A jurisprudência do STJ é bastante volúvel a respeito do termo inicial da prescrição tributária. Ora proclama a suspensão do prazo prescricional com o advento da impugnação administrativa (AgRg no Resp 108811-SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJE de 24-3-2009), ora sustenta a interrupção do prazo de prescrição com o advento da impugnação administrativa (REsp 396.699 – RS, Relator Ministro Sálvio De Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, DJ 15-4-2002; Resp 190.092 - SP, Relator Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ de 1º-7-2002; Resp nº 751132/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 15-10-2007).
Interessante notar que tanto a tese da suspensão da prescrição, quanto a tese da interrupção da prescrição pressupõem a fluência do prazo prescricional com a constituição definitiva do crédito tributário que se dá com a notificação do lançamento ao sujeito passivo (art. 145 do CTN).
E mais, essas teses que pressupõem a fluência do prazo prescricional desde a notificação do lançamento, o que é correto, contrariam o disposto no corpo do Acórdão como segue:
“1. Consoante o cânone do art. 174 do CTN, o prazo prescricional começa a ser contado da data definitiva da constituição do crédito tributário. A existência de discussão administrativa a respeito do crédito tributário obsta sua constituição definitiva, interrompendo a contagem do prazo prescricional, que tão somente reinicia-se com a manifestação definitiva da autoridade administrativa.”
A gritante contradição, data vênia, é inafastável.
Agora, a volúvel jurisprudência da Corte evoluiu, permissa vênia, para pior. A partir do julgamento do REsp nº 1.113.959/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Dje de 11-3-2010, em caráter repetitivo, o STJ fixou a tese do início do prazo prescricional apenas com a notificação do sujeito passivo da decisão administrativa final, conforme se verifica da ementa do Acórdão proferido no AgRg no AREsp nº 705.069/RJ abaixo transcrita:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. IMPUGNAÇÃO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO NA VIA ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 151, III, E 174 DO CTN. ACÓRDÃO RECORRIDO. REVISÃO DE ENTENDIMENTO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. INOBSERVÂNCIA DAS NORMAS LEGAIS. AFRONTA À BOA-FÉ OBJETIVA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. EXAME PREJUDICADO.
[...]
2. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.113.959/RJ, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, firmou o entendimento de que "o recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário, enquanto perdurar o contencioso administrativo, nos termos do art. 151, III do CTN, desde o lançamento (efetuado concomitantemente com auto de infração), momento em que não se cogita do prazo decadencial, até seu julgamento ou a revisão ex officio, sendo certo que somente a partir da notificação do resultado do recurso ou da sua revisão, tem início a contagem do prazo prescricional, afastando-se a incidência da prescrição intercorrente em sede de processo administrativo fiscal, pela ausência de previsão normativa específica" (REsp 1.113.959/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 11/03/2010).
3. A intempestividade do recurso administrativo não perfaz contexto fático juridicamente relevante para afastar o entendimento firmado no STJ acerca do tema. Precedentes: AgRg no AgRg no REsp 1.478.651/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 13/3/2015; RCD no AREsp 623.936/RO, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19/2/2015; AgRg no Ag 1.094.144/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 4/6/2009).
4. O acórdão recorrido examinou todos os pontos relevantes para a solução da controvérsia, indicando com clareza a data de peticionamento administrativo e os termos considerados para a contagem do lustro prescricional. Para infirmar a conclusão a que chegou a instância ordinária, faz-se necessário o reexame do conjunto fático-probatório, medida que encontra óbice na Súmula 7 do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial"
5. A inobservância das normas legais para ver-se livre do pagamento de tributo afronta a boa-fé objetiva, nos termos do brocardo venire contra factum proprium.
6. Fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial quando a tese sustentada já foi afastada no exame do Recurso Especial pela alínea "a" do permissivo constitucional. 7. Agravo Regimental não provido” (AgRg no AREsp nº 705.069/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 04-02-2016).
Examinemos o disposto no item 2 do Acórdão proferido no AgRg no AREsp nº 705.069/RJ que se reporta ao julgamento proferido no Resp nº 1.113l.959/RJ, submetido ao rito dos recursos repetitivos:
(a) suspensa a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III do CTN) desde o lançamento (efetuado concomitantemente com o auto de infração [1]) não se cogita do prazo decadencial, até seu julgamento ou a revisão do ofício.
O Acórdão confunde decisão administrativa final com a revisão de ofício de que cuida o art. 145, III do CTN, nos casos previstos no art. 149, hipótese em que é devolvido ao sujeito passivo o prazo para impugnação. “Julgamento ou a revisão ex officio” a que alude o V. Acórdão são, na verdade, termos antagônicos: se o recurso estiver sendo julgado pelo órgão administrativo colegiado, por óbvio, não cabe falar em revisão ex officio que é ato da autoridade administrativa lançadora. A revisibilidade é uma faculdade da administração tributária de rever o lançamento efetuado para expurgá-lo de possíveis defeitos constituindo-se em uma mera complementação do procedimento do lançamento antes realizado. Saneado o lançamento por meio de procedimento revisional devolve-se o prazo de defesa ao contribuinte.
(b) somente após a notificação do sujeito passivo do resultado do recurso ou da sua revisão é que tem início a contagem do prazo prescricional, afastando-se a prescrição intercorrente por ausência de previsão legal em sede de processo administrativo.
Ora, o resultado do recurso é uma coisa; outra coisa bem diversa é o resultado da revisão de ofício da autoridade lançadora.
