Capa da publicação Antecipação de recebíveis futuros, um caso controvertido
Capa: Depositphotos
Artigo Destaque dos editores

Antecipação de recebíveis futuros, um caso controvertido

06/10/2024 às 23:13

Resumo:


  • O debate sobre antecipação de recebíveis e securitização é controverso na doutrina e jurisprudência.

  • O juiz ao lidar com casos difíceis deve considerar a realidade, análise econômica do direito e vantagens práticas.

  • A transformação de recebíveis em dinheiro é crucial para manter a saúde financeira das organizações.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A antecipação de recebíveis futuros, ou não performados, ou a performar, não se submete aos efeitos da recuperação judicial da fiduciante.

“As organizações não morrem devido à falta de lucros. Elas morrem de falta de caixa.” (Willian Lazier)

Herbert L. A. Hart e Ronald Dworkin, nos seus livros de Teoria Geral do Direito, polemizam sobre a solução dos casos difíceis, isto é, aqueles em que o direito não tem nenhuma resposta (Dworkin) e os que estão numa zona de penumbra de incerteza (Hart).

Casos difíceis podem transformar-se em casos controvertidos, isto é, aqueles em que o juiz se depara com interpretações díspares de juristas de nomeada e decisões conflitantes, proferidas por egrégios tribunais de Justiça.

A antecipação de recebíveis atuais foi um caso controvertido; a de recebíveis futuros continua a sê-lo na doutrina e na jurisprudência, conforme é de domínio público e constatou criteriosa pesquisa, realizada por Teixeira Fortes Advogados: de 30 acórdãos do TJSP, lavrados entre 2014 e 2022, 16 a excluíram da recuperação judicial; 14 adotaram orientação contrária, não tendo o julgamento do AgInt no REsp nº. 1.932.780-SP, da Terceira Turma do STJ, posto fim ao dissídio jurisprudencial.

O conflito de opiniões e julgados sobre o tema – que se arrasta desde 2005 - suscita duas indagações:

  • (a) se as causas da antecipação e da securitização de recebíveis são idênticas para a fiduciante e a securitizada (capitalizarem-se) e idênticas, as finalidades (obter lucros com minimização dos riscos), por que ambas não estão excluídas dos efeitos da recuperação judicial?

  • (b) diante do fato incontestável de os clássicos métodos de interpretação da lei – filológico, lógico, sistemático e teleológico – não terem extinguido o dissenso, o que cumpre ao juiz fazer?

A resposta à primeira é simples: a antecipação de recebíveis é uma cessão condicional, limitada, resolúvel; a securitização, uma cessão pura e simples, definitiva, irrevogável, irretratável, irreversível.

A segunda, exige breve digressão.

Para cumprir a missão de fazer Justiça às partes, o juiz deve:

  • (a) atentar para a advertência de Georges Ripert: “(…) quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito” (apud Guilherme Mendes Resende, in “Direito e Economia nos julgamentos do Supremo”, Valor Econômico, 21.11.2023, p. E-2);

  • (b) “mergulhar” no cotidiano das empresas;

  • (c) considerar as vantagens econômicas e competitivas inerentes a esse expedito mecanismo de capitalização;

  • (d) adotar uma abordagem pragmática, instrumental e empírica do caso (Richard A. Posner) e valer-se, em seu raciocínio, da análise econômica do direito;

  • (e) agir com judiciosa discricionariedade,

  • (f) ponderar, sopesar, os efeitos práticos de sua decisão e

  • (g) ter em mente os seguintes postulados:

    1. enquanto permanecerem contabilizados no “contas a receber”, os recebíveis só servem para a aferição do rating score de crédito das empresas. Isso, contudo, não basta; para quem quer, antes e acima de tudo, manter-se em atividade e, depois e sempre, expandir-se, é imprescindível monetizá-los.

