Capa da publicação A escolha de Dino para o STF
Capa: Gustavo Moreno (SCO/STF)
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A escolha de Dino para o STF

Resumo:


  • O Presidente da República indicou Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF), mas o Senado Federal deve aprovar a indicação após sabatina.

  • A nomeação de um Ministro do STF é um ato complexo que envolve a conjunção de vontades do Presidente e do Senado, de acordo com a Constituição.

  • Historicamente, rejeições de indicações ao STF pelo Senado são raras no Brasil, com casos notáveis no século XIX durante a presidência de Floriano Peixoto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A escolha do Ministro do STF é um ato complexo que envolve a vontade do presidente e do Senado. Contudo, a rejeição só ocorreu no caso de um médico sem formação jurídica.

1.Introdução

Com a aposentadoria da Ministra Rosa Weber1, foi aberta uma nova vaga para o Supremo Tribunal Federal-STF a ser preenchida após escolha do Presidente da República, que, por sua vez, já indicou o até então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino2, para a referida vaga.

Acontece que o nome apontado deve ser sabatinado e aprovado pelo Senado Federal para poder efetivamente virar Ministro do STF.

Assim, o presente artigo pretende, por meio de uma pesquisa histórica e explicativa, analisar o processo de escolha do próximo Ministro da Suprema Corte do Brasil.


2.A escolha dos ministros do STF: um ato complexo

Comumente os administrativistas dividem os atos administrativos em atos simples, compostos e complexos3, acontecendo o último quando existe a “conjunção de vontade de mais de um órgão4” na formação do ato administrativo.

Assim, um exemplo clássico de um ato complexo é a nomeação de Ministro do STF5, tendo em vista o disposto na Constituição da República, in verbis:

“Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. (grifos nossos).

Desse modo, a escolha do Presidente da República deve ser conjugada com a vontade do Senado Federal, que pode efetivamente reprovar o nome escolhido, como já aconteceu no Brasil, tal como será visto no tópico seguinte.


3. As rejeições aos escolhidos para Ministros do STF no Brasil

Desaprovar as escolhas do presidente para a Suprema Corte não é uma praxe no Brasil, tal como acontece em outros ordenamentos jurídicos. A título de exemplo, nos Estados Unidos durante 225 anos (entre 1789 e 2014) houve apenas 12 rejeições pelo Senado das escolhas do presidente6 e recentemente, em 2016, o juiz conservador Antonin Scalia faleceu e o então Presidente Barack Obama, que é do Partido Democrata, indicou o magistrado federal Merrick Garland para a vaga, porém o referido nome foi negado pelo Senado dos Estados Unidos, na época composto em sua maioria por membro do Partido Republicando e o fato em testilha foi extremamente criticado7.

Especificamente no Brasil, não houve nenhuma recusa do Senado aos nomes escolhidos pelos presidentes nos séculos XX e XXI. Entretanto, no século XIX cinco nomes escolhidos pelo presidente Floriano Peixoto foram rejeitados, todos eles no ano de 18948.

O nome mais conhecido dentre os cinco rejeitados foi o de Cândido Barata Ribeiro, que efetivamente chegou a exercer a função de Ministro da Suprema Corte por 10 meses, tendo em vista que na época a aprovação ou rejeição dos ministros pelo Senado se dava após a posse e o fato curioso é de que Barata Ribeiro era médico sem formação jurídica, sendo o único caso no qual o STF teve, ainda que temporariamente, um ministro que não era formado em Direito9.

O referido caso é emblemático e não existe dúvida de qual o porquê de o nome de um médico ter sido rejeitado, tendo em vista a evidente falta de notável saber jurídico. Ainda que a Constituição não exija expressamente a formação em Direito como um dos requisitos para ser ministro do STF, não há como se defender que uma pessoa sem qualquer formação jurídica possua notável saber jurídico, entendimento em sentido contrário permitiria, tal como expressamente constava no parecer do Senado que embasou a rejeição ao nome de Barata Ribeiro, na absurda possibilidade de escolha de “astrônomos, químicos, arquitetos”10 para a função de Ministros do STF.

Em relação aos outros quatro nomes rejeitados pelo Senado existem, no entanto, algumas dificuldades em se saber o motivo da negativa, tendo em vista que as escolhas eram realizadas em sessões secretas e que não deixaram atas, existindo dúvida até mesmo em relação à formação acadêmica dos nomes indicados.

De qualquer forma, é possível entender a rejeição de alguns deles. No caso do General Innocencio Galvão de Queiroz o seu nome foi rejeitado porque ele, apesar de, segundo Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, ser formado em Direito, ter se dedicado sempre “à vida militar e ao comando de tropas, e não às letras jurídicas11”.

