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O afastamento preventivo de policial civil durante a apuração de falta administrativa na PCSC

11/12/2023 às 18:42

Resumo:


  • O afastamento preventivo de um Policial Civil durante investigações administrativas é um procedimento complexo que deve ser fundamentado e respeitar a competência administrativa.

  • Existem normativas específicas, como o Decreto 4.141/77 e a Lei 6.843/86, que estabelecem as condições e autoridades responsáveis pelo afastamento preventivo em diferentes fases da apuração administrativa.

  • A Lei Complementar 491/2010, apesar de ser uma norma geral e mais recente, não entra em conflito com as normas específicas da Polícia Civil, mas complementa o regramento sobre o afastamento preventivo de policiais em investigações administrativas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O afastamento do policial civil no curso de apuração é possível, desde que fundado na possível interferência nas investigações e observada a competência administrativa.

Um tema controverso sob o ponto de vista jurídico e que merece uma incursão mais atenta é a possibilidade de afastamento preventivo do Policial Civil durante a apuração de falta administrativa. Questões como o momento adequado, a forma, a autoridade competente e os reflexos administrativos do afastamento judicial demandam uma análise atenta dentro do cipoal legislativo em que se tornou nosso ordenamento jurídico-administrativo estadual.

A atitude correta no enfrentamento destas questões tem a capacidade de evitar recursos procrastinatórios e prejuízos morais indenizáveis, garantindo a observância de Princípios indisponíveis como legalidade, celeridade, eficiência, segurança jurídica, motivação e razoabilidade.

Antes da incursão objetiva sobre o tema, é de suma importância relembrar em diminuto espaço e sem a pretensão de aprofundamento, que a competência dos entes federativos dos quais advém as normas é tão importante quanto a hierarquia das leis ilustrada didaticamente na pirâmide de Kelsen.

Neste sentido, conforme a boa doutrina, leis complementares são aquelas elaboradas para regular matérias versadas na Constituição, ou seja, a norma maior prevê expressamente a regulação da matéria em lei complementar. As leis ordinárias, por sua vez, têm caráter residual, elaboradas para a regulação de assuntos desprovidos de exigência constitucional.

Como se vê, não há hierarquia entre uma lei complementar e uma lei ordinária. A prevalência de uma sobre a outra resulta da análise de competência em razão da matéria.

O Decreto, por sua vez, tem por objetivo a regulamentação do que já foi disposto em uma lei. Tem natureza derivada e não originária, portanto, não pode inovar, modificar ou extinguir dispostos da lei originária.

Novamente, não há hierarquia, e os eventuais conflitos devem ser resolvidos pela competência, ou não, de regular determinada matéria.

Retornando ao tema principal, muito embora a hierarquia e os conflitos aparentes de normas sejam temas por demais interessantes, imprescinde que se exponha os marcos regulatórios afetos a possibilidade de afastamento do Policial Civil durante a apuração de falta administrativa:

Decreto 4.141, DE 23-12-1977

Aprova o regimento da Secretaria de Segurança e Informações.

Art. 61 - São atribuições do Corregedor geral da Polícia:

I – Determinar as correições gerais e parciais e a inspeção dos órgãos da Polícia Civil;

...

VI – Propor a suspensão preventiva de servidores da secretaria que estiverem envolvidos em processos e correições;

...

LEI Nº 6.745, de 28 de dezembro de 1985

Este Estatuto estabelece o regime jurídico dos funcionários públicos civis dos Três Poderes do Estado e do Tribunal de Contas.

Art.19. Preso preventivamente, pronunciado por crime comum, denunciado por crime funcional ou condenado por crime inafiançável, em processo no qual não haja pronúncia, o funcionário ficará afastado do exercício de seu cargo até decisão final transitada em julgado (art. 93). Parágrafo único. No caso de condenação, se esta não for de natureza que determine a demissão do funcionário, continuará o afastamento até o cumprimento total da pena.

Art. 93. O funcionário perderá: I - os vencimentos do dia, quando faltar ao serviço; II - 1/3 (um terço) dos vencimentos do dia, quando comparecer ao serviço com atraso máximo de até 30 (trinta) minutos, ou quando se retirar antes de terminado o horário de trabalho; III - 2/3 (dois terços) dos vencimentos, configurada a hipótese do parágrafo único, do art. 19, deste Estatuto.

Lei Nº 6.843, de 28 de julho de 1986

Dispõe sobre o Estatuto da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina.

