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Mickey Mouse em domínio público.

As novas tecnologias e a proteção dos ativos intangíveis

08/01/2024 às 15:00

Resumo:


  • A primeira versão do Mickey Mouse criada por Walt Disney em 1928 entrou em domínio público em janeiro, permitindo a reinterpretação e uso da personagem sem pagamento de royalties.

  • A Disney manteve os direitos autorais de Mickey por anos mas, com a entrada em domínio público, apenas as representações em preto e branco e sem características de versões posteriores, como as luvas brancas, estão liberadas para uso.

  • A proteção de direitos autorais e a relação com criações baseadas em domínio público são temas em debate, especialmente com o surgimento de questões sobre o uso de obras para treinar modelos de inteligência artificial sem violar propriedade intelectual.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A liberação de Mickey Mouse para o domínio público levanta questões sobre direitos autorais e a influência da Disney na legislação.

Desde o início de janeiro, a primeira versão do Mickey Mouse (1928) está em domínio público, o rato mais famoso criado por Walt Disney, o que por certo abre as portas para infinitas oportunidades criativas. Ao mesmo tempo, por sua dimensão, lançam-se luzes sobre a proteção das criações, esse ativo intangível tão valorizado, e o tratamento legal para proteção e uso comercial dessas propriedades intelectuais.

Após conseguir prolongar os direitos autorais de seu icônico personagem por anos, desde o dia 1º de janeiro de 2024, a Disney não terá mais as versões de Mickey e Minnie Mouse que aparecem nos curtas 'Steamboat Willie' e 'Plane Crazy', de 1928. Isso implica dizer que os artistas, diretores e o público em geral terão a oportunidade de usar essa criação para suas próprias interpretações e versões sem ter que pagar royalties.

Invariavelmente esse tipo de ato faz o uso da marca expandir ainda mais, afinal as possibilidades criativas para Mickey Mouse poderão ser infinitas, como já ocorreu em novas versões de clássicos como 'O Grande Gatsby', de F. Scott Fitzgerald, ou 'Winnie-the-Pooh', de A.A. Milne, entraram em domínio público em 2021, e que ganharam novas versões bem distintas da original.

Afinal, quando Scott Fitzgerald imaginaria que o universo glamouroso dos anos 1920 apresentado em seu livro poderia ser transformado em uma história de zumbis no romance 'O Grande Gatsby e os Zumbis', escrito por Wayne Soini.

Enquanto isso, o adorável urso amarelo e seus amigos tomaram um rumo sombrio quando se tornaram assassinos vingativos no filme de terror slasher "Winnie-the-Pooh: Blood and Honey", dirigido por Rhys Frake-Waterfield.

Apesar do lançamento desses personagens, e agora de Mickey Mouse, por quase duas décadas nenhum trabalho criativo pôde entrar em domínio público graças à chamada Lei de Expansão de Direitos Autorais, aprovada pelo Congresso dos EUA em 1998 e que estendeu os direitos intelectuais de algumas obras por mais 20 anos.

A lei tinha a Disney entre seus principais promotores e sua influência era tão significativa que ficou popularmente conhecida como a lei de 'Proteção ao Rato Mickey'.

Os esforços da Disney para manter o controle dos direitos de Mickey Mouse representam uma contradição interessante para uma empresa que baseou grande parte de sua criação no uso de histórias de domínio público, como "Pinóquio", de Carlo Collodi, ou "Branca de Neve", dos irmãos Grimm, entre outros, na velha lógica que todos conhecemos que "eu posso, você não".

Em seu artigo 'Mickey, Disney e o Domínio Público: um Triângulo Amoroso de 95 anos', Jenkins explica que até o próprio Mickey Mouse se originou da inspiração da criatividade de outras pessoas, incorporando os traços expressivos de Charles Chaplin, como revelado pelo próprio Walt Disney, o que abre um debate sobre diversos ativos intangíveis, como as características de um sorriso, ou de qualquer outra feição.

Destacamos que a Disney continuará mantendo muitos benefícios ligados ao personagem, havendo restrições ao uso do Mickey, que só poderá ser representado em preto e branco e não poderá ser transformado em marca, o que certamente não impacta os resultados da empresa. Junto com Mickey e Minnie, outro punhado de obras e criações serão abertas em domínio público no primeiro dia de 2024.

Para se mensurar a importância desse ativo intangível, para Disney, basta dizer que essa propriedade intelectual bateu um recorde.

Agora é possível montar sua própria produção de The Steamboat Willie, desde que o personagem principal não se assemelhe às versões posteriores do Mickey com luvas brancas, que ainda são protegidas por direitos autorais. Isso mesmo, tanto as luvas brancas quanto as orelhas do rato mais famoso do mundo são protegidas ainda.

De qualquer forma, é uma liberação bem-vinda, dado que os termos dos direitos autorais foram estendidos tantas vezes em benefício dos ativos rentistas de autores, compositores e inventores, o que só demonstra a força dos detentores dos ativos intangíveis nos EUA. Só para exemplificar, a Lei de Direitos Autorais dos EUA, de 1790, permitia até 28 anos de exclusividade, "podendo ser renovada por igual prazo", ou seja, a animação do Mickey deveria ter entrado em domínio público no fim de 1984.

Porém, antes disso, na década de 1970, a empresa, já um gigante no setor, se mobilizou politicamente para proteger o domínio, resultando desse esforço uma novo regramento legal aprovado em 1978, ampliando a garantia de direitos autorais de 56 para 75 anos. Com essa mudança, o clássico filme expiraria somente em 2003, o que não chegou a acontecer - pois, para promover o “Progresso da Ciência e das Artes Úteis", um novo diploma foi criado em 1998, estendendo sua duração por mais 20 anos.

Não são poucos os casos de violação de direitos autorais. Um dos mais recentes trata do uso de imagens e texto para treinar modelos de IA, levando o New York Times a processar a OpenAI e a Microsoft por exploração não autorizada de seu material pelo ChatGPT: faça as perguntas certas e o suposto oráculo simplesmente regurgitará grandes partes do trabalho dos jornalistas do NYT.

Nesse momento, repercute nos meios de comunicação internacional, um questionamento a cada dia mais frequente sobre os direitos autorais e a sua proteção, diante do uso da “Inteligência Artificial Generativa”.

Fundamentalmente, muitos escritores entendem que os sistemas de Inteligência Artificial Generativa, ao serem alimentados e treinados, com seus livros e sem a autorização desses autores. Logo, se os robôs de captura realizam uma varredura na internet, e constroem sua posição sobre determinado tema, “aprendendo” com os livros publicados, como ficariam os pagamentos dos direitos autorais dessas obras? Estaríamos diante de uma flagrante violação dos direitos de propriedade intelectual?

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Lembro que a Lei de Propriedade Intelectual permite aos autores, e somente a esses, o direito exclusivo de autorizar, entre outras formas de exploração, a reprodução de suas obras, conceito no qual o uso de textos literários poderia ser incluído no processo de formação de sistemas de inteligência artificial generativa.

Claro que surge uma inevitável questão: esses sistemas de “Inteligência”, de forma análoga, não são alimentados tal qual o processo de aprendizado humano, que se alimenta da leitura, escuta e visualização de obras pré-existentes, sem implicar em ato de exploração não autorizada que implique violação de direitos de propriedade intelectual?

Existem ao menos duas grandes diferenças entre o processo de inspiração e criação do ser humano, por um lado, e o processo de alimentação e geração de ferramentas de inteligência artificial, por outro. A primeira: que o processo humano começa por iniciativa do próprio sujeito, enquanto a inteligência artificial exige que uma instrução ou prontidão externa forneça os critérios aos quais sua atividade geradora deve se adequar. A segunda: que o processo humano é aparentemente orgânico, enquanto a inteligência artificial exige o processamento de uma enorme quantidade de dados.

Porém, não nos enganemos: ambos os processos são alimentados por obras protegidas por direitos de propriedade intelectual, e o fato de um deles começar por iniciativa própria não pressupõe que seus resultados sejam originais. A desvantagem da inteligência artificial nessa área é que, ao contrário do ser humano, seu processo é rastreável e é possível “desmoroná-lo” para identificar as obras que serviram de “inspiração” ao sistema e, assim, os direitos de propriedade intelectual que podem ter sido violados durante o processo.

Direitos de autor são direitos conferidos aos criadores de obras literárias e artísticas. Logo, entre outras obras poderíamos evidenciar: filmes, composições musicais, coreografias, trabalhos artísticos como pinturas, desenhos, fotografias e esculturas; arquitetura entre outros.

Sabemos que o Direito do Autor compreende prerrogativas morais e patrimoniais, aquelas que se referem ao vínculo pessoal e perene que une o criador à sua obra, e estas referentes aos efeitos econômicos da obra e o seu aproveitamento mediante a participação do autor em todos os processos e resultados. A Lei nº 9.610/98, a qual tem como finalidade proteger as obras literárias, artísticas e científicas, impedindo desta forma, que terceiros se utilizem indevidamente das obras protegidas. Sendo assim, um software que cria um padrão artístico estaria dentro dessa definição?

Socorremo-nos da WIPO, que define direito de autor como sendo a proteção da criação da mente humana. Assim, é importante salientar que o direito autoral protege as obras, e logo elas precisam de meio físico, o que poderia ser uma tela e ou no caso um programa de computador com seu código registrado?

O direito entende que todos aqueles que tiverem o seu nome agregado a uma obra serão legalmente considerados coautores, logo um algoritmo construído pelo coletivo estaria assim enquadrado?

Por fim, vale lembrar que, no Brasil, a lei é diferente: a regra geral de proteção é de 70 anos após a morte do autor, não após o lançamento da obra.

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Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Charles M.. Mickey Mouse em domínio público.: As novas tecnologias e a proteção dos ativos intangíveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7495, 8 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107975. Acesso em: 22 dez. 2024.

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