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Transtorno do espectro autista.

Da integração e inclusão no corpo social, do desenvolvimento à plenitude de sua capacidade e desdobramentos dos atuais direitos

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21/11/2023 às 17:47
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5. DA INCAPACIDADE CIVIL À PLENA CAPACIDADE

Com o advento da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, houve a modificação no Código Civil no que tange a revogação expressa dos incisos I, II e III do artigo 3º pelo artigo 6º e 123 da lei, no qual eram considerados absolutamente incapazes aqueles que, por deficiência mental ou por enfermidade não tivessem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, bem como aqueles não pudessem exprimir sua vontade. O objetivo da referida lei, indubitavelmente, era assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência e garantir a igualdade de condições em relação às demais pessoas. Restaram considerados os absolutamente incapazes apenas aqueles menores de 16 (dezesseis) anos.

Nessa mesma questão, a depender do nível de apoio do indivíduo diagnosticado, há a possibilidade de ser adotada a medida chamada curatela, a fim de resguardar a proteção de natureza patrimonial e negocial, é importante advertir o fato de que os atos da vida existencial do mesmo não podem ser limitados.

Essa curatela só poderá ocorrer de forma judicial, desde que comprovado que a pessoa com autismo não possui condições para gerir o próprio patrimônio e, nesse procedimento, poderá ser solicitada a perícia psiquiátrica a fim de averiguar a situação completa. No entanto, essa medida só será aplicada em casos excepcionais em que o indivíduo realmente necessite dessa proteção. Em regra, a capacidade é plena para todos os atos da vida civil.

Além do mais, para todos os efeitos legais, a pessoa no Transtorno do Espectro Autista é amparada legalmente no Estatuto da Pessoa com Deficiência, consagrada no artigo 2º, em que “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”, acrescentada a declaração de que essa condição pode “obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.


6. DA PROTEÇÃO À PESSOA AUTISTA

Em face da evolução das ciências médicas e jurídicas, despontou a necessidade de maior regulamentação a fim de amparar as garantias devidas. Ambas as leis aqui demonstradas são recentes, isso não é nada mais que um reflexo da inobservância das singularidades por parte da sociedade que há tanto tempo quedou-se inerte.

De acordo com o Centro de Controle de Doenças e Prevenção do governo dos EUA, o Transtorno do Espectro Autista acomete uma em cada cinquenta e quatro crianças. Muito se comenta a respeito de uma suposta “epidemia” de autismo, porém, essa tese não se sustenta.

Fato é que, hodiernamente, devido a adoção de um conceito mais amplo, no qual se constitui em um espectro formador de uma tríade de prejuízos, um maior número de pessoas passou a ser diagnosticado nessa categoria. Além disso, o amplo acesso à informação e a conscientização de clínicos e da comunidade também favoreceu seu reconhecimento.

6.1 LEI BERENICE PIANA (LEI Nº 12.764/2015)

A Lei 12.764/12 instituiu a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, bem como estabeleceu diretrizes para a sua consecução. Nela foram dispostas medidas importantes em relação à consagração de seus direitos.

Inicialmente, houve a inserção do TEA na Lei 13.146/15, a qual dispõe sobre a inclusão da pessoa com deficiência, portanto, de acordo com o parágrafo segundo do artigo primeiro da lei 12.764/12, a pessoa inserida no Transtorno do Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.

Nela foram adotados os critérios diagnósticos do DSM-V já aqui explicados. Esses critérios se mostram presentes no Artigo 1º §1º incisos I e II.

A referida lei, em suas diretrizes, determinou a intersetorialidade no desenvolvimento das ações, das políticas e no atendimento, a participação da comunidade e a formulação de políticas públicas, bem como o controle social da sua implantação. Em conexão, a instituição do dever de informar as características inerentes ao TEA estabelecida pelo IBGE favorecerá essa determinação.

Determinou também a atenção integral em relação à saúde, o estímulo à inserção no mercado de trabalho, a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno, o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados e aos pais e responsáveis.

A lei ainda ressalta que a pessoa não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou convívio familiar e nem sofrerá discriminação por motivo da deficiência.

Além disso, frisou o cometimento de infração ao gestor escolar ou autoridade competente que recuse a matrícula de aluno tanto no espectro quanto em qualquer tipo de deficiência, bem como sua respectiva punição de multa ao valor de três a vinte salários-mínimos, e em caso de reincidência, a perda do cargo.

6.2 LEI ROMEO MION (LEI Nº 13.977/2020)

A recente lei alterou a Lei Berenice Piana e instituiu a CIPTEA (Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista). Esse documento facilita o acesso a direitos básicos e essenciais.