De fato, se por um lado não há como aceitar que alguém que não seja bacharel em Direito possua notável saber jurídico, também não há como se firmar o entendimento de que uma pessoa necessariamente possua notável saber jurídico pelo simples fato de ser bacharel em Direito, pois a pessoa pode ter se formado sem nunca ter exercido qualquer atuação na área jurídica, como supostamente seria o caso de Galvão de Queiroz. Dizemos “supostamente” porque, em verdade, não achamos relatos históricos sequer de que esse último era efetivamente formado em Direito, mas sim em Matemática, Ciências Físicas e em Engenharia Civil12, o que seria mais uma justificativa para a negativa do seu nome.

Outra indicação rejeitada pelo Senado de forma também compreensível foi a do igualmente na época General Francisco Raimundo Ewerton Quadros. Nesse caso os senadores rapidamente optaram por seguir o precedente de Galvão de Queiroz devido ao fato de Quadros também ter se dedicado ao serviço militar durante toda sua trajetória profissional13. Além disso, há relatos históricos de que ele não tinha formação em Direito e sim Graduação e Doutorado em Engenharia Civil, além de formação em Ciências Físicas e Matemáticas14.

Na mesma ocasião em que o nome de Ewerton Quadros foi rejeitado, também não teve seu nome acolhido pelo Senado o então Diretor-Geral dos Correios Demosthenes Lobo, porém ele não deixou de ser escolhido em face da ausência de notável saber jurídico e sim em virtude do entendimento firmado na ocasião de que ele supostamente não possuía reputação ilibada, o que se constatou nas graves acusações realizadas contra o referido nome na tribuna do Senado15. No mais, como Diretor-Geral dos Correios, Demosthenes Lobo não exercia no momento de sua indicação uma função jurídica e sim de gestão pública, apesar de existir relatos históricos de que ele exerceu a função de juiz na Cidade de Guaranésia, em Minas Gerais16, além de efetivamente ter se formado em Direito na Faculdade de Direito do Recife em 1859, conforme consta na página 51 na Lista dos Bacharéis e Doutores que obtiveram o referido grau na faculdade em testilha entre 1828 e 193117.

Por fim, o nome mais inusitado rejeitado pelo Senado foi o de Antônio Sève Navarro, uma vez que ele exerceu as funções de promotor, juiz e, no momento da rejeição, era Sub-Procurador da República. Além disso, no mesmo ano de 1894 no qual teve seu nome rejeitado para o STF, ele foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Militar18. Desse modo, é provável que nesse caso a negativa tenha se dado apenas por questões políticas19, o que também é uma prerrogativa do Senado, conforme será aprofundado no próximo tópico.


4. Do nome escolhido

Apesar de há quase 130 anos não haver no Brasil uma negativa pelo Senado ao nome de um Ministro do STF, a conjectura política atual não traz uma certeza acerca da aprovação do nome de Flávio Dino e isso não se dá por causa de uma possível ausência de notável saber jurídico ou reputação ilibada por parte do nome escolhido.

Flávio Dino é graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão, onde também é professor efetivo de Direito licenciado; é mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; foi Juiz Federal de carreira por 12 anos após aprovação de concurso público de provas e títulos. Além disso, tem experiência de atuação nos três poderes da República, pois, além de ter sido juiz, foi Governador, Ministro, Deputado Federal e atualmente é Senador licenciado; além de ter diversos artigos/trabalhos publicados20.

Entretanto, além do notável saber jurídico e da reputação ilibada existe outra possibilidade não expressamente prevista na Constituição, mas que pode ser considerada um poder implícito do Senado na hora de analisar o escolhido, qual seja: rejeitar o nome por questões políticas, o que inclui a discordância dos motivos que levaram o Presidente a fazer a escolha, tal como provavelmente aconteceu no passado com o nome de Antônio Sève Navarro.

Desse modo, entra a conjectura política atual. Recentemente, o nome escolhido pelo presidente da República para ser Defensor Público-Geral Federal-DPGF foi rejeitado pelo Senado21 , inclusive com a oposição dizendo que a referida negativa era justamente um aviso para caso o nome de Dino fosse indicado para o STF22. Além disso, após a indicação do presidente para o STF e usando da rejeição do nome para DPGF como exemplo, parlamentares da oposição estão trabalhando contra o nome de Dino23.

Enfim, o referido movimento era esperado, pois Flávio Dino, além de jurista, é político, o que torna natural o trabalho de alguns parlamentares contra o seu nome, tornado a aprovação em testilha mais trabalhosa do que uma eventual escolha de uma pessoa que fosse apenas jurista.

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CONCLUSÕES

Só um Presidente da República em toda a história e há mais de um século viu o Senado rejeitar um escolhido por ele para o STF, em verdade, não apenas um, mas cinco.

Apesar do tempo recorrido, no entanto, as cinco rejeições demonstram os motivos existentes para rejeitar uma indicação para a Suprema Corte e dois estão expressamente previstos na Constituição: ausência de notável saber jurídico e ausência de reputação ilibada.

Entretanto, não podemos excluir a possibilidade de o Senado rejeitar algum nome por questões políticas, como provavelmente já aconteceu no passado e pode acontecer no presente ou no futuro, tendo em vista que cada vez mais a análise feita pelo Senado das escolhas do executivo está sendo mais criteriosa e politizada.

