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O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas

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01/07/2000 às 00:00
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3. Efeito vinculante da cautelar em ação declaratória de constitucionalidade

O silêncio do texto constitucional quanto à possibilidade de concessão cautelar em sede de ação declaratória deu ensejo a significativa polêmica quando o Presidente da República e as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal intentaram ação declaratória com objetivo de ver confirmada a constitucionalidade da Lei nº 9.494, de 1997, que proibia a concessão de tutela antecipada para assegurar o pagamento de vantagens ou vencimentos a servidores públicos.

          3.1 Cabimento de cautelar em ação declaratória de constitucionalidade

Considerando a natureza e o escopo da ação declaratória de constitucionalidade, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões proferidas nesse processo, parece, igualmente, plausível admitir a concessão de medida cautelar, a fim de evitar o agravamento do estado de insegurança ou de incerteza jurídica que se pretende eliminar.

Daí, afigurar-se-nos possível a concessão de liminar que assegure a plena aplicação da lei controvertida até a pronúncia da decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal.

A providência cautelar poderia consistir, igualmente, na suspensão dos processos ou do julgamento das ações que envolvessem a aplicação da norma questionada até a decisão final da ação declaratória.

Essa última solução foi adotada pela Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto de lei sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória, tendo-se consagrado que a cautelar há de consistir na determinação de que os juízes e tribunais suspendam o julgamento dos processo que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até o seu julgamento definitivo, que, de qualquer sorte, há de se verificar dentro do prazo de 180 dias. É o que dispõe o art. 21 do Projeto, verbis:

"Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação de lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.

Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de 180 dias, sob pena de perda de sua eficácia".

Se adotado pelo Congresso Nacional, referido instituto há de se constituir em valioso instrumento de economia processual, porquanto permitirá que o Supremo Tribunal Federal conceda cautelar com o escopo de suspender os processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo questionado por um prazo adequado para a solução da controvérsia constitucional.

De qualquer forma, convém observar que, independentemente da positivação do instituto no direito ordinário, o argumento decisivo em favor da adoção da cautelar em ação declaratória advém da própria especificidade do instituto, destinado a solver controvérsias constitucionais de grande magnitude entre os diversos órgãos judiciários, administrativos e políticos.

Assim, há de se entender que da própria competência que se outorga ao Supremo Tribunal Federal para decidir, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a ação declaratória de constitucionalidade, tendo em vista a necessidade de definição de uma controvérsia constitucional, decorre também a atribuição para conceder cautelar que, pelo menos, suspenda o julgamento dos processos ou seus efeitos até a prolação de uma decisão definitiva.

          3.2 A Medida Cautelar na Ação Declaratória nº 4

Na Ação Declaratória nº 4 (Relator: Ministro Sydney Sanches), o Supremo Tribunal acabou por adotar, nas suas linhas básicas, a argumentação acima expendida, entendendo cabível a medida cautelar em sede de ação declaratória. Entendeu-se admissível que o Supremo Tribunal Federal exerça, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, o poder cautelar que lhe é inerente, "enfatizando, então, no contexto daquele julgamento, que a prática da jurisdição cautelar acha-se essencialmente vocacionada a conferir tutela efetiva e garantia plena ao resultado que deverá emanar da decisão final a ser proferida naquele processo objetivo de controle abstrato".

É que, como bem observado pelo Ministro Celso de Mello, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao deferir o pedido de medida cautelar na ADC nº 4, expressamente atribuiu, à sua decisão, eficácia vinculante e subordinante, com todas as conseqüências jurídicas daí decorrentes.

O Supremo Tribunal Federal, ao conceder o provimento cautelar requerido na ADC nº 4, proferiu, por maioria de nove votos a dois, a seguinte decisão:

          "O Tribunal, por votação majoritária, deferiu, em parte, o pedido de medida cautelar, para suspender, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante, até final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada, contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de 10/9/97, sustando, ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros dessas decisões antecipatórias de tutela já proferidas contra a Fazenda Pública, vencidos, em parte, o Ministro Néri da Silveira, que deferia a medida cautelar em menor extensão, e, integralmente, os Ministros Ilmar Galvão e Marco Aurélio, que a indeferiam."

O conteúdo dessa decisão foi explicitado pelo Ministro Celso de Mello em despacho proferido em pedido de suspensão de tutela antecipada, esclarecendo que a decisão cautelar:

"(a) incide, unicamente, sobre pedidos de tutela antecipada, formulados contra a Fazenda Pública, que tenham por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/97;

(b) inibe a prolação, por qualquer juiz ou Tribunal, de ato decisório sobre o pedido de antecipação de tutela, que, deduzido contra a Fazenda Pública, tenha por pressuposto a questão específica da constitucionalidade, ou não, da norma inscrita no art. 1º da Lei nº 9.494/97;

(c) não se aplica retroativamente aos efeitos já consumados (como os pagamentos efetuados) decorrentes de decisões antecipatórias de tutela anteriormente proferidas;

(d) estende-se às antecipações de tutela, ainda não executadas, qualquer que tenha sido o momento da prolação do respectivo ato decisório;

(e) suspende a execução dos efeitos futuros, relativos a prestações pecuniárias de trato sucessivo, emergentes de decisões antecipatórias que precederam ao julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do pedido de medida cautelar formulado na ADC nº 4-DF".

Portanto, ainda que dotada de efeito exclusivamente ex nunc, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a decisão concessiva da cautelar afetava não apenas os pedidos de tutela antecipada ainda não decididos, mas todo e qualquer efeito futuro da decisão proferida nesse tipo de procedimento.

Segundo essa orientação, o efeito vinculante da decisão concessiva da medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade não apenas suspende o julgamento de qualquer processo que envolva a aplicação da lei questionada (suspensão dos processos), mas também retira toda ultra-atividade (suspensão de execução dos efeitos futuros) das decisões judiciais proferidas em desacordo com o entendimento preliminar esposado pelo Supremo Tribunal.


4. Efeito vinculante de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade

Questão interessante diz respeito à possível extensão do efeito vinculante à decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade. Aceita a idéia de que a ação declaratória configura uma ADIn com sinal trocado, tendo ambas caráter dúplice ou ambivalente, afigura-se difícil não admitir que a decisão proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade tenha efeitos ou conseqüências diversos daqueles reconhecidos para a ação declaratória de constitucionalidade.

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O Projeto de Lei nº 2.960, de 1997 (PL nº 10/99, no Senado) acentua, no art. 24, o caráter "dúplice" ou "ambivalente" da ação direta de inconstitucionalidade ou da ação declaratória de constitucionalidade, estabelecendo que, proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

No parágrafo único do art. 28 do Projeto, consagra-se que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme à Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Argumenta-se que ao criar a ação declaratória de constitucionalidade de lei federal, estabeleceu o constituinte que a decisão definitiva de mérito nela proferida – incluída aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada – " produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo."

Portanto, afigura-se correta a posição de vozes autorizadas do Supremo Tribunal Federal, como a do Ministro Sepúlveda Pertence, segundo o qual, "quando cabível em tese a ação declaratória de constitucionalidade, a mesma força vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ação direta de inconstitucionalidade. "

Nos termos dessa orientação, a decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo federal haveria de ser dotada de efeito vinculante, tal como ocorre com aquela proferida na ação declaratória de constitucionalidade.

Observe-se, ademais, que se entendermos que o efeito vinculante da decisão está intimamente vinculado à própria natureza da jurisdição constitucional em um dado Estado democrático e à função de guardião da Constituição desempenhada pelo Tribunal, temos de admitir igualmente, que o legislador ordinário não está impedido de atribuir essa proteção processual especial a outras decisões de controvérsias constitucionais proferidas pela Corte.

Em verdade, o efeito vinculante decorre do particular papel político-institucional desempenhado pela Corte ou pelo Tribunal Constitucional, que deve zelar pela observância estrita da Constituição nos processos especiais concebidos para solver determinadas e específicas controvérsias constitucionais.

De certa forma, esse foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal na ADC nº 4, ao reconhecer efeito vinculante à decisão proferida em sede de cautelar, a despeito do silêncio do texto constitucional.


5. Conclusões

- I -

          O efeito vinculante não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. A Emenda Constitucional nº 7, de 1977, previa que "a partir da data da publicação da ementa do acórdão no Diário Oficial da União, a interpretação nele fixada terá força vinculante, implicando sua não-observância negativa de vigência do texto interpretado." O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ao disciplinar a representação interpretativa, no seu art. 187, estabelecia que "a partir da publicação do acórdão, por suas conclusões e ementa, no Diário de Justiça da União, a interpretação nele fixada terá força vinculante para todos os efeitos." Mais recentemente, com a Emenda Constitucional nº 3/93, o próprio texto constitucional estabeleceu que as decisões proferidas em Ação declaratória de constitucionalidade seriam dotadas de efeito vinculante (art. 102, § 2º da CF/88).

          - II -

          No estudo dos elementos do efeito vinculante, emerge a discussão acerca dos limites objetivos e subjetivos deste instituto. A melhor doutrina defende que o efeito vinculante transcende a parte dispositiva da decisão. Assim, os princípios extraídos da parte dispositiva quanto e dos fundamentos determinantes da decisão vinculam todos os tribunais e autoridades administrativas nos casos futuros.
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Sobre o autor
Gilmar Mendes

Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Direito pela Universidade de Münster (Alemanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Gilmar. O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado na Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto,edição de agosto de 1999

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