Em relação ao direito prioritário, no parágrafo terceiro do artigo segundo, foi determinado à utilização pelos estabelecimentos públicos e privados do símbolo mundial da conscientização do espectro autista, representado pela fita quebra-cabeça.

A CIPTEA, presente no artigo terceiro “A” visou a garantia da atenção integral, o pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas da saúde, educação e assistência social.

6.3 MECANISMO CONSTITUCIONAL DE DEFESA

Como forma de proteção aos direitos materiais, a obrigação de fazer, regida pelos princípios da eticidade e socialidade consiste no simples cumprimento de uma tarefa ou atribuição por parte do devedor, podendo este ser um ente público ou um ente privado. Nesse sentido, trata-se de procedimento hábil para a respectiva consecução, como é visto nos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.11

Por outro lado, a referida proteção também poderá ser efetivada por meio do mandado de segurança. Regulado pela Lei 12.016 de 7 de agosto de 2009, o mandado de segurança individual aborda uma ação constitucional de natureza civil destinada à proteção de direito líquido e certo do impetrante, sempre que houver lesão ou ameaça de lesão àquele direito, por parte de autoridade pública ou de pessoa jurídica de direito privado no exercício delegado de funções do Poder Público. Trata-se de um remédio constitucional cabível à tutela dos direitos da saúde sempre que houver a ilegalidade ou abuso de poder, sendo aplicado tanto de forma preventiva quanto de forma repressiva.

Em relação ao direito líquido e certo, este se baseia em uma expressão de natureza processual, de forma que a parte demonstrará o direito em tela com a plena comprovação documental logo na petição inicial, sob pena de ser extinto o processo e denegada a segurança, cabendo ressaltar aqui que o mandado de segurança não admite dilação probatória. Porém, no que tange a necessidade de direito induvidoso, é de entendimento do Supremo Tribunal Federal na súmula nº 625 que controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança.

No que tange à aplicação do mandamus na consagração dos direitos aos portadores de deficiência, se faz mister a possibilidade da tutela de urgência quando houver fundamento relevante e do ato puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida. Por muitas vezes não é o caso da aplicação no Transtorno do Espectro do Autismo, porém, a depender da prova pré-constituída e suporte fático, pode o mesmo ser considerado, como se pode perceber no seguintes julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo abaixo.12

Dessa forma, observa-se a concretização, ainda que esparsa, dos direitos relativos ao espectro do autismo, de forma a proporcionar a real inserção na sociedade.

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6.4 ANÁLISE DOS DEMAIS DIREITOS E NORMAS EM PROCEDIMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência dispõe no artigo 3º o conceito de barreiras, consistentes em quaisquer obstáculos e comportamentos que limitem ou impeçam a participação social e a fruição de seus direitos, bem como dispõe o inciso IV alínea ‘e’, conceituando as barreiras atitudinais, sendo estas atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas.

Da mesma forma, o artigo 14 da referida lei explicita o direito à habilitação e reabilitação, cujo objetivo é o desenvolvimento de potencialidades que contribuam para a conquista da autonomia e de sua efetiva participação social, bem como, no artigo 15, inciso III, determina como sua respectiva diretriz a atuação permanente, integrada e articulada de políticas públicas que possibilitem a plena participação social da pessoa com deficiência.

6.4.1 Do diagnóstico com validade indeterminada e do benefício assistencial à pessoa com deficiência

Atualmente em tramitação, o Projeto de Lei (PL 2.352/2022), proposto pela Senadora Ivete da Silveira, estabelece que o laudo de diagnóstico que identifique o transtorno do espectro autista tenha validade indeterminada, objetivando a dignidade e respeito às pessoas autistas que buscam a legítima obtenção dos benefícios do INSS, bem como o benefício da prestação continuada (BPC).

Assevera acertadamente que a proposta é justificada enfatizando a dificuldade, demora e complexidade que os autistas têm para recorrer constantemente a laudos que contestam sua condição, o que, inevitavelmente, prejudica o desenvolvimento como um todo. Também se justifica ao fato de não ocorrer a modificação da condição com o decurso do tempo, trata-se de uma condição neuropsíquica na qual não há ainda nenhum indício de que possa ser curada, de forma que as terapias e tratamentos recomendados não apresentam o fim da condição, mas sim, a diminuição de desconfortos e melhorias nas habilidades como um todo.

Em decorrência, este projeto altera a Lei 12.764/2012 e favorece o benefício assistencial à pessoa com deficiência (BPC), pertencente a Lei Orgânica de Assistência Social (Lei Nº 8.742) de 7 de dezembro de 1993. Este benefício consiste na garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. Na prática, poderá ser concedido à pessoa com deficiência de qualquer idade, comprovadas mediante a avaliação médica e social do INSS as condições capazes de lhe causar impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, que impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições, e, cumulativamente, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja igual ou menor que ¼ do salário-mínimo.

