Alienação parental: a responsabilidade por violação aos príncipios do direito de família e o direito comparado da Espanha

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Resumo:


  • A alienação parental é uma violação aos princípios do direito de família, configurando-se como atos que induzem a criança ou adolescente a repudiar um dos genitores, prejudicando o estabelecimento de vínculos afetivos.

  • A Lei nº 12.318/2010, conhecida como Lei da Alienação Parental no Brasil, prevê medidas para combater a prática, incluindo advertências ao alienador, alteração da guarda para compartilhada e possibilidade de responsabilização civil e criminal.

  • A guarda compartilhada é vista como um instrumento eficaz para coibir a alienação parental, pois promove a convivência equilibrada entre os genitores e o filho, dificultando condutas que visam controlar ou influenciar negativamente a criança.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

ALIENAÇÃO PARENTAL: A RESPONSABILIDADE POR VIOLAÇÃO AOS PRÍNCIPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA E O DIREITO COMPARADO DA ESPANHA

Autores: Janine Paula Guimarães Calmon Cézar1 e Eduardo Calmon de Almeida Cézar2

Sumário: 1. Introdução; 2. Alienação parental: a responsabilidade por violação aos princípios do direito de família; 2.1 A família; 2.2 A família no ordenamento jurídico brasileiro; 2.3 Princípios do direito de família; 3. Síndrome da alienação parental; 3.1 Comportamentos atribuídos ao genitor alienante; 3.2 Comportamento da criança alienada; 4. Lei nº 12.318/2010 – lei da alienação parental e as medidas de combate ao ato alienador; 4.1 Definição e sujeitos; 4.2 Medidas cabíveis no caso de identificação do ato alienador; 5. A guarda compartilhada como instrumento eficaz para coibir a alienação parental; 6. A responsabilidade civil na alienação parental; 7. Conclusão; 9. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

Por muitos anos, a família foi caracterizada por ser matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, uma unidade de produção e reprodução e de caráter institucional. Qualquer outro agrupamento de pessoas, constituído de elementos diversos dos mencionados, não era reconhecido como entidade familiar e não gozava de proteção jurídica.

Com a evolução dos fenômenos sociais, como o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a participação do homem nos afazeres domésticos, a valorização da afetividade nas relações interpessoais, a instituição da igualdade dos direitos, dentre outros, a família, enquanto base da sociedade, passou a ser reconhecida como unidade afetiva, pluralizada, democrática, hetero ou homoparental e de caráter instrumental.

O reconhecimento da afetividade como o elo principal entre os membros da família possibilitou o dinamismo das relações, com o surgimento de novas modalidades de entidades familiares, e a atribuição de direitos e deveres aos seus integrantes de forma a igualá-los substancialmente.

Essa mudança na consubstanciação da família, agora reconhecidamente estruturada com base na afetividade e na liberdade dos seus membros, pode significar também a vulnerabilidade das relações familiares, tornando o vínculo conjugal mais suscetível de ruptura, isso porque do mesmo modo que o afeto constitui elo que une os integrantes de uma família, a falta de afeto, aliado a motivos de várias ordens, pode ensejar conflitos no âmbito da estrutura familiar.

A instalação do conflito familiar, com o eventual rompimento do vínculo conjugal entre o casal, não extingue o poder familiar dos pais sobre os filhos, todavia, pode trazer consequências nocivas à criança (ou ao adolescente), possibilitando o surgimento da alienação parental, objeto de estudo do presente trabalho.

O fenômeno da alienação parental foi descrito pela primeira vez, nos Estados Unidos da América, por Richard Gardner, professor da Clínica de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia, em 1985, e pode ser compreendido como os atos que visem a inculcar na criança (ou adolescente) sentimentos capazes de acarretar o repúdio a um dos genitores ou de prejudicar o estabelecimento e/ou a manutenção de vínculos com ele.

A alienação parental encontra terreno fértil na separação do casal, principalmente no momento de disputa da guarda do filho e a discussão acerca dos valores da pensão alimentícia, situação que enseja a utilização da criança como moeda de troca e instrumento para atingir o outro genitor, especialmente se a ruptura do vínculo familiar se deu de forma nefasta com a quebra da normalidade na relação familiar e a instalação de sentimentos como a depressão, o sofrimento, a angústia, a raiva, dentre outros.

Alguns exemplos de atitudes do guardião alienador que interferem no pouco tempo de convivência entre o outro genitor e o filho podem ser identificadas na recusa em repassar as chamadas telefônicas destinadas ao menor, na interceptação de presentes e cartas, no planejamento de atividades no período de visitas, no impedimento do exercício de visitas, bem como na constante mudança de domicílio.

A ocorrência de atos dessa natureza afeta diretamente o filho de forma negativa, podendo ocasionar traumas de ordem emocional e psicológica para a vida toda, e viola o melhor interesse da criança e do adolescente, bem como o direito de convívio familiar saudável, previsto constitucionalmente, além de outros princípios que regem as relações familiares, como a dignidade da pessoa humana, a afetividade e a responsabilidade parental, motivo pelo qual é necessária a conjugação de esforços da família, da sociedade e do Estado para inibir e/ou amenizar os efeitos advindos da conduta alienadora.

Diante desse cenário e atendendo às diretrizes constitucionais, em especial do princípio da dignidade da pessoa humana, mostrou-se imprescindível a positivação da alienação parental no nosso ordenamento jurídico por meio da Lei de Alienação Parental nº 12.318, de 26 de agosto de 2010.

A alienação parental é reconhecida como abuso e/ou tortura psíquica por aqueles que têm o dever de proteger os filhos (familiares alienadores) ou, ainda, como forma de maus tratos e/ou abuso contra os direitos e garantias fundamentais das crianças, conforme se depreende da leitura do artigo 3º da Lei nº 12.318/2010, e, para tanto, precisa ser punida como tal.

Todavia, em que pese a promulgação da mencionada lei representar significativo avanço na matéria, os meios de punição previstos não se revelam suficientes para impedir os efeitos nefastos resultantes da concretização dos atos de alienação parental.

É nessa linha que se desenvolve a presente pesquisa ao analisar no que consiste a alienação parental, como se manifesta, como é provocada/causas, quais as consequências fáticas e reais, e, ainda, demonstrar a necessidade de implementação de mecanismos mais eficientes para coibir ou, ao menos, minimizar os efeitos desastrosos na pessoa humana e cada vez mais presente no cotidiano das famílias.

2. ALIENAÇÃO PARENTAL: A RESPONSABILIDADE POR VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

2.1 A Família

A família, como estrutura básica social, pode ser compreendida como o agrupamento de pessoas, por meio do qual seus membros buscam desenvolver suas potencialidades para a convivência social e a realização individual.

É no âmbito familiar que se sucedem os fenômenos sociais e se constata o desenrolar da complexidade das relações interpessoais, notadamente na sociedade contemporânea, na qual a variedade de formas de convivência e as mudanças de aspirações e necessidades de seus integrantes originam novas estruturas familiares, o que impossibilita a identificação de um modelo familiar uniforme.

Fatores fundamentais como o momento histórico, a política, a religião, o desenvolvimento econômico, entre outros de cunho social, são determinantes para a alteração das características dos grupos familiares.

Para Eduardo Bittar, há uma contínua transformação da família:

“pela erosão de valores, pela alteração de parâmetros de comportamento, pela decrepitude e pela inadequação das instituições aos desafios presentes, pelas mudanças socioeconômicas, pelas crises simultâneas que afetam diversos aspectos da vida organizada em sociedade, pela explosão de complexidade provocada pela emergência de novos conflitos socioinstitucionais, pela requalificação dinâmica dos modos de produção, pelas alterações nos modos tradicionais de se conceber o ferramental jurídico para a construção de regras sociais”3.

Neste contexto, para uma melhor compreensão dos atuais modelos de família no Brasil, é importante a análise da evolução da organização familiar na sociedade romana, principalmente em razão da influência que exerceu na sociedade ocidental.

2.2 A Família no ordenamento jurídico brasileiro

No Brasil, as transformações na estrutura familiar foram acompanhadas em parte pelo ordenamento jurídico pátrio, especialmente no que se refere ao direito de família.

A Constituição do Brasil, outorgada em 1824, não mencionou a família em nenhum de seus dispositivos.

Na Constituição do Brasil de 1891, o artigo 72, §4º, reconheceu o casamento civil como única forma de constituição de família, que foi regulamentado pelo Decreto nº 181 de 1890, de autoria de Rui Barbosa, resultado da separação da Igreja do Estado.

No mesmo caminho, o Código Civil de 1916 condicionava o reconhecimento da família ao casamento civil e, ainda, distinguia os filhos, concebidos ou não no casamento. A família tinha características próprias, era marcadamente patriarcal, hierarquizada, matrimonializada e não se permitia a dissolução do casamento. Qualquer relação fora desse padrão pré-estabelecido era desqualificada pelo ordenamento jurídico, o que servia para excluir direitos.

Apenas a partir de 1977, com a edição da Lei nº 6.515/1977, que foi possível a dissolução do casamento, todavia, condicionada a longos prazos. Somente com a Emenda Constitucional nº 66/2010 que se instituiu o divórcio como a única forma de dissolução do casamento, sem necessidade de prazos ou motivos. Essa modificação, com a facilitação do divórcio, como será visto, propiciou o aumento do fenômeno da alienação parental.

O Código Civil de 2002 também aborda aspectos importantes do direito de família, no entanto, não conseguiu acompanhar e regulamentar todas as peculiaridades dos assuntos que envolvem o direito de família hoje, de sorte que seus dispositivos devem ser interpretados à luz dos princípios e normas constitucionais, a fim de assegurar os interesses da família e de seus membros.

Com as Constituições-Sociais de 1934 e 1988, o direito de família foi tratado em capítulo próprio e, em 1934, foi introduzida a menção de proteção especial do Estado.

Assim, em virtude das modificações sociais, as Constituições começaram a tratar o direito de família de forma separada, de acordo com a sua relevância. Essas alterações de cunho social foram observadas por Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira:

“A partir da segunda metade do século XX, está-se vivendo um importante processo de transformação, determinado – entre outros fatores – pela quebra da ideologia patriarcal, impulsionada pela revolução feminista. À evolução do conhecimento científico, somaram-se o fenômeno da globalização, o declínio do patriarcalismo e a redivisão sexual do trabalho, a ensejar uma profunda mudança na própria família. A travessia para o novo milênio transporta valores totalmente diferentes, mas traz como valor maior uma conquista: a família não é mais essencialmente um núcleo econômico e de reprodução, onde esteve instalada a suposta superioridade masculina. Passou a ser – muito mais do que isso – o espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do amor e, acima de tudo, o núcleo formador da pessoa e elemento fundante do próprio sujeito.”4

Foi a Constituição de 1988, porém, que se mostrou mais preocupada com as relações sociais. A partir daí, reconheceu-se a multiplicidade de família, com uma maior tutela por parte do Estado. A família matrimonializada foi mantida e, ao mesmo tempo, houve a recepção de novos modelos de família, baseados no afeto e na comunhão de vida, como as formadas pela união estável e as constituídas por pais e filhos, conhecidas como família monoparental. Assim, o casamento não é mais a única forma de composição da família.

Desse modo, a família, que antes tinha como estrutura única o patriarcado, fundamentado na hierarquização dos seus integrantes, se modificou, de modo que, atualmente, o homem não ocupa mais apenas a função de provedor do lar e detentor do poder, ou seja, não se visualiza nas famílias contemporâneas a rigidez nas funções estabelecidas para cada um de seus membros.

