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A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência

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7. A abusividade na cobrança dos juros remuneratórios e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Nos últimos tempos, embora tenha rejeitado os fartos argumentos voltados para a limitação dos juros ao patamar de 12% ao ano, o Superior Tribunal de Justiça vem revendo sua jurisprudência, sobretudo diante do reconhecimento da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, há muito sedimentado na Súmula 297 [20] dessa Corte, como também em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 2591 [21].

O certo é que, atualmente, predomina a orientação de que a abusividade na pactuação dos juros deverá ser apreciada caso a caso, tomando-se como parâmetro a taxa média do mercado na praça do empréstimo, a teor do que ilustra o julgado abaixo:

"COMERCIAL. CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. A legislação não limita os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras, que, todavia, estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor (STJ - Súmula nº 297). Os juros podem ser abusivos se destoarem da taxa média de mercado sem que as peculiaridades do negócio os justifiquem - circunstância que não ficou evidenciada nos autos. Agravo regimental não provido" (STJ, AgRg no Ag 817539 / PR, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Terceira Turma, DJ 04.06.2007 p. 346) (grifo não original).

Seguindo esta tendência, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, considerou abusivo o percentual de 380,78% ao ano cobrado em um financiamento de R$ 1.000,00 (mil reais) feito por uma dona-de-casa de Porto Alegre [22].

Do voto do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator do Recurso Especial nº 971.853 - RS, julgado em 07/10/2004, lê-se os seguintes argumentos:

"O tema é bem conhecido deste Tribunal, que, inclusive, já firmou jurisprudência a respeito.

Como cediço, esta Corte entende que não se pode presumir abusivas as taxas de juros remuneratórios que excederem o limite de 12% ao ano. Todavia, orienta que a abusividade da cláusula contratual que a prevê pode ser declarada nas instâncias ordinárias, com amparo nas disposições do Código de Defesa do Consumidor, quando ficar provado que a instituição financeira está cobrando taxa excessiva, se comparada com a média do mercado para a mesma operação financeira.

É do que se trata no presente caso.

A r. sentença apurou que a taxa de juros remuneratórios cobrada pelas instituições financeiras recorridas encontra-se acima do triplo da taxa média do mercado para a modalidade do negócio jurídico bancário efetivado. Enquanto, a taxa média do mercado para empréstimos pessoais divulgada pelo Banco Central do Brasil para o mês da contratação é no patamar de 67,81% ao ano, a taxa cobrada foi no importe de 380,78% ao ano, que mensalmente reflete o percentual de 13,98%. Assim, flagrante a abusividade na estipulação contratual. Aliás, diante de tal discrepância, chega a impressionar a afirmação contida no peça recursal das instituições financeiras de que "não se visualiza, no presente caso, qualquer abusividade que possa ensejar a revisão do contrato" (fl. 153).

De outro lado, creio que têm razão as recorrentes quando se insurgem contra a limitação de 12% ao ano imposta pelo acórdão recorrido aos juros remuneratórios. A uma, porque ausente fundamentação a respeito dos parâmetros que resultaram na fixação em tal patamar. A duas, em virtude da orientação jurisprudencial desta Corte, a qual deve se adequar.

Assim, verificada a flagrante abusividade dos juros remuneratórios pelas instâncias ordinárias deve sua taxa ser adequada ao patamar médio praticado pelo mercado para a respectiva modalidade contratual, isto é, 67,81% ao ano, como determinam os precedentes deste Tribunal a respeito do tema.

Posto isso, dou parcial provimento ao recurso especial para afastar a limitação de 12% ao ano imposta à taxa de juros remuneratórios, para fixá-la de acordo com a média praticada pelo mercado, como acima explicitado. (...)".

Ao que se colhe das decisões colacionadas, o Superior Tribunal de Justiça vem proclamando que a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal da sua excessiva onerosidade, em relação à taxa média de mercado e demais peculiaridades da situação em concreto.


8. Conclusão

Apesar do vasto regramento que cuida dos juros remuneratórios no Brasil, tem-se visto que as divergências doutrinárias e jurisprudências são enormes.

Forçoso é reconhecer que a questão não vem sendo tratada pelos legisladores com a devida seriedade, pois os desencontros exteriorizados pelo Judiciário devem-se, principalmente, ao vasto e obsoleto emaranhado legislativo brasileiro.