6.4.2 Da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados na aquisição de automóveis

Em que pese o entendimento anterior relativo à isenção ser possível apenas aos deficientes físicos cujas necessidades se estendiam às adaptações nos automóveis, é de entendimento atual a extensão à todas as moléstias enquadradas no Estatuto da Pessoa com Deficiência, de forma a sagrar o princípio da isonomia.

Para a obtenção da isenção de IPI deverá o interessado solicitar autorização da Receita Federal, constando a documentação comum e o laudo médico que comprove a condição. No caso do TEA, poderá obter diretamente ou por intermédio de seu representante legal a isenção, para um único carro, a cada 3 (três) anos.

No que tange ao IPVA, sendo este um imposto estadual, é regulamentado aqui, no Estado de São Paulo pela Lei Nº 13.296 de 23 de dezembro de 2008, a qual dispõe em seu artigo treze o direito à isenção do IPVA concedido à pessoa no espectro.13

Por fim, em relação ao ICMS, deverá a pessoa, domiciliada no Estado de São Paulo preencher requerimento no portal da Secretaria da Fazenda do Estado com os devidos comprovantes documentais.

6.4.3 Da redução da jornada de trabalho e da ampliação dos benefícios aos responsáveis legais

Em recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo houve a concessão de redução de jornada à genitora de criança com TEA.14 O acórdão em questão aborda agravo de instrumento contra decisão que concedeu a tutela antecipada para determinar a redução da jornada de trabalho da autora em 50% independente de compensação e sem redução dos vencimentos, caminhando de acordo com o disposto no artigo 98 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei Nº 8.112/90).15

Ao caso em concreto, a servidora pleiteou a redução da jornada de trabalho com o intuito de cuidar e acompanhar os diversos tratamentos a que se submete sua filha, diagnosticada com TEA, tais que demandam o seu acompanhamento. Nesse aspecto, é considerável dizer que no espectro também há diversas dificuldades cotidianas cumuladas à característica de disfunção executiva, resultando, por muitas vezes, na necessidade de acompanhamento em tempo integral.

A justificativa quanto à negativa de provimento ao recurso se deu perante a observância aos princípios constitucionais, em especial o da dignidade da pessoa humana, bem como nas disposições contidas na Convenção da ONU sobre os direitos da pessoa com deficiência, incorporada à legislação brasileira por meio do Decreto nº 6.949/2009 e no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

6.4.4 Dos concursos públicos e vestibulares em condições especiais

Decisão16 da quinta turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) publicada em 27/07/2022 acertadamente concedeu a possibilidade da adoção de condições especiais consistentes em tempo adicional de 01 (uma) hora e 30 (trinta) minutos e realização da avaliação em sala separada à pessoa portadora de autismo na realização dos exames de vestibular ITA ainda que não previsto no edital. Baseou-se nos princípios da razoabilidade e da igualdade de oportunidades, bem como na Lei Brasileira de Inclusão.

Fato é que ainda há uma devassa ausência de aplicabilidade no que tange às deficiências, ressaltando-se na deficiência invisível que consiste o Transtorno do Espectro Autista, de modo que poucos são os seus reconhecimentos e aplicabilidades na vida prática. Nesse caso em concreto, houve o reconhecimento das condições, resultando na adoção de medidas favoráveis a propiciar o almejado desenvolvimento.

A Lei Brasileira de Inclusão em seu artigo trinta17 dispôs a respeito do atendimento preferencial das instituições de ensino aos estudantes com deficiência, valendo esse atendimento tanto nos processos seletivos para ingresso como na permanência nos cursos. Tal medida é eficaz no Exame Nacional do Ensino Médio, desde que feito o requerimento no momento da inscrição, podendo também ser disponibilizada sala separada e hora adicional.

Em relação aos concursos públicos, conforme o decreto 3.298/99, 5% a 20% das vagas são destinadas às pessoas que comprovam por meio de laudos médicos suas deficiências perante o órgão responsável do concurso em questão e, devido ao disposto na Lei nº 12.764, isto também se aplica ao portador de TEA. Além da realização da prova em sala individual e do tempo adicional, também há a possibilidade de auxílio para preencher o gabarito, assegurando a lei a igualdade de condições em relação as que não possuem nenhuma deficiência.

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Sobre a autora
Giovanna Rehm Teixeira

Aluna do 3º ano do Curso de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Giovanna Rehm. Transtorno do espectro autista.: Da integração e inclusão no corpo social, do desenvolvimento à plenitude de sua capacidade e desdobramentos dos atuais direitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7447, 21 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107280. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado sob orientação do Prof. Dr. José Roberto Anselmo.

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