Pelo contrário, ocorreram alterações nas funções desempenhas pelos seus integrantes, em razão principalmente da conquistada igualdade dos gêneros, notadamente após a entrada da mulher no mercado de trabalho, a maior participação do homem nas tarefas domésticas e a valoração do filho como integrante e não subordinado do grupo familiar. Esses fatores propiciaram maior interação entre os membros do grupo familiar e o desenvolvimento de relações mais afetuosas.

Percebe-se, assim, que a flexibilização das funções dos seus membros, anteriormente pré-estabelecidas e levando em consideração as necessidades e peculiaridades da família atual, ampliou o conceito de família e demandou maior proteção do Estado às novas formas de organização familiar.

Os artigos 226 e 227 da Constituição Federal de 1988 refletem a importância da família, como base da sociedade, e a especial proteção dada pelo Estado ao casamento civil, ao casamento religioso com efeito civil, à união estável entre o homem e a mulher, à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Estabeleceu-se a igualdade entre o homem e a mulher no que concerne aos direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal, a igualdade entre os filhos, havidos ou não no casamento, assegurando os mesmos direitos e a maior facilidade para a dissolução do casamento.

As orientações constitucionais revelam uma inversão de valores e as situações jurídicas existenciais, concernentes aos interesses da pessoa humana, enquanto indivíduo e integrante da família, se sobrepõem às situações jurídicas patrimoniais. Princípios como da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da solidariedade adquirem papel fundamental na proteção da família e do indivíduo.

A princípio a lei não consegue abarcar todos os tipos de agrupamentos familiares, mesmo porque a sociedade está em constante mudança, no entanto, a partir do momento em que uma nova formação se apresenta, o ordenamento jurídico deve procurar dar o devido respaldo no sentido de preservar e proteger esse núcleo, sem, contudo, ultrapassar o limite de intervenção.

Essa realidade foi bem explicitada por Maria Berenice Dias:

“O influxo da chamada globalização impõe constante alteração de regras, leis e comportamentos. No entanto, a mais árdua tarefa é mudar as regras do direito das famílias. Isto porque é o ramo do direito que diz com a vida das pessoas, seus sentimentos, enfim, com a alma do ser humano. O legislador não consegue acompanhar a realidade social nem contemplar as inquietações da família contemporânea. A sociedade evolui, tranforma-se, rompe com tradições e amarras, o que gera a necessidade de oxigenação das leis. A tendência é simplesmente proceder à atualização normativa, sem absorver o espírito das silenciosas mudanças alcançadas no seio social, o que fortalece a manutenção da conduta de apego à tradição legalista, moralista e opressora da lei. Quando se fala de relações afetivas – afinal, é disso que trata o direito das famílias -, a missão é muito mais delicada, em face dos reflexos comportamentais que interferem na própria estrutura da sociedade. (...). Porém, é preciso demarcar o limite de intervenção do direito na organização familiar para que as normas estabelecidas não interfiram em prejuízo da liberdade do ‘ser’ sujeito.”5

O enfoque atribuído à liberdade e aos interesses dos membros da família elevou o patamar de relevância do vínculo afetivo nas relações familiares. As pessoas se mantêm unidas e desejam a comunhão de vida pelo vínculo do afeto e não mais apenas por dependência.

Em relação ao afeto, como base das relações familiares, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka aduz que

“(...) espalha-se a ideia de afetividade como o grande parâmetro modificador das relações familiais, estando a querer demonstrar que o verdadeiro elo das pessoas envolvidas nessas relações, nesse núcleo, nesse tecido, consubstancia-se no afeto. Não houve momento como este antes, seguramente. Não houve momento de reformulação das estruturas da família, através dos tempos, que tivesse dado o salto qualitativo em direção às emoções (performance maximamente otimizada do ser humano), sem ter de passar – obrigatória ou exclusivamente – pelas veredas de antes, quais sejam, o prumo político, a revisão social e/ou o planejamento econômico. Dito de outra forma: nem só de arquétipos da modernidade vive a instituição da família, atualmente; outras causas concorrem, ao lado daqueles, para apresentar a contextualidade que se impregna de mudanças e rupturas e que se tem considerado ser a ‘pós-modernidade’”.6

Apesar dos avanços proporcionados pela Constituição Federal de 1988, ao reconhecer como família a união estável entre homem e mulher e a família monoparental, o artigo 226, que enuncia essas entidades familiares, deve ser compreendido como um rol meramente exemplificativo.

Nessa linha de entendimento, a partir de uma interpretação sistemática constitucional e da flexibilização conceitual, a jurisprudência pátria passou a admitir as uniões homoafetivas como entidades familiares, tirando essas relações da marginalidade do direito.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, no dia 05 de maio de 2011, reconheceu, com caráter vinculante e eficácia erga omnes, a união estável para casais do mesmo sexo. Com esse novo entendimento, permitiu-se a conversão da união estável em casamento, posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça admitiu a habilitação do casamento diretamente no Registro Civil.

Sobre as relações homoafetivas, Maria Berenice Dias destaca que:

“Em nada se diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual. A homoafetividade não é uma doença nem uma opção livre. Assim, descabe estigmatizar a orientação homossexual de alguém, já que negar a realidade não soluciona as questões que emergem quando do rompimento dessas uniões. Não há como chancelar o enriquecimento injustificado e deferir, por exemplo, no caso de morte do parceiro, a herança aos familiares, em detrimento de quem dedicou a vida ao companheiro, ajudou a amealhar patrimônio e se vê sozinho e sem nada.”7

Percebe-se, assim, a tendência da jurisprudência e da doutrina pátria em fortalecer e assegurar os direitos das entidades familiares que não são reconhecidas de forma expressa no ordenamento jurídico e que se encontram marginalizadas e excluídas do âmbito do direito, afinal, a lei não consegue acompanhar de forma imediata as constantes modificações inerentes às relações sociais.

Frisa-se, ainda, um exemplo da deficiência da legislação infraconstitucional na hipótese da família monoparental. Reconhecida expressamente no artigo 226, parágrafo 4º, como a comunidade formada por um dos genitores e seus descendentes e sendo a realidade de grande parte da população brasileira, o Código Civil de 2002 não regulamentou os direitos referentes a essa modalidade de família.

A família monoparental pode ser constituída por pais separados ou divorciados, pais viúvos, mães que optam pela técnica da inseminação artificial ou pais solteiros.

Na hipótese de a família monoparental ser constituída pelo genitor guardião e o filho, nos casos pais separados ou divorciados, mostra-se mais suscetível a incidência da alienação parental, porquanto a guarda única propicia ao guardião alienador maior tempo e controle sobre a criança, possibilitando a concretização de atos que visam implantar no filho sentimentos de rejeição em relação ao outro genitor com o fim de destruir o vínculo afetivo entre ambos.

No caso da família, identificada como “reconstruída”, “recomposta” ou outros nomes dados pela doutrina, na qual uma nova família é constituída após a dissolução de relações pretéritas, sendo que da união do novo casal, um ou ambos trazem filhos advindos de uma relação anterior, também não há uma legislação específica.

Contudo, aos poucos alguns direitos estão sendo reconhecidos, como a possibilidade de adoção unilateral (art. 41, parágrafo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente), de o enteado aderir o nome do padrasto (Lei 11.924/09), e a jurisprudência ao reconhecer o direito de alimentos do filho do companheiro ou cônjuge em relação ao padrasto/madrasta.

A complexidade das relações presentes nessa modalidade de família e a interdependência de seus integrantes, sem um regulamento jurídico específico que abarque as peculiaridades características da família recomposta no que se refere aos direitos e deveres dos seus membros acarreta medo e insegurança jurídica quantos aos efeitos advindos dessa convivência.

No que tange à deficiência da legislação na matéria, Waldyr Grisard Filho pontua:

“a família, como grupo social, desde o modelo arcaico, requer pautas de conduta que definam e compatibilizem as regras entre seus integrantes, sem as quais não se pode conceber o seu funcionamento. De uma maneira mais crescente, as famílias reconstituídas vivem seu cotidiano essencialmente no espaço privado e à margem da lei, com pautas institucionais somente para alguns de seus integrantes. Por inexistirem normas externas, são seus próprios integrantes que as criam. Para isto, exige-se o intercâmbio e a concordância de todos os membros da família, como meio de legitimar as regras que não são institucionalizadas. A falta de legitimação enraíza o medo e com ele as rivalidades, os interesses extremados e as chantagens afetivas. Ao direito cabe legitimar as eleições individuais ou grupais, afirmar certas responsabilidades originadas nas funções familiares, instituir determinadas regras para impedir o descumprimento das funções conjugais e parentais”8.

Nessa modalidade de família, a afetividade ganha ainda mais importância, porquanto é por meio do vínculo afetivo que as pessoas até então desconhecidas, que viviam em outra rotina com experiências diversas advindas de relações anteriores, irão se unir como um grupo familiar e a partir das novas vivências que se estabelecerão, os filhos poderão se sentir como “irmãos” e o casal como “pai” ou “mãe” do filho do outro, o que pode evitar eventuais conflitos familiares.

Outro caso interessante, na qual a afetividade tem papel determinante para a constituição de novas formas de família, foi a permissão para que uma menina nascida no dia 27 de agosto de 2014 tivesse uma certidão de nascimento multiparental com o nome das suas duas mães e de seu pai e, consequentemente, dos seis avós. As mães da criança que vivem em união estável chamaram um amigo para ser o pai biológico, que pediu para ser registrado como pai da menor.

O juiz do Fórum de Santa Maria, Rafael Pagnon Cunha, defendeu a decisão de "permitir o estado civil da bebê de acordo com aquilo que a vida lhe reservou: um lar multicomposto, cheio de amor e afeto". E ressaltou que o desejo dos pais é "admiravelmente assegurar à sua filha uma rede de afetos. (...) E ao Judiciário, Guardador das Promessas do Constituinte de uma sociedade fraterna, igualitária, afetiva, nada mais resta que dar guarida à pretensão - por maior desacomodação que o novo e o diferente despertem.” O juiz ainda complementou que “essa criança terá desde o nascimento um ninho multicomposto” 9.

Diante dessa nova realidade, o cartório precisou adequar o sistema de registro viabilizar a inclusão dos nove nomes na certidão de nascimento da criança.

Em fevereiro de 2015, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também autorizou o registro dos nomes das duas mães e de um pai na certidão de nascimento da criança.

O juiz José Pedro de Oliveira Eckert consignou na decisão que "as duas mulheres e o homem são efetivamente mães e pai da criança, pois gestaram e nutriram, em conjunto, o projeto de prole, não sendo lícito desconsiderar o vínculo de casamento entre as duas mães e a paternidade, tanto biológica como afetiva do pai". E reforçou que “o Direito das Famílias atual deve dar relevância às relações fundadas no afeto e na condição individual do ser humano, levando ao reconhecimento da multiparentalidade e à consequente retificação do registro civil”.10

Percebe-se, assim, que as formas de constituição de família são ilimitadas e necessitam cada vez mais da proteção do Estado, a fim de assegurar o seu pleno desenvolvimento e possibilitar a concretização dos seus anseios, por mais que essa “nova” família seja diversa das até então reconhecidas.

Importa ressaltar, contudo, que a família, baseada no afeto e nas suas diversas modalidades, também pode se revelar mais frágil do que aquela fundamentada na dependência entre os seus integrantes, máxime porque a diminuição do amor e do desejo em compartilhar a vida a dois, aliado às facilidade introduzidas pela Emenda Constitucional nº 66/2010 no que se refere ao divórcio, revelam-se suficientes para interrupção do vínculo conjugal, ressalvados, é claro, os interesses dos filhos advindos dessa relação.

