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A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal, suas exceções e a inovação do pacote anticrime

14/12/2023 às 18:34
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O princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas deve ser relevado quando se chocar com outros de maior magnitude, a fim de que, acima de tudo, a justiça prevaleça.

Resumo: A prova é a base da discussão processual, eis que analisando a mesma o juiz formará sua convicção para proferir sua decisão. Vige no processo penal o princípio da verdade real, o qual aduz que não se devem medir esforços para se chegar o mais próximo possível à realidade dos fatos. Contudo, vedou-se a utilização das provas ilícitas no processo penal. A Lei 11.690/2008 trouxe modificações no Código de Processo Penal, notadamente em seu art. 157, trazendo à legislação infraconstitucional a vedação já presente na Magna Carta. Outrossim, deixou clara a existência das provas ilícitas por derivação, sua inadmissibilidade, bem como exceções a tal vedação. Cumpre salientar que há inúmeras críticas doutrinárias acerca de tal dispositivo. Ademais, ressalte-se que pelo princípio da proporcionalidade, havendo conflitos entre garantias constitucionais, a de maior magnitude deve prevalecer, restando possível a admissibilidade da prova ilícita em alguns casos, mormente em benefício do réu. De resto, importante salientar que o presente tema ainda possui grande relevância, sobretudo porque foi objeto de inovação legislativa por meio do Pacote Anticrime, fazendo ressurgir o instituto da descontaminação do julgado.

Palavras-chave: Provas ilícitas. Lei 11.690/2008. Derivação. Inadmissibilidade. Exceções. Descontaminação do julgado.


1 Introdução

As provas são de extrema importância no processo penal, eis que o juiz só formará sua convicção e proferirá sua decisão após a análise das mesmas. Contudo, nem todas as provas são admitidas, sendo vedada a utilização das provas ilícitas.

A Lei 11.680/2008 trouxe mudanças no Código de Processo Penal, inserindo o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas em seu art. 157. Ademais, adotou a teoria dos frutos da árvore envenenada, proibindo a utilização das provas ilícitas por derivação. Ressalta-se que o mesmo dispositivo trouxe exceções à vedação alhures mencionada.

Cumpre trazer à baila que o princípio da proporcionalidade permite a utilização das provas ilícitas em alguns casos, mormente para beneficiar o réu.

Justifica-se de grande importância o estudo acerca da inadmissibilidade das provas ilícitas diante da influência que a admissão de uma prova tem para a vida do réu, eis que pode privá-lo de um grande bem, sua liberdade. Em contrapartida, tal tema influi também na sociedade, visto que o Estado, representado pelo Poder Judiciário, responsável pela paz social, pode causar impunidade e sensação de insegurança à população dependendo da decisão de admissibilidade ou inadmissibilidade de uma prova no processo criminal.

A importância do presente tema é corroborado pela inovação legislativa recente, por meio do Pacote Anticrime, fazendo ressurgir o instituto da descontaminação do julgado.

O presente trabalho consubstancia-se em pesquisa bibliográfica, baseando-se nas diversas doutrinas existentes sobre o tema, em dispositivos de lei e na jurisprudência acerca do assunto.

2 Provas no processo penal

A palavra “prova” provém do latim probatio e pode-se conceituá-la como sendo todo elemento que o juiz ou as partes trazem para o processo com o fito de comprovar fatos, bem como a veracidade de uma afirmação. Pode-se dizer que a prova é a base da discussão processual, visto que analisando a mesma o juiz formará sua convicção e proferirá sua decisão.

Em alusão à verdade que as partes almejam demonstrar, na visão do doutrinador Guilherme de Souza Nucci, a mesma é relativa, pois o que é verdadeiro para uns, é falso para outros. Dessa forma, a missão da parte é convencer o magistrado de que sua noção de realidade é a correta e que os fatos que narrou são verdadeiros. [1]

Nesse sentido, no que concerne à finalidade da prova, Fernando Capez preleciona: “destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da causa”. [2]

São passíveis de serem provados no processo os fatos alegados pelas partes que possuem certa carga de incerteza. Ressalta-se que tais circunstâncias devem possuir alguma influência na decisão do juiz, caso contrário, haverá desperdício na produção de suas provas.