Art. 29. O policial civil é afastado do exercício de suas funções até decisão transitada em julgado, quando:

I - preso preventivamente ou em flagrante delito;

II - denunciado por crime:

a) contra a administração pública;

b) inafiançável; e

c) de natureza hedionda a provocar clamor público.

Art. 224. As autoridades policiais, Diretores de órgãos policiais e Corregedores, que tiverem notícia de irregularidade cometidas pôr policial civil, são obrigados a promover sua apuração imediata por meio de sindicância, no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogáveis mediante despacho fundamentado da autoridade sindicante, se tratar-se de subordinado seu, ou comunica-la dentro de 48 (quarenta e oito) horas a autoridade competente sob pena de se tornar conivente.

§ 1º Em qualquer caso os Corregedores poderão sindicar “ex-officio”.

§ 2º Pode ser afastado preventivamente das funções, sem prejuízo da remuneração, até completa apuração dos fatos, o policial civil ao qual foi imputada falta ou infração que, por sua natureza, aconselhe tal providencia.

§ 3º O afastamento a que se refere o parágrafo anterior, deve ser comunicado imediatamente à Superintendência da Policia Civil.

DA SUSPENSÃO PREVENTIVA

Art. 254. A suspensão preventiva, de até 30(trinta) dias, é aplicada a pedido do presidente da comissão de processo disciplinar ou ordenada pelo Superintendente da Policia Civil desde que o afastamento do policial civil seja imprescindível à livre e cabal apuração da infração.

LEI COMPLEMENTAR Nº 491, de 20 de janeiro de 2010.

Cria o Estatuto Jurídico Disciplinar no âmbito da Administração Direta e Indireta do Estado de Santa Catarina.

DO AFASTAMENTO PREVENTIVO

Art. 76. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influenciar na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do procedimento administrativo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.

§ 1º O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

§ 2º Deverá constar da portaria de afastamento a determinação de que o servidor afastado ficará à disposição do órgão ao qual é vinculado, bem como da Comissão Processante durante o horário normal do expediente, em local certo e conhecido, a contar da ciência do ato.

§ 3º O não atendimento pelo servidor acusado à determinação disposta no parágrafo anterior configura prática de nova irregularidade e impõe a instauração de novo procedimento administrativo disciplinar.

§ 4º O não cumprimento será informado ao setor de pessoal e os dias ausentes serão descontados.

§ 5º É facultado ao órgão, dependendo da infração cometida, designar o servidor acusado para ter exercício em outro setor até o término do procedimento administrativo disciplinar

Art. 80. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 81. Ficam revogados:

I - os arts. 153 ao 167 da Lei nº 6.745, de 28 de dezembro de 1985;

II - os arts. 227 ao 243 e 254 da Lei nº 6.843, de 28 de julho de 1986;

III - os arts. 181 a 195 da Lei nº 6.844, de 29 de julho de 1986; e

IV - os arts. 56 ao 90 da Lei Complementar nº 323, de 02 de março de 2006.

A análise dos marcos regulatórios permissivos da medida de exceção indica que nenhum foi expressamente revogado, e que é necessária sua contextualização histórica a fim de que obtenha interpretação mais aproximada da mens legis.

O art. 61 do Decreto 4.141/77 indica que a suspensão preventiva de servidores da Secretaria da Segurança e Informações (SSI) - posterior Secretaria da Segurança Pública e Defesa do Cidadão e atual Secretaria da Segurança Pública -, é proposta pelo Corregedor Geral da Polícia e, dentro do contexto histórico e redacional do referido dispositivo, observa-se que a referência é em relação ao Corregedor da Polícia Civil eis que, na data em que referida norma entrou em vigor, não constava na estrutura organizacional da então SSI uma unidade de corregedoria, a Policia Militar não estava vinculada a SSI, o Corpo de Bombeiro estava subordinado a PM e o atual IGP não existia, portanto, o Corregedor mencionado é o da Polícia Civil.

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Ainda conforme a Lei 4.141/77, esta proposição de suspensão preventiva, tendo por objeto Policiais Civis, deverá ser direcionada ao superior hierárquico do Corregedor Geral que, na época era o Superintendente da Polícia Civil, depois denominado Chefe de Polícia e, atualmente, Delegado Geral da Polícia Civil.

