1. ENTENDENDO O METAVERSO
Foi por volta de 1992 que se ouviu falar pela primeira vez sobre um tema até então pouco conhecido: o metaverso. Atualmente, o conceito tem se popularizado, especialmente após a adoção do nome Meta por Mark Zuckerberg, em 2021 (BERNARDO, 2021).
A ideia do metaverso foi apresentada inicialmente na obra de ficção científica do escritor americano Neal Stephenson, Snow Crash. Segundo Cendão (2022), o livro alcançou sucesso por sua abordagem inovadora da realidade virtual, onde o conceito de metaverso era explorado de maneira pura e fascinante. Nesse universo, os adeptos interagiam por meio de avatares, que permitiam aos personagens ou usuários acessar a internet e se conectar na realidade virtual.
Stephenson (1992) introduziu uma história cativante, ambientada em um cenário inovador. O protagonista, Hiro Protagonist, vivia uma rotina comum como entregador de pizzas no mundo real, mas no metaverso assumia a identidade de um grandioso príncipe samurai. Essa dualidade despertou o interesse dos leitores.
Com o passar do tempo, o metaverso foi ganhando espaço nos quatro cantos do mundo. Para que ele se tornasse realidade, foi necessário investir em inovação e no avanço tecnológico. Contudo, a chegada da nova tecnologia de internet 5G foi, segundo Malar (2021), o ponto de ignição para colocar em prática esse novo mundo virtual.
Essa nova realidade abriu as portas para um universo em que as pessoas poderiam literalmente estar em dois lugares ao mesmo tempo: vivendo como indivíduos comuns na vida real ou assumindo a identidade de um personagem virtual. Além disso, o metaverso permite estudar, trabalhar, estabelecer relacionamentos e até mesmo realizar negócios, como comprar e vender, dentro de uma plataforma que promete revolucionar o mundo.
Cendão (2022) destaca a visão de JP Morgan sobre o tema, citando o seguinte trecho:
“O metaverso é a convergência perfeita de nossas vidas físicas e digitais, criando uma comunidade virtual unificada onde podemos trabalhar, brincar, relaxar, fazer transações e socializar” (CENDÃO, 2022, p. 25).
O metaverso pode ser entendido como um universo paralelo e interativo, onde é possível viver uma vida virtual. Por meio de avatares que representam a pessoa humana, o usuário pode realizar desejos e vontades dentro desse mundo digital inovador.
2. IMPACTOS JURÍDICOS NO METAVERSO
A tecnologia tem se mostrado uma ferramenta para facilitar a vida das pessoas, que não apenas utilizam o ambiente virtual por hobby, mas também como profissão. Jogos que envolvem depósitos de dinheiro, compra, venda e negociações acabam criando cenários complexos, onde é necessário que haja mecanismos ou agentes capazes de viabilizar o funcionamento adequado da plataforma. Dessa forma, torna-se imprescindível a imposição de regulamentações que garantam o respaldo de todos os usuários, assim como ocorre na vida real (RESULTADOS DIGITAIS, 2022).
Assim como existem normas jurídicas aplicáveis às pessoas no mundo físico, é fundamental que também sejam estabelecidas regras no metaverso. Essas normas devem ser impostas e aplicadas para evitar que esse ambiente virtual se torne um "mundo sem lei", onde avatares agiriam de forma descontrolada.
Independentemente de ser um ambiente virtual ou físico, a partir do momento em que envolve pessoas, ainda que representadas por avatares, torna-se essencial a existência de uma ordem jurídica. É necessário que os usuários compreendam que não podem agir livremente sem limites, e que há proibições e responsabilidades a serem observadas. Como princípio básico, onde há vida, há direitos; e onde há negócios ou fatos – sejam eles jurídicos ou não –, existem deveres e obrigações. Por isso, Camargo (2023) enfatiza a importância de uma regulamentação rigorosa no metaverso, para que ele não se transforme em uma terra sem lei.
Afinal, quem seria responsável por resolver um conflito em um ambiente onde uma pessoa pode, a qualquer momento, se transformar, desconectar ou simplesmente desaparecer?
Para que seja possível determinar a existência de um ato passível de Responsabilidade Civil, é imprescindível a presença de todos os seus elementos essenciais: ação ou omissão (uma conduta ou ato humano), relação de causalidade (nexo causal) e dano (prejuízo efetivo).
Partindo do pressuposto de que alguém possa ser responsabilizado civilmente por um determinado ato, é essencial compreender o conceito de Responsabilidade Civil. Segundo Pablo Stolze:
[...] a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar) (STOLZE, 2020, p. 1342).
Caso ocorra dentro do metaverso uma conduta ilícita, como a propagação de discursos de ódio contra outro indivíduo, configurando-se como um ato passível de Responsabilidade Civil, o responsável estará sujeito à obrigação de reparação por danos morais. A título de exemplo, já houve denúncia de assédio no metaverso, em que um avatar apalpou outro sem o devido consentimento (LEQUIER, 2022).
Essa questão é particularmente interessante, pois, ao se tratar de responsabilidade, danos morais e sua reparação, surge a dúvida central: a quem deve ser direcionada a responsabilização pelos atos ilícitos praticados no metaverso? Juridicamente, ainda não há legislação específica voltada diretamente aos avatares, mas sim à pessoa humana que os controla, sendo esta responsável pelas práticas realizadas no ambiente virtual.
No tocante à reparação de danos morais, Diniz (2007) destaca que, dentro do instituto de Danos Morais, existe a possibilidade de cumprimento da obrigação por meio de prestações pecuniárias, consistindo em pagamento em dinheiro, acrescido de juros e demais encargos legais.
2.1. APLICAÇÃO DAS LEIS NO METAVERSO
Na vida real, quando ocorre uma conduta entre duas ou mais pessoas que gera um impasse, aplica-se o instituto da Responsabilidade Civil. Esse instituto tem como objetivo mediar as ações dessas pessoas, gerando um dever jurídico para a resolução do conflito. Nesse contexto:
"Entende-se, assim, por dever jurídico a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações" (CAVALIERI, 2012, p. 27).
Segundo Tartuce (2015), a imposição da Responsabilidade Civil é de grande importância, pois estabelece um compromisso de obrigação ao causador do dano, obrigando-o a assumir os prejuízos decorrentes de seus atos. Esse conceito está intrinsecamente ligado à ideia de não prejudicar o outro, diretamente relacionada ao dolo ou culpa do agente.
Ainda nesse sentido, observa-se que, assim como na sociedade da vida real, onde certas atividades que causam prejuízos a terceiros geram desequilíbrios morais ou materiais passíveis de reparação, o mesmo ocorre no mundo virtual. Mesmo com a criação de anonimatos, o causador do dano não está isento de responsabilidade e deve arcar com as consequências de suas ações. No entanto afirma, Venosa:
A ideia central da responsabilidade civil é a reparação do dano, embora na reparação por danos exclusivamente morais esse aspecto não fique muito claro [...]. Por meio dessa reparação restabelece-se o equilíbrio na sociedade (VENOSA, 2013, P. 262).
Não é novidade que o Direito frequentemente chega atrasado às novas tendências, muitas vezes incapaz de acompanhar a velocidade das transformações sociais, necessitando recorrer a outras normas como suporte. Com a chegada da internet ao Brasil no final da década de 1980, conforme Macedo (2017), foi apenas em 2014 que se instituiu a Lei n.º 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet. Diante disso, seria essa norma confiável para regulamentar o metaverso? Embora a lei tenha ganhado força alguns anos após sua promulgação, parece claro que ela poderia oferecer amparo à nova realidade virtual. Contudo, seria suficiente para definir um código de conduta aplicável aos avatares?
A Lei n.º 12.965/14 tem como objetivo regular os direitos, garantias e deveres no uso da internet, estabelecendo princípios que buscam tornar o ambiente digital mais seguro. No entanto, surge o questionamento: até que ponto seria possível utilizar esses dispositivos jurídicos para identificar infratores no metaverso, rastrear avatares e responsabilizá-los, considerando que os mesmos podem literalmente "se teletransportar" para outras localidades virtuais? Qual seria a imposição legal para reparação de danos causados e em que tipo de descumprimento legal essa reparação se embasaria? Fica evidente que, embora o Marco Civil da Internet e a Responsabilidade Civil possam ser úteis, seria necessário desenvolver uma regulamentação específica para essa nova realidade.