Sobre o assunto, Waldyr Grisard Filho comenta que:

“o modelo de família atual, fundada na livre eleição do casal, no amor e no afeto, denota uma fragilização dos vínculos conjugais, pois, quando se instala o desamor, diminui a comunicação e desaparece o afeto, fracassam projetos biográficos comuns e desmoronam as ilusões, mais facilmente chega o divórcio através de fórmulas cada vez mais facilitadoras introduzidas pelo Estado-legislador. Este mesmo Estado, por outro lado, fortaleceu a solidariedade intrafamiliar mediante a afirmação constitucional da corresponsabilidade parental da proteção integral do menor”11

Por sua vez, é importante frisar que não se pode retirar a força da afetividade como elo de união entre os seus membros, isso porque o desejo dos indivíduos em permanecerem juntos constitui a base sólida da estrutura familiar.

Assim, depreende-se que a evolução dos fenômenos sociais ensejou a transformação dos vínculos entre os indivíduos e a maneira como se dá a constituição da entidade familiar na sociedade contemporânea. A entrada da mulher no mercado de trabalho, marcadamente a partir da revolução industrial, o homem não exercendo mais apenas o papel de provedor da casa, o reconhecimento dos filhos como sujeitos de direito, merecedores de tutela especial, além da valorização dos laços afetivos como base da união entre as pessoas, são fatores que ajudam a explicar o dinamismo das relações interpessoais, situação que permite a alteração de antigos modelos e o surgimento de novos arranjos familiares.

Com isso, diante desse cenário, o Estado não tem mais a capacidade de definir e controlar todas as formas de constituição de família. Apesar dos avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988, que reconheceu, além da família matrimonializada, a união estável e a família monoparental, ainda é pouco se consideradas todas as possibilidades de formação familiar que se concretizaram na sociedade contemporânea.

A legislação infraconstitucional se mostra mais atrasada e conservadora, porquanto não regulamentou de forma adequada as famílias previstas expressamente na Constituição e nem mesmo as outras modalidades que já são realidades.

Desse modo, revela-se necessária maior atuação dos legisladores, de modo a incluir os novos modelos de arranjo familiar e retirá-los da marginalidade da lei, bem como uma atuação efetiva da doutrina e do Poder Judiciário para que, nos casos concretos, sejam preservados os direitos e deveres advindos de cada relação familiar, inclusive daquelas não positivadas pelo ordenamento jurídico como forma de garantir que a família seja instrumento de realização pessoal dos seus integrantes.

2.3 Princípios do Direito de Família

A Constituição Federal de 1988 se caracteriza por ser antropocêntrica e, por isso, colocou o ser humano no centro de proteção de todo ordenamento jurídico, ensejando a despatrimonialização dos institutos jurídicos, com a conseqüente valoração do ser humano.

O entendimento dos novos modelos de família e a compreensão do fenômeno da alienação parental passa pelo estudo dos princípios ligados ao direito de família, mormente o princípio da dignidade da pessoa humana e da convivência familiar ou do direito ao relacionamento familiar, dentre outros.

3. Síndrome da Alienação Parental

No ano de 2011, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil registrou a maior taxa de divórcios desde 1984. O número de divórcios chegou a 351.153, o que representa um crescimento de 45,6% em relação ao ano de 2010, época em que foram registrados 243.224 divórcios. Os últimos dados registrados pelo IBGE foram relativos ao ano de 2013, que registrou 254.251 divórcios.12

O elevado índice de divórcios e separações ajuda a compreender o aumento do fenômeno da alienação parental, que apesar de ter sido definido recentemente, já existia há muitos anos.

É a partir da dissolução do relacionamento conjugal, com a consequente discussão acerca da guarda dos filhos e do valor da pensão alimentícia, que a alienação parental se desenvolve com maior freqüência, o que aliado ao aumento dos divórcios e separações no Brasil, chamou a atenção da sociedade e do Estado para o combate a esse fenômeno.

No âmbito da sociedade civil, visualiza-se um movimento de caráter nacional e internacional, promovido por associações, na divulgação da alienação parental e suas consequências, principalmente por meio de sites, livros, promoção de fóruns, debates, com o objetivo, juntamente com o Estado, de assegurar o bem-estar dos filhos de pais separados ou divorciados e das demais vítimas da prática de alienação parental.

No Brasil, têm-se exemplo de sites como “www.alienacaoparental.com.br”, “www.apase.org.br”, “www.criancafelizrs.com”, bem como o documentário “A morte inventada”, cujo objetivo é disseminar o assunto da Alienação Parental, produzido por Daniela Vitorino e direção de Alan Minas, disponível em “www.amorinventada.com.br”.

Destaca-se que o fim da vida conjugal, dependendo das razões que acarretaram esse rompimento, pode desencadear sentimentos de mágoa, raiva, tristeza e rancor nos envolvidos, sendo que esse turbilhão de emoções fomenta reações que podem levar à instalação do fenômeno da alienação parental.

Acerca do tema, Maria Berenice Dias explica que:

“O fato não é novo: usar filhos como instrumento de vingança pelo fim do sonho do amor eterno. Quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, o sentimento de rejeição ou a raiva pela traição, surge um enorme desejo de vingança. Desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro perante os filhos. Promove verdadeira ‘lavagem cerebral’ para comprometer a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou não aconteceram da forma descrita. O filho é programado para odiar e acaba aceitando como verdadeiras as falsas memórias que lhe são implantadas. Assim afasta-se de quem ama e de quem também o ama. Esta é uma prática que pode ocorrer ainda quando o casal vive sob o mesmo teto. O alienador não é somente a mãe ou quem está com a guarda do filho. O pai pode assim agir, em relação à mãe ou ao seu companheiro. Tal pode ocorrer também frente a avós, tios ou padrinhos e até entre irmãos.”13

Nessa linha de entendimento, importa frisar que os atos de alienação não são exclusivos de famílias separadas, pelo contrário, podem ser detectados no âmbito das diversas entidades familiares em diferentes graus de intensidade, de forma consciente ou inconsciente, todavia, repita-se são mais visíveis e marcantes nos casos de rompimento do vínculo conjugal.

O termo alienação parental, na sua espécie “síndrome da alienação parental”, surgiu na década de 80, em decorrência das pesquisas e estudos do psiquiatra infantil norte-americano Richard A. Gardner, professor da Clínica Infantil da Universidade de Columbia e membro da Academia norte-americana de Psiquiatria da Criança e do Adolescente, que identificou algumas condutas similares nos filhos dos seus pacientes que haviam se separado.

Nesse contexto, Richard A. Gardner criou o termo síndrome da alienação parental e assim o conceituou:

“A síndrome da alienação parental (SAP) é um distúrbio que emerge primordialmente no contexto da disputa pela guarda de filhos. Sua primeira manifestação é a campanha de denegrimento da criança contra o seu genitor, uma campanha que não possui justificativa. Ela resulta da combinação das doutrinações de um genitor programador (lavagem cerebral) e das próprias contribuições da criança para o vilipêndio do genitor-alvo. Quando um real abuso ou negligência parental está presente, a animosidade da criança pode ser justificada, e, portanto, a síndrome da alienação parental como explicação para a hostilidade da criança não é aplicável”.14

O Professor Doutor Jorge Trindade também buscou definir a síndrome da alienação parental como:

“o transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição. Em outras palavras, consiste num processo de programar uma criança para que odeie um de seus genitores sem justificativa, de modo que a própria criança ingressa na trajetória de desmoralização desse mesmo genitor. Dessa maneira, podemos dizer que o alienador ‘educa’ os filhos no ódio contra o outro genitor, seu pai ou mãe, até conseguir que eles, de modo próprio levem a cabo esse rechaço”.15

Importa esclarecer que a alienação parental e a síndrome da alienação parental são conceitos distintos, porém, complementares.

Na alienação parental, o ato é praticado pelo genitor alienador, geralmente o detentor da guarda do menor, que visa inculcar na criança (ou adolescente) sentimentos capazes de acarretar o repúdio a um dos genitores ou de prejudicar o estabelecimento e/ou a manutenção de vínculos com ele.

Por sua vez, a síndrome da alienação parental se caracteriza pela somatização dos efeitos advindos da prática do ato de alienação parental pelo guardião alienador, da absorvição pelo menor dos atos difamatórios perpetrados pelo genitor alienador contra o genitor alienado, bem como da contribuição do menor para a campanha negativa e depreciatória em relação ao genitor alienado.

Essas diferenças foram destacadas por Gardner, que afirma:

“A alienação parental (AP) é um termo geral que abarca qualquer situação em que uma criança possa ser alienada de um genitor. Pode ser causada por abuso parental físico, verbal, emocional, mental, sexual, abandono e negligência. Adolescentes, como atos de rebelião, podem se tornar alienados de um genitor. (...) Uma criança também pode ser programada por um genitor para ser alienada em relação ao outro. Essa categoria específica de alienação parental é genericamente mencionada como síndrome da alienação parental”.16

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O psicólogo americano Dr. Douglas Darnall, autor de vários materiais atinentes ao fenômeno da alienação parental, reforça as diferenças dos termos alienação parental e síndrome da alienação parental:

“Existe uma diferença entre alienação parental e síndrome da alienação parental, apesar de os sintomas ou aquilo que é observado na criança possam ser similares. A distinção entre as duas é que a alienação parental se foca em como o genitor alienador se comporta em relação à criança e ao genitor alienado. Os sintomas da síndrome da alienação parental descrevem os comportamentos e as atitudes da criança em relação ao genitor-alvo depois que a criança foi efetivamente programada e severamente alienada ao genitor-alvo. (...) A alienação parental (AP) foca-se mais no comportamento do genitor do que o papel da criança na difamação do genitor vitimizado. Assim, a alienação pode ocorrer muito antes do ódio do genitor permear as crenças da criança acerca do genitor vitimizado. Essa definição de alienação parental é necessária para que os pais reconheçam o risco que eles correm de inconscientemente cair num padrão de alienação. Ao tempo em que os filhos vierem a concordar com o genitor alienador, geralmente será tarde demais para prevenir danos significativos”.17

Compreender as características do fenômeno da alienação parental, as suas formas de manifestação e as principais causas, especialmente nos momentos de dissolução conjugal, é importante para identificar e discutir os meios judiciais mais efetivos ao combate da prática da alienação parental, que atinge grande parte da população brasileira.

Outra questão interessante acerca da prática dos atos de alienação parental é que essas condutas não se restringem ao universo infanto-juvenil, a experiência demonstra que idosos também estão sendo vítimas desse fenômeno. Essa situação pode ser inferida com maior freqüência quando o idoso constituiu várias famílias.

Eventualmente, esses núcleos familiares podem nutrir alguns conflitos entre si, em decorrência do ciúme, do descontentamento quanto à existência de outra família e até mesmo da insatisfação no que diz respeito à preferência do idoso por residir com determinar família em detrimento da outra, dentre outros motivos.

Assim, o fomento de sentimentos negativos, como os citados, pode suscitar a prática de atos de alienação, envolvendo o idoso, notadamente quando seus curadores ou pessoas que tem uma convivência maior com ele passam a se utilizar de mecanismos, muitas vezes com a implementação de falsas memórias, com o objetivo de afastá-lo dos outros familiares, impedindo a manutenção da convivência familiar e destruindo os vínculos de afetividade até então existentes.

Entende-se, portanto, que por se encontrar o idoso no mesmo patamar da criança e do adolescente no que tange à vulnerabilidade e a necessidade de proteção, a partir de uma interpretação sistemática constitucional, tendo como base os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção integral, da afetividade, dentre outros, e diante da ausência de previsão da alienação parental no Estatuto do Idoso, faz-se imperiosa a aplicação da Lei nº 12.318/2010 por analogia a esses casos.