Neste momento, cumpre fazer uma breve explanação acerca da verdade formal e verdade real no processo penal. Conforme lições de Nucci:

“verdade formal é a que emerge no processo conforme os argumentos e as provas trazidas pelas partes”. No processo criminal, busca-se a verdade real que, como o próprio nome diz, deve ser a mais próxima à realidade dos fatos. Segundo o ilustre doutrinador alhures citado, “são se deve contentar o juiz com as provas trazidas pelas partes, mormente se detectar outras fontes possíveis de buscá-la.” [3]

Por fim, quanto ao meio de prova, convém esclarecer que, segundo Fernando Capez, compreende tudo quanto possa servir, diretamente ou indiretamente, à demonstração da verdade que se busca no processo. [4]

Como acima explicitado, é cediço que em decorrência do princípio da verdade real, não seria permitido haver limitações aos meios de prova, devendo ser admitidos todos os meios, a fim de que a busca pela verdade não seja prejudicada. Entrementes, há algumas restrições concernentes ao assunto em questão, nas quais, dentre outras, encontram-se as provas ilícitas e as provas derivadas das mesmas, tema que será abordado pormenorizadamente a seguir.

3 As provas ilícitas no processo penal brasileiro

Preliminarmente, cumpre destacar que a Magna Carta em seu art. 5°, LVI dispõe: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

Sob este prima, em sede de processo penal, a Lei 11.690/2008 disciplinou a matéria das provas ilícitas, trazendo para a legislação infraconstitucional a vedação já prevista na Constituição Federal como alhures mencionada. Veja-se o art. 157, o qual foi reformado pela Lei 11.690/2008: “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normal constitucionais ou legais.”

Vislumbra-se que a palavra “ilícito” possui dois sentidos, um restrito e um amplo. O doutrinador Nucci descreve os mesmos, a saber:

sob o significado restrito, quer dizer o proibido por lei; b) sob o prisma amplo, tem, também, o sentido de ser contrário à moral, aos bens costumes e aos princípios gerais do direito. [5]

Nessa conjuntura, é possível fazer a distinção das provas formalmente ilícitas e materialmente ilícitas. As primeiras dizem respeito à processualística, vale dizer, o modo como são introduzidas no processo é proibido por lei; as últimas são aquelas, cujo meio de obtenção é vedado.

Concernente a esse assunto, há grande divergência na doutrina acerca da denominação das espécies de provas supramencionadas.

Fernando Capez, em sua obra, primeiramente aduz que prova ilegítima é aquela que afronta norma de direito processual, bem como classifica de prova ilícita aquela produzida em contradição a normas de direto material. Nesse sentido, parte da doutrina entende que as provas ilegais são o gênero, cujas espécies consubstanciam-se nas provas ilícitas e ilegítimas. [6]

A fim de corroborar com a corrente em testilha, Damásio de Jesus assevera que “são inadmissíveis no processo as chamadas provas ilegais, gênero que se subdivide nas espécies: prova ilegítima e prova ilícita.” [7]

Em contrapartida, Nucci discorda da visão alhures, alegando que a ilicitude é gênero das provas vedadas, senão vejamos:

O gênero é a ilicitude – assim em Direito Penal, quanto nas demais disciplinas, inclusive porque foi o termo utilizado na Constituição Federal – significando o que é contrário ao ordenamento jurídico, contrário ao Direito de um modo geral, que envolve tanto o ilegal, quanto o ilegítimo, isto é, tanto a infringência às normas legalmente produzidas, de direito material e processual, quanto aos princípios gerais de direito, aos bons costumes e à moral. [8]

Ora, esse é o entendimento que merece prosperar. É cediço que a Constituição Federal e a Lei 11.690/2008 utilizam a expressão “provas ilícitas”. Assim, vislumbra-se que as provas ilícitas envolvem aquelas que contrariam normas de direito material e processual. Tanto é verdade que, se fosse aceita a visão de que ilicitude diz respeito apenas à violação do direito material, a Carta Política e o Código de Processo Penal apenas estariam proibindo esse tipo de prova, permanecendo silentes quanto às provas que contrariam as normas processuais.