    2. a conversão antecipada de recebíveis atuais e futuros em recursos financeiros disponíveis é o meio mais simples, rápido, barato e eficaz de prover o caixa com dinheiro novo (as mais das vezes, a transferência é instantânea - um toque de uma única tecla do computador).

    3. a operação (a) é realizada com celeridade (sem a tirania do aparelho burocrático), por vezes sem garantias (dependo do rating do devedor) e a custos reduzidos (menores taxas de juros); (b) fortalece o capital de giro, estrutura o fluxo de caixa e melhora os indicadores de liquidez; (c) torna as empresas mais eficientes, prósperas e resilientes.

    4. com dinheiro em conta corrente e aplicações financeiras disponíveis, as empresas têm reais possibilidades de (a) negociar condições diferenciadas com fornecedores de bens e serviços e bancos e instituições não financeiras; (b) rivalizar com as concorrentes; (c) enfrentar a ameaça de produtos substitutos.

    5. se, como ensina o Professor de Negócios na Stanford University’s Law Scholl, Willian Lazier, “as organizações não morrem devido à falta de lucros. Elas morrem de falta de caixa”, é imperioso estimular a transformação de recebíveis em dinheiro para ser usado a todo e qualquer momento para o que “der e vier”.

    6. julgamentos contrários ao fiduciário, (a) vão acirrar a discussão sobre “subsídios cruzados” nas operações com recebíveis de cartão de crédito; (b) elevar os juros do rotativo; (c) inibir o crescimento do florescente mercado de special situations, “classe de ativos que representou cerca de 25% do capital privado disponível para investimento em 2022” (Valor, ed. 5.859); (d) impor a utilização em grande escala da chamada “proteção contratual”, isto é, de cláusulas que restringem a liberdade de gestão (convenants) e formalizam a constituição de garantias reais e pessoais para prevenir perdas por inadimplência do devedor.

    7. a antecipação de recebíveis, contratadas vezes sem conta em todos os cantos do país, beneficia, direta e indiretamente, empresas, sócios/acionistas, empregados, prestadores de serviços, credores, consumidores, a coletividade, municípios, estados e a União Federal.

      Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:
    8. o Supremo Tribunal Federal escudou-se no pragmatismo jurídico para resolver casos controvertidos, i.e., descriminalização do aborto; união homoafetiva; registro civil para transgêneros; equiparação entre injúria racial e racismo; porte de maconha; lei da ficha limpa.

    9. O Supremo Tribunal Federal tem aplicado, em seus julgamentos, ano após ano, a análise econômica do direito, conforme restou patente da “obra de 2021, do juiz federal Guilherme Caon”, segundo esclarece Guilherme Mendes Resende, assessor especial da presidência do STF e economista-chefe do CADE entre 2016 e 2023, verbis: “(…) É digno de nota os avanços do diálogo entre Direito e Economia nas decisões da referida Corte (…) entre 1991 a 2014, foram identificados 20 julgamentos em que houve a utilização de fundamentos econômicos, não havendo, em regra, uma adesão explícita à análise econômica do Direito. Já entre 2015 a 2019, um período de apenas cinco anos, foram encontrados 19 julgados em que o STF utilizou argumentos econômicos” (artigo do Valor Econômico citado).

Ciente da importância da antecipação de recebíveis futuros para o mercado de bens e serviços e o mercado financeiro e de capitais, consciente dos efeitos econômicos e sociais que a sua sentença produzirá e no exercício responsável do poder discricionário que a lei lhe confere, o juiz deve decidir que a antecipação de recebíveis futuros, ou não performados, ou a performar, não se submete aos efeitos da recuperação judicial da fiduciante.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Jorge Lobo

Mestre em Direito da Empresa da UFRJ e Doutor e Livre-Docente em Direito Comercial da UERJ. Curador de Massas Falidas do MPRJ e é advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOBO, Jorge. Antecipação de recebíveis futuros, um caso controvertido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7767, 6 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107541. Acesso em: 18 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos