2. ITBI NA LEI COMPLEMENTAR
De acordo com a Constituição Federal de 1988, a instituição e cobrança do ITBI, transmissão inter-vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, é de competência dos municípios brasileiros. O referido imposto, além dos municípios, poderá ser instituído pelo Distrito Federal de acordo com a competência extraída do artigo 147 da carta magna.44
A Lei Complementar que busca direcionar os aspectos do ITBI é a Lei 5.172 de 1966, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, regulando o tributo nos artigos 35 a 42. A Lei é conhecida pela sigla CTN (Código Tributário Nacional), tendo sido elaborada quando vigorava a CRFB de 1946, período em que os impostos ITCMD e ITBI eram unificados e de competência dos Estados Brasileiros. Desta feita, caberá ao intérprete, entender o que é ITCMD, de interesse e atuação dos Estados e, o que é ITBI, de interesse e atuação dos Municípios.45
Conforme comando da CRFB de 1988, ainda que o CTN46 traga regulação do ITBI nos artigos 35 a 42, o mesmo possui legislação própria e elaborada por cada município competente.
O município de São Paulo regula o ITBI na Lei Municipal nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991, lei regulada pelo Decreto nº 31.134, de 24 de janeiro de 1992.
2.1. ITBI no Código Tributário Nacional
Sob a vigência da constituinte de 1946, foi outorgado aos estados a competência para instituir o ITBI nos negócios que envolvessem a transmissão inter-vivos, fosse ela gratuita ou onerosa. Essa competência foi ajustada nos estados com a emenda nº 5, de 21 de novembro de 1961, onde os Estados ficaram com o imposto sobre a transmissão causa-mortis e os Municípios receberam a competência para instituir o impostor sobre transmissão inter-vivos.
“ANTES: Art. 19 – Compete aos Estados decretar impostos sobre: III – transmissão de propriedade imobiliária inter-vivos e sua incorporação ao capital de sociedades.”
“DEPOIS: Art. 29 - ...pertencem aos Municípios os impostos: III – sobre transmissão de propriedade imobiliária inter-vivos e sua incorporação ao capital de sociedade. 47
O Código Tributário Nacional, em vigor a partir de 1966 e escrito sob a égide da promulgada Constituição Federal de 194648, regula o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis nos artigos 35 a 42. Os artigos em questão, elaborados antes da CRFB de 1988, apresentam apenas 1 (hum) imposto que regulava o ITCMD e o ITBI. Este único imposto, há época, ficava sob a égide dos Estados Brasileiros. Não é à toa, ao analisar os referidos artigos no bojo do CTN, é identificado que o imposto sobre transmissão de bens apresenta os Estados brasileiros como responsável pelo ITBI:
“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.”
Tal disposição, conforme acima, foi elaborado antes da vigência da CRFB de 1988, no ano de 1966, sendo essa Lei Complementar, nos moldes da constituinte de 1988, recepcionada e com sua vigência a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição Federal, art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A existência do ITBI nos moldes atuais, com a competência constitucional atribuída aos municípios para a instituição e cobrança conforme regras do direito tributário, só foi possível após a vigência da Constituição Federal de 1988.49
Com o ordem jurídica emanada pelos atuais códigos tributários ficou decidido sobre a competência bipartida do imposto sobre transmissão de bens, ficando a transmissão de bens e causa-mortis com os Estados (artigo 155, I, da Constituição), e a transmissão onerosa de bens imóveis submetida à competência dos Municípios (artigo 156, II, da CRFB de 1988).50
As normas gerais tributárias, sob grande discussão, desenvolveram-se sob a égide da Constituição Federal de 1967 no bojo do texto da Lei Complementar. O texto utilizado na Lei Complementar sob a égide da Constituição de 1967, foi aproveitado pela Constituinte de 1988 ao prescrever, no artigo 146, que a Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e o Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário.51
No artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu parágrafo 1º, todas as disposições em contrário, no que tange o artigo 156 da CRFB de 1988, foram revogadas, dando espaço para a criação da competência tributária dos municípios brasileiros regularem e atuarem na tributação do ITBI em seu território.
“Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.
§ 1º Entrarão em vigor com a promulgação da Constituição os arts. 148, 149, 150, 154, I, 156, III, e 159, I, "c", revogadas as disposições em contrário da Constituição de 1967 e das Emendas que a modificaram, especialmente de seu art. 25, III.”
O comando do artigo 34 da ADCT, garante a aplicabilidade do Sistema Tributário Nacional anterior apenas no que tange a compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, os atos infralegais criados em 1966 continuarão tendo aplicabilidade atualmente desde que não conflite com os comandos da atual legislação constitucional52.
2.2. ITBI na Lei Municipal de São Paulo
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 156, inciso II, considera a competência dos municípios brasileiros para instituir o imposto transmissão inter-vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
No direito tributário, assim como em qualquer outra área jurídica reconhecida pelo ordenamento nacional brasileiro, as normas são de estrutura e de comportamento, elas são voltadas para regular as condutas da sociedade, condutas humanas e estatal. Essas condutas interferidas pelas regras jurídicas é a razão da existência de uma norma que regula o comportamento de determinado município ao instituir o imposto sob a sua competência.53
Conforme José Macedo, as normas jurídicas que instituem tributos e modalidade contratual, também são normas de conduta.54
Quando um órgão é identificado pela Constituição esse é habilitado para a produção de normas jurídicas. Os órgãos identificados são postos em uma espécie de pirâmide, de modo que, o ápice da orientação dessa estrutura será identificado através de Constituição Federal, órgão esse produtor das demais leis e normas jurídicas.55
O legislativo municipal de São Paulo, no gozo de suas competências conferido pela Constituição Federal, elaborou a Lei 11.154 em dezembro de 1991 que dispõe sobre o imposto sobre transmissão inter-vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como de cessão de direitos à sua aquisição.
Apesar da referida competência não constar no Código Tributário Nacional como sendo de responsabilidade dos municípios brasileiros, como exposado, a constituinte de 1988, em seu artigo 156, II, recepcionou o CTN de 1966, naquilo que não divergisse e elencou nova competência aos municípios para a instituição do imposto denominado de ITBI.
O cenário apresentado pela constituinte de 1988 e pelo Código Tributário Nacional, apresenta divergência acerca da competência dos municípios para instituir impostos sobre transmissão inter-vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis. Desta forma, mostra-se crível apresentar a teoria de Hans Kelsen para sanar tal conflito.
De acordo com os ensinamentos Alemães, da qual observa-se a participação ativa de Hans Kelsen, o Direito é sistematizado e baseado em Leis que dão origem a um novo comando. Leis inferiores, devem sempre tirar força de leis superiores. Ou seja, na atual situação, de acordo com orienta a Constituição Federal de 1988, a força do Código Tributário Nacional deve ser retirada do ordenamento constitucional, da qual, contribui para que os municípios institua impostos sobre transmissão inter-vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, conforme força do artigo 156, inciso II56.
Para que as normas jurídicas tenham validade deve ser respeitado o que determina a Constituição Federal, caso contrário, tais normas serão nulas ou anuláveis. A classificação das leis não encontra orientação no direito positivo pátrio, mas sim, na doutrina pátria. A federação encontra 3 (três) modelos distintos na ordem jurídica, são eles (i) ordem jurídica local (Estados-Membros da federação); (ii) ordem jurídica central (união); e (iii) ordem jurídica total (responsável pela convivência das duas primeiras ordens (que são ordens parciais). Os Municípios, possuem norma jurídica parcial.57
Essa hierarquização de Leis e todos os comportamentos Jurídicos, podem ser observados na pirâmide de Kelsen e suas ramificações dentro do direito brasileiro.