Conforme Malar (2021), a demanda por soluções jurídicas no metaverso cresce exponencialmente. O anúncio de Mark Zuckerberg sobre o rebranding do Facebook para Meta, consolidando essa nova plataforma virtual, transformou o que era antes apenas uma possibilidade em uma realidade concreta para os próximos anos. No Brasil, entretanto, o tema ainda é embrionário, e a falta de regulamentação gera preocupação entre os profissionais do Direito, que enfrentam incertezas sobre como atuar nesse novo campo jurídico.
De fato, o cenário é mais complexo do que aparenta. Criar um avatar, adquirir um endereço IP e conectar-se à rede é suficiente para ingressar no metaverso, mas não resolve as questões jurídicas. Para os operadores do Direito, a dúvida recai sobre os fundamentos para defender um cliente no metaverso: afinal, o que deve ser defendido? O Direito de Personalidade, por exemplo, é intransmissível e personalíssimo, aplicável apenas à Pessoa Natural ou Jurídica. Dentro de uma realidade virtual, estaríamos defendendo o avatar ou a pessoa que o controla? Até o momento, o Direito reconhece apenas a Pessoa Natural e a Pessoa Jurídica, sem qualquer regulamentação para uma eventual "Pessoa Virtual". Assim, Venosa descreve:
Em princípio, toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar […]. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso (VENOSA, 2017, p. 437).
Embora Mark Zuckerberg já esteja trabalhando para tornar o metaverso uma realidade mundial, surge a pergunta: o Judiciário brasileiro estaria preparado para lidar com essa nova jornada? A evolução tecnológica avança em ritmo acelerado, e o Direito, idealmente, deveria acompanhar esse progresso. Contudo, enquanto a criação e o desenvolvimento da plataforma “Meta” seguem a todo vapor, persiste a dúvida: a instituição Meta seria solidariamente responsável por eventuais processos decorrentes de conflitos dentro da plataforma? Nesse caso, entende-se que, como responsável, a empresa teria a obrigação de responder judicialmente e arcar com as resoluções necessárias, inclusive no Judiciário. Entretanto, segundo Camargo (2023), "ainda estamos longe de uma regulamentação específica em qualquer nível."
Além disso, é importante considerar o que estabelece o Código de Defesa do Consumidor em relação à responsabilidade de fornecedores e fabricantes. Conforme os artigos 12 e 14:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Nesse sentido, conforme o art. 19 da Lei n.º 12.965/14 (Marco Civil da Internet), o provedor de aplicação de internet:
Art. 19. Somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
O que poderia ser entendido com essa afirmação? Quem seria o terceiro que cometeu o dano: o criador ou o avatar? Afinal, até o momento, não é possível afirmar se o ato danoso foi praticado por vontade própria ou alheia. Ademais, é possível adiantar que se trata de uma possível discussão sobre Responsabilidade Civil no contexto do metaverso.
No entanto, ao considerar a perspectiva de um novo estudo de caso sobre o metaverso, torna-se evidente a necessidade de uma nova fundamentação para melhor organizar essa nova realidade. Embora se afirme que o Direito acompanha a sociedade, observa-se que, na prática, essa adaptação nem sempre é objetiva. Há, sim, leis que regulam as relações entre pessoas físicas, mas essas normas estão realmente aptas a julgar e acompanhar as demandas dessa nova realidade?
Sabe-se que o metaverso é uma realidade em consolidação. Contudo, essa plataforma estará apta a suportar qualquer tipo de interação, seja pessoal ou comercial, conforme aponta Kalil (2022) ao se referir ao Direito Contratual no contexto do metaverso. Assim, as profissões jurídicas estarão preparadas para lidar com as problemáticas decorrentes desse cenário de inovações tecnológicas no âmbito jurídico?
À primeira vista, pode parecer simples: bastaria abrir o Código Civil para encontrar todas as respostas. No entanto, como aponta Kalil (2022), a realidade não é tão trivial. Para que um contrato seja firmado, é necessária a manifestação de vontade de ambas as partes, além de suas respectivas assinaturas. Nesse contexto, como ficaria a questão da vontade das partes? É possível afirmar que um avatar possui vontade própria ao se expressar e dar continuidade a um negócio jurídico? Haveria, nesse caso, uma transferência de direitos ou personalidade da pessoa para o avatar?
