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A revisão da vida toda.

Modulação dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 1.276.977-DF

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5. NORMAS QUE REGULAMENTAM A MATÉRIA

Pela intelecção do art. 27, da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, é permitido ao STF a modulação dos efeitos da decisão que declarar inconstitucionalidade de lei ou ato normativo ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, desde que tenham razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social no caso.

Isto é, através da técnica modulação dos efeitos pelo STF admite-se a exceção à nulidade com eficácia ex tunc.

No mesmo sentido, o Código de Processo Civil pacificou o entendimento dispondo no seu art. artigo 927, §3º que na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

Notadamente, como no caso em tela não se obteve qualquer declaração de inconstitucionalidade da norma, esta é a modulação a ser aplicada, na medida em que o que se busca é fixar/ratificar o termo a quo da produção dos efeitos de uma nova orientação jurisprudencial (prospective overruling) (GOMES, 2020, p. 39).

Impende destacar que o art. 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), com a redação dada pela Lei n. 13.655, de 25 de abril de 2018, dispõe que a decisão judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

À vista de tudo isso, percebe-se necessário considerar a prescrição quinquenal prevista no artigo 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, como possível parâmetro de modulação para garantir o recebimento das parcelas retroativas e promover, assim, segurança jurídica e isonomia.

Frise-se que, nos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário n. 661.256/SC (Tema 503 da Repercussão Geral), apresentados em face de um acórdão que já havia afirmado a incompatibilidade com a Constituição Federal da conversão de aposentadoria proporcional em integral por meio da "desaposentação", o Supremo Tribunal Federal deliberou sobre a modulação dos efeitos da decisão.

Tal modulação foi realizada de maneira a preservar a desaposentação para os segurados cujo direito havia sido reconhecido por uma decisão judicial transitada em julgado até a data do referido julgamento, pois, anteriormente era admitida pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso especial repetitivo.

Verifica-se, pois, que não foi a coisa julgada, ou o caráter alimentar da aposentadoria que levaram à necessidade de modulação, mas sim o respeito das decisões do Superior Tribunal de Justiça proferidas em sede de recurso repetitivo (art. 927, III, do CPC).

Por fim, não se pode imputar ao trabalhador ou aposentado um ônus sob a alegação de ineficiência dos sistemas que o INSS possui ou sua incapacidade de operar as referidas decisões a partir de determinado marco temporal, pois desde o ano de 2020 a operacionalização das Revisões da Vida Toda que são concedidas judicialmente, são feitas por meio de um sistema, qual seja o e-Pcalc.

Para tanto, foi editada a Portaria Conjunta nº 21 DIRAT DIRBEN/PFE-INSS de 19 de novembro de 2020, já definindo o fluxo de trabalho para a Revisão da Vida Toda.

À vista disso, o INSS tem condições de operar a revisão, sendo necessário somente a definição de qual o marco temporal será utilizado para que os aposentados possuam a sua devida reparação e compensação, mas que os cofres públicos não sejam impactados por tamanha demanda, havendo a necessidade, portanto, de se considerar os parâmetros previstos em lei e em outros julgados na Corte para preservar a segurança jurídica e proporcionar, ao menos, a sensação de justiça social.


6. ANÁLISE CRÍTICA

De fato, ponderar sobre a possibilidade de que a decisão produza efeitos ex nunc, além de configurar potencialmente uma situação de enriquecimento ilícito por parte do Estado, pode sugerir a percepção de que este detém a prerrogativa de desrespeitar os direitos sociais estabelecidos pela Constituição, confrontando, evidentemente, os princípios da Justiça Social, da Segurança Jurídica e os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Entretanto, conceder efeitos retroativos a todos, permitindo inclusive a revisão de benefícios já encerrados, acarretará ao Estado um ônus desproporcional e injustificável, considerando tratar-se de uma questão decorrente da transição para a nova moeda nacional em 1994, promovida pelo Plano Real. Assim, impor aos cofres públicos uma demanda excessiva e imprevista não seria razoável.