Dessa forma, constata-se que o fenômeno da alienação parental é comum e pode se manifestar em diversos ambientes, motivo pelo qual a sua compreensão, identificação e comunicação ao Judiciário são imprescindíveis para que sejam adotadas as medidas cabíveis a fim de impedir a perpetuação desse mal e a irreversibilidade dos seus efeitos.

3.1 Comportamentos atribuídos ao genitor alienante

Identificar a conduta do agente alienador constitui muitas vezes tarefa difícil ao julgador e à equipe multidisciplinar, especialmente em razão da capacidade dos adultos em disfarçar ou distorcer suas atitudes.

A demora na identificação dos atos de alienação pode representar a irreversibilidade dos efeitos nefastos advindos da alienação parental e até mesmo a ineficácia da prestação jurisdicional.

O guardião alienador se aproveita do maior tempo que tem na companhia do filho para, assim, “programar” a criança mediante campanhas de desqualificação do outro genitor e a interferência direta no contato físico entre o menor e o genitor não guardião, condutas que em conjunto podem romper de forma definitiva o vínculo afetivo anteriormente estabelecido entre o menor e o outro genitor.

Atitudes e falas constantes como “Seu pai não te ama mais, agora ele tem outra família e outros filhos”; “Seu pai não paga pensão, acho você não deveria mais visitá-lo”; “Sua mãe não te liga faz tempo, acho que ela não gosta mais de você e não quer mais te encontrar”; “Hoje ele não pode ir, porque vamos viajar”; “Ele vai ficar em casa estudando, porque tem prova amanhã, outro dia você pega ele para a visita”; são determinantes para diminuir o tempo de convívio entre os alienados e, assim, prejudicar os seus laços de afetividade.

Por sua vez, as campanhas negativas a respeito do genitor não guardião se materializam, por exemplo, na constante manifestação por parte do guardião alienador de que o outro genitor foi o responsável pela separação da família, sugerir que o outro genitor é pessoa perigosa, que não se importa com o filho, dentre outros.

Essas condutas estão previstas, em rol exemplificativo, no artigo 2º, parágrafo único da Lei nº 12318/2010, que elenca alguns exemplos de ato de alienação parental:

“Artigo 2º, parágrafo único (...): I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.” 

Dentre as condutas caracterizadoras da alienação parental, a apresentação de falsa denúncia contra o genitor, geralmente imputando-o a prática de abuso sexual, se mostra como um dos elementos mais comuns inserido na disputa judicial pela guarda do menor.

A acusação de abuso sexual é um tema complexo, especialmente por ser difícil, em muitos casos, identificar a sua autoria e materialidade, mesmo porque a criança, suposta vítima do abuso, pode não apresentar sintomas físicos e, ainda, tem enorme dificuldade em relatar a ocorrência do fato.

É preciso ter bastante atenção com a questão, porquanto a alegação de abuso pode se corroborado pelo menor nos casos de implantação de memória falsa por parte do agente alienador, fazendo com que a própria criança realmente acredita que seja vítima de abusos sexuais. Por outro lado, nas hipóteses em que são reais os abusos sexuais, o genitor que cometeu esse ato criminoso pode argumentar que se trata de alienação parental.

Por conseguinte, a falsa denúncia se configura como um dos desafios do Poder Judiciário nesse tipo de situação, na qual ao mesmo tempo em que o julgador deve investigar a veracidade da alegação de abuso, deve também ficar atento à possibilidade de se configurar um ato de alienação parental.

Sobre o assunto, Maria Berenice Dias afirma:

“Todas essas dificuldades probatórias acabam estimulando falsas denúncias de abuso sexual, com a só finalidade vingativa, principalmente em processos de separação. A tentativa do guardião é romper o vínculo de convívio paterno-filial com o outro genitor. É o que vem sendo chamado de implantação de falsas memórias. Desde que este tema passou a receber uma maior atenção, começou a haver um maior número de denúncias de ocorrência de incesto, principalmente em ações de disputa de guarda e regulamentação de visitas. (...) A denúncia de práticas incestuosas tem crescido de forma assustadora. Essa realidade perversa pode levar a um injustificado rompimento do vínculo de convivência paterno-filial. Mas há outra conseqüência ainda pior: a possibilidade de se identificar como falsa denúncia o que pode ser uma verdade. Nos processos que envolvem abuso sexual, a alegação de que se trata de síndrome da alienação parental tornou-se e argumento de defesa. Invocada como excludente de criminalidade, o abusador é absolvido e os episódios incestuosos persistem”.18

Frisa-se, também, que a situação posta de ocorrência de abuso sexual se revela favorável ao genitor alienador, porquanto na dúvida e durante a instrução probatória, o julgador privilegia a integridade física do menor, afastando-o do outro genitor até o esclarecimento dos fatos com a suspensão do poder familiar ou a permissão apenas de visitas assistidas.

Para ilustrar essa situação, tem-se o caso objeto do Agravo Regimental nº 93865/2014, julgado no dia 20 de agosto de 2014, pela Segunda Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, que à unanimidade desproveram o recurso, que pretendia a suspensão do poder familiar do genitor das crianças I.N.S.M.F. e I.C.N.S.M.F.

Na hipótese retratada, o pedido de suspensão do poder familiar do genitor foi fundamentado na apuração de fatos relativos a maus-tratos e violência sexual a menor I.C.N.S.M.F. pelo genitor.

Ao analisar a situação, a Relatora do recurso, Desembargadora Clarice Claudino da Silva identificou a possibilidade de ocorrência da alienação parental no caso em comento e registrou que:

“(...) o parecer da Promotora de Justiça, que acompanha de perto a situação das partes, indica que as brigas e agressões entre os genitores estão sendo transferidas as crianças, de modo que a Sra. G.C., busca de todas as formas impedir o contato do Agravado com os seus filhos, razão pela qual, requereu uma análise criteriosa de uma possível alienação parental, o que a meu ver aponta a plausibilidade do direito invocado pelo Agravado no seu Instrumental.”

E salientou ainda:

“(...) o Juízo da 1ª VaraEspecializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher tomou as cautelas ao autorizar a visitação, uma vez que ao deferi-la determinou: a) a intimação da genitora para que indique local, horário e terceira pessoa idônea que possa acompanhar as visitas do Recorrente aos filhos em finais de semanas alternados; b) que o Recorrente contrate uma babá para que possa ajudar nos cuidados dos menores, conforme recomendação da equipe multidisciplinar à fl. 45-v-TJ; e, c) a realização de estudo psicossocial do caso pela equipe multidisciplinar,no prazo de 20 dias, a fim de sejam apurados os fatos de eventual abuso sexual cometido pelo requerido, bem como a eventual alienação parental cometido pela requerente.

Assim, não vejo razões para modificar o decisum, já que as visitas serão realizadas com o devido acompanhamento, o que afasta qualquer prejuízo ou risco de dano aos Recorrentes.

Portanto, entendo prudente e sensato manter o direito de visitas nos moldes determinados pelo Juízo da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos autos do Incidente nº. 360930, até o exame do mérito recursal.”

No caso concreto, embora não tenha sido suspendido o poder familiar do genitor, ficou estabelecido que as visitas serão acompanhadas por terceiro. Assim, é possível inferir a dificuldade enfrentada pelos operadores do direito na hipótese de abuso sexual versus alienação parental, sendo que a visita assistida não se mostra como o modelo ideal se considerada a intenção do texto constitucional e dos seus princípios norteadores.

Sobre o assunto, a Doutora em Psicologia Márcia Ferreira Amêndola aponta que:

“Entendemos que a visitação assistida necessita de maiores estudos a fim de nortear o psicólogo no exercício dessa prática, de modo que consideramos grave deixar essa incumbência a parentes, vizinhos ou amigos do denunciante, pois, como asseveram os psicólogos entrevistados, o propósito de reaproximar pais e filhos fica frustrado.

Assim, seja nos espaços de Fórum ou das pracinhas de bairro e pátios de prédios, há casos em que esses pais estão sob o olhar austero de profissionais e/ou pessoas de confiança da mãe, como se estivessem à procura de um sinal ou de uma prova que incrimine o acusado. A prática da visitação monitorada nesses termos não é um incentivo ao exercício da parentalidade pela reaproximação de pais e filhos, mas uma verificação da culpabilidade do acusado.

Assim tais modelos têm se mostrado, em longo prazo, eficientes em sua ineficiência, ou seja, ao invés de efetivarem a aproximação entre pais e filhos, garantindo o direito de convivência entre eles, por vezes promovem um mal-estar, capaz de acirrar ainda mais o litígio entre o casal.”19

Dessa forma, ainda que mantido o poder familiar do pai, as visitas assistidas também representam prejuízo na relação familiar, porquanto a relação estabelecida, durante essas visitas, fica condicionada a comportamentos mais rígidos e não espontâneos, tanto por parte do pai como dos filhos, bem como por interferências do acompanhante, de modo que a “convivência amoldada”, no caso das visitas monitorada, não consegue ter a mesma utilidade da convivência sem restrições, qual seja, de contribuir plenamente com o desenvolvimento sadio do menor.

Nesse ínterim, a identificação rápida dos atos que buscam prejudicar o estabelecimento e a manutenção das relações afetivas dos pais e filhos, que são concretizadas por meio do constante convívio familiar, é de suma importância para que seja possível evitar ou amenizar a materialização dos efeitos decorrentes do ato alienador.

3.2 Comportamento da criança alienada

Em relação ao filho, Garner20 apontou alguns aspectos, que foram denominados de “oito sintomas cardinais da síndrome da alienação parental”, a fim de identificar se a criança se tornou alienada. Esses sintomas são reconhecidos como campanha de difamação, justificativas fúteis para a difamação, ausência de ambivalência, fenômeno de independência, apoio ao genitor alienador, ausência de culpa pelos atos perpetrados contra o genitor alienado, situações fingidas e extensão da animosidade à família do genitor alienado.

Assim, em um primeiro momento, o filho, sob os efeitos da alienação parental, passa a realizar uma campanha de difamação sistemática contra o outro genitor, vale dizer, por meio de atitudes e palavras, a criança manifesta todo o seu sentimento de ódio contra o genitor não guardião.

Garner explica que:

“Geralmente, a criança está obcecada com o ‘ódio’ ao genitor (a palavra ódio é colocada entre porque (...) ainda existem muitos sentimentos de amor e carinho, cuja expressão não é permitida, em relação ao alegadamente desprezado genitor). Essas crianças se referem ao genitor alienado por meio de toda profanação existentes em seu vocabulário – sem embaraço ou culpa. (...) Depois de apenas um mínimo de estímulo provocado pelo advogado, juiz, oficial de justiça, profissional de saúde mental, ou outra pessoa envolvida no litígio, a gravação no cérebro é ativada, e um comando é fornecido para que os defeitos do genitor alvo sejam listados à extensão. (...) A campanha de difamação possui dois comportamentos: a doutrinação pelo genitor alienador e contribuições da própria criança.”21

Essa campanha de difamação é desprovida de justificativa, mantém-se por si mesma sem qualquer causa ou por motivações fúteis e irrelevantes. Ao tentar explicar a repulsa que sente pelo genitor alienado, a criança pode se utilizar de situações e lembranças que no seu entender justificariam o tratamento dispensado ao genitor guardião, mas que, todavia, se constituem de cenas emprestadas pelo genitor e não experiências vividas pelo próprio filho.