Conclui-se do exposto que a Fazenda poderá ultimar o processo administrativo tributário em 10, 15, 20 ou 50 ou mais anos, pois a prescrição só passa a fluir a partir da notificação do sujeito passivo do resultado final e definitivo da decisão administrativa (coisa julgada administrativa). A prescrição intercorrente, por sua vez, fica afastada por ausência de previsão legal.
Na prática, isso equivale à abolição do instituto da prescrição tributária, pois o termo inicial da contagem do prazo é subordinado a um ato potestativo da Fazenda. Se ela decidir não efetuar a notificação a prescrição não terá o seu curso.
Dessa forma, na prática, o STJ extinguiu o instituto estabilizador das relações jurídicas, permitindo que a espada de Dâmocles paire indefinidamente sobre a cabeça do contribuinte.
Tornar líquida e certa a obrigação tributária pelo lançamento é um direito potestativo da Fazenda, porém, a forma de impulsionar o processo administrativo tributário está vinculada aos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV da CF). Não há, nem pode haver preceito legal que permita a Fazenda concluir o processo administrativo quando ela bem entender.
Esse V. Acórdão sob análise reserva à Fazenda cinco anos, a contar da decisão final na esfera administrativa para a prática de apenas três atos: notificação do contribuinte vencido para solver o crédito tributário em 30 dias; promover a inscrição na dívida ativa e; ajuizar a execução fiscal por via eletrônica obtendo o despacho citatório que interrompe a prescrição. É muito prazo para a Fazenda, considerando que o contribuinte consome no máximo 75 dias: 30 para impugnação; 30 para recurso ordinário; e 15 dias para eventual recurso especial, quando cabível. O restante do prazo quinqüenal é da Fazenda!
O V. Acórdão sob análise confundiu a hipótese do inciso III, do art. 151 do CTN com o disposto no inciso I (moratória) que é o caso em que há suspensão simultânea da exigibilidade (eficácia) e da prescrição. Sendo a moratória uma prorrogação do prazo legal de pagamento parece óbvio que o prazo prescricional fica suspenso enquanto vigorar a moratória pelo prazo concedido pelo poder público.
Finalmente, o STJ na esteira da jurisprudência retroapontada editou a Súmula de nº 622 do seguinte teor:
“A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial.”
Como se verifica, a referida Súmula separou o prazo de cobrança administrativa do prazo de cobrança judicial, para firmar a tese de que a prescrição só começa a fluir a partir do vencimento do prazo para pagamento constante da notificação da decisão administrativa irreformável. Com isso estende o longo prazo de cinco anos somente para praticar dois atos: a inscrição na dívida ativa e o aparelhamento da execução fiscal por via eletrônica, providências que poderiam ser tomadas em algumas horas. E mais, condiciona a fluência do prazo prescricional ao ato potestativo da Fazenda.
De fato, enquanto ela não promover a notificação da decisão administrativa não estará fluindo o prazo de pagamento, e sem esgotamento do prazo legal de pagamento (trinta dias) não terá início o prazo de prescrição. Dessa forma, a critério da Fazenda, o termo inicial da prescrição poderia ser postergado para 5, 10, 20 ou 50 anos ou mais, afrontando o próprio fundamento da prescrição que visa, de um lado, combater a inércia do credor (dormientibus non sucurrit jus), e de outro lado, trazer segurança jurídica removendo a espada de Dâmocles da cabeça do devedor.
Certamente tal interpretação não encontra guarida no art. 174 do CTN que não cuida de prazo sucessivo: cinco anos para cobrança administrativa que normalmente tem início com o auto de infração, e cinco anos para cobrança judicial caso fique frustrada a cobrança administrativa. Ao teor do art. 174 se o processo de cobrança administrativa não puder ser concluído no prazo de cinco anos, por razões peculiares de cada caso, a Fazenda deve lançar mão do protesto judicial para interromper a prescrição, nos precisos termos do inciso II, do parágrafo único, do art. 174 do CTN. Não se pode recorrer à via judicial, porque com a impugnação ou recurso administrativo a exigibilidade do crédito tributário fica suspensa (art. 151, III do CTN). E não cabe execução sem título líquido, certo e exigível.
Interessante notar que na interpretação do art. 168 do CTN, que cuida do prazo prescricional para pleitear a restituição de indébito, o STJ editou a Súmula nº 625 determinando, corretamente, a contagem do prazo de cinco anos para o pedido de restituição administrativa e judicial de forma simultânea, e não sucessiva. As Súmulas de nºs 622 e 625 não se harmonizam quanto ao critério interpretativo: fluência de prazo prescricional sucessivo no caso de cobrança do crédito tributário, e fluência de prazo prescricional simultâneo na hipótese de restituição do indébito. Deve a jurisprudência uniformizar o critério interpretativo.
Toda essa confusão resulta, de um lado, da imprecisão conceitual do lançamento. Enquanto ato de constituir o crédito tributário, o lançamento é um procedimento administrativo referido no art. 142 do CTN. Depois de notificado o sujeito passivo, o lançamento configura um ato jurídico administrativo, habilitando a Fazenda a efetuar a cobrança judicial do crédito tributário.
Em segundo lugar, há uma confusão entre procedimento administrativo do lançamento, que termina com a notificação do lançamento com o processo administrativo tributário, que tem início com a impugnação do lançamento. Se o crédito tributário não estiver definitivamente constituído, por óbvio, não caberá a sua impugnação; É próprio de qualquer ato jurídico definitivamente constituído comportar a impugnação administrativa ou judicial. Isso é noção de direito geral. Tanto é que o lançamento poderá, a critério do contribuinte, ser desde logo impugnado judicialmente, dispensando-se a fase administrativa em casos de ilegalidade visível do lançamento.
[1] Na verdade, o auto de infração é o documento final que exterioriza o lançamento.