Nesse sentido, considerando que a decisão do STF não inovou na ordem jurídica, mas tão somente reconheceu/ratificou o direito de o segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, poder optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável, vislumbra-se necessária a modulação dos efeitos da decisão.

Nesse ponto, é relevante destacar que no julgamento do Recurso Especial 1.554.596/SC pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema n.º 999), não ocorreu uma alteração na orientação jurisprudencial em benefício dos segurados. Em vez disso, houve uma reafirmação do entendimento já solidificado na Suprema Corte desde 2013, quando foi estabelecido o Tema 334 do Supremo Tribunal Federal, acerca do direito ao melhor benefício.

Entretanto, ao examinar os votos de todos os Ministros até o momento, há a percepção de que o voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes surge como uma solução mais equilibrada para a modulação dos efeitos, tendo em vista que essa solução propõe a exclusão da revisão de benefícios previdenciários já extintos (consolidado); a exclusão de parcelas de benefícios já pagas e quitadas por força de decisão transitada em julgado; e, para as parcelas subsequentes, a correção com base na tese estabelecida a partir da data do julgamento do mérito, em 1º de dezembro de 2022.

Isto porque, por esta tese de modulação, é garantido o recebimento das parcelas retroativas em total respeito ao direito ao melhor benefício e à legalidade da prescrição quinquenal prevista no artigo 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, promovendo, assim, segurança jurídica e isonomia.

Deveras, ao limitar o período para o recebimento das diferenças devidas a um prazo inferior aos últimos cinco anos (prescrição quinquenal) a partir da proposição da ação judicial, existe a possibilidade de o Estado estar conferindo a si mesmo a prerrogativa de desrespeitar direitos sociais estabelecidos pela Constituição.

Com efeito, a "revisão da vida toda" possibilita aos segurados pedir a correção do benefício para incluir, no cálculo, contribuições feitas antes de 1994, beneficiando quem tinha pagamentos maiores antes do início do Plano Real, porém, conforme dados de agosto de 2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já existem 24.700 processos em todo país sobre a matéria.

Portanto, para além da exclusão da revisão de benefícios previdenciários já extintos (benefícios temporários cessados e extintos sem benefício derivado, no caso, pensionistas), acredita-se que para o deslinde do caso seja mais adequado a modulação temporal a partir de 1 de dezembro de 2022, para as ações que transitaram em julgado na Justiça, conforme proposta do Ministro Relator Alexandre de Moraes, com fundamento total no Direito ao Melhor Benefício e na legalidade da prescrição quinquenal prevista no artigo 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, promovendo, assim, segurança jurídica e isonomia.

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7. CONCLUSÃO

À vista de todo o esforço investigativo acerca da questão da "revisão da vida toda" à luz das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), percebe-se claramente uma divergência de posicionamentos entre os ministros do STF, especialmente no que diz respeito à modulação dos efeitos da decisão, refletindo a complexidade do tema e as diferentes perspectivas sobre como conciliar os direitos dos segurados com as obrigações do Estado.

A discussão sobre a modulação dos efeitos destaca-se como ponto central, uma vez que o direito à revisão da vida toda já se encontra praticamente pacificado, revelando assim a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais, a estabilidade jurídica e a responsabilidade fiscal.

Nesse sentido, vislumbra-se que a proposta de modulação apresentada pelo Ministro Alexandre de Moraes, ao excluir a revisão de benefícios já extintos e limitar a retroatividade, insurge-se como uma alternativa equilibrada para conciliar esses interesses divergentes.

Isto porque, ao analisarmos as normas que regulamentam a matéria, como o artigo 27 da Lei n.º 9.868/99 e o artigo 927, §3º do Código de Processo Civil, encontra-se evidências da possibilidade e a importância da modulação em casos de alteração jurisprudencial relevante. No mesmo sentido, observa-se que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ressalta a importância de prever regimes de transição para garantir a proporcionalidade e eficiência na implementação de novas orientações jurisprudenciais.