As atitudes e as palavras ofensivas são destituídas de qualquer forma de culpa por parte do menor, que ainda se preocupa em demonstrar que as palavras proferidas partem dele, sem a influência de terceiro, como se fosse o único responsável pela construção da imagem negativa do outro genitor.

Esse fenômeno do “pensador independente” foi explicado por Gardner:

“Muitas crianças vítimas da SAP orgulhosamente afirmam que a decisão de rejeitar o genitor-alvo é própria. Elas negam qualquer participação do genitor programador, que apóia veementemente essa ‘independência’. Na verdade, alienadores normalmente afirmam que desejam que o filho visite [o genitor alienado], e alegam reconhecer a importância de tal relacionamento. No entanto, todas as atitudes do doutrinador indicam o contrário. Crianças que sofrem de SAP percebem que, ao afirmar que a decisão é deles, aliviam a culpa do doutrinador (às vezes presente, às vezes não) e protegem-no de críticas. Essas manifestações de pensamento independente são normalmente apoiadas pelo programador, que, muitas vezes, elogiarão os filhos por serem o tipo de pessoa que possui vontade própria e é honesta e corajosa o suficiente para expressas abertamente as suas opiniões”.22

Outra característica da criança alienada é a ausência de ambivalência, isto é, o menor atribui todas as qualidades negativas ao genitor alienado, a quem repulsa constantemente, não há a recordação de momentos agradáveis vividos com o outro genitor, por outro lado, nutre um pacto de lealdade com o genitor alienador, que é defendido incondicionalmente.

O filho, vítima da síndrome de alienação parental, tende a afastar também os outros membros da família do genitor alienado, isso porque os sentimentos negativos que a criança sustenta em relação ao genitor não guardião são estendidos às pessoas que possuem qualquer vínculo afetivo com ele, simplesmente em razão do ódio que carregada pelo genitor, situação essa que pode ser constatada facilmente nas famílias reconstituídas.

Saber identificar alguns desses sintomas no menor alienado, seja por parte do genitor alienado, vítima direta dos atos alienadores, seja numa ação judicial ou até mesmo por pessoas próximas à família, pode significar a viabilidade de reversão dos efeitos arrasadores advindos da alienação parental.

4. Lei nº 12.318/2010 – Lei da Alienação Parental e as Medidas de combate ao ato alienador

Como se sabe é na separação dos pais, na quebra do vínculo conjugal, que o fenômeno da alienação parental se manifesta e desenvolve com mais naturalidade. Se o rompimento se deu de forma desarmônica, a tendência é de que aflorem sentimentos como a raiva, rancor, depressão e vingança.

Nesse momento, os pais são os primeiros capazes de impedir o surgimento da alienação parental. A compreensão do momento e o sentimento de preservar o filho dos efeitos do rompimento conjugal, que enseja a instauração de uma anormalidade familiar, na qual toda a rotina anteriormente fixada será alterada, são primordiais para que a alienação parental não se instale no núcleo familiar. A conversa com o filho para explicar as razões da separação e, principalmente, para esclarecer que ele não é o motivo do rompimento e que quase nada mudará na vida dele, que ele continuará tendo a atenção e o amor de ambos os genitores é essencial para criar um ambiente saudável e estável.

Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno alertam:

“Embora toda separação cause desequilíbrios e estresse, os genitores quando rompem seus relacionamentos afetivos, deveriam empreender o melhor de si para preservarem seus filhos e ajudá-los na compreensão e superação dessa fase, que é sempre muito dolorosa. São crianças e adolescentes. São crianças e adolescentes que dependem do diálogo franco e da transparência e honestidade dos seus progenitores, os quais devem ajudar seus filhos nessa tarefa de adaptação das perdas ocasionadas pela separação, reorganizando seus vínculos em conformidade com a circunstancial ausência física de um desses genitores, mas que pode ser perfeitamente readaptado para garantir a continuidade das funções parentais, cuja importância está na sua qualidade, e não na quantidade de tempo que o pai está presente. Os pais devem ser sinceros em seus informes e esclarecimentos, mostrando aos filhos que seguem integras suas relações de amor e afeto para com seus descendentes e, salientando, ao mesmo tempo, a importância dos filhos para a existência e felicidade dos pais.”23

Contudo, como a situação geralmente é permeada por mágoas e ressentimentos, a probabilidade de esperar tal atitude dos pais é quase remota, motivo pelo qual a alienação parental não deve ser tratada como matéria íntima do núcleo familiar, pelo contrário, cabe não só à família, mas à sociedade e ao Estado, assegurar o direito da criança e do adolescente à dignidade e ao convívio familiar, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal.

Diante do cenário de conflito familiar aliado à disputa de guarda, à discussão acerca do valor da pensão e outras questões que podem surgir no meio desse litígio, o Poder Judiciário, responsável por dirimir essas matérias, tem papel fundamental no combate aos atos de alienação parental.

Compete ao Poder Judiciário analisar as provas e verificar se há indícios de condutas alienadoras, atribuindo a cada um as sanções específicas, de modo a garantir o restabelecimento do equilíbrio da relação familiar e evitar a concretização dos efeitos do ato de alienação na criança.

No Brasil, o fenômeno da alienação parental, consistente em forma de abuso do exercício do poder familiar e de violação aos direitos da personalidade da criança em desenvolvimento, mereceu tutela especial do Estado, notadamente do Poder Legislativo, que por meio do deputado Regis de Oliveira apresentou o Projeto de Lei nº 4.053/2008, cujo objetivo era inibir a alienação parental e os atos que dificultassem o efetivo convívio entre a criança e ambos os genitores.

O projeto transformou-se em Lei sob o nº 12.318/2010 e relatoria da Deputada Federal Maria do Rosário, que introduziu algumas modificações no texto inicial. A Lei foi sancionada em 26 de agosto de 2010 e alterou o artigo 236 da Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990.

4.1 Definição e Sujeitos

O artigo 2º da Lei nº 12.318/2010 considera ato de alienação parental “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

Esse ato, da mesma forma, pode ser definido como a conduta de “programar” a criança ou o adolescente para que rejeite o alienado ou de afetar a formação ou continuidade dos laços afetivos que unem os alienados. Alguns dos mecanismos utilizados pelo alienador, como explicitado anteriormente, estão elencados de forma exemplificativa no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 12.318/2010.

Importante destacar que em relação ao inciso V do artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 12.318/2010, que define como exemplo de ato alienador a conduta de “omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço”, a Lei nº 12.013/2009 buscou de forma específica evitar à omissão quanto às informações escolares dos filhos.

À vista disso, a Lei nº 12.013/2009 alterou o artigo 12, inciso VII, da Lei nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e assim estipulou: “Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: (...) VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola”.

Observa-se, assim, que o ordenamento jurídico visa, quando possível, impedir a materialização de condutas alienadoras.

Outrossim, o rol dos sujeitos que podem praticar atos de alienação e dos que podem ser vítima dessa prática é meramente exemplificativo, vale dizer, a prática do ato de alienação não está subordinado apenas ao genitor guardião, que na maioria dos casos é o genitor alienador, mas também pode ser praticado pelos avós, tutores, padrinhos, tios ou por terceiro que tenha a criança ou adolescentes sob a sua autoridade, guarda ou vigilância.

Do mesmo modo, os avós, tios, tutores, padrinhos ou demais parentes podem estar sujeitos a alienação parental praticada pelos genitores ou outros.

Assim, a partir de uma interpretação sistemática constitucional e com base na doutrina e jurisprudência, que buscam garantir o direito do menor à convivência também em relação aos referidos familiares, ainda mais por conta das alterações legislativas, que modificaram os artigos 1.589 do Código Civil e 888 do Código de Processo Civil, mostra-se perfeitamente admissível a aplicação da Lei nº 12.318/2010 também para esses casos.

Logo, é possível inferir que a disponibilidade de tempo em contato com a criança associado a intenção de interferir na relação afetiva entre o menor e o sujeito não guardião, com o objetivo de separá-los, constituem elementos que viabilizam o exercício da alienação parental.

A identificação da conduta perpetrada pelo genitor alienador, como dito, não é tarefa fácil, em vista disso a atuação da equipe multidisciplinar se revela fundamental para auxiliar as decisões judiciais.

4.2 Medidas cabíveis no caso de identificação do ato alienador

Reconhecida a prática dos atos de alienação ou de qualquer atitude que inviabilize a convivência do menor com o genitor, a Lei da Alienação Parental, no artigo 6º, disponibilizou mecanismos ao Juiz para combater essas práticas.

O artigo 6º apresenta um rol exemplificativo de medidas que podem ser adotadas, cumulativamente ou não:

“art. 6º. Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

 

I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

Essa medida se mostra de grande importância no processo de combate a alienação parental, porquanto é a partir do reconhecimento da ocorrência da alienação parental e da advertência ao alienador que outras medidas efetivas serão tomadas pelo juiz para combater os efeitos da alienação.

A identificação da prática de atos alienadores também viabiliza a tramitação prioritária do processo, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, e permite ao juiz determinar, com urgência, após ouvir o Ministério Público, as medidas provisórias que entende cabíveis para a situação fática, conforme enuncia o artigo 4º da lei em comento.

II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; 

A determinação de ampliação no período de convivência entre o genitor alienado e o filho tem por escopo minimizar os efeitos advindos da alienação parental, uma vez que o maior contato com o genitor alienador e, por conseqüência, o exíguo tempo disponível para a convivência com o genitor alienado configura terreno propício para os atos de alienação.

O exercício do convívio entre os genitores e o filho de forma equilibrada, vale dizer, com distribuição de tempo equitativa tanto para o genitor guardião como para o não guardião, revela a preferência da lei pela guarda compartilhada como medida de combate aos efeitos da alienação. Destaca-se que essa predileção do legislador foi reforçada pela promulgação da nova lei da guarda compartilhada (Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014).

III - estipular multa ao alienador; 

A multa prevista no inciso III tem natureza jurídica de astreinte de cunho inibitório, ou seja, fixa-se a multa, que poderá ser executada nos casos em que restar configurada a prática de atos alienadores que o magistrado expressamente determinou que não se realizasse.

Frisa-se que a finalidade da lei não é a execução da multa em si, mas desestimular as condutas do genitor alienador.

IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

A determinação de acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial não se restringe ao menor alienado, mas principalmente se torna necessária ao alienador. Em que pese haver dúvidas acerca da eficácia da imposição de tal medida, não se mostra razoável descartar essa opção, mesmo porque o profissional da área tem método de trabalho especializado para as situações retratadas e poderá conseguir algum progresso junto aos envolvidos.

V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; 

Com a Lei nº 13.058/2014, essa medida se tornou inaplicável no que toca a alteração da guarda, porquanto, atualmente, a guarda compartilhada é a regra e, portanto, constitui-se como medida compulsória.

VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; 

Atitude comum no âmbito da família que enfrenta a alienação parental é a constante mudança de endereço do filho, vítima da alienação, com o escopo de obstruir as determinações judiciais. Dessa forma, essa medida se justifica, a fim de assegurar as medidas estipuladas na lei com a fixação do domicílio para que este se torne prevento para o julgamento das ações.

VII - declarar a suspensão da autoridade parental.”

Esse inciso traz a suspensão da autoridade parental como uma sanção ao abuso na prática o poder familiar. Frisa-se que tal previsão já constava no artigo 1637, caput, do Código Civil ao dispor que: “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha”.

Da leitura do dispositivo, embora a Lei da Alienação Parental não tenha previsto no seu artigo 6º a possibilidade de aplicação da pena de perda do poder familiar, a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, se, mesmo após ter sido advertido pelo Juiz sobre os atos de alienação praticados, o genitor guardião persistir na conduta, mostra-se possível a aplicação da perda e da suspensão do poder familiar, porquanto tal atitude caracteriza o descumprimento de determinação judicial, nos termos do artigo 22 e 24 da Lei nº 8.069/1990.