Com referência específica ao afastamento de Policial Civil, a Lei 6.843/86 (Estatuto da Polícia Civil de SC) infere no art. 224, parágrafo terceiro, que o afastamento do Policial Civil deve ser comunicado imediatamente à Superintendência da Polícia Civil (sic), deixando transparecer que que este afastamento é determinado por outro servidor que não o Superintendente, hoje Delegado Geral.

O art. 254 do mesmo Estatuto da PCSC determina que a suspensão preventiva é aplicada a pedido do Presidente da Comissão de Processo Disciplinar ou ordenada pelo Superintendente da PCSC, no entanto tal dispositivo foi expressamente revogado pela Lei Complementar 491/10, que disciplinou o afastamento preventivo dos servidores da administração direita e indireta do Estado.

Aparentemente, há um conflito de normas. O Estatuto da PCSC no art. 224, parágrafo terceiro, não expressa, mas induz a interpretação de que o afastamento preventivo do Policial Civil não é determinado pelo Delegado Geral da Polícia Civil, mas sim pelo Corregedor Geral, como indica o já comentado art. 61, do Decreto 4.141/77. Em compasso diverso, a Lei Complementar 491/2010, art. 76, cita que o afastamento preventivo será determinado pela autoridade instauradora do procedimento administrativo disciplinar, ou seja, o Delegado Geral da Polícia Civil.

Como já citado de forma sucinta anteriormente, não há uma hierarquia entre lei ordinária e lei complementar, há sim, delimitação de matéria a ser tratada em cada compêndio normativo.

Neste contexto, tem-se uma norma de aplicação específica (Estatuto da Polícia Civil) que vigorou a partir do ano de 1986, e uma norma de aplicação genérica (LC 491/10) que vigorou a partir de 2010.

Dentro da análise do objeto proposto, não há que se aplicar o Princípio da Especialidade da Norma em relação ao Estatuto da Polícia Civil, o que afastaria a incidência da norma geral (LC 491/10), ainda que mais recente, eis que, voluntária ou involuntariamente, tratam de momentos distintos da apuração administrativa, não havendo, portanto, conflito de normas a ser dirimido por Princípios Administrativos. Ao contrário, estamos diante de uma complementaridade das normas obtida pela interpretação sistemática dos dispositivos em estudo.

Conclui-se, por conseguinte, que o afastamento do Policial Civil no curso da apuração administrativa é perfeitamente possível em qualquer fase da apuração administrativa, desde que adequadamente fundamentado em relação a concreta possibilidade de interferência nas investigações e/ou na formação da prova, no entanto, deve ser observada a competência administrativa para a aplicação da medida de exceção.

Durante a apuração preliminar ou sindicância administrativa, por expressa previsão normativa, o afastamento se dará por determinação do Corregedor da Polícia Civil (Dec. 4.141/77, Lei 6.843/86) e, no processo administrativo disciplinar, por ato do Delegado Geral da Polícia Civil (LC 491/2010).

Tratando-se procedimentos distintos e com atos deflagradores próprios e independentes, embora vinculados, o afastamento do policial civil determinado na apuração preliminar deve ser ratificado pela posterior comissão sindicante. Assim como a decisão de afastamento exarada pela comissão de sindicância deve ser ratificada pelo Delegado Geral de Polícia em havendo instauração de PAD.

Nas situações de afastamento preventivo decorrente de prisão preventiva ou em flagrante, ou quando o policial for denunciado por crime contra a administração pública, inafiançável ou de natureza hedionda que provoque clamor público (L. 6.843/86, art. 29 e L 6.745/85, art. 19), não há menção sobre a autoridade competente para determinação da medida, no entanto, considerando que a mesma não tem prazo certo para o seu final, dada a imposição de que a medida perdure até o transito em julgado da apuração criminal, certamente perpassando a persecução administrativa através apuração preliminar e/ou sindicância e processo administrativo, é prudente que o afastamento se dê por ato da autoridade que pode o mais, ou seja, o Delegado Geral de Polícia Civil, evitando-se que a decisão de uma autoridade em um procedimento (apuração preliminar ou sindicância) surta efeitos em procedimento distinto instaurado por outra autoridade (processo administrativo disciplinar).

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Sobre o autor
Aldo Pinheiro D Avila

Delegado de Polícia do Estado de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D AVILA, Aldo Pinheiro. O afastamento preventivo de policial civil durante a apuração de falta administrativa na PCSC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7467, 11 dez. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107559. Acesso em: 22 dez. 2024.

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