Assim, diante do risco de enriquecimento ilícito do Estado, caso a decisão tenha efeitos ex nunc e da possibilidade de impor um ônus desproporcional aos cofres públicos se a retroatividade for irrestrita, a proposta apresentada pelo Ministro de exclusão da revisão de benefícios previdenciários já extintos, bem como da modulação temporal a partir de 1 de dezembro de 2022, para as ações que transitaram em julgado na Justiça, com fundamento no Direito ao Melhor Benefício e na legalidade da prescrição quinquenal prevista no artigo 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, mostra-se como uma solução para mitigar tais preocupações, promovendo segurança jurídica e isonomia.

Portanto, em síntese, por este estudo de caso destaca-se a importância da modulação dos efeitos da decisão sobre a "revisão da vida toda" como uma ferramenta jurídica que busca conciliar os direitos individuais, a estabilidade jurídica e a responsabilidade fiscal, sendo a proposta de modulação apresentada pelo Ministro Relator Alexandre de Moraes do STF uma alternativa equilibrada diante de uma questão complexa que envolve o passado, presente e futuro dos benefícios previdenciários.


REFERÊNCIAS

ALVIM, Teresa Arruda; MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Modulação momento adequado, competência, critérios à luz de exemplos da jurisprudência. Suprema: revista de estudos constitucionais, Brasília, v. 1, n. 1, p. 181-213, jan./jun. 2021. Disponível em: https:// suprema.stf.jus.br/index.php/suprema/article/view/21. Acesso em: 28 dez. 2023. [1202562] STF (DIG)

ARRUDA ALVIM, Teresa. Modulação na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

BRANDÃO, R.; FARAH, A.. Consequencialismo no Supremo Tribunal Federal: uma solução pela não surpresa. Revista de Investigações Constitucionais, v. 7, n. 3, p. 831–858, set. 2020.

CAVALCANTE, Denise Lucena. Reflexões sobre a modulação dos efeitos das decisões do STF em matéria tributária. Nomos: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, v. 39, n. 2, p. 1-22, 2019.

GOMES, R. P. Superação prospectiva (prospective overruling) como regra - (in)segurança jurídica em caso de virada jurisprudencial. Revista de Doutrina Jurídica, Brasília, DF, v. 111, n. 1, p. 28–45, 2020. DOI: 10.22477/rdj.v111i1.535. Disponível em: https://revistajuridica.tjdft.jus.br/index.php/rdj/article/view/535. Acesso em: 28 dez. 2023.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, 14 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

MOREIRA, Egon Bockmann; PEREIRA, Paula Pessoa. Art. 30 da LINDB - O dever público de incrementar a segurança jurídica. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Edição especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 243-274, nov. 2018.


Notas

1 EMENTA: Recurso extraordinário. Previdenciário. Revisão de benefício. Cálculo do salário-de-benefício. Segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até a data de publicação da Lei nº 9.876/99. Aplicação da regra definitiva do art. 29, inc. I e II, da Lei nº 8.213/91 ou da regra de transição do art. 3º da Lei nº 9.876/99. Presença de repercussão geral.

2 BADARI, João. A impossibilidade de modulação de efeitos na revisão da vida toda. Migalhas, São Paulo, 25 de dezembro de 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/386594/a-impossibilidade-de-modulacao-de-efeitos-na-revisao-da-vida-toda. Acesso em 28 dez. 2023.

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Sobre os autores
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Pós-graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pelo Centro Universitário Estácio. Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente, pós-graduando em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. 1º Tenente R2 do Exército Brasileiro. Membro da Comissão Nacional de Direito Militar da Associação Brasileira de Advogados (ABA). Membro da Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Professor Orientador do Grupo de Pesquisa em Direito Militar da ASPRA/BA. Membro do Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais e da Editora Mente Aberta. Advogado contratado das Obras Sociais Irmã Dulce, com atuação em Direito Administrativo e Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Jamil Pereira ; GONÇALVES, Paulo Victor Silva. A revisão da vida toda.: Modulação dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 1.276.977-DF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7500, 13 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107996. Acesso em: 5 nov. 2024.

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