A título de exemplo, o CDC prevê o direito de arrependimento de 7 dias para compras realizadas fora do estabelecimento físico. Assim, a partir do momento em que a pessoa realiza a compra com um avatar dentro de um estabelecimento na plataforma, estaria ela amparada por esse direito? Afinal, a compra foi efetuada por meio de uma estrutura correlacionada à pessoa humana, com suas características e representatividade, configurando, possivelmente, uma transmissão de personalidade ligada à imagem da pessoa. Mesmo que, no metaverso, dentro de um estabelecimento comercial, ocorra uma escolha clara e uma manifestação de vontade, ainda assim esse direito prevaleceria? Assim preleciona o CDC:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Atualmente, existem sites que fornecem informações detalhadas sobre medidas, cores e tamanhos dos produtos à venda. No entanto, ao realizar uma compra fora do estabelecimento físico, o cliente possui o direito de arrependimento no prazo de 7 dias. Se o criador de um avatar realiza uma compra dentro de um estabelecimento no metaverso e, mesmo experimentando o produto virtualmente com suas características, ao recebê-lo fisicamente em sua casa não se sente satisfeito, como ficaria essa situação? Considerando que o avatar representava literalmente o cliente — "de corpo presente" no ambiente virtual —, ainda assim o cliente seria detentor do direito de arrependimento?
2.2. RESPONSABILIDADE CIVIL NO METAVERSO
Seja no âmbito dos Direitos e Garantias ou da Responsabilidade Civil, o dano moral também se apresenta como um relevante objeto de estudo. Esse tipo de dano pode ser reconhecido juridicamente quando se configura um conflito envolvendo o aborrecimento ou a violação à personalidade de outra pessoa. Neste entendimento, elucida Tartuce:
Pelos conceitos transcritos, observa-se que os direitos da personalidade têm por objeto os modos de ser, físicos ou morais do indivíduo. O que se busca proteger com tais direitos são os atributos específicos da personalidade, sendo esta a qualidade do ente considerado pessoa. Em síntese, pode-se afirmar que os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa e à sua dignidade (art. 1.º, III, da CF/1988) (TARTUCE, 2015, p. 136).
Mas, afinal, o que é Responsabilidade Civil e como ela se relaciona com o Direito da Personalidade? Primeiramente, a Responsabilidade Civil consiste na obrigação de uma pessoa reparar o dano que causou a outra, seja ele material ou moral. Nesse sentido, Pablo Stolze, ao conceituar a matéria, cita José de Aguiar Dias em sua obra Tratado de Responsabilidade Civil, ao afirmar que “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade” (STOLZE, 2020, p. 1336).
A partir dessa afirmativa, percebe-se que a Responsabilidade Civil está fundamentada essencialmente na atividade da pessoa humana, o que levanta a questão de sua aplicação em cenários que envolvem criaturas ou entidades virtuais, como avatares. Nesse contexto, seria possível responsabilizar diretamente uma entidade virtual? Ou a responsabilidade continuaria sendo atribuída à pessoa humana que a controla ou cria?
Observe-se, inicialmente, que há requisitos para caracterizar o instituto:
Conduta ou ato humano: pode ser positiva (ato) ou negativa (omissão) e deve ser voluntária, no sentido de existir consciência da ação cometida;
Nexo de causalidade: nexo ou liame que une a conduta humana ao seu efeito danoso;
Dano ou prejuízo: é a lesão a um interesse jurídico tutelado, seja material ou moral. Além disso, também é preciso estar presente a certeza do dano (CRESTANI, 2021, s/p).
Sendo assim, é possível classificar dois tipos de Responsabilidade Civil previstos no Código Civil:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186. e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Quando se fala em Responsabilidade Civil Objetiva, esta está diretamente relacionada ao nexo de causalidade, ou seja, à ligação entre o ato praticado e o dano causado, sem a necessidade de comprovação de culpa. Já na Responsabilidade Civil Subjetiva, exige-se a comprovação da culpa do causador do dano. Conceitua Gonçalves:
Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.
