 homens e 147 mulheres). Todos eles foram declarados católicos, sem poder expressar suas culturas de matizes africanas. Dos 259, 56 eram casados, sendo 27 homens e 29 mulheres. Destaque ainda para a criação da Irmandade dos Negros do Rosário de Jardim do Seridó, sujeitos sociais que construíram uma história, ressignificando sua identidade por meio de ritual festivo e devoção. Todos os escravos da Cidade eram analfabetos. Dos escravos existentes 111 deles realizaram trabalhos urbanos, segundo a categorização censitária: domésticos, costureiras, operários em metais, em calçados e jornaleiros. Já os escravos tidos como lavradores e que trabalhavam com agricultura e pecuária, somam um número inferior se comparados com os que trabalhavam na cidade: apenas 59 escravos entre homens e mulheres. Além 82 escravos tidos como “sem profissão”: 44 do sexo masculino e 38 do feminino. Esses estariam nos centros urbanos e rurais desempenhando papeis fundamentais no cotidiano (Escravos de ganho ou aluguel) da Comarca do Jardim. Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga listaram as atividades realizadas por estes escravos (2006, p. 83)

Além dos carregadores, havia os pedreiros, pintores, carpinteiros, estivadores, marinheiros, canoeiros, cocheiros, carroceiros, sapateiros, barbeiros, alfaiates, ferreiros, costureiras, bordadeiras, parteiras, enfermeiras. (...) nas grandes cidades essas atividades eram exercidas majoritariamente por negros e pardos, escravos e libertos, pois eram geralmente rejeitadas pela população branca.

Por fim, a existência de afrodescendentes na Cidade do Jardim é comprovada por fontes documentais e vozes que não passaram despercebidas. É uma história de resistência, lutas, embates em busca da almejada “liberdade”. Conhecer esse passado do Sertão do Seridó que somente repousa em algumas fontes e na memória individual de alguns de seus habitantes, põe em evidência o peso da colonização sobre esses povos que permanecessem vivos, acrescentando nuances que aproximam o presente do passado.

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Sobre os autores
Mônica Sabino de Oliveira

Acadêmica de Direito da Faculdade Católica Santa Teresinha - Caicó/RN.

Márcio André Evangelista Pontes

Mestre em Filosofia pela UERN (2022). Possui graduação em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2008). Professor na Faculdade Caicoense Santa Teresinha em Caicó/RN. Leciona Filosofia, Sociologia e Cultura Digital no Ensino Médio e Filosofia no Ensino Fundamental 2 no Centro Educacional Integrado do Seridó - CEIS. Leciona Filosofia e Sociologia no Núcleo de Isolados de Caicó - NIC. Professor celetista na Rede Estadual de Educação do Estado do RN. Possui experiência em Gestão de Pessoas e Supervisão de pessoal.

Karoline Dantas de Oliveira

Discente do curso de Direito da FCST em Caicó/RN.

Sara Raquel Garcia da Silva

Discente do curso de Direito da FCST em Caicó/RN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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