De qualquer forma, ainda que o próprio articulista acredite que se faz importante mais representatividade no STF, como, por exemplo, a presença de uma mulher negra, a tendência é que o nome de Dino seja aprovado pelo Senado, pois o próprio presidente reconheceu que no caso do nome da Chefia da Defensoria Pública da União ele não conseguiu se dedicar ao máximo pela aprovação porque estava hospitalizado24, o que evidentemente não vai acontecer novamente no caso do STF, cujo nome escolhido deverá ser devidamente trabalhado pelo Governo Federal.


REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo, 2ªed, Rio de Janeiro: Forense, 2013.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, 34ªed, São Paulo: Atlas, 2020.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação: 2021.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. [Trad: Renato Aguiar], Rio de Janeiro, 2018.

MELLO, Celso. Notas sobre o Supremo Tribunal (Império e República). 4ªed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2014

OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU Nº 25 – Jan-Fev/2009.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 8ªed, Rio de Janeiro: Editora Método, 2020.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Faculdade de Direito do Recife; MARTINS, Henrique. Lista geral dos bachareis e doutores que têm obtido o respectivo gráu na Faculdade de Direito do Recife: desde sua fundação em olinda, no anno de 1828, até o anno de 1931. Recife: Typographia Diário da manhã, 1931. Disponível em: ttps://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/34979


Notas

  1. https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=515000&ori=1

  2. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/11/lula-decide-indicar-flavio-dino-ao-stf-e-paulo-gonet-para-a-pgr.shtml

  3. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 34ªed, São Paulo: Atlas, 2020.p.138

  4. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo, 2ªed, Rio de Janeiro: Forense, 2013. 166.

  5. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 8ªed, Rio de Janeiro: Editora Método, 2020. p.505.

  6. MELLO, Celso. Notas sobre o Supremo Tribunal (Império e República). 4ªed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2014. p.19.

  7. LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. [Trad: Renato Aguiar], Rio de Janeiro, 2018.p.140/141.

  8. https://exame.com/brasil/em-128-anos-apenas-um-presidente-teve-indicacoes-para-o-stf-barradas/

  9. LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação: 2021. p.1174.

  10. https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/senado-ja-rejeitou-medico-e-general-para-o-supremo-tribunal-federal/o-parecer-dos-senadores-pela-reprovacao-de-barata-ribeiro︎

  11. OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU. Nº 25 – Jan-Fev/2009. p.75.

  12. https://memoriasdealexandrequeiroz.com.br/o-marechal-inocencio-galvao-de-queiroz/

  13. OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU. Nº 25 – Jan-Fev/2009.p.77.

  14. https://ebnet.org.br/portal/wp-content/uploads/2019/07/Ewerton-Quadros-ok.pdf

  15. OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU. Nº 25 – Jan-Fev/2009.p.77.

  16. https://www.asbrap.org.br/documentos/subsidios.pdf

  17. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Faculdade de Direito do Recife; MARTINS, Henrique. Lista geral dos bachareis e doutores que têm obtido o respectivo gráu na Faculdade de Direito do Recife: desde sua fundação em olinda, no anno de 1828, até o anno de 1931. Recife: Typographia Diário da manhã, 1931. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/34979

  18. https://dspace.stm.jus.br/bitstream/handle/123456789/50593/137biog%20Ant%C3%B4nio%20Caetano%20S%C3%A8ve%20Navarro.pdf?sequence=3&isAllowed=y︎

  19. OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz. Sobre a recusa de nomeações para o Supremo Tribunal Federal pelo Senado. DPU. Nº 25 – Jan-Fev/2009.p.75.

  20. https://lattes.cnpq.br/3382033610538788

  21. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/10/25/senado-rejeita-indicado-para-chefiar-defensoria-publica-da-uniao

  22. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/10/27/interna_politica,1583042/derrota-em-indicacao-a-defensoria-publica-acende-alerta-no-governo-lula.shtml︎

  23. https://www.poder360.com.br/justica/oposicao-pede-que-o-senado-barre-a-indicacao-de-dino-ao-stf/

  24. https://www.otempo.com.br/politica/governo/lula-diz-que-possivelmente-e-o-culpado-pela-rejeicao-de-igor-roque-para-a-dpu-1.3263029

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Sobre o autor
Ricardo Russell Brandão Cavalcanti

Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho, Braga, Portugal (subárea: Direito Administrativo) com título reconhecido no Brasil pela Universidade de Marília. Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Ciência Política pela Faculdade Prominas. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário pela ESMAPE/FMN. Especialista em Filosofia e Sociologia pela FAVENI. Especialista em Educação Profissional e Tecnologia pela Faculdade Dom Alberto. Capacitado em Gestão Pública pela FAVENI. Defensor Público Federal. Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, Ricardo Russell Brandão. A escolha de Dino para o STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7462, 6 dez. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107527. Acesso em: 25 dez. 2024.

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