Essas medidas poderão ser aplicadas em ação autônoma ou incidentalmente em processos que discutem a relação dos filhos, como na ação de guarda, na fixação de alimentos e outros.

Sobreleva registrar que as medidas do artigo 6º, que podem ser adotadas no combate à alienação parental, não excluem a responsabilidade civil ou criminal, bem como a ampla utilização de instrumentos processuais capazes de inibir ou amenizar os efeitos danosos da alienação.

5. A guarda compartilhada como instrumento eficaz para coibir a alienação parental

Com a Emenda Constitucional nº 66/2010, a Constituição Federal viabilizou com maior facilidade a dissolução do casamento, isto é, acabou com os prazos exigidos anteriormente, bem como impediu a discussão acerca da causa do término do casamento.

Essa mudança legislativa se deu em virtude, principalmente, da evolução das relações sociais e do conceito de família. A estrutura familiar não se fundamenta, como antes, na dependência dos seus integrantes, mas no vínculo de afeto existente entre os seus membros, motivo pelo qual não há mais justificativa para obstacularizar o fim do vínculo conjugal, tornando-se, portanto, direito potestativo do requerente o pedido de divórcio. O mesmo princípio se aplica à união estável, entidade familiar menos formal.

A partir daí, ao mesmo tempo em que o afeto se tornou o elo forte que mantém unido um grupo familiar, constitui-se também em vínculo frágil, suscetível de ser rompido pela ocorrência do desamor aliado a outros fatores, como a pressão das necessidades materiais e as dificuldades de convivências.

Importante questão a ser tratada, nesse momento de separação do casal, é a situação dos filhos, que inexoravelmente sofrem efeitos prejudiciais de ordem emocional, psíquica e até mesmo física.

Durante o casamento e a união estável, o exercício do poder familiar é atribuído aos pais e pode ser definido como os direitos e deveres em relação aos filhos, com o intuito de atender aos seus interesses e aos da família, observado o princípio constitucional da paternidade responsável.

Nos termos do artigo 1.634 do Código Civil, o poder familiar consiste na direção da criação e educação dos filhos; no exercício da guarda unilateral ou compartilhada; na concessão ou negativa de consentimento para casarem, viajarem ao exterior ou se mudarem de residência; na nomeação de tutor por testamento ou documento autêntico; na representação judicial e extrajudicial até os 16 anos, para os atos da vida civil, e assistência, após essa idade, nos atos em que for parte; no direito de reclamá-los contra quem legalmente os detenha, bem como no direito de exigir que os filhos lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Sobre o poder familiar, Arnaldo Rizzardo menciona que:

“(...) pode-se ir além e dizer que se trata de uma conduta dos pais relativamente aos filhos, de um acompanhamento para conseguir a abertura deles, que se processará progressivamente, à medida que evoluem na idade e no desenvolvimento físico e mental, de modo a dirigi-los a alcançarem sua própria capacidade para se dirigirem e administrarem seus bens. Não haveria tão-somente um encargo, ou múnus, mas um encaminhamento, com poder para impor uma certa conduta, em especial antes da capacidade relativa. Não mais há de se falar praticamente em poder dos pais, mas em conduta de proteção, de orientação e acompanhamento dos pais”.24

Com o término do relacionamento do casal e o fim da conjugalidade, o poder familiar conferido a ambos os pais é mantido, porém sofre alteração apenas no que diz respeito à guarda, que constitui como um dos atributos do poder familiar.

O artigo 1.632 do Código Civil enuncia que “a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.

A respeito do tema, Maria Helena Diniz esclarece que:

“Se os pais estiverem separados judicialmente, divorciados, ou tiverem rompido a união estável, as suas relações com os filhos, relativamente à titularidade do poder familiar, não se alterarão, mas aquele que ficar com a guarda dos filhos menores do casal dele terá o exercício, o que não significa que o outro deixa de ser seu titular conjunto, uma vez que se discordar de alguma coisa poderá recorrer ao magistrado para solucionar o problema e, ainda, terá o direito de visitar a prole.”25

Dessa maneira, a guarda tem importância para fins de fixação da custódia do filho. Por outro lado, o poder familiar, correspondente às decisões como a educação, a criação, o consentimento para viagens, a representação e assistência aos filhos menores, é exercido em conjunto por ambos os pais e, ainda que concretizada a separação dos pais, o poder familiar continua intacto, porquanto constitui dever e atribuição de ambos os pais e a sua realização ocorre em igualdade de condições.

Ainda segundo Maria Helena Diniz, no que se refere à guarda:

“A guarda unilateral ou compartilhada é um dever de assistência educacional, material e moral (ECA, art. 33) a ser cumprido no interesse e em proveito do filho menor e do maior incapaz, garantindo-lhe a sobrevivência física e o pleno desenvolvimento psíquico. É um poder-dever exercido no interesse da prole. Ao genitor-guardião se defere o poder familiar em toda sua extensão, cabendo-lhe a decisão sobre a educação do filho. Ao outro genitor se defere o direito de visita e o de fiscalizar a criação daquele filho, pois continua sendo detentor do poder familiar, visto que apenas seu exercício passou ao guardião (genitor contínuo). O genitor-visitante possui tão-somente a guarda descontínua, pois a visita se opera em intervalos de tempo. Com a separação, divórcio ou dissolução da união estável a titularidade do poder familiar não se alterará, mas o guardião da prole terá seu exercício. Isso não significa que o outro deixe de ser também titular, uma vez que, se discordar de alguma coisa prejudicial ao filho, poderá recorrer ao juiz para a solução do problema educacional.”26

Antes do advento da Lei nº 11.698/2008, que trata da guarda compartilhada, a guarda unilateral era a regra. Após a edição da referida lei, o artigo 1.584 do Código Civil, parágrafo segundo, deu prioridade a fixação da guarda compartilhada ao regulamentar que, nos casos em que não houvesse acordo entre os pais no que concerne a guarda do filho, seria aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

Sucede, porém, que diante do cenário conflituoso, nas hipóteses em que a separação do casal se dava de maneira nefasta, dificilmente era adotada a guarda compartilhada, devido à impossibilidade de entendimento entre os pais, o que levava os juízes a aplicarem a guarda unilateral e que vinha sendo normalmente praticada ao longo do tempo.

Para demonstrar esse cenário, segue alguns julgados:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DECISÃO LIMINAR. PRECEDENTES. REVERSÃO DE GUARDA COMPARTILHADA PARA GUARDA UNILATERAL PELA GENITORA. BELIGERÂNCIA ENTRE OS GENITORES. Sendo manifesta a beligerância entre os genitores, por medida de cautela, deve ser mantida a reversão da guarda do filho menor, unilateralmente, em favor daquela pessoa com quem efetivamente reside, ainda que provisoriamente, minimizando a verificada situação de conflito, não havendo cogitar prejuízo para o infante porque, conforme asseverado pelo agravante, vem exercendo o direito de visitas aos filhos. ALIMENTOS ARBITRADOS. OBRIGAÇÃO DO GENITOR. ADMINISTRAÇÃO POR QUEM DETÉM A GUARDA EXCLUSIVA. AUSÊNCIA DE PROVA DE IMPOSSIBILIDADE. Revertida guarda compartilhada em guarda unilateral, a fixação de alimentos é medida que se impõe, devendo a verba ser administrada exclusivamente pelo genitor guardião. Tratando-se de insurgência manifestada apenas pelo agravante, mas em caráter geral, e tendo sido o valor da obrigação arbitrado provisoriamente em quantia razoável, não se justifica a sua reforma nesta sede de sumária cognição. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70055622443, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 26/07/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA. AGRESSÕES FÍSICAS CONTRA O MENOR. LAPSO TEMPORAL DE CONVIVÊNCIA COM O GENITOR. CONSIDERAÇÃO. EXERCÍCIO ADEQUADO DA GUARDA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE DE CONFERIR GUARDA COMPARTILHADA. CONFLITO ENTRE GENITORES. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. MANUTENÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. RECURSO CONEHCIDO E NÃO PROVIDO. 1. Sempre que se tratar de interesse relativo às crianças e adolescentes, incluindo a modificação de guarda, o magistrado deve ater-se ao interesse do menor, considerando, para tanto, primordialmente, o bem-estar da criança. 2. Ainda que ausente a comprovação das agressões físicas praticadas pela apelante contra o filho menor, há que se considerar o tempo em que o adolescente já se encontra na casa paterna (cerca de 3 anos), bem como a adequada forma como vem exercendo a guarda de fato, a inexistência de elementos que o desabonem e a impossibilidade de se conferir a guarda compartilhada, tendo em vista os conflitos ainda existentes entres os genitores. 3. Deve ser mantida a sentença que concedeu a guarda ao genitor, bem como estabeleceu regime de livre visitação da genitora, porquanto atende ao melhor interesse do adolescente. (TJ-MG - AC: 10720110050542001 MG, Relator: Bitencourt Marcondes, Data de Julgamento: 24/04/2014, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 06/05/2014)

Modificação de guarda - Guarda compartilhada - Grave acusação imputada ao apelante, embora não comprovada, recomenda cautela redobrada no contato entre pai e filha - Impossibilidade de se instituir a guarda compartilhada - Visitas com restrição a sábados e domingos alternados, em horário reduzido, das 13:00 horas às 18:00 horas, sempre com assistência da avó paterna e com afastamento do direito de prenoite - Sentença mantida - Recursos improvidos. (TJ-SP - CR: 6082784500 SP, Relator: Beretta da Silveira, Data de Julgamento: 27/01/2009, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/02/2009)

A guarda unilateral era atribuída, na redação já revogada do artigo 1.583, parágrafo segundo, do Código Civil, ao genitor que revelasse as melhores condições para exercê-la, bem como que demonstrasse mais aptidão para oferecer aos filhos fatores como afeto, saúde, segurança e educação, cabendo ao outro genitor o direito de visita e o dever de supervisionar os interesses do filho.

Nesse modelo de guarda unilateral, é mais suscetível que o genitor guardião, acreditando ser o único detentor do poder familiar, monopolize as decisões concernentes aos filhos e viole o direito do menor à convivência familiar com o outro genitor, excluindo gradativamente a sua participação na criação do filho.

Essa situação é mais bem evidenciada quando a separação dos pais se dá de forma litigiosa, porquanto a tendência é de que o sentimento de abandono, rejeição ou traição resulte em uma predisposição vingativa, refletindo diretamente no modo de tratamento do filho.

O sistema de guarda única se revela incompatível com os princípios do Direito de Família, na medida em que favorece demasiadamente o genitor guardião em desfavor do outro genitor, que por vezes é relegado ao papel de mero visitador, com o afastamento da vida cotidiana do filho, circunstância que vai de encontro aos princípios da convivência familiar, da solidariedade e do melhor interesse da criança.

Acerca do tema, Douglas Phillips Freitas ressalta que:

“A guarda exclusiva, unilateral ou invariável é preconceituosa e não atende às necessidades da criança ou adolescente, visto que não se deve dispensar a presença constante do pai ou da mãe em plena formação dos filhos. O modelo de guarda exclusiva cedeu lugar a outros modos de exercício pleno da autoridade familiar. A Carta Magna declara que homens e mulheres são iguais perante a lei, razão pela qual não deve existir preferência, visto que a felicidade dos filhos somente será assegurada se eles crescerem com o acompanhamento direto dos pais.”27

Percebe-se, assim, que o estabelecimento da guarda unilateral pode constituir terreno fértil para a prática de atos de alienação parental, notadamente se a separação ocorreu de forma conflituosa.