Efetivamente, cumpre ressaltar que, no decorrer de sua obra, ao comentar acerca das mudanças introduzidas pela Lei 11.690/2008, Fernado Capez adverte:

Portanto, a reforma processual penal distanciou-se da doutrina e jurisprudência pátrias que distinguiam as provas ilícitas das ilegítimas, concebendo como prova ilícita tanto aquela que viole disposições materiais como processuais. [9]

Pois bem, como acima explanado, a legislação pátria prega que as provas ilícitas são inadmissíveis. Contudo, faz-se necessário trazer à baila que tal vedação não é absoluta, podendo ser relevadas em alguns casos.

O princípio da proporcionalidade leciona que em havendo conflitos entre garantias constitucionais, a que possuir maior relevância social deve prevalecer. Assim, quando bens de maior magnitude estão em jogo, justo seria se a vedação constitucional para admissibilidade de provas ilícitas fosse afastada.

No caso concreto, se o réu requer a utilização de uma prova ilícita para se defender, entende-se que o mais probo seria admitir seu uso, eis que chocando o princípio da ampla defesa com o da vedação das provas ilícitas, o primeiro deve prevalecer, a fim de garantir a liberdade de um réu que poderia ser preso por motivo injusto. Veja-se o exemplo que Fernando Capez cita em sua digníssima obra:

Um exemplo em que seria possível a aplicação desse princípio é o de uma pessoa acusada injustamente, que tenha na interceptação telefônica ilegal o único meio de demonstrar sua inocência. No dilema entre não admitir a prova e privar alguém de sua liberdade injustamente, por certo o sistema se harmonizaria no sentido de excepcionar a vedação da prova, para permitir a absolvição. [10]

Nesse diapasão, a corrente majoritária preleciona que resta possível a admissibilidade de uma prova ilícita para beneficiar o réu. Nucci assinala:

Dessa forma, se uma prova for obtida por mecanismo ilícito, destinando-se a absolver o acusado, é de ser admitida, tendo em vista que o erro judiciário precisa ser a todo custo evitado, conforme preceitua a Constituição Federal (art. 5°, LXXV) [11]

Com o fito de demonstrar que a corrente jurisprudencial brasileira pende para esse entendimento, cumpre transcrever trecho de decisão proferida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STS. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. – gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documenta-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. [12]

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Por outro lado, verifica-se que o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário é no sentido de não se admitir a aplicação do princípio da proporcionalidade, ora em estudo, em favor da sociedade. Todavia, é imperioso ressaltar que essa não é a visão mais acertada, visto que preservar a prática reiterada de infrações penais a fim de se garantir o direito à intimidade, por exemplo, não consiste na escolha mais justa.

Neste prisma, Fernando Capez menciona o caso de uma organização criminosa que teve ilegalmente seu sigilo telefônico violado e descoberta toda a sua trama ilícita. Em seguida, o referido jurista faz o seguinte questionamento que leva a refletir: “O que seria mais benefício para a sociedade: o desbaratamento do grupo ou a preservação do seu direito à intimidade?” [13]

De resto, a Suprema Corte já assinalou que um direito individual “não pode servir de salvaguarda de práticas ilícitas” [14]

Com efeito, extrai-se que o ordenamento jurídico proibiu o uso de provas ilícitas, contudo, relativizou tal vedação aplicando-se o princípio da proporcionalidade em alguns casos, mormente pro reo. Insta salientar que seria digno a sua aplicação também pro societate.

4 Provas ilícitas por derivação

A Lei 11.690/2008 ao reformar o art. 157, do Código de Processo Penal, fez menção no seu parágrafo 1°, às provas ilícitas por derivação, bem como assinalou a inadmissibilidade das mesmas e algumas exceções a essa regra.

Para Fernando Capez, as provas ilícitas por derivação são aquelas em si mesma lícitas, mas produzidas a partir de outra ilegalmente obtida, como a confissão extorquida mediante tortura e a interceptação telefônica clandestina. [15]

Hodiernamente, no tocante às provas em questão, a corrente jurídica majoritária entende que incide a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada. É imperioso consignar que a teoria supracitada surgiu na Suprema Corte norte-americana, após o julgamento de um caso concreto no ano de 1920, qual seja Siverthorne Lumber Co. vs. United States.

Como acima mencionado, o parágrafo 1°, do art. 157, do CPP, reformado pela Lei 11.690/2008, vedou de forma expressa as provas ilícitas por derivação. Entrementes, verifica-se a existência de exceções quanto à referida proibição.