[...] denomina objetiva a responsabilidade que independe de culpa. Esta pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar. Indispensável será a relação de causalidade, entre a ação e o dano, uma vez que, mesmo no caso de responsabilidade objetiva, não se pode responsabilizar quem não tenha dado causa ao evento (GONÇALVES, 2023, p. 99).
Levando em consideração todo o cenário de Responsabilidade Civil, percebe-se que, no contexto do metaverso, prevalece a Responsabilidade Subjetiva, tendo em vista que a plataforma digital é enquadrada como provedora de internet. Essa classificação reforça a necessidade de analisar a culpa ou dolo nos atos praticados pelos usuários ou responsáveis pela estrutura digital.
Ao relacionar essa análise ao Direito da Personalidade e à possibilidade de transmissão de direitos no caso de Responsabilidade Civil, é essencial compreender primeiramente o conceito de Direito da Personalidade e, em seguida, avaliar se é viável atribuir essa transmissão ao avatar dentro da plataforma, possibilitando sua responsabilização.
De acordo com Tartuce (2015), em sua obra Manual de Direito Civil, a Personalidade Jurídica tem início com o nascimento com vida:
A respeito do início da personalidade, enuncia o art. 2.º do atual Código Civil que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A norma praticamente repete o já reticente art. 4.º do CC/1916 (TARTUCE, 2015, p. 76).
Com esse entendimento, observa-se que um avatar, como indivíduo do metaverso, mesmo possuindo uma identidade virtual, não pode ser considerado uma pessoa natural detentora de direitos. Isso se dá pelo fato de que o avatar não possui ideias, fantasias ou desejos próprios, sendo meramente controlado por uma pessoa humana. Esta, por sua vez, é a verdadeira portadora da vida e, consequentemente, a única titular do Direito da Personalidade.
Ainda na obra de Tartuce (2015), os Direitos da Personalidade são relacionados da seguinte forma:
a) Vida e integridade físico-psíquica, estando o segundo conceito inserido no primeiro, por uma questão lógica.
b) Nome da pessoa natural ou jurídica, com proteção específica constante entre os arts. 16. a 19 do CC, bem como na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973).
c) Imagem, classificada em imagem-retrato – reprodução corpórea da imagem, representada pela fisionomia de alguém; e imagem-atributo – soma de qualificações de alguém ou repercussão social da imagem.
d) Honra, com repercussões físico-psíquicas, subclassificada em honra subjetiva (autoestima) e honra objetiva (repercussão social da honra). Tal divisão segue a doutrina, entre outros, de Adriano De Cupis, para quem “a honra significa tanto o valor moral íntimo do homem, como a estima dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama, como, enfim, o sentimento, ou consciência, da própria dignidade pessoal”.
e) Intimidade, sendo certo que a vida privada da pessoa natural é inviolável, conforme previsão expressa do art. 5.º, X, da CF/1988: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (TARTUCE, 2015, p. 90).
Sendo assim, fica evidente que não há como um avatar possuir Direito de Personalidade. Primeiramente, porque essa criatura não possui vida, e, além disso, não atende aos requisitos mencionados anteriormente. Não há como se falar em integridade físico-psíquica para sua introdução na sociedade, pois, por ser uma entidade virtual, não há possibilidade de reconhecimento legal nesse sentido. Ademais, a proteção específica da personalidade está limitada, conforme o art. 16 do Código Civil, às pessoas naturais.
No que diz respeito à honra, também não há como protegê-la, uma vez que este conceito é subjetivo, ligado à autoestima, aos sentimentos ou à consciência da dignidade de um indivíduo — características inexistentes em um avatar. Mesmo ao considerar o direito à indenização por danos morais ou materiais, ainda que algo dessa natureza possa ser discutido no contexto do metaverso, é inviável afirmar que o avatar seria titular desse direito. O verdadeiro detentor da indenização, em qualquer hipótese, seria a pessoa humana que utiliza o avatar como meio de representação.
Portanto, com base na doutrina apresentada e na legislação pertinente, verifica-se que não há possibilidade de um avatar possuir os Direitos da Personalidade estabelecidos pelo Código Civil.