O comportamento do genitor guardião é no sentido de influenciar negativamente a relação do filho com o genitor não-guardião com o fim afastá-los do convívio, inclusive se utilizando de uma campanha de desmoralização e de descrédito da imagem do outro genitor.

Essa atitude do genitor guardião, normalmente a mãe, pode ser motivada por inúmeras circunstâncias, como a insatisfação no que se refere à questão financeira advinda após o rompimento do vínculo conjugal; sentimento de ódio e desejo de vingança, geralmente quando a causa do término da relação se deu em razão do adultério do ex-cônjuge; depressão e solidão decorrentes do fim do relacionamento; sentimento de posse sobre o filho; discussão acerca do valor da pensão, dentre outros.

Assim, como dito anteriormente, com o fim de evitar situações como as retratadas, na qual o genitor guardião se aproveita da guarda unilateral para afastar o filho do convívio com o outro genitor, gerando prejuízos de ordem emocional ao menor, bem como para interferir na relação afetiva entre eles, foi editada a Lei nº 11.698/2008, que estabeleceu como prioridade a fixação da guarda compartilhada.

Na guarda compartilhada, preserva-se o exercício do poder familiar por ambos os pais, com a guarda em comum, distribui-se as responsabilidades e as decisões relativas à criação dos filhos são tomadas em comunhão acordo, em igualdade de condições, como a definição da escola do menor, a possibilidade de realização de cursos extracurriculares, práticas de esporte e outros.

Acerca da questão, Eduardo de Oliveira Leite diz que:

“A guarda conjunta conduz os pais a tomarem decisões conjuntas, levando-os a dividir inquietudes e alegrias, dificuldades e soluções relativas ao destino dos filhos. Esta participação de ambos na condução da vida do filho é extremamente salutar à criança e aos pais, já que ela tende a minorar as diferenças e possíveis rancores oriundos da ruptura. A guarda comum, por outro lado, facilita a responsabilidade cotidiana dos genitores, que passa a ser dividida entre pai e mãe, dando condições iguais de expansão sentimental e social a ambos os genitores”.28

O sistema de visitas se torna desnecessário ante a ausência de regulamentação quanto ao momento ou aos horários em que os genitores poderão ter os filhos em sua companhia. Importa ressaltar que a guarda compartilhada deve ser baseada no consenso entre o ex-casal, tendo como principal objetivo o atendimento dos interesses do menor, reconhecendo a importância da convivência entre pais e filhos e da manutenção dos laços de afetividade para que, assim, seja tangível o desenvolvimento sadio do menor.

Desse modo, visa-se amenizar os efeitos trazidos pela ruptura do vínculo conjugal sobre a relação entre os pais e os filhos.

Sobre o assunto, Waldyr Grisard Filho afirma que:

“A custódia física, ou custódia partilhada, é uma nova forma de família na qual os pais divorciados partilham a educação dos filhos em lares separados. A essência do acordo da guarda compartilhada reflete o compromisso dos pais de manter dois lares para seus filhos e de continuar a cooperar com o outro na tomada de decisões”.29

Ana Carolina Silveira Akel Pantaleão argumenta que:

“A guarda compartilhada de forma notável favorece o desenvolvimento das crianças com menos traumas e ônus, propiciando a continuidade da relação dos filhos com seus dois genitores, retirando assim da guarda a ideia de posse. Nesse novo modelo de responsabilidade parental, os cuidados sobre a criação, educação, bem-estar, como outras decisões importantes, são tomadas e decididas conjuntamente por ambos os pais que compartilharão de forma igualitária a total responsabilidade sobre a prole. Assim, um dos genitores terá a guarda física do menor, mas ambos deterão a guarda jurídica da criança. Não resta dúvida que a continuidade da relação da criança com seus genitores acaba por manter de forma mais normal e equilibrada o estado emocional e psicológico dos filhos. O que se busca com a guarda compartilhada além, é claro, de proteção dos filhos, é minimizar os traumas e demais conseqüências negativas que a separação pode provocar. Com a guarda compartilhada almeja-se, através do consenso entre os cônjuges separados, a conservação dos mesmos laços que uniam pais e filhos antes da separação, buscando-se um maior equilíbrio e harmonia na mente daqueles que são os destinatários desta solução”.30

As vantagens trazidas pela Lei da guarda compartilhada, para fins de preservação do princípio da convivência familiar, da solidariedade e do melhor interesse da criança e do adolescente, justificam a preferência dada pelo legislador em detrimento da guarda unilateral (artigo 1.584 do Código Civil, parágrafo segundo, do Código Civil).

Todavia, na prática, em que pese a adoção da guarda compartilhada representar a preservação das relações parentais e dificultar a manifestação da alienação parental, com a presença ativa e atuante de ambos os pais, certo é que a eventual hostilidade existente entre o ex-casal pode inviabilizar a fixação da guarda compartilhada e dar preferência à guarda unilateral.

Diante deste contexto fático e da insatisfação com a predominância da guarda unilateral nas decisões judicial, não obstante a expressa predileção do artigo 1.584, parágrafo segundo, do Código Civil, fez-se necessária a edição da Lei nº 13.058/2014, que alterando algumas regras concernentes à guarda, tornou compulsória, na hipótese de desacordo entre os pais, a fixação da guarda compartilhada, incentivando, dessa maneira, a convivência familiar de forma equilibrada.

A nova redação do artigo 1.584, parágrafo segundo, do Código Civil passou a dispor que “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”.

Essa medida constitui-se em mais um mecanismo criado pelo Estado com o fim de evitar a prática da alienação parental, que encontra terreno fértil para o desenvolvimento principalmente na guarda unilateral, porquanto permite-se a ambos os genitores a livre convivência com os filhos e a diminuição da incidência de condutas alienadoras, excluindo, assim, as antigas “visitas”.

Douglas Phillips Freitas assevera que:

“Com a convivência em vez de visita, certamente será evitada a mazela da síndrome da alienação parental, principalmente na guarda unilateral, pois o genitor não guardião, em vez de ser limitado a certos dias, horários ou situações, possuirá livre acesso ou, no mínimo, maior contato com a prole. A própria mudança de nomenclatura produz um substrato moral de maior legitimação que era aquele de visitante. O não guardião passa a ser convivente com o filho. Esta expressão ‘convivência’ adotada já na lei da Guarda Compartilhada de 2008 e renovada na Nova Lei da Guarda Compartilhada de 2014, também o é na Lei da Alienação Parental, atualizando a expressão ‘visita’, demonstrando que pais não visitam seus filhos, mas convivem com eles, e tal convivência não pode, de forma alguma, ser impedida por atos sistematizados decorrentes da alienação parental. Por esta razão, é adequado que a Lei da Alienação Parental incentive a realização da Guarda Compartilhada, pois esta permite a aproximação dos filhos sem a conotação de posse que advém da guarda unilateral, embora, na prática, a Guarda Compartilhada, como instituto, seja o resgate do conceito clássico do Poder Familiar.”31

Assim, depreende-se que a nova Lei da Guarda Compartilhada implementou a guarda compartilhada como regra geral, mesmo nos casos em que há conflitos entre os pais, vale dizer, a situação de litigiosidade entre os genitores não é mais fundamento para a instituição da guarda unilateral.

Mostra-se razoável tal entendimento na medida em que são nessas situações de animosidade que se justifica a adoção da guarda compartilhada até para desestimular as práticas recorrentes do ex-casal, que muitas vezes forçam os desentendimentos como forma de obter a guarda unilateral perante o judiciário e de aumentar o valor da pensão, inclusive com condutas alienadoras, e preservar o interesse do filho, que necessita da convivência com ambos os genitores de forma equilibrada.

Conrado Paulino da Rosa reflete que:

“Não há como esperar cooperação em uma ação de caráter litigioso. Se houvesse bom senso, por certo o Judiciário nem seria chamado. Condicionar a guarda compartilhada ao acordo é (poderia), no mínimo, estimular o conflito. Conforme já apresentamos, mesmo existindo manifestação de um dos pais da sua falta de interesse no exercício da guarda conjunta, entendemos como obrigação do magistrado e do promotor a perquirição das razões de tal postura. Existe aí um espaço importante, também, do trabalho dos profissionais do serviço social e da psicologia até para um trabalho conjunto na construção dos papéis parentais e da necessidade de ambos os genitores para o bom desenvolvimento da prole”.32

Nessa linha de entendimento, a adoção da guarda compartilhada constitui instrumento que evita a incidência de atos alienadores, porquanto o exercício do poder familiar e a disponibilidade do contado físico entre os genitores e os filhos de forma equilibrada impede que um dos pais exerça maior influência sobre o menor, inibindo atos que visem controlar ou moldar o menor de acordo com seus interesses.

6. A responsabilidade civil na Alienação Parental

Embora as relações familiares sejam baseadas nos laços afetivos entre os seus membros, existem situações em que os direitos, previstos no ordenamento jurídico, são violados e que os deveres, característicos na seara familiar, são desrespeitados. É nesse contexto que surge a possibilidade de responsabilidade civil no direito de família, de forma a tutelar a personalidade e dignidade da pessoa humana.

A responsabilidade civil é o ramo do direito civil que imputa o dever de indenizar ao agente que comete ato ilícito e causa dano a alguém, exigindo-se para tanto o nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido.

Em que pese não constar o instituto da responsabilidade civil na legislação familiar, o entendimento é no sentido de que o instituto é aplicável no direito de família, porquanto trata-se de cláusula genérica, aplicável nos casos em que estiverem presentes os seus requisitos.

Ademais, o ordenamento jurídico é visto de forma sistematizada e não como compartimentos especializados, sem interações entre suas matérias, o que permite a aplicação de institutos de outros ramos jurídicos no direito de família, mesmo porque, repita-se, o fundamento e objetivo da Constituição é assegurar a máxima efetividade da dignidade da pessoa humana.

A responsabilidade civil, em matéria de direito de família, ganhou relevante repercussão em ocasião do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do REsp 1.159.242/SP, no dia 24 de abril de 2012, no qual restou consignado que o abandono afetivo configura ato ilícito, passível de reparação por danos morais. Esse julgamento alterou o posicionamento da Suprema Corte, que anteriormente entendia que o abandono afetivo não era hipótese de reparação civil.

Na oportunidade, a relatora do processo, a Ministra Nancy Andrighi registrou que:

“(...) Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar. Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo citado: “(...) além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (...)”. Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar. Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica por certo a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal.”33

A partir do julgamento do referido Recurso Especial, houve uma mudança de posicionamento da Suprema Corte. A afetividade, anteriormente, era analisada apenas pelo viés sentimental, em razão disso não se admitia a reparação civil, sob o fundamento de que não era possível obrigar alguém a “amar” outra pessoa.

Contudo, ao interpretar de forma sistemática o ordenamento jurídico, a afetividade adquiriu, no âmbito jurídico, conotação de dever de cuidado e responsabilidade, o que aliado ao princípio da paternidade responsável, permitiu a responsabilização civil por abandono afetivo.

Maria Berenice Dias reflete que:

“O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade. A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano acabou por escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não se pode mais ignorar essa realidade, tanto que se passou a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é um direito, é um dever. Não há direito de visitá-los, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos produz seqüelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida. Por certo, a decisão do STJ reconheceu o cuidado como valor jurídico, identificando o abandono afetivo como ilícito civil, a ensejar o dever de indenizar.”34

Como visto anteriormente, os pais têm obrigações no que concerne à criação dos filhos e a violação desses deveres, principalmente o dever de cuidado, pode caracterizar ato ilícito, que, em conjunto à demonstração do dano e do nexo causal entre conduta e o dano sofrido, pode gerar o dever de indenizar os danos morais e/ou materiais.

Nesse contexto, visualiza-se que a Suprema Corte abriu caminho para uma análise mais profunda acerca da responsabilidade civil no âmbito das relações familiar, permitindo-se, assim, no caso concreto, a indenização por danos morais e materiais. A tendência, portanto, parte de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, inclusive, com enfoque em uma interpretação civil-constitucional.

Importa enfatizar, porém, que a indenização por abandono afetivo não é unanimidade na doutrina, nem na jurisprudência, isso porque há o entendimento de que não compete ao judiciário condenar alguém ao pagamento por desamor, ou seja, como frisado anteriormente, não cabe ao judiciário obrigar as pessoas a se amarem.

Diferente da situação do abandono afetivo, na qual o genitor voluntariamente se afasta do filho, deixando de cumprir com seus deveres jurídicos, como o dever de cuidado, criação, educação e companhia, na alienação parental, o afastamento entre o genitor e filho alienados decorre de uma ação perpetrada pelo genitor alienador – geralmente o guardião – com intuito de desqualificar a imagem do outro genitor e prejudicar o convívio entre ambos.

Nos dois casos, o afastamento entre um dos genitores e o filho causa prejuízos de ordem psicológica, emocional e de desenvolvimento ao menor, que devem ser evitados e/ou reparados, a fim de atender o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, sendo que a responsabilidade civil pode representar um dos mecanismos para amenizar os efeitos dos danos e evitar a reiteração dessas condutas, que se dão tanto sob a forma de omissão, no caso do abando afetivo, quanto na forma de ação, na alienação parental.

No fenômeno da alienação parental, além dos instrumentos disponibilizados ao juiz no artigo 6º, caput, da Lei 12.318/2010 e a possibilidade de ampla utilização dos recursos processuais, com a finalidade de inibir ou amenizar os efeitos decorrentes da conduta alienadora, o referido artigo não excluiu eventual responsabilidade civil ou penal.

Ao contrário da divergência na aplicação de danos morais nas hipóteses de abandono afetivo, a indenização por dano moral, decorrente da prática da alienação parental, pode ser inferida com maior facilidade mediante a interpretação sistemática e aplicação conjunta de alguns artigos do Código Civil (art. 186, 187 e 927), da Lei n º 12.318/2010 (art. 3º e 6º), da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno ressaltam que:

“A indenização por dano moral ou material é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro e tem especial referência na Lei da Alienação Parental, diante dos notórios prejuízos de ordem moral e material causados pela propositada e injustificada alienação dos filhos ao outro progenitor, e até mesmo em relação aos avós ou irmãos da criança ou adolescente alienado. É indenizável o sofrimento psíquico ou a frustração pela certeza anímica do progenitor não guardião pela perda da relação paterno-filial com a ruptura do regime de visitas e pelo total desrespeito ao direito de comunicação fundamental nos vínculos de filiação. O dano moral reclama a demonstração do nexo causal entre a atitude do alienante e os prejuízos morais, por abalo psíquico sofrido pelo progenitor alienado e pela criança.”35

O artigo 3º da Lei da Alienação Parental é claro ao dispor que a prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente a convivência familiar saudável, constitui abuso moral e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental.

Assim, ao realizar uma conduta alienadora, como por exemplo, dificultar o contato da criança ou do adolescente com o genitor (art. 2º, inciso III, da Lei n º 12.318/2010), o agente viola o direito fundamental da criança ou do adolescente à convivência familiar, direito este previsto expressamente no art. 227, caput, da Constituição Federal, e comete ato ilícito nos termos do art. 186 do Código Civil.

Por sua vez, na mesma situação retratada, na qual o genitor alienador age de forma a minar a relação entre o filho e o genitor, também é possível verificar o abuso do direito da autoridade parental, sendo que quando exercem o poder familiar, ultrapassam os limites e causam danos por vezes irreparáveis ao menor.

Sobre o assunto, Douglas Phillips Freitas reforça que:

“A criança, em razão de sua pouca idade, não possui condições de tomar decisões ou de reger os seus interesses, portanto, sendo o poder familiar um instituto de proteção, cabe aos pais desempenharem esse papel mediante a representação de interesses pessoais do filho, além da administração dos seus bens. Quando o poder familiar é exercido de forma irregular, ocorre verdadeiro abuso de direito, podendo os pais responderem pela desídia.”36

Os danos advindos da alienação parental podem não ser perceptíveis num primeiro momento, motivo pelo qual as pessoas envolvidas e que possuem contato com os membros do núcleo familiar devem estar atentos aos indícios de prática de conduta alienadora, não somente aquelas previstas no rol exemplificativo do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 12.318/2010, mas qualquer ato que evidencie a interferência na formação psicológica da criança para que repudie o genitor ou a intenção de prejudicar o convívio entre o genitor e o filho.

A respeito dos danos resultantes da prática da alienação parental e da instalação da síndrome da alienação parental, Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno explicam que:

“A conseqüência mais evidente é a quebra da relação com um dos genitores. As crianças crescem com o sentimento de ausência, vazio, e ainda perdem todas as interações de aprendizagem, de apoio e de modelo. Na área psicológica, também são afetados o desenvolvimento e a noção do autoconceito e autoestima, carências que podem desencadear depressão crônica, desespero, transtorno de identidade, incapacidade de adaptação, consumo de álcool e drogas e, em casos extremos, podem levar até mesmo ao suicídio. A criança afetada aprende a manipular e utilizar a adesão a determinadas pessoas como forma de ser valorizada, tem também uma tendência muito forte a repetir a mesma estratégia com as pessoas de suas posteriores relações, além de ser propenso a desenvolver desvios de conduta, como a personalidade antissocial, fruto de um comportamento com baixa capacidade de suportar frustrações e de controlar seus impulsos (...).”37

A identificação imediata da prática da conduta alienadora e a efetivação das medidas judiciais cabíveis ao caso podem amenizar os danos sofridos tanto pelo filho, parte mais frágil na relação, como pelo genitor alienado.

Nessa linha, depreende-se que o genitor alienado também pode ser vítima dos danos causados pelo genitor alienador, máxime porque se torna alvo de desqualificação da sua imagem, muitas vezes sendo tratado de forma desumana, bem como fica privado do convívio com o filho.

Evidenciado, portanto, que os atos alienadores configuram ato ilícito e causam dano aos envolvidos, no caso, os sujeitos passivos são o filho e o genitor alienado, impõe-se ao alienador a obrigação de indenizar, nos termos do artigo 927 do Código Civil, levando-se em consideração a duração dos atos praticados, o grau de afastamento entre a criança e o genitor, bem como a intensidade dos danos causados.

O dano pode ser irreparável, nos casos de alienação parental, em especial nas hipóteses em que o dano psicológico causado à criança e ao genitor alienado foi tão intenso, capaz de impossibilitar o retorno do estado anterior às práticas alienadoras, vale dizer, os traumas, decorrentes dessas condutas, podem ser irreparáveis, deixando seqüelas na vida dos menores e prejudicando o seu desenvolvimento sadio.

Importa ressaltar, ainda, que embora a indenização tenha por escopo retirar o dano causado, muitas vezes, o dano, principalmente o moral, pode ser irreparável, situação em que a indenização pecuniária terá caráter de compensação pelo dano sofrido e, no caso específico da alienação parental, de prevenção contra as reiteradas condutas alienadoras.

Isto posto, depreende-se que a responsabilidade civil constitui mais um mecanismo disponível ao judiciário no combate ao fenômeno da alienação parental, seja como elemento compensatório para amenizar os inúmeros danos decorrente desta prática, seja como instrumento de inibição à essa prática, que se revela como o principal objetivo da sociedade e do Poder Judiciário.

7. CONCLUSÃO

Da análise de algumas legislações estrangeiras, constata-se que ainda não existe nos ordenamentos jurídicos a tipificação expressa dos atos caracterizadores do fenômeno da alienação parental. Embora ausente a positivação acerca da matéria de forma específica, as legislações estrangeiras, ora comentadas, criminalizam a conduta que viola o direito de convívio familiar entre pais e filhos.

O Código Penal Espanhol, no mesmo sentido das legislações anteriores, estabelece punição para o caso de subtração de menores dos seus genitores, guardião ou não. Depreende-se da leitura do artigo 225 bis, que aquele que subtrair o menor em grave descumprimento à decisão judicial ou administrativa também incorre na referida punição, de modo que tal situação se encaixa para os casos em que o genitor guardião viola o direito de convivência da criança com o genitor não guardião.

O artigo 225 assim dispõe:

“El progenitor que sin causa justificada para ello sustrajere a su hijo menor será castigado con la pena de prisión de dos a cuatro años e inhabilitación especial para el ejercicio del derecho de patria potestad por tiempo de cuatro a diez años.

A los efectos de este artículo, se considera sustracción:

1.º El traslado de un menor de su lugar de residencia sin consentimiento del progenitor con quien conviva habitualmente o de las personas o instituciones a las cuales estuviese confiada su guarda a custódia.

2.º La retención de un menor incumpliendo gravemente el deber establecido por resolución judicial a administrativa.”38

Observa-se, assim, que, ainda que as legislações estrangeiras não tratem especificamente dos atos de alienação parental, o conteúdo normativo está direcionado ao combate da conduta que viola o direito de convívio familiar e deve cada vez mais buscar.

Todavia, é importante destacar que a existência de uma legislação mais específica voltada ao tema da alienação parental pode representar maior prevenção e repressão a esse fenômeno tão prejudicial ao desenvolvimento físico e psicológico do menor.

Assim, no direito espanhol se considera subtração de menores em duas situações diferentes, na primeira um dos pais desloca o filho ilegalmente a outro país diferente do seu de residência, com a intenção de violar o direito de custódia do menor atribuída ao outro progenitor ou alguma instituição. Na segunda, o pai ou mãe que tem o direito de guarda da criança muda de país para impedir o direito de visita do outro progenitor, rompendo o relacionamento habitual entre pai e filho.

Em ambos os casos existe alienação parental, onde por motivos diferentes, um dos pais quer anular a presença do outro da vida do filho, gerando um dano psicológico irreparável para a criança.

De modo geral, sem entrar no terreno da jurisprudência aplicada, a devolução do menor é imediata quando tenha passado menos de um ano desde o início da retenção indevida. Quando tenha passado mais de um ano o juiz ordenará a devolução do menor, porém se terá em conta a integração da criança no novo meio social onde está vivendo.

Independentemente da denúncia anterior, é possível iniciar um processo pela via civil, em base ao artigo 158 da Lei Processual Espanhola. Esse processo será iniciado no “Juzgado de Primera Instancia” onde o menor residiu por uma vez. Pode ser iniciado tanto pelo pai da criança como por qualquer pessoa interessada, sendo necessário para isto advogado e “Procurador”.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Eduardo Calmon de Almeida Cézar

Atualmente é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, professor de direito administrativo da Academia de Polícia Militar Costa Verde (APMCV) e professor de direito administrativo da Universidade de Cuiabá (UNIC). É professor de direito administrativo em cursos preparatórios para concursos públicos. É professor da pós-graduação em Direito Administrativo da ATAME e da UNIC. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo e Processo Administrativo. Já foi Juiz Substituto no Estado de São Paulo (2004), Promotor de Justiça no Estado de Sergipe (2003/2004) e Defensor Público no Distrito Federal (2003). Foi aprovado e nomeado no concurso de Juiz Federal Substituto da 3ª Região (2011). Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Universidade do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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