Na doutrina dos Estados Unidos, três exceções concernentes à inadmissibilidade da prova ilícita por derivação são mais conhecidas, a saber: a fonte independente, a descoberta inevitável e a contaminação expurgada.

A limitação da fonte independente foi expressamente recebida pelo Código de Processo Penal. Vislumbra-se que no parágrafo 2°, do seu art. 157, consta o conceito da referida: “Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. “

Sobre a fonte independente, Nucci assevera:

A prova originária de fonte independente não se macula pela ilicitude existente em prova correlata. Imagine-se que, por escuta clandestina, logo ilegal, obtém-se a localização de um documento incriminador em relação ao indiciado. Ocorre que, uma testemunha, depondo regularmente, também indicou à polícia o lugar onde se encontrava o referido documento. Na verdade, se esse documento fosse apreendido unicamente pela informação surgida na escuta, seria prova ilícita por derivação e inadmissível no processo. Porém, tendo em vista que ele teve fonte independente, vale dizer, seria encontrado do mesmo modo, mesmo que a escuta não tivesse sido feita, pode ser acolhido como prova lícita. [16]

Outrossim, quanto à exceção da descoberta inevitável, em síntese, pode-se dizer que se trata da possibilidade de, no decorrer da investigação, obter a prova derivada sem contaminação nenhuma.

Em alusão à terceira limitação, verifica-se que a contaminação expurgada ocorre quando a prova seguiu um caminho ilegal, contudo, após algum acontecimento, tal contaminação é eliminada. Nesse prisma, fatores como o lapso temporal, colaboração do acusado com as investigações, irrelevância da ilicitude, entre outros, podem acarretar o expurgo do vício da prova derivada.

Cumpre salientar que o legislador ordinário brasileiro inseriu no art. 157, parágrafo 1°, CPP, outra limitação à inadmissibilidade da prova ilícita por derivação, qual seja: a ausência do nexo de causalidade. Assim, se a prova obtida não tiver ligação com a prova contaminada, não há que se falar em vício daquela.

De resto, no tocante à exceção da fonte independente contida no art. 157, parágrafo 2°, do CPP, acima explanada, faz-se imperioso registrar que seu conceito causou alvoroço no meio doutrinário, eis que alguns acreditam que tal denominação se aproxima, na verdade, da exceção da descoberta inevitável, cunhada pela Suprema Corte Norte Americana.

Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira, a redação do dispositivo em questão possui um equívoco técnico. Aduz que pela leitura do texto, denota-se que a definição contida refere-se “a outra hipótese de aproveitamento da prova, qual seja, a teoria da descoberta inevitável, muito utilizada no direito estadunidense.” [17]

Já Ada Pellegrini Grinover vai além, acreditando que o texto contido no referido dispositivo é inconstitucional, eis que:

O legislador estabeleceu um conceito normativo de fonte independente que subverte não só aquela ideia original, mas também coloca em risco a própria finalidade da vedação constitucional, que não é outro senão a de coibir atentados aos direitos individuais estabelecidos na Lei Maior. [18]

Por fim, importante trazer à baila que a jurisprudência, notadamente o STJ, vem adotando a teoria da descoberta inevitável em seus julgados, invocando o dispositivo discutido, conforme trecho da decisão a seguir descrita:

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO. OBTENÇÃO DE DOCUMENTO DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. SIGILO BANCÁRIO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA SUPOSTAMENTE ILEGAL. ILICITUDE DAS DEMAIS PROVAS POR DERIVAÇÃO. PACIENTES QUE NÃO PODEM SE BENEFICIAR COM A PRÓPRIA TORPEZA. CONHECIMENTO INVITÁVEL. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 7.Acolhimento da teoria da descoberta inevitável; a prova seria necessariamente descoberta por outros meios legais. No caso, repita-se, o sobrinho da vítima, na condição de herdeiro, teria, inarredavelmente, após a habilitação no inventário, o conhecimento das movimentações financeiras e, certamente, saberia do desfalque que a vítima havia sofrido; ou seja, descoberta era inevitável. [19]

Desta feita, vislumbra-se que há grande discussão doutrinária acerca das modificações que a Lei 11.690/2008 trouxe referente às provas ilícitas. Contudo, resta aguardar a posição definitiva da jurisprudência acerca da aplicação de tais dispositivos no caso concreto, notadamente em relação às limitações da inadmissibilidade das provas ilícitas.