Fonte: LOURENÇO, Lúcio Augusto Pimentel. Teoria Pura do Direito58.
Nas palavras de Kelsen, a ordem emanada pela Constituição Federal, mesmo com a existência anterior de uma norma infralegal, deve ser respeitada por qualquer legislação abaixo desse ordenamento supremo, sob pena de inconstitucionalidade de seus comandos infralegais.
De acordo com Lei Municipal Paulista de 1991, a incidência do imposto sobre transmissão inter-vivos está descrito em seu parágrafo 1º, incisos I e II, que descreve o fato gerador na transmissão inter-vivos, a qualquer título, por ato oneroso: de bens imóveis, por natureza ou acessão física, de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões, bem como, na cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.
Com o passar do tempo a doutrina nacional direcionou seu entendimento sobre a inexistência de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária uma vez que, a lei ordinária não tem poder para revogar lei complementar e, e nem o contrário. Porém, pode ocorrer que uma lei ordinária não seja constitucional diante do seu texto em contrário ao que determina a carta magna, sendo assim, essa dará lugar a lei complementar em sentido positivo ao constituinte.59
De proêmio, a problemática desse trabalho envolve o artigo 156, II da CRFB de 1988, que retrata o fato gerador para transmissão inter-vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; bem como, o artigo 1º, inciso II e artigo 2º, inciso IX, da Lei Municipal de São Paulo, que retrata como fato gerador a transmissão inter-vivos, a qualquer título, por ato oneroso na cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis, bem como, respectivamente ao artigo 2º, inciso IX, que estão compreendidos na incidência do referido imposto, a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda.
Nesta toada, a Lei 11.154/1991 do município paulista, em seu artigo 2º, atribui quais negócios jurídicos terão a incidência do ITBI:
“Art. 2º Estão compreendidos na incidência do imposto:
I - A compra e venda;
II - A dação em pagamento;
III - A permuta;
IV - O mandato em causa própria ou com poderes equivalentes para a transmissão de bem imóvel e respectivo substabelecimento, ressalvado o disposto no artigo 3º, inciso I, desta lei;
V - A arrematação, a adjudicação e a remição;
VI - o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor. (Redação dada pela Lei nº 13402/2002)
VII - O uso, o usufruto e a enfiteuse;
VIII - A cessão de direitos do arrematante ou adjudicatário, depois de assinado o auto de arrematação ou adjudicação;
IX - A cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda (grifos do autor);
X - A cessão de direitos à sucessão;
XI - A cessão de benfeitorias e construções em terreno compromissado à venda ou alheio;
XII - a instituição e a extinção do direito de superfície; (Redação dada pela Lei nº 14125/2005)
XIII - todos os demais atos onerosos translativos de imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis. (Redação acrescida pela Lei nº 14125/2005).”
Desta forma, conforme entendimento no direito brasileiro e na hierarquização da pirâmide de Kelsen, o direito material estabelecido na Lei 11.154/1991 do município paulista, instituindo ITBI sobre a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda é causa de análise de validade jurídica da norma ante ao que determina a Constituição Federal que, orienta a não ocorrência de imposto sobre transmissão inter-vivos de bens imóveis em garantia e em cessão de direitos a sua aquisição (grifos desse autor).
De norte a sul do Brasil, independentemente da esfera federativa e da independência das pessoas políticas, o fato gerador e suas regras tributárias obedecem a um mesmo padrão normativo, evitando o caos e desarmonia em território nacional brasileiro.60
Esse entendimento sobre as normas jurídicas com interpretação que garanta a segurança jurídica do Estado Federal é assunto de natureza jurídica e que deve ser contida sob a concepção mais liberal e clássica, onde é voltado para uma estrutura política aberta, de estilo americano e característico da Constituição Federal de 1988; ou, uma norma de interpretação mais liberal centralizadora, onde é privilegiado a estrutura administrativa fechada, estilo encontrado nos países europeus, encontrado na constituição brasileira.61