A oportunidade criada pelo §3º do art. 192 da Constituição Federal de 1988 para regulamentar a limitação dos juros no país foi dissipada no momento em que este foi revogado pela Emenda nº 40/2003, pois, ainda que consubstanciado em norma de aplicabilidade restrita, como quis fazer prevalecer o Supremo Tribunal Federal, seria a forma mais acertada de o Estado agir em prol da sociedade brasileira, há muito entregue ao poderio econômico das instituições financeiras.

Com efeito, embora se tenha um Legislativo inerte, o Judiciário, ao menos em parte e dentro de suas limitações, vem intervindo com maior vigor nas relações contratuais, amenizando, dessa forma, o grande desequilíbrio ainda existente entre consumidor e fornecedor.


Notas

01 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de. Código civil anotado e legislação extravagante. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 326.

02 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, parte geral das obrigações. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 257.

03 SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v 2. p. 110.

04 "Art. 1063. Serão também de seis por cento ao ano os juros devidos por força da lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada".

05 CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: RT, 2000. p. 44/45.

06 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Juros no direito brasileiro. São Paulo: RT, 2003. p. 38.

07 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 71.

08 WEDY, Gabriel. O limite constitucional dos juros reais. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 1997. p. 38/39.

09 Extraído do voto do Min. Marco Aurélio (RE 286.963-5), que discutiu a validade da aplicação da Lei nº 4.595/64, na parte em que outorga poderes ao CMN para dispor sobre as taxas de juros bancários. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=286963.NUME.+E+$RE$.SCLA.&base=baseAcordaos

10 CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: RT, 2000. p. 49.

11 O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul possui entendimento majoritário no sentido de que o Decreto nº 22.626/33 é plenamente aplicável às operações bancárias.

12 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2004. p. 496.

13 TURCZYN, Sidnei. O Sistema financeiro nacional e a regulação bancária. São Paulo: RT, 2005. p. 115.

14 Fonte de Publicação: DJ de 9/10/2003, p. 3; DJ de 10/10/2003, p. 3; DJ de 13/10/2003, p. 3. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=648.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas

15 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 9. ed. p. 703/704.

16 STF, ADI 4 / DF - DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 25-06-1993 PP-12637. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M

17 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed, São Paulo: Editora Método, 2004. p. 484.

18 "EMENTA: COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE E DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356⁄STF. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626⁄1933). NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 4.595⁄1964. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. SÚMULA N. 596-STF. INEXISTÊNCIA DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. CONTRATO BANCÁRIO FIRMADO POSTERIORMENTE À VIGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO CIVIL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CABIMENTO. CC, ARTS. 591 E 406. I. Carente de prequestionamento tema objeto do inconformismo, a admissibilidade do recurso especial, no particular, encontra óbice nas Súmulas n. 282 e 356 do STF. II. Inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c⁄c o art. 406 do novo Código Civil. III. Outrossim, não incide, igualmente, a limitação de juros remuneratórios em 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de abertura de crédito. IV. Admite-se a repetição do indébito de valores pagos em virtude de cláusulas ilegais, em razão do princípio que veda o enriquecimento injustificado do credor. V. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido" (STJ, Recurso Especial Nº 680.237 – RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, DJ 15.03.2006 p. 211) (grifo não original).

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19 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed, São Paulo: Editora Método, 2004. p. 484.

20 Súmula 297 do STJ - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

21 "EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ART. 5º, XXXII, DA CB/88 – ART. 170, V, DA CB/88 – INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC] – MOEDA E TAXA DE JUROS – DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL – SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL – 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei nº 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88 – NORMA-OBJETIVO – EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO – 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo Sistema Financeiro Nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de Lei Complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL – ART. 4º, VIII, DA LEI Nº 4.595/64 – CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA – 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade" (STF – ADI 2591 – DF – TP – Rel. P/o Ac. Min. Eros Grau – DJU 29.09.2006 – p. 31).

22 "EMENTA: Ação revisional de contrato bancário. Juros remuneratórios. Verificação da abusividade da taxa prevista no contrato pelas instâncias ordinárias. Taxa acima do triplo ao patamar médio praticado pelo mercado. Adequação. I - Verificada a flagrante abusividade dos juros remuneratórios pelas instâncias ordinárias deve sua taxa ser adequada ao patamar médio praticado pelo mercado para a respectiva modalidade contratual. II - Recurso especial parcialmente provido" (STJ, REsp 971853, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Quarta Turma, DJ 24/09/2007).

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Sobre o autor
Luis Fernando Simões Tolentino

Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados (ANAMAGES)/Instituto Izabela Hendrix e Direito Público Municipal pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)/Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado (CEEDE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Luis Fernando Simões. A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1609, 27 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10699. Acesso em: 22 dez. 2024.

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