5 Inovações do Pacote Anticrime

A Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019 trouxe grandes inovações na legislação penal e processual penal. Sobre o presente tema, referida legislação trouxe o instituto da descontaminação do julgado.

Tal instituto possui origem no §5º do art. 157 do CPP que aduz: “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”.

Saliente-se que na oportunidade de reforma do processo penal, pela Lei nº 11.690/2008, foi incluído o §4º ao art. 157 do CPP, prevendo que “o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”. Todavia, referido parágrafo foi objeto de veto pelo Presidente da República.

Há críticas acerca da previsão legal supracitada, sob o entendimento de que o contato pelo juízo com a prova declarada inadmissível não é fato gerador de suspeição ou impedimento do magistrado, a ponto de delegar o julgamento a seu subistituto. Referida determinação violaria, inclusive, o princípio constitucional da razoável duração do processo.

Em contrapartida, as vozes que concordam com referido instituto, o fazem com fundamento na teoria da dissonância cognitiva, a qual preleciona que o ser humano busca, inconscientemente, na maioria das vezes, manter um nível de coerência entre seus valores, visto que o pensamento contraditório gera uma tensão psicológica.

Vale dizer, há um entendimento de que o magistrado ao reconhecer a ilicitude de determinada prova contrária aos direitos do acusado, possui a tendência de pretender a condenação do réu, violando sua imparcialidade.

Importante acrescentar que o dispositivo legal em comento encontra-se com eficácia suspensa em razão da concessão da liminar do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no âmbito da ADI nº 6.305. Desta feita, deve-se aguardar o julgamento do mérito da referida ação para verificação se referido ato normativo será mantido ou expurgado do ordenamento jurídico.

6 Conclusão

Ante o exposto, vislumbra-se que, em tese, as provas ilícitas, bem como as provas derivadas das mesmas não são admitidas no processo penal brasileiro, na forma expressa, eis que com as alterações trazidas pela Lei 11.690/2008, tal vedação foi inserida também na legislação infraconstitucional.

É cediço que em alguns casos tal inadmissibilidade deve ser afastada, contudo, ainda não se firmou nos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários brasileiros um entendimento definitivo sobre a presente questão.

Importante destacar que o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas deve ser relevado quando se chocar com outros de maior magnitude, a fim de que, acima de tudo, a justiça prevaleça.

De resto, ressalte-se que o presente tema ainda possui grande relevância, sobretudo porque foi objeto de inovação legislativa por meio do Pacote Anticrime, fazendo ressurgir o instituto da descontaminação do julgado.


Notas

[1] Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal Comentado. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 343.

[2] Fernando Capez, Curso de Processo Penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, 342.

[3] Nucci, op. cit., p. 350.

[4] Capez, op. cit., p. 376.

[5] Guilherme de Souza Nucci, Manual de Processo Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.87.

[6] Capez, op. cit., p.345/346.

[7] Damásio de Jesus. Código de Processo Penal Anotado. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 160.

[8] Nucci, op. cit., p. 88.

[9] Capez, op. cit., p. 346.

[10] Ibidem, p. 350.

[11] Nucci, 2009, p. 90.

[12] AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.

[13] Capez, op. cit., p. 350.

[14] RT 709/418

[15] Capez, op. cit., p. 346/347.

[16] Nucci, 2008, p. 391.

[17] Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Processo Penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 375.

[18] Ada Pellegrini Grinover; Antônio Magalhães Gomes Filho; Antonio Scarance Fernandes. As nulidades no Processo Penal. 12 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 135.

[19] HC 52995 AL 2006/0011608-1, 6ª Turma. Rel. Ministro OG FERNANDES J. 16/09/10. DJ 04/10/10.

Referências

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DE JESUS, Damásio Evangelista. Código de Processo Penal Anotado. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As Nulidades no Processo Penal. 12 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de . Curso de Processo Penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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Sobre a autora
Vanessa Harumi Iwasa

Assistente Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IWASA, Vanessa Harumi. A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal, suas exceções e a inovação do pacote anticrime. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7470, 14 dez. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107602. Acesso em: 